Por Danilo Assis Clímaco, Inés Olivera e Luis Reyes

Com a queda do então ditador Alberto Fujimori, deposto por levantamentos populares no ano de 2000, a economia peruana cresceu com regularidade, e inclusive a crise de 2008 foi superada com relativa facilidade. Uma destruição territorial sem precedentes através de megaprojetos extrativistas e uma população muito disciplinada no trabalho, explorada nas que talvez sejam as mais longas jornadas laborais no continente, são a base desta constância. Politicamente, aconteceu uma aliança inquietante. A esquerda, que nos anos 80 parecia ser a mais forte do continente, caiu em desgraça por erros próprios e, diminuída, aceitou tacitamente participar nos governos neoliberais, em ministérios de maior contato direto com a população (Educação, Mulher e Desenvolvimento Social, Saúde, etc., sempre longe dos da Economia ou Minas e Energia, onde se tomam as grandes decisões…). Com isso o crescimento econômico foi acompanhado por uma gestão da pobreza razoável, comparável à dos “governos progressistas” nos outros países da América Latina, diminuindo de forma considerável as mazelas da população [*]. Em muitas zonas atingidas pelos megaprojetos há conflitos sociais e resistências importantes da população; no entanto, não há uma expressão nacional de descontentamento e os donos do poder se esforçam para que pareça haver uma acalmia social de 20 anos.

Os primeiros três governos quinquenais no século, de Alejandro Toledo, de Alan García e de Ollanta Humala, foram muito parecidos entre si, contentando-se em “seguir o modelo” que se acreditava estar dando certo. Participaram também em esquemas de corrupção semelhantes e hoje são todos investigados pela Lava-Jato peruana. García se suicidou para não passar meses na prisão, como tiveram de o fazer os outros dois. Alberto Fujimori, condenado por diferentes crimes, está preso há mais de dez anos.

Na disputa pela presidência de 2016, a candidatura favorita para ganhar o primeiro turno era a de Keiko Fujimori, filha biológica e política do ditador, representante de grupos de poder variados, incluindo os de negócios ilícitos (mineração em média escala e narcotráfico) e os que advogam por uma dura repressão às mobilizações antimineiras. Candidaturas menores disputavam o segundo turno, incluindo uma interessante frente de esquerda, que chegou em terceiro lugar. Mas o rival final de Keiko foi Pedro Pablo Kucinski (PPK), ministro de economia de Toledo, também muito apreciado por grupos empresariais, porém muito ligado à racista cidade de Lima e com pouco apoio popular nas zonas andinas. Assim, como mais tarde diria de forma calculadamente racista um de seus ex-assessores, por serem de um entorno com muitas pessoas “brancas”, era necessário encontrar um “provinciano” (termo que poderíamos traduzir por “caipira”, mas que antes de tudo é um eufemismo para indígena), com o qual foi chamado para vice-presidente o ex-governador do estado andino de Moquegua, Martín Vizcarra.

Mas Keiko Fujimori não só saiu vencedora do primeiro turno, como conseguiu a maioria absoluta na câmara única de congressistas (não há distinção entre deputados e senadores no país). No entanto, uma parte do país não admitia a hipótese de uma volta do entorno político do ditador e fez-se uma vitoriosa campanha popular contra a eleição de Keiko. Assim, PPK, o candidato branco das elites, com carisma zero, acabou sendo eleito presidente, para governar não somente com minoria parlamentar, mas com a hostilidade da maioria. E Keiko e seu partido, de forma deliberada, procuraram e conseguiram uma instabilidade permanente em torno do governo, levando-o a uma série de erros — incluindo pactuar um indulto anticonstitucional ao pai de Keiko. À incapacidade de governar se juntaram denúncias de a campanha de PPK ter recebido dinheiro da empresa Odebrecht e, finalmente, não lhe restou outra possibilidade senão renunciar em março de 2018, após 19 meses no cargo.

Assim, o “provinciano” Vizcarra se tornou presidente. Sem sequer ter o apoio da base parlamentar de PPK, sua sina parecia a de ser ciceroneado pela base de Keiko. No entanto, Vizcarra percebeu a crescente impopularidade dos vassalos fujimoristas e passou a combatê-los, recebendo grande apoio popular. Por dois anos resistiu às tentativas de sabotagem de Keiko, muitas vezes com a população na rua (mais para defender-se a si mesma de Keiko do que para apoiar Vizcarra). Desta vez, os erros políticos foram se acumulando do lado da bancada de Keiko, a qual acabou incorrendo em sucessivas manobras ilegais, levando a que Vizcarra tivesse ocasião de (forçando um pouco a lei) dissolver legalmente o congresso e convocar novas eleições para o mesmo, para uma espécie de mandato-tampão de um ano e meio. A população estava profundamente agradecida ao presidente e parecia que ele tinha conseguido a paz até o final de seu mandato, mas o congresso que tomou posse em janeiro deste ano jogaria ainda mais sujo que o anterior.

No novo congresso não houve uma força política clara, nenhum partido conseguiu mais de 20 dos 130 lugares. Porém, a grande maioria devia suas campanhas a diversos setores da lumpen-burguesia nacional, que se sentiam incomodados com os limites que o governo de Vizcarra impunha a suas garras. Também os grandes empresários mineiros, que demandam maior repressão contra as populações que resistem à expropriação de seus territórios, viam com maus olhos o razoável bom senso do presidente “provinciano”, sempre preocupado em evitar conflitos sociais que gerassem mortos. Assim, quando a popularidade do presidente começou a cair pela incompetência de sua resposta à covid, começaram também a pulular nos meios de comunicação associados a estes grupos de poder uma série de denúncias de corrupção contra o mandatário. Em outubro, Manuel Merino, o então presidente do congresso — e encarregado de substituir o presidente caso fosse necessário —, tentou um primeiro impeachment express. Conseguiu os votos necessários para votá-lo no plenário, mas não foi aprovado. Parecia que a aventura golpista teria chegado ao fim, mas na primeira semana de novembro teve lugar uma operação coordenada entre os diferentes meios de comunicação, claramente associados às lumpen-burguesias, para minar a imagem de Vizcarra. Uma combinação de três depoimentos de trabalhadores de uma empresa colocavam Vizcarra como receptor de verbas ilegais, enquanto trechos de conversas de WhatsApp o comprovariam. Nesse fim de semana somente se falou sobre isso nos jornais e na noite de segunda-feira, 9 de novembro, o impeachment express se consumou.

A grande maioria da população não acredita na inocência de Vizcarra, mas entendia que ele era uma garantia de eleições justas dentro de seis meses. Já o novo presidente e seu entorno eram vistos como o que realmente são: um conjunto de políticos do baixo clero à procura de satisfazer os desejos de lucro imediatos de seus patrocinadores, os quais dificilmente seriam realizados por um governo eleito democraticamente. Além do mais, um processo de desarticulação da luta contra a corrupção do poder judicial (não tão parcelizado como o brasileiro) estava em jogo.

No mesmo dia 9 de novembro iniciaram-se mobilizações através de panelaços e de convocatórias espontâneas nas redes sociais para uma marcha na próxima tarde. Na terça-feira, já com Manuel Merino como presidente, um heteróclito grupo de manifestantes que se encontrava no centro de Lima foi recebido por uma torrente de balas de borracha, gás lacrimogêneo, empurrões, murros, detenções arbitrárias e “água” lançada pelos roca-bus anti-desordem. Era o início da repressão. Houve manifestações em outros bairros da capital e também em outras cidades do país. Ainda que heterogêneas, as mobilizações compartiam uma profunda indignação contra o governo, mas também contra figuras políticas que ousavam assistir: “Não queremos nenhum partido político”, “A única bandeira que defendemos é a peruana”, “Fora políticos oportunistas” foram algumas das frases repetidas por manifestantes. No entanto, enquanto os protestos se multiplicavam a cada noite, a repressão e a violência policial se intensificavam, principalmente no centro de Lima. As balas de borracha se converteram em balas de vidro e chumbo, os empurrões e murros em golpes de cassetetes e os gases lacrimogêneos miravam agora na cara e na cabeça dos manifestantes. Os ternas (policiais encobertos) passaram a espancar e sequestrar jovens manifestantes. Além disso, a polícia bloqueou a internet em todo o centro de Lima, apagou as luzes e colocou tanques e helicópteros para amedrontar.

A escalada no número de manifestações e no nível de repressão policial teve seu clímax na noite de sábado, 14 de novembro, em que dezenas de milhares de pessoas saíram a protestar, simultaneamente, em diferentes lugares de Lima e do país. Desde o meio dia foram marcadas passeatas pela população em diferentes bairros, muitas delas chegaram algumas horas depois ao Centro. Era notável ver crianças, velhos e pessoas de todos os setores, em todos os bairros, caminhando ou apoiando as passeatas desde as casas e prédios com panelaços. Nunca tínhamos visto nada parecido nesta cidade. Mas foi no Centro de Lima, especificamente na zona resguardada pelo comandante Luis Castañeda Urbina, em que a violência policial chegou a níveis inauditos. A imoderada repressão resultou nos assassinatos, ocasionados por uma dezena de balas de chumbo e vidro nas cabeças e nas costas, de Inti Sotelo (24) e Bryan Pintado (22), e nos sequestros e torturas de mais de 100 manifestantes; alguns deles, como Luis Fernando Araujo e Edwar Nicándor, somente foram soltos três dias depois, sem sequer terem recebido comida. Outras centenas de manifestantes foram feridos. Dada a gravidade destes crimes — cometidos com frequência contra populações indígenas e camponesas mobilizadas contra o neoextrativismo, mas há muito não cometidos em Lima — e para não serem processados como responsáveis solidários das violações de direitos, todos os ministros do gabinete Merino renunciaram na mesma noite de sábado. Ao redor do meio dia de domingo, Merino também teve de fazê-lo.

Entre a madrugada de sábado e a manhã de domingo, diferentes setores da sociedade peruana chegaram à conclusão de que havia somente uma saída minimamente constitucional: obrigar à renúncia do presidente Manuel Merino e à eleição, pelo próprio congresso, de um presidente entre um dos congressistas que tinha votado contra o impeachment express. Acuado em um processo mais do que tragicômico, patético-estapafúrdico (vejam o apêndice) acabou-se por escolher como novo presidente Francisco Sagasti, um representante de um partido de centro-direita.

Mas a juventude continua na rua exigindo justiça para Inti e Bryan, uma reforma policial profunda, a derrogação da constituição fujimorista de 1993 e o estabelecimento de uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova carta magna. Estão muito antenados com outros movimentos estudantis da região e não somente acreditam em uma luta horizontal, como estão conscientes de que isso entranha certa ilusão, sendo necessário fortalecer-se de outras formas para não repetir erros dos movimentos juvenis deste século. O exemplo e o diálogo com a juventude chilena parecem ser importantes. Segundo dizem em seus cantos e discursos, seguirão na rua e em pé de luta até, como disse Jacinta Francisco, a dignidade virar costume e, acrescentaríamos, que o poder seja do povo.

O contexto político imediato é pouco previsível e marcado pelas eleições de abril. Os grupos econômicos e políticos que motivaram o Golpe tentarão de diferentes formas emplacar um candidato que se apresente como moderado, mas esteja comprometido com um capitalismo selvagem. A direita moderada tentará emplacar um projeto “republicano” que, no entanto, não poderá levar à prática, pois nunca logrou uma independência suficiente da lumpen-burguesia. A esquerda moderada, principalmente ao redor da candidata Verónica Mendoza (terceiro lugar nas eleições presidenciais de 2016, quando liderou a hoje extinta frente de esquerdas), também é difícil que ofereça um projeto de país realmente alternativo ao dos últimos 20 anos. A saída mais à esquerda é a de que os jovens de hoje se aliem às lutas indígenas e camponesas e às lutas feministas e se inicie um processo global e plural de fortalecimento da rebeldia. Processos como estes são longos e sinuosos, mas não parece haver alternativa mais otimista.

Apêndice: quando os golpistas escolheram uma feminista, esquerdista incorruptível, como presidenta do país

Uma vez que o golpista-mor Manuel Meriano “foi renunciado”, ao meio-dia do domingo, dia 10 de novembro, o Peru passou da tragédia à tragicomédia ou, mais exatamente, ao drama-estapafúrdico, confirmando García Márquez uma vez mais: na América Latina a realidade sempre supera a ficção. O congresso — humilhado pelas ruas, pressionado inclusive pelos poderes econômicos que tinham insuflado o golpismo, temerosos de que os protestos saíssem ainda mais do controle — se reuniu na tarde deste dia com a missão imposta de dar um presidente ao país naquela mesma noite.

Os requisitos exigidos por diferentes setores da sociedade para este presidente não eram muitos: deveria ser alguém que votou contra o Golpe, não deveria estar respondendo a nenhum processo judicial e deveria ser uma pessoa íntegra, capaz de não impor uma agenda própria, mas assumir um governo de consenso, consciente de seu caráter transitório, sem impor mudanças drásticas ao neoliberalismo econômico.

Francisco Sagasti, de centro-direita, por ser um homem dialogante, septuagenário, com uma trajetória política sem escândalos, parecia ser o nome idôneo. Mas o congresso o vetou veementemente, por uma singela razão: o presidente de seu partido é um importante candidato à presidência nas eleições de 2021 e temiam que ter um presidente interino de seu partido no governo facilitaria sua vitória.

A escolha então recaiu em Rocío Silva Santisteban, poeta, feminista, doutora em literatura, advogada, pesquisadora, professora universitária, ecologista, aguerrida defensora de mulheres e homens que se encontram contra os projetos extrativistas, e também absolutamente incorruptível e íntegra, vista inclusive pelos inclassificáveis golpistas como alguém que cumpriria sua palavra de guiar o governo de consenso até a posse do novo presidente em julho próximo.

Era algo assim como se o Centrão do Eduardo Cunha tivesse sido obrigado a escolher um presidente do Brasil para colocar no lugar do Temer e, no lugar de optar por alguém do PSDB por achar que ajudaria o Geraldo Alckmin, escolhesse o Jean Wyllys. Era esse o nível de estupefacção que tínhamos no Peru naquela tarde de domingo.

E havia alegria, não podemos negar! Sabíamos que Rocío seria vítima de enormes pressões e que seu governo poderia inclusive trazer ainda mais confusão à fragmentada esquerda peruana. Mas sabíamos que com ela estaria representada a dignidade peruana, das mulheres em particular. Uma mulher que defende o aborto em quaisquer circunstâncias, que escreveu sobre os orgasmos que sentia nas manhãs quando grávida pelos movimentos que fazia sua filha em seu ventre, que comandou as lutas contra Keiko Fujimori já em 2011 quando era a máxima representante da Comissão Nacional de Direitos Humanos e lidava diariamente com as vítimas da ditadura… Seriam inumeráveis os exemplos de suas múltiplas virtudes. A Dignidade estaria na presidência e ela se transformaria em um referente feminista para toda América Latina.

Mas os setores econômicos e conservadores também entenderam isso. Após a sessão do congresso que colocou Rocío Silva como candidata de consenso para a presidência, houve um intervalo de duas horas para que ocorresse a votação que referendasse formalmente a primeira presidenta do país. Mas havia um intervalo entre uma sessão e outra. O que aconteceu neste lapso de tempo, não poderemos comprovar, mas o sabemos: grupos econômicos e conservadores de diferente ordem começaram a se comunicar diretamente com as e os congressistas para que votassem contra Rocío. Nas redes sociais, ela era apresentada como defensora de terroristas, “aborteira”, seguidora do Sendero Luminoso… Assim, no início da noite, o congresso votou contra sua própria lista de consenso, recebendo Rocío somente 44 votos dos 66 necessários. O Peru foi dormir sem presidência, expandindo a instabilidade.

No dia seguinte, uma vez mais humilhados, os congressistas aceitaram o inicialmente mais factível, que Francisco Sagasti fosse o presidente. Sem dúvida, uma pessoa decente, mas comprometida com “o modelo” de neoliberalismo peruano. A presidência de Rocío seria um enigma, talvez não a deixassem governar, mas talvez sua forma de ser franca, juvenil, despreocupada levasse a que ela tivesse uma relação muito positiva com a população, sendo um elemento inspirador nas articulações dos movimentos sociais no país.

Em todo caso, é importante fechar esta nota lembrando que Rocío Silva e sua companheira de lutas há anos, Mirtha Vásquez, se transformaram nos maiores referentes da esquerda durante este período de crise. Ambas se negaram — contra a indicação de seu partido, realmente inocente útil — a aprovar o impeachment express, defendendo o direito de Vizcarra a ter um julgamento justo. Após a consumação do Golpe, saíram às ruas para apoiar à população, visitaram as delegacias para procurar os jovens sequestrados, denunciaram todos os envolvidos no processo. Depois da renúncia de Merino, foram as políticas com maior capacidade de defender os interesses das pessoas dentro do congresso. É interessante que nenhuma das duas seja política por convicção e tenham aceitado entrar nestas eleições somente porque o mandato era curto, de um ano e meio. Incorporam a politicidade feminista que está nas ruas da América Latina, assim como a das mulheres camponesas e indígenas que lutam pela terra e a água.

Inés Olivera é doutora em antropologia pela Universidad Nacional Autónoma de México. Danilo Assis Clímaco e Luis Reyes são profesores da Escuela de Antropología na Universidad Nacional Mayor de San Marcos.

Nota

[*] Para esta relação entre esquerda e neoliberalismo, ver Quijano, Aníbal. “El fujimorismo del gobierno de Alejandro Toledo”. Em: Santiago: Archivo Chile, CEME, 2001, aqui. Como notou Raúl Zibechi, o decrescimento da pobreza nestes últimos 20 anos no Peru significa uma profunda afronta às narrativas dos governos progressistas na região: se um país que não questionou sequer simbolicamente o neoliberalismo conseguiu uma importante redução da pobreza, quais seriam as diferenças significativa dos governos progressistas na América Latina?

2 COMENTÁRIOS

  1. Um artigo publicado ontem no El País (https://elpais.com/economia/2020-12-04/la-crisis-politica-en-peru-pone-a-prueba-la-inmunidad-de-la-economia.html) traz um quadro geral, a meu ver, nada animador e que destoa bastante do artigo acima.

    O artigo do El País gira em torno do fato de que no passado o Peru conseguia sustentar o crescimento econômico apesar das eventuais instabilidades políticas, o que não parece mais possível, pois agora as instabilidades políticas contribuem para bloquear o crescimento econômico, e se a política corre o risco de ser percebida como o principal entrave à economia, ela pode acabar sendo considerada também – perigosamente – a única solução para os problemas econômicos.

    É nesse sentido, aliás, que vai o raciocínio dos especialistas citados no artigo do El País, que argumentam que o Peru não poderá superar a crise atual sem que o Estado assuma uma postura mais intervencionista e dirigista no plano econômico, o que tem sido dificultado, porém, pela corrupção estrutural naquele país, num nível tal que inviabiliza a execução de orçamentos concebidos pelos gestores para estimular a economia e atenuar a pobreza.

    Por outro lado ainda, os protestos de rua têm fugido ao controle do governo e sido, claro, reprimidos com muita violência, tornando a face policial e truculenta do Estado peruano – em plena democracia liberal – a sua face mais visível. Por fim, vêm as esquerdas, politicamente fragmentadas e em crise, e o artigo acima não apresenta dados mais animadores sobre greves ou outras formas de resistência no âmbito das relações de trabalho.

    Tudo isso me faz desconfiar bastante da perspectiva geral de otimismo expressa pelos autores. É preciso apoiar sempre, claro, as movimentações dos trabalhadores, mas sem perder de vista uma análise mais objetiva dos desafios.

  2. Carao Fagner Enrique,

    Obrigado pelo comentário. Como um dos autores do artigo, não posso deixar de estranhar que você o tenha encontrado otimista. Reamente houve naqueles dias em que o escrevíamos, uma alegria por termos visto a população se rebelar contra um ditador mesquinho, um político do baixo clero. A rebeldia, se bem atribuída a jovens, foi obra de diferentes setores populares (e de classes médias) em todo o país, mediante manifestações certamente voluntariosas, mas com pouca capacidade de perdurarem. Acho que isso foi o que quisemos dizer no último parágrafo prévio ao anexo, o qual concluimos com “A saída mais à esquerda é a de que os jovens de hoje se aliem às lutas indígenas e camponesas e às lutas feministas e se inicie um processo global e plural de fortalecimento da rebeldia. Processos como estes são longos e sinuosos, mas não parece haver alternativa mais otimista”. Em termos concretos, o mais provável é o aprofundamento da crise e um empobrecimento da população. Porém, a luta no campo, especialmente contra o megaextrativismo, é forte ainda que dispersa entre sí, mas não é possível deixar de observar ser ao menos hipoteticamente possível, ainda que difícil, uma aproximação entra esta e a dos grupos que tiraram Merino, especialmente os jovens. Caso isto acontecesse, poderia haver uma grande reviravolta. Quanto movimentos sindicais urbanos, como você observou, realmente não os há e é isto é dificulta uma frente popular mais possante (nas manifestações contra Keiko em 2011 os sindicatos urbanos foram muito importantes).

    Um abraço

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