Dos perigos do ecologismo

Por Aníbal

O debate sobre questões atreladas à ecologia, pouco a pouco, se endossa no âmbito das redes sociais novamente. Na última retomada dessa temática, a maior atenção está voltada à pauta de direitos dos animais, com ênfase à utilização dos mesmos em testes de cosméticos, fármacos e produtos de higiene. O assunto veio à tona após a divulgação de um curta-metragem norte americano [1], lançado mundialmente em abril e que se destinava à discussão de tal temática.

O interesse que persigo nas próximas linhas, todavia, não se emerge à busca de resumir ou resenhar tal produção, tampouco à elaboração de um posicionamento favorável ou desfavorável à utilização de animais em testes. O que tento fazer, aqui, é pensar sobre alguns posicionamentos que — quase inevitavelmente — surgem quando o debate ecológico é proposto.

Os imbróglios atrelados ao debate ecológico iniciam-se num resgate e adaptação pueril da referência mítica ao bom selvagem. Na mesma medida em que as linhas de tal história expressavam um descontentamento em relação à sociedade civil [2], encarregando-lhe de representar o estopim de toda a paupérie que corrompia ao homem bom, harmônico, puro e inocente e lhe guiava rumo à malignidade, as vozes que compõem o refrão aos debates ecológicos apontam a existência de uma natureza que existe em venustidade, imponência, benignidade. Nesse cenário, convivem plantas, animais, e até pedras. Todos em completa elegância, sem qualquer rastro de padecimentos. Todavia, surge a figura do ser humano, imagem diabólica, corrupta e parasitária.

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Essa crença na representação mefistofélica do homem adensa-se ainda mais quando são divulgados dados atrelados a catástrofes ambientais, como o próprio aquecimento global. As estimativas apontam para um colapso por volta de 2050. Segundo alguns pesquisadores que debruçam-se à interpretação das questões ambientais, nos próximos anos, as temperaturas subirão cada vez mais, as chuvas diminuirão em cerca de 10%, e esses processos, unidos, serão responsáveis por uma gradatividade no derretimento do gelo no Ártico. Esse processo, por sua vez, afetaria a Amazônia, que perderia metade de sua área — e, logo, grande parcela de sua variedade animal e vegetal [3].

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Em março de 2019, registrou-se a ocorrência de tiroteios em várias mesquitas na cidade de Christchurch, situada na Nova Zelândia. Nesse dia, estima-se que Brenton Tarrant, o atirador, tenha matado em torno de 51 pessoas — e deixado mais de 40 feridas. Antes da realização do ataque, Tarrant divulgou uma carta com 74 páginas em fóruns virtuais de orientação de extrema-direita. O atirador também enviou o texto à primeira-ministra da Nova Zelândia. O texto fazia menção a autores da extrema-direita e a nomes como Renaud Camus — um romancista francês, membro “National Council of European Resistance”, criador da chamada “Grande Substituição” — teoria que legitima a perseguição a imigrantes — e defensor da supremacia branca. Em um determinado trecho, o atirador põe:

“Eu me considero um ecofascista. Imigração e aquecimento global são dois lados do mesmo problema. O meio ambiente é destruído pela superpopulação, e nós, os europeus, somos os únicos a não contribuir para a superpopulação. Temos que matar os invasores, matar a superpopulação e, assim, salvar o meio ambiente” [4].

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Meses depois, em agosto, decorreu um episódio similar, no Texas. Patrick Crusius abre fogo em um supermercado frequentado, sobretudo, por hispânicos. Crusius matou 22 pessoas nesse dia, e feriu cerca de 26. O atirador, antes do ato, deixou uma carta no mesmo fórum que Tarrant, onde, em certa parte, afirmava:

“O estilo de vida americano está destruindo nosso meio ambiente. Isso cria uma dívida enorme para as gerações futuras. O governo não está fazendo nada porque é prisioneiro dos grandes negócios. As grandes empresas gostam de imigração. Eu gosto das pessoas deste país, mas elas são muito teimosas para mudar seu modo de vida. Portanto, o próximo passo lógico é reduzir o número de pessoas nos EUA que usam nossos recursos. Se nos livrarmos de pessoas suficientes, nosso estilo de vida pode ser mais sustentável”.

Ambos ataques e ambas cartas compartilham de semelhanças, expressas no ódio aos imigrantes — no caso da Nova Zelândia, aos árabes, e, no caso do Texas, aos hispânicos —, numa espécie de reivindicação à mentalidade malthusiana, defensora do extermínio de uma parcela populacional em defesa de uma maior duração de recursos naturais, e, por fim, no resgate da crença na representação gaudéria do homem, como deturpador do meio ambiente, abrindo espaço à necessidade de seu expurgo.

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Em 2021, mais especificamente no fim de Março, a atriz, cantora, empresária — e, curiosamente, apontada como “filantropa” quando pesquisamos seu nome em sites de busca —, Xuxa Meneghel, em uma live que tratava dos Direitos dos Animais, transmitida pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeira (ALERJ), criticou a utilização de animais em testes de medicamentos, defendendo a utilização da população carcerária para este fim [5]:

“Eu tenho um pensamento que pode parecer desumano. Na minha opinião, acho que existem muitas pessoas que fizeram muitas coisas erradas e estão aí pagando os seus erros para sempre em prisão que poderiam ajudar nesses casos para experimentos […] Aí vai vir o pessoal que é dos direitos humanos e dizer: ‘Não, eles não podem ser usados’. Se são pessoas que já está provado que vão viver 60 anos na cadeia e morrer lá, acho que poderiam usar um pouco da vida deles pelo menos para ajudar algumas pessoas provando remédios, vacinas, provando tudo nessas pessoas para ver se funciona. […] Essa é a minha opinião. Já que vai ter que morrer na cadeia, que pelo menos sirva para ajudar em alguma coisa…” [6].

Não é demandada tanta reflexão para se visualizar a problemática que cerceia as palavras proferidas por Xuxa. Após a repercussão das mesmas, a “filantropa” fez um pedido de desculpas no Twitter. Entretanto, uma grande parcela dos comentários na publicação ou em notícias que se referiam à mesma portavam-se de maneira favorável à utilização da população carcerária para testes de medicamentos e demais produtos.

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Concomitantemente, com o retorno do debate sobre o uso de animais em testes, suscitado pelo curta-metragem supracitado, muitas pessoas se comoveram com a conjunção à qual os mesmos são expostos, propondo “alternativas” que resolvessem tal problemática. Grande parte das mesmas adentrava-se à mesma opinião de Xuxa Meneghel, pleiteando que os testes fossem feitos na população carcerária.

Essa ideia tem semelhanças fortes com aquelas propagadas pelos atiradores da Nova Zelândia e do Texas. Para além de uma “defesa” ao meio ambiente, há uma certa atribuição da pena aos que são considerados verdadeiros culpados pela degradação do mundo: os humanos, mas, sobretudo, aqueles que sejam de grupos socialmente marginalizados. No caso dos atiradores, seriam os imigrantes. No caso de Xuxa — e todos aqueles que se apegam à defesa de testes de produtos na população carcerária — jovens negros, com um recorte etário de 18 a 24 anos, detidos, em sua maioria, por delitos contra o patrimônio, semialfabetizados, e que, antes da detenção, eram desempregados ou subempregados [7].

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Ao mesmo tempo, uma outra nuance desse pensamento é revelada com a própria pandemia da COVID-19. Ainda no início da mesma, em 2020, uma digital influencer holandesa, Doutzen Kroes, em suas redes sociais, publicou “Obrigado, Coronavírus, por nos fazer mais humanos e dar um respiro para a Terra”. Ao mesmo tempo, no Brasil, outra influenciadora, Gabriela Pugliese, publicou: “A epidemia está sendo algo invisível que chegou e colocou tudo no lugar. De repente os combustíveis baixaram, a poluição baixou…”.

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Em cerca de um ano de pandemia, alcançou-se mais de 150 milhões de casos de COVID-19, com mais de 3 milhões de mortes no mundo. Desses mais de 3 milhões de mortes, 400 mil foram no Brasil — desconsiderando, aqui, o número exorbitante de mortes por “síndrome respiratória”, COVID-19 subnotificada. As mortes por COVID-19 também atingem a um padrão de indivíduos, representados por homens pobres, negros, com cerca de 50 anos, residentes de regiões à margem dos centros urbanos, sem escolaridade e de classes sociais desprivilegiadas. Esse perfil integra, também, a maior parcela das subnotificações, posto que são aqueles que também mais morrem por síndrome respiratória [8]. Entretanto, na contramão de entender a gravidade da situação, parte das vozes que se pronunciam a respeito, levam a pandemia à categoria ecológica, como um “detox” à Terra. Na mesma medida, dentro do contexto de pandemia, circulam, virtualmente, diversas artes e frases que entendem “os humanos como o vírus” e “a pandemia como a cura”.

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Essas ideias propagadas por tantas figuras, em diferentes níveis e de distintas maneiras, que foram aqui descritas, obedecem a uma ideologia chamada de “ecofascismo”.

Nenhum pensador realmente sistematizou as ideias ecofascistas em uma obra que inspirasse outras pessoas a lhe seguir. Tampouco houve, na história do mundo, um regime intitulado como “ecofascista”. O que há é a circulação dessas ideias em diferentes contextos — temporais, espaciais ou circunstanciais.

Os primeiros registros são apontados em 1970, a partir de um renascimento dos ideais neomalthusianos, expressos por Paul Ehrlich, biólogo alemão, na obra “The population bomb”, de 1968 [9]. Nessa obra, Ehrlich defendia que a população mundial cresceria exponencialmente, levando à insegurança alimentar. A “solução” proposta pelo autor girava em torno de uma esterilização em massa nos países que enfrentassem a escassez de alimentos.

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Paralelamente, surgiram os defensores do ecologismo profundo, ou deep ecologists, a partir ideia de Arne Naess, que promovia o “biocentrismo’’, teoria que rechaça os seres humanos de uma “posição centralizadora”, substituindo-lhes por todas as outras formas de vida. O surgimento do biocentrismo se concretiza em contraposição ao antropocentrismo. Enquanto o último defendia uma certa responsabilidade que os indivíduos deveriam ter em relação à natureza, os biocentristas defendiam que os humanos têm deveres a serem cumpridos em relação à mesma. Essas ideias foram fonte de inspiração para ideais de preservação de uma natureza ainda intocada a nível extremo, favorecendo a realocação — e até morte — de indivíduos que possam ter contato com a mesma.

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Alicerçado nisso, tem-se que, muito embora os ideais extremos fundamentados num discurso ecológico tenha surgido no século passado, tais ideias continuam existindo e se reverberando de maneira robusta e sob novas faces. O ódio à população carcerária e a visão da pandemia da COVID-19 como algo benevolente são rearticulações de uma ideia que se inicia na utopia de uma convivência plenamente harmônica com o meio ambiente e se desdobra em ações de alusão totalitarista e hostil.

Notas

[1] Save Ralph – A short film by Taika Waititi. Humane Society International, 2021.
[2] BERNARDO, João; GILLIS, William; TAIBO, Carlos. Ecofascismo: uma coletânea. S.l.: Subta, 2019.
[3] RIVERA, Alicia. A Terra, mudanças profundas em 2050. El País, 21 maio 2014.
[4] LE MONDE. L’écofascisme veut « sauver les abeilles, pas les réfugiés ». Le Monde, 4 out. 2019.
[5] PASSA PALAVRA. Veganismo penal. Passa Palavra, 31 mar. 2021.
[6] F5. Xuxa sugere usar presos para testes de remédios: ‘Que sirvam para alguma coisa’. Folha de S.Paulo, 26 mar. 2021.
[7] MONTEIRO, Felipe Mattos; CARDOSO, Gabriela Ribeiro. A seletividade do sistema prisional brasileiro e o perfil da população carcerária: Um debate oportuno. Civitas, v. 13, n. 1, p. 93-117, abr. 2013.
[8] ESCOBAR, Ana Lúcia; RODRIGUEZ, Tomás Daniel Menéndez; MONTEIRO, Janne Cavalcante. Letalidade e características dos óbitos por COVID-19 em Rondônia: estudo observacional. Epidemiologia e Serviços de Saúde [preprint] , 2020.
[9] MANN, Charles C. The book that incited a worldwide fear of overpopulation: ‘The Population Bomb’ made dire predictions—and triggered a wave of repression around the world. Smithsonian Magazine, jan./fev. 2018.

 

As artes que ilustram o texto são da autoria de Victor Brauner (1903-1966)

13 COMENTÁRIOS

  1. Só acho que misturar pensamento ambientalista ou ecologista com direitos dos animais é misturar alhos com bugalhos.

    O ecologista em geral quer salvar espécies “selvagens” ou em extinção. A questão é a espécie e não o indivíduo.

    Já os ativistas pelos direitos dos animais estão preocupados com indivíduos e não com espécies. Trata-se de evitar sofrimento de indivíduos. São em geral anti-especistas, justamente porque o que importa não é espécie em si. As falas de Xuxa talvez apresentem um especismo “reverso” (na verdade um visão classista). Uma fala nazista, sem tirar nem por, e ignorante pois a pena máxima no Brasil é 30 anos de cadeia.

    Embora muitos ativistas pelos direitos dos animais possam ser ecologistas ou simpáticos a alguma vertente ambiental, o mesmo pode ser dito de defensores dos direitos humanos e dos esquerdistas em geral.

    Um coelho ou um macaco são defendidos por defensores dos direitos dos animais para não se tornarem cobaia, não por serem parte de uma natureza ou de um ecossistema, mas por serem seres que sofrem e têm consciência de si mesmo de modo semelhante aos seres humanos. Por isso não dá pra misturar direitos dos animais com ecologismo. É outra lógica que opera.

  2. Recomendo ao Leo Vinicius ler o livro “A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homem”, de Luc Ferry (Rio de Janeiro: DIFEL, 2009). Verá que, em vez de “misturar alhos com bugalhos”, tratar conjuntamente a questão dos direitos dos animais e outros temas da ecologia é esclarecedor: uma coisa ajuda a esclarecer a outra.

  3. Leo V,
    Recomendo também que dê uma olhada em algumas pesquisas sobre botânica e sobre inteligência no mundo vegetal. Sim, é isso mesmo: inteligência no mundo vegetal. Pois as plantas, assim como quaisquer seres vivos, possuem consciência de sua própria existência e consciência daquilo que está ao seu redor. Nesse sentido, as plantas são perfeitamente sencientes.

    Essa senciência inclusive se expressa no fato de as plantas possuírem mecanismos de defesa muito sofisticados. Ora, como elas são vidas estacionárias, isto é, que ficam “paradas” em um determinado lugar (o que não é exatamente verdade, já que elas se movimentam e espalham suas raízes por aí), elas não podem correr, gritar ou morder. Tendo consciência disso, elas foram capazes de desenvolver venenos que ou desencorajam que predadores as comam, ou os deixa tão doentes a ponto de matá-los. Vários já ouviram falar no glúten e que ele faz mal (o que é verdade), mas o que se fala pouco é que o glúten é uma proteína estranha para vários animais (inclusive o humano) e que age como um mecanismo de defesa da planta pra desencorajar seu consumo, e é por isso que tanta gente é intolerante ao glúten. Isso sem falar em fitoestrógenos, que são substâncias criadas pra deixar pequenos animais (como insetos) inférteis, e que em seres humanos pode vir a comprometer a fertilidade (a planta não quer que seu predador se reproduza). Tudo isso pra dizer que o princípio “seres que sofrem e têm consciência de si mesmo de modo semelhante aos seres humanos” se aplica de maneira igual às plantas, e aliás a todos os seres vivos, do contrário a Terra não teria uma diversidade tão grande de espécies dos mais diferentes reinos, pois nenhum teria sobrevivido ao ataque de predadores. A lista é longa: oxalatos, fitatos, lecitinas, além dos vários venenos produzidos por certas plantas que, se comidas, podem levar o sujeito direto pro hospital (ou pro necrotério).

    Mas não pense que essa discussão não existe no meio da área das humanas, pois já tem gente por aí discutindo essa questão de um ponto de vista filosófico, e nesse sentido eu aponto para um artigo de Michael Marder (ver referências) que discute a questão da inteligência do reino vegetal de um ponto de vista filosófico. Basicamente, a tese dele é que as plantas possuem sua própria maneira de expressar seu desejo por viver, sua energia vital, como você quiser chamar.

    Além disso, aqueles que defendem os direitos dos animais quase sempre ignoram a morte de milhões de insetos, pequenos roedores (como ratos) e passarinhos nas plantações todos os dias. Isso ocorre porque para impedir que outros (os animais que eu mencionei) comam os vegetais destinados a consumo humano, é preciso se utilizar de pesticidas e diversas outras coisas que matam esses animais aos montes.

    Acredito que todos esses artigos/livros podem ser acessados pelo sci-hub (https://sci-hub.do/) ou library genesis (https://libgen.is/).

    Em suma, os que falam de especismo e direitos dos animais deveriam também falar de reinismo (isto é: o preconceito/discriminação com outros reinos) e em direitos das plantas, bactérias, fungos etc.

    Algumas referências (na verdade recomendo a começar lendo o artigo do Michael Marder e depois buscar as referências que ele usa):
    https://www.amazon.com/Plant-Thinking-Philosophy-Vegetal-Michael-Marder/dp/0231161255
    https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3548850/
    https://www.amazon.com/Plant-Paradox-Dangers-Healthy-Disease/dp/006242713X
    https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/pce.13065
    http://www.bbc.com/earth/story/20170109-plants-can-see-hear-and-smell-and-respond#:~:text=Plants%2C%20according%20to%20Jack%20C,are%20just%20very%20slow%20animals%22.&text=Plants%20fight%20for%20territory%2C%20seek,like%20animals%20%E2%80%93%20they%20exhibit%20behaviour.
    https://www.nature.com/articles/416267a
    https://nph.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/nph.12807
    https://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-94-009-1519-0_14

  4. Já pensaram na violência que envolve o ato de incendiar e tragar a flor de uma plantinha canábica em prol de um curto prazer? Mas não vejo os maconheiros lutando pelos direitos das folhas. Isso a Globo não mostra.

  5. Esta sequência de comentários elucidou-me muito. Se os animais são tão ou mais inteligentes do que os humanos e os vegetais mais inteligentes ainda, nada nos resta senão comer pedra. E o comentário de Joker fez-me recordar um texto jocoso que publiquei em Junho de 2015 no blog Vias de Facto. Copio aqui:

    «ESTACIONAMENTO VEGETAL

    Em nome da protecção aos animais tem havido muitas pessoas, e em número crescente, que apelam para o genocídio dos vegetais. Apresentam-se com orgulho sob o título de vegetarianos e pretendem estar na vanguarda dos bons sentimentos, quando na realidade se divertem a sacrificar os mais débeis de entre nós, aqueles que não podem fugir.

    Para cúmulo do sarcasmo, essa gente funda movimentos. Movimento dos direitos dos animais, movimento de defesa dos cães, movimento de protecção aos caracóis, movimento disto e mais daquilo, quando na verdade a própria noção de movimento carrega consigo toda a agressividade e petulância do reino animal.

    Por isso nós, os defensores dos vegetais, decidimos fundar não um movimento mas um estacionamento. Um estacionamento porque pretendemos aprender com os vegetais a ter raízes. Pretendemos aprender com as flores a fazer amor à distância e sem sair do lugar, soprando o nosso pólen. Pretendemos aprender com as árvores a lançar a sombra em nosso redor, sem a impor mais longe. O estacionamento vegetal é uma escola de respeito pela tradição e de respeito mútuo. Por isso o estacionamento vegetal corresponde ao leque de ambições do multiculturalismo.

    Chegou a hora de dizermos: Basta! Chegou a hora de pôr fim às atrocidades de um reino animal que, directa ou indirectamente, sustenta o seu parasitismo à custa dos vegetais. Numa primeira fase, trata-se de eliminar os animais que se alimentam de vegetais. Numa segunda fase, bastarão os animais carnívoros para resolver o resto do problema.

    Vivam as saladas!

    Estacionamento Vegetal»

  6. Geralmente, os amantes desta variante ecologista dedicada à protecção dos animais esquecem-se da superior inteligência dos vegetais e não os nomeia entre os seus protegidos. Não sei se a sua incapacidade de se alimentarem de pedras, como foi sugerido, e poderem existir, foi o que os conduziu à máxima crueldade, tornando-se vegetarianos (vegan, na versão moderna mais sofisticada), sacrificando assim essa parte dos seus protegidos incluídos na Natureza.

    Mas ela nem se dá conta desse seu ridículo e até cria partidos políticos para actuarem como porta-vozes dos interesses dos animais e da Natureza. Em Portugal, por exemplo, criaram o PAN, inicialmente designado Partido Animais e Natureza, já com representação parlamentar nacional (que de um deputado passou para uns três ou quatro) e no parlamento europeu. Aperceberam-se de uma pequeníssima parte do ridículo, que lhes apontavam por não nomearem a classe superior dos animais, a que pertencem, e na passagem da primeira legislatura alteraram o nome do partido para Pessoas, Animais e Natureza (PAN, na mesma).

    É caso para dizer-se: se o ridículo pagasse imposto, esta gente estaria falida. Mas não é o caso e, como se vê, prospera. Resta saber como irá desenvencilhar-se do imbróglio. Talvez expurgando a “sopa de pedra” (um prato típico português) dos ingredientes não minerais. É um caminho…

  7. Esse mesmo pressuposto de uma desejada harmonia entre homem e natureza está presente nas franjas de grupos de extrema esquerda que defendem hoje a ruralização da economia e o retorno ao campo.
    São os neoruralistas.

    A ideia do bom camponês vivendo em harmonia com a natureza, cultivando alimentos ‘saudáveis’ em esquemas de agroflorestas contra o mau agronegócio, destruidor do bioma e produtor de commodities habita a mentalidade destes camaradas.

    Em outro comentário, defenderam aqui que produtividade é um conceito burguês e indesejado, já que os neoruralistas estariam a produzir apenas valores de uso.

    Ecologia pode ser usada pra muita coisa.

  8. Antonio de Odilon Brito e demais comentadores que repetiram algo parecido fugindo da questão,

    Sim, já ouvi falar das pesquisas que apontam que os vegetais tem algum tipo de “sistema nervoso”, algum nível de “sentimento” etc. Mas o que isso tem a ver com a discussão de não misturar direitos dos animais com ecologismo?

    A discussão aqui não é sobre a validade da defesa dos direitos dos animais. Dizer que não se deve confundir islamismo com cristianismo não é argumentar em defesa do islamismo nem do cristianismo. Embora eu seja contra experiências com animais não humanos, contra a industria da carne etc.

    Fagner Henrique,

    Não li o livro que você sugere. Li apenas uma sinopse agora, que não me diz muita coisa. Não sei se no livro ele trata de direitos dos animais como indivíduos sencientes, que é a base da defesa dos direitos dos animais hoje em dia, e implícita na atuação da Xuxa citada no artigo.
    Agora, você simplesmente lançar um livro com título “A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homem” para querer dizer que ecologia tem a ver com direitos dos animais, então pela lógica você tem que dizer que ecologia tem a ver com direitos do homem também, já que essa espécie aparece no título também.

  9. Leio hoje no Twitter a seguinte pérola: “Consumo de carne no Brasil cai pra menor nível em 25 anos: é o preço que tá alto ou os consumidores que estão mais conscientes?” E há quem diga que o Ministro da Economia Paulo Guedes não fez nada de bom pro Brasil.

  10. O comentário do Joker foi preciso, apesar de ter sido feito em tom de brincadeira. Mas tomando o conteúdo do comentário como sério, o cerne é exatamente esse mesmo. Desde o micro-organismo unicelular mais “simples” até os organismos pluricelulares mais “complexos”, o que vemos é uma constante batalha pela vida: umas formas de vida contra outras e umas em aliança com outras; nesse sentido, a “violência” (para usar um termo que o Joker usou) seria inevitável, e por mais que os vegetarianos se vangloriem de sua superioridade moral, eles no entanto são exatamente iguais a todos os outros reles mortais pelos motivos que eu explicitei ali em cima. É nesse sentido que Nietzsche, com seu conceito de vontade de poder, e Spinoza, com seu conceito de potência de agir, compreendiam a ordem (ou falta de ordem, no caso do primeiro) do todo, do mundo, do universo, como quiser chamar. Nietzsche, inclusive, apesar de ter tecido críticas a Darwin, na verdade foi bastante influenciado pelas pesquisas na área da Biologia evolutiva levadas a cabo pelo inglês. O problema, a meu ver, é que Nietzsche aplica esse lado específico do conceito vontade de poder (um conceito com muitos lados, aplicações possíveis e extremamente multifacetado, como tudo em Nietzsche) para as relações humanas, como se a violência de uns seres humanos contra outros fosse não apenas algo necessário para a construção de uma humanidade mais forte, mas também inevitável (não foi à toa que os fascistas nutriram – e nutrem – tanto apreço por Nietzsche). Nesse sentido, Spinoza me apetece muito mais, visto que ele era, pelo menos na minha interpretação, um democrata.

    Em suma: onde devemos puxar o freio de mão? No ser humano. Quem não devemos matar, quem devemos proteger, quem deve estar no topo das nossas prioridades? O humano. Precisamos construir uma humanidade igualitária e livre, construir relações sociais harmônicas entre seres humanos; o restante das outras vidas podem até ser respeitadas, mas são secundárias. Se entrarmos nessa coisa ridícula de “direitos dos animais” (e eu concordo com JMC que é algo ridículo mesmo, e aliás ri muito com o caso do PAN logo quando li o comentário), então eu sugiro que incluamos também os “direitos das plantas”, pois é o passo lógico. O próximo passo lógico seria falar também em “direito protista”, “direito monera” e “direito fungi”, e assim precisaremos nos limitar a comer apenas pedras, como o João Bernardo bem falou. Aliás, João (e conte comigo para fazer parte do Estacionamento Vegetal!), pensando melhor, nem isso é ético, pois as pedras frequentemente servem como lares para insetos, fungos e formas de vida unicelulares. Por sinal, precisaremos parar de tomar água também, já que tantos micro-organismos as habitam. E além disso, precisaremos também parar de tomar antibióticos, pois isso também é uma forma de violência quando pegamos a lógica por trás do vegetarianismo e a levamos à sua consequência lógica: antibiótico é o mesmo que anti-bio, e bio = vida; o antibiótico é um remédio utilizado pra matar uma vida (ou milhões delas, pra ser mais exato – comete-se um verdadeiro genocídio ao tomar um comprimido de antibiótico!), que no caso é a bactéria ou o fungo. Seria necessário, portanto, deixar que as coitadas das bactérias e dos fungos (que só querem viver, se alimentar) se alimentem do nosso corpo, tomem conta dele e nos matem, oras. Mas ninguém em sã consciência fará uma imbecilidade dessas, e mesmo que o faça, isso mais uma vez reforça a tese da “sua vida depende da morte de outras vidas” que eu elucidei. Vejam quão profunda é a questão depois que a levamos às suas consequências lógicas. (Talvez devêssemos aprender a fazer fotossíntese – é um caminho que deixo como mais uma alternativa, somando àquela oferecida por JMC.)

    Mas ainda sobre os direitos das plantas, dando um google aqui vi algo inusitado, mas que se pararmos pra pensar faz bastante sentido se comprarmos o raciocínio que expus, e a mim particularmente não me espantou nenhum pouco: existe uma página da wikipedia chamada “Plant Rights” (“Direitos das Plantas”), e existem pensadores (incluindo o Michael Marder, que citei lá em cima) realmente discutindo isso: https://en.wikipedia.org/wiki/Plant_rights Aliás, na Suíça já se está discutindo a questão da “dignidade das plantas”, e eu acho que isso é o contraponto lógico a essa questão desse amor todo dedicado a animaizinhos, bichinhos, e todo esse mundo Disney aí que alguns acham ser real: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2634081/ Afinal de contas, há pesquisas apontando que plantas comunicam perigo umas às outras utilizando sua própria forma de sistema nervoso: https://www.sciencemag.org/news/2018/09/plants-communicate-distress-using-their-own-kind-nervous-system#:~:text=Plants%20may%20lack%20brains%2C%20but,the%20same%20signals%20as%20animals

    Sobre o comentário do Joker, algo me veio à mente: restaria saber se a parte da maconha que está sendo queimada é a parte da planta que ela quer que seja comida (o fruto), ou não (o corpo ou a semente). Pois, vejam vocês que interessante, na medida em que as plantas são vidas estacionárias, necessitam de outros meios que não as pernas/patas (que elas não possuem) para espalhar sua prole por aí; e é aí que entra o fruto, que propositadamente possui um gosto doce para atrair animais que eventualmente o comam e engulam junto o bebê da planta, que é a semente. Aliás, na tentativa de proteger sua prole e preservar a continuação de sua espécie, a planta inunda as sementes (seus bebês) com mecanismos protetores, ao ponto de haver alguns profissionais da saúde (por exemplo, https://www.youtube.com/watch?v=DJ57neiSdaA) que recomendam que não se comam grãos, mas essa é uma outra discussão. De qualquer maneira, compreendemos agora a estratégia de deixar o feijão de molho por 12 horas, pois esse processo anula boa parte dos mecanismos de defesa para que nós, cruéis humanos, possamos comer os bebês das coitadas das plantas. É como se a planta estivesse dizendo: “Coma o fruto que eu criei, mas não triture o meu bebê que está lá dentro, pois do contrário você irá se dar mal.” Agora compreendemos como as plantas se aproveitam dos pássaros defecarem por aí tanto suas fezes, como as sementes que não foram digeridas. Enfim, o comentário do Joker não apenas me instigou a reforçar mais ainda meu argumento com mais esse exemplo, como também me incentivou a dizer: Joker, se é violência, depende; se a parte que está sendo queimada é alguma espécie de fruto da maconha, não é violência; se é o “corpo” da planta, é violência sujeita a 10 anos de prisão por homicídio; se é a semente da planta da maconha, é não apenas violência, como também é infanticídio, sujeito ou a prisão perpétua (caso o usuário não tenha consciência de estar cometendo infanticídio), ou pena de morte (caso o usuário tenha consciência). Hahahaha

    Leo V, artigo em questão é sobre ecologismo e a questão dos direitos dos animais foi apenas um dos elementos que surgiram no artigo do Aníbal. Em seu primeiro comentário você disse que não se deveria confundir direitos dos animais com ecologismo, e que os animais que você elencou são “seres que sofrem e têm consciência de si mesmo de modo semelhante aos seres humanos”. O Fagner Enrique recomendou um livro (que eu por sinal irei adquirir) no qual ele disse que haveria ali um argumento que estabeleceria uma conexão entre uma coisa e outra, mas eu, particularmente, embora saiba da existência de ecologistas que frequentemente defendem os direitos dos animais (e vice-versa), não sei se há uma continuação lógica entre uma coisa e outra (acredito que há), pois me falta leitura nesse aspecto específico da ecologia, então não tenho condições de argumentar acerca disso. Mas talvez um caminho seja aquele que eu já tracei: os animais devem ser defendidos dos cruéis humanos, mas também as plantas devem ser defendidas pelos motivos que já elenquei, assim como todos os seres vivos, além das pedras etc etc. Por que isso? Porque a Terra é um “organismo vivo” e são os cruéis humanos que estão a destruí-la. Portanto, não modifiquemos a natureza de maneira alguma e a deixemos a mais intacta possível, afinal de contas seríamos uma praga. E assim, dos direitos dos animais e do direito de todas as vidas a viverem, chegamos à questão ecológica. Não sei se o argumento presente no livro “A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homem” recomendado por Fagner Enrique é esse, mas tive este insight e resolvi compartilhá-lo.

  11. Antonio,

    Os que fumam (eu não o faço pois reivindico o Estacionamento Vegetal) fumam a flor {onde reside o Tetrahidrocanabinol (THC)}, ao contrário do que pensam não é a Cannabis Sativa que fumamos, é a sua flor, que só a espécime do gênero feminino produz. Isso nos deixa refletir por que as feministas não manifestam sua sororidade com as pobres coitadas. Voltando à flor, creio que ela equivalha à placenta da mulher, ou uma amígdala, pois é possível retirar a flor sem interromper a vida do organismo. Não é um genocídio que opera nas biqueiras/bocas de fumo de todo o país, mas um exemplo bem claro de escravidão senão tortura operada por esses nóias. E a que custo essa atrocidade ocorre? usuários de maconha aumentam exponencialmente o apetite ao fumar a flor. Quantas outras vidas terão de ser mastigadas para pôr fim a esta crueldade? O comentário de João Bernardo me alegra, pois estamos alinhados para o bem da natureza. Eu que gostava muito de um alface com azeite e vinagre, hoje tomo só o vinagre em minha caneca com duas pedrinhas de gelo.

  12. Joker, no Brasil tem que ter muita grana para fumar flor. A gente comum fuma o famoso prensado, e nele tem de tudo, folhas, flores, galhos, sementes…
    No início de 2017 comecei a trabalhar em uma escola de riquinhos e lá a modinha do veganismo estava em alta. Quase toda semana tinha um aluno querendo debater direito dos animais, indústria da carne, experiências com animais, entre outras coisas, e querendo mostrar que ele havia feito a opção ética melhor e que a sua moral era superior a de todos os outros que, por exemplo, comiam carne. Lembro de uma aluna, numa dessas conversas, dizendo que se ela conseguiu parar de comer carne, qualquer pessoa no mundo conseguiria. Cansei daqueles grandes debates e adotei, já no início da conversa, a seguinte postura: “Você acha errado matar uma animal para comer a carne dele? Saiba você que eu acho certo!” Foram umas três conversas assim e fiquei lá até 2019 sem que ninguém mais viesse me encher o saco com sua suposta moral superior.

  13. Caro Fernando,

    A questão é que é na flor onde o reside o seu conteúdo entorpecente. Na minha adolescência eu nunca cheguei perto desses “skunk” (flor da canábis) que as classes médias conseguem através de seus contatos. Meu comentário é técnico, minha experiência na verdade está mais próxima do que você descreveu. Lembro das dores de cabeça e das náuseas dessas sementes e galhos até hoje. Provavelmente uma revolta da mãe-terra por eu ter fumado besouros e pernas de barata junto.

    Sobre o seu debate com a aluna, acho que você está completamente certo. Só acrescento que existem molhos especiais para saborear esses genocídios da melhor maneira possível. Alguns usam mostardas especiais, eu prefiro simplesmente um molho barbecue mesmo.

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