Por Patricia e Alberto
As manifestações de sábado, 19 de Junho de 2021, contra o Governo Federal e a condução da pandemia marcam um ponto interessante nas ações políticas da esquerda brasileira. Observando as bandeiras, as pautas, as discussões, parece que temos um grande caminho pela frente. Por outro lado, pode-se observar que a mobilização política da extrema-esquerda, representada sobretudo pelos “blocos autônomos” [1], parece bastante perdida.
Em Goiânia, a concentração para o ato do dia 19 de Junho começou às 9hrs da manhã, e o trajeto — bem conhecido — levaria as bandeiras, as organizações, os militantes e as falas enérgicas para a praça que tem reunido manifestações em mais de 70 anos. Desse modo, apresentar uma análise da manifestação do dia 19 coloca como necessidade uma discussão sobre os vários agentes e relações que se desenvolveram antes, durante e após a manifestação.
1. Sobre a “pré-manifestação”
Nacionalmente, o ato do dia 19 de Junho foi organizado por forças opositoras ao governo Bolsonaro, atreladas a partidos políticos, centrais sindicais e diversos movimentos sociais. A divulgação, a organização da assembleia que decidiria as ações a serem executadas no ato e as próprias localidades onde o mesmo seria realizado, foram divulgadas, sobretudo, pelo perfil “Povo na rua, fora Bolsonaro” [2], que reúne indivíduos dos grupos supracitados.
Quanto à assembleia que deliberou a realização nacional do ato do 19 de Junho, é importante destacar como a mesma se compôs. A reunião fora realizada via YouTube, com forças preestabelecidas e apreço por algumas pautas – como o Auxílio Emergencial ou o “Fora Bolsonaro” –, em detrimento de outras – como a oposição à Copa América [3].
A partir de tal acontecimento, passou a deliberar-se, então, como as ações seriam tomadas em cada estado e em cada cidade.
Em Goiânia houve plenárias atreladas a organizações partidárias e, em concomitância, reuniões para a composição do “Bloco Autônomo”. No que tange à reunião preliminar à composição do “Bloco Autônomo”, a impressão tida a partir da mesma é a de uma desorientação quanto aos rumos que deverão ser tomados pelos militantes, além de uma falta de sintonia entre os mesmos e desentendimentos ligados às questões mais banais.
Todavia, “aos trancos e barrancos”, deliberaram-se as ações que seriam tomadas no ato em questão, tornando concreta a composição do “Bloco Autônomo”, que se ateria, sobretudo, à pauta “Nem COVID, nem fome”, manifestando-se a favor do retorno do auxílio emergencial / instituição da renda básica, pelo fim das políticas de morte do governo Bolsonaro e em oposição à Copa América.
2. Durante a manifestação
O crescimento da Unidade Popular pelo Socialismo (UP) permitiu que o partido e suas organizações se constituíssem como força política e, assim, pudessem disputar internamente as manifestações. Nesse contexto, o espaço de conciliação com outras organizações como, por exemplo, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Comunista Brasileiro (PCB), entre outros, foi transferido do Partido dos Trabalhadores (PT) — que parece ter perdido espaço político — para a UP.
Esse aspecto é importante, sobretudo porque, tradicionalmente, a esquerda goiana tem o PT enquanto alternativa política para além do PSOL. Nesse contexto, a organização sendo realizada pela Unidade Popular demonstra não apenas uma possibilidade de fortalecimento político junto à esquerda tradicional, mas uma tentativa de teleporte político na campanha de 2021.
A concentração ocorreu às 9hrs na Praça Cívica, tradicional ponto da cidade, e caminhou até a Praça do Trabalhador. Dessa forma, cerca de 3 mil pessoas participaram e a composição do ato demonstra não apenas seus objetivos, mas permite observar como se organizam as forças políticas. O bloco do PT, CUT e UP fazia falas em relação à gestão da pandemia por parte do Governo Federal e exigia a saída de Bolsonaro da presidência.
Nesse sentido, entre batuques e cantos desafinados, ouvia-se de longe os gritos de “Fora Bolsonaro”, de “Genocida”. Ao mesmo tempo, destaca-se que em poucos momentos pautou-se uma discussão sobre o auxílio-emergencial ou realizou-se um debate mais profundo sobre a pandemia e a política de vacinação. Para além disso, o que se percebe é: 1 – uma tentativa de pautar a saída de Bolsonaro como horizonte de luta, sobretudo pela gestão da pandemia (mesmo que organicamente essa discussão fosse pormenorizada); 2 – o estabelecimento de uma composição político-partidária para as eleições de 2022.
Este é o ato das lives ao vivo, de representantes e personagens bastante engajados para mostrar sua oposição ao governo, sem apresentar formas de “decapitar o minotauro”. Nessa iglesia semi-mitológica, encontra-se não apenas uma disputa por protagonismo, pela melhor fala, mas também pela melhor foto, pelo destaque.
A manifestação em Goiânia cumpriu parcialmente seu objetivo, isto é, apresentar à população uma alternativa política a Bolsonaro e ao bolsonarismo. De maneira diametralmente oposta, encontra-se também — e novamente — a íntima relação dessas organizações com a polícia, que acompanhou o bloco autônomo desde o início, e entregou os que simbolicamente incendiaram o presidente para ser bucha de canhão.
Ademais, a atuação do bloco autônomo é o ponto central desse texto. O autonomismo segue na mesma linha que foi sendo desenhada nos últimos anos e, mais uma vez, parece demonstrar os mesmo efeitos. O bloco foi organizado por poucas organizações e uma infinidade de militantes independentes que, no revanchismo goiano, não parece ter alterado a ordem das coisas.
Nesse contexto, há algo de fundamental na organização do bloco que demonstra não apenas o recrudescimento de um autonomismo goiano — no sentido lato da palavra —, mas a sua quase completa dissolução. O autonomismo ou a ideia de autonomia que vem por detrás desse processo parece ter sido reduzida apenas a um aspecto do movimento estudantil, com pouca ou quase nenhuma adesão dos trabalhadores.
Ao mesmo tempo, soma-se o fato de que no revanchismo do autonomismo goiano, atrelado às disputas de narrativas, encontra-se certa dificuldade de propor uma forma de atuação mais profunda. Para além das manifestações — que não são convocadas pelo bloco — não há qualquer outro tipo de mobilização. Com isso, o bloco parece se transformar mais em um grupo local, isolado e incipiente, do que uma organização política.
A impossibilidade de o bloco autônomo estabelecer relações ou, mais ainda, construir ações conjuntas o leva a uma fragmentação cega e indiscriminada. Por outro lado, as tensões políticas no meio anarquista parecem reverberar no bloco, o que contribui para o estabelecimento de relações informais com certos grupos e organizações. O efeito disso: o Bloco contou com a presença de poucos militantes, tendo se unido, no momento de caminhada no ato, com outras organizações, como o Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR).
Com faixas, bandeiras, gritos em megafones, batuques e a tentativa de romper com a dinâmica perpassada pelas outras organizações supracitadas — vigente, sobretudo, nas falas pelo carro de som e sobreposição de vozes — o Bloco seguiu o mesmo trajeto, e a mesma tendência de palavras de ordem versadas em “Fora Bolsonaro genocida!” e, em outros momentos, não tão vigentes, “Sem auxílio emergencial haverá rebelião!”.
Em certo momento, alguns indivíduos que se amontoaram no bloco autônomo optaram, de maneira independente, por realizar a queima de pneus. Sem uma deliberação coletiva ou, mais ainda, sem as condições necessárias, esses militantes optaram por uma ação direta que representaria naquele momento o encurralamento dos que estavam no bloco pela polícia e pelas organizações que em todo momento os criminalizam.
Já chegando à Praça do Trabalhador, onde a manifestação se findaria, membros do Bloco queimaram um boneco que representaria Jair Bolsonaro, sob gritos de “Fogo nos fascistas!” e criando certa tensão com a Polícia Militar, que dispersou os manifestantes.
3. Após a manifestação — ou para onde devemos seguir
Na semana após a manifestação do dia 19 de Junho, a UNE e algumas organizações partidárias adiantaram-se em divulgar um “calendário” que se propunha prever quais seriam as próximas ações contra o governo Bolsonaro. O calendário, todavia, aferventou os ânimos de diversos militantes — e com razão — dado que instituiu a realização de mais manifestações sabatistas no final de Julho (dia 24, mais de um mês após o dia 19 de Junho).
A partir disso, o Povo na Rua, Fora Bolsonaro pleiteou a realização de uma nova assembleia, ocorrida no dia 23 de Junho. Nessa, mais uma vez realizada via YouTube, com os mesmos arranjos da já citada neste texto, decidiu-se um novo calendário para as manifestações: 13 de Julho haverá uma “manifestação-esquenta” rumo ao 24 de Julho.
Todavia, a partir das novas ocorrências na sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito do dia 25 de Junho, onde foi “desvendado” o esquema atrelado à compra de vacinas da COVAXIN por Bolsonaro, alguns movimentos sociais de certas cidades brasileiras ocuparam-se em convocar manifestações para o fim de semana (dias 26 e 27 de Junho). Há um menor número de pessoas nas convocações, e imagens daquelas que já eram realizadas no período matutino do Sábado (26 de Junho) representavam um número extremamente reduzido de militantes nas ruas, em comparação com as últimas manifestações.
Em Goiânia, ainda não há sombra de qual será a próxima ação ou o próximo passo a ser tomado. Desde a última manifestação, o cenário que se segue é de silêncio, somado ao temor de romper com o mesmo apenas no ínterim de se compor mais um “ato de live”.
É preciso ter em mente que as ações tomadas apenas por meio de tais manifestações pouco efeito terão sobre o governo Bolsonaro — dizemos pouco, aqui, para não correr o risco de afirmar de modo pessimista “nenhum”.
A situação de pandemia no Brasil continua caótica. Ultrapassou-se a marca de meio milhão de mortos por COVID-19, o país segue sem uma política de isolamento social — sendo um dos países com menor taxa de isolamento no mundo — a taxa de trabalhadores em home-office é ínfima e a vacinação segue em passos lentos, com diversas categorias de trabalhadores expostos ao vírus desde o início da pandemia e sem nenhuma previsão de quando poderão receber a primeira dose da vacina.
Não serão as manifestações sabatistas mensais, tampouco o silêncio — até daqueles que se postam enquanto contrários a esse modo de mobilização — que quebrarão tal cenário. Não será a entrega de militantes em manifestações, ou as falas enérgicas no carro de som, ou tampouco a real desorientação no bloco autônomo que surtirão algum efeito sobre o contexto vigente.
O que se vê é uma dificuldade extrema da esquerda para organizar-se contra o vendaval que cai sobre nós. Essa dificuldade incide na tomada de ações ineficientes, que não revertem o quadro — até porque muitas vezes essa não é a intenção de imediato.
A questão que fica, a partir disso, bem como a partir da certeza de que devemos seguir e nos movimentar contra nossa morte, é: para onde haveremos de ir?
Notas:
[1] “O movimento autônomo segue desfigurado, marginalizado e tomado como sinônimo de lutas e militantes independentes. Desde as ocupações ‘autônomas’, as organizações e os inúmeros ‘blocos autônomos’, o que se percebe é que há um esvaziamento do seu sentido prático e político — feito de forma propositada ou não (Disponível em: https://passapalavra.info/2019/10/128488/)”.
[2] Perfil no Instagram: @povonaruaforabolsonaro.
[3] Na reunião, que marcou o ato para o dia 19, houve um consenso indiscutível sobre pautas como “Auxílio Emergencial”, “Vacinação em massa” e, é claro, “Fora Bolsonaro”. Companheiros que foram como ouvintes — vale ressaltar, foi uma assembleia transmitida pelo YouTube com forças majoritárias já preestabelecidas — relataram que houve uma discordância, se não um boicote, ao “Não vai ter copa”. (Disponível em: https://passapalavra.info/2021/06/138527/ )
As artes que ilustram o texto são da autoria de Ramón Oviedo (1924-2015)
Quando MBL virá? Pelo visto o MBL está avaliando “se juntar” a Frente Única do Valério Arcary. Imaginem, MBL e MPL juntos na Paulista!! Quem viver verá.
Frente unida com os fascistas radicais contra os fascistas cleptocratas.
E depois falam das “lições da história”…
Esses dias escrevi o seguinte em outro lugar:
Só pra lembrar que enquanto a chave de disputa política for a corrupção, quando for isso que mobiliza as massas e a opinião pública, continuamos no mesmo pântano que gerou o fascismo, mesmo que Bolsonaro caia.
Enquanto não houver recomposição política da classe trabalhadora, não sairemos da barbárie nem das pautas mobilizadoras do fascismo.
E dias antes ainda havia escrito também isso:
A direita depois de 2013 passou a emular de algum modo a esquerda autônoma, reaprendendo a ocupar as ruas. Instituíram a domingueira golpista protofascista.
Agora é a esquerda que emula a direita, com as suas sabadeiras.
Agora, greve, parar a cidade em dia de semana, essas coisas que atrapalham a extração de mais-valia, nada.
Manifestações sempre à medida do gosto da Globo, assim como as da direita.
Tudo parte do mesmo jogo.
Não sairemos do fascismo desse jeito.
Em suma, como uma esquerda “autônoma” se pauta inteiramente pelo calendário e interesse dos outros?
Mutatis Mutandis
A Editora anarquista festeja o aumento das vendas em tempos de “levantes”, até já compraram uma novíssima impressora de alto poder libertário.
A antropóloga informa mais duas Lives
O professsor abarca agradece os novos egressos em seu twitter
O sem teto clama por moradia digna
O faminto por alguma dignidade sobrante
O hacker ético posta pela privacidade no Face e no Twitter
A Perifa festeja o show on line da Anitta
Ivete declara seu fervor “antifa”
Nemésio, ajudante de pedreiro na ZL não sabe se terá jantar de noite
A Agência posta mais textos do que somos capazes de ler.
Amanhã tem importante jogo na Copa Covid
A melhor caracterização do Bloco Autônomo se encontra melhor explicitada nesta primeira nota do texto. Os trechos a seguir devem nos fazer refletir novamente depois de dois anos.
(…) existe uma crescente moralização do debate político, uma perspectiva de intensa vigilância, uma subsunção da apatia. É talvez por causa disso que cada vez mais as esquerdas, e sobretudo a extrema-esquerda, não vislumbram uma “conscientização dos trabalhadores” e constantemente esbravejam aos quatro cantos que “falta consciência de classe”.
“(…) cria-se uma falsa perspectiva, que fundamentalmente está ligada a um sentimento de vanguarda das lutas, como se os trabalhadores devessem se indignar e deixar de se indignar dependendo dos pretensos dirigentes. “Nada disto se apresenta como uma política popular. Nada disto inspira o entusiasmo popular. Pelo contrário, pressupõe a apatia” [1].
Mas onde efetivamente encontra-se inserido o movimento autônomo, a autonomia operária? “(…) Se a classe operária quando luta diretamente pela diminuição da exploração não atua nas instituições existentes no capitalismo, onde é que ela atua? (…) Ela atua fundamentalmente nas organizações que cria no próprio processo de luta — nas instituições autônomas. Esta é uma contradição muito importante do capitalismo. É a própria dinâmica de seu desenvolvimento que determina o surgimento de relações sociais que lhe são antagônicas. Relações sociais igualitárias e não especializadas, que destroem o sistema da ‘representatividade’, característico do capitalismo” .
(…) Em primeiro lugar, a autonomia operária pode ser compreendida como produto das lutas, uma característica da recusa das formas de organização do capitalismo, uma forma de resistência à hetero-organização do capital. Fundamentalmente, uma forma de organização que surge a partir das lutas, das contradições do cotidiano. (…) Entenda-se isto não como formação do braço armado proletário, mas como autogestão das lutas pelos próprios proletários
(…) Nesse sentido, “Essa perda de conteúdo classista coloca o autonomismo em contato com outros setores ideológicos, como o autonomismo liberal (o cooperativismo clássico, a economia solidária, produtores culturais, artesãos, hortas e bicicletas); com o autonomismo biologizante (excludentes de raça e sexo); com o autonomismo ready-made (black blocs), etc. Mas talvez o pior produto desta operação, de se tomar a horizontalidade como horizonte, seja o autonomismo ingênuo, que se apaixona pelo momento, pelo processo, como se ele bastasse. Como se militar uma ideia para além de um processo fosse excessivo e contaminante”
(…) Por causa disso é muito frequente vermos “blocos autônomos”, ocupações autônomas, grupos de estudo, de bicicletas, de motociclistas, sessões estudantis, etc. Tudo é autônomo e tudo diz representar a autonomia operária. Essas disputas ideológicas dão origem a uma disputa de narrativa das lutas, como se determinado grupo fosse o responsável e o único agente nesse processo. Por causa disso afirma-se com muita frequência que determinada luta é anarquista, é marxista, é isso ou aquilo. A tentativa de monopolizar a narrativa histórica está diretamente associada a uma tentativa de se manter como referência de determinado movimento — ou até uma vanguarda.
(…) Nesse sentido, a autonomia operária perde seu caráter fundamental, ou seja, uma prática de classe que se manifesta historicamente sempre que a classe operária se torna protagonista; uma forma de luta contínua e pela ação direta como única forma de intervenção massiva dos trabalhadores; contra a divisão da luta em partes, divisão que atribui aos sindicatos a luta econômica e aos partidos a luta política; onde não há dirigentes nem líderes e não se quer representar uma vanguarda “iluminada”, modelo tão gasto quanto nefasto. Baseia-se unicamente na experiência proletária e é, antes de tudo, uma prática.”
E (de novo) a corrupção torna-se o centro do “debate” político. Só penso isto: vai dar merda.
Se, como dizia um certo Pitigrilli, a política é a arte de enfiar as mãos na merda, nada é menos imprevisível do que o debate político “dar [em] merda”…
O Trem do Tempo posta mais um Podcast,quem escuta o que?
O editor se esmera em mais um anúncio da Vakinha on line
A antropóloga reclama da antropofagia de seus leitores
Os anarcas do Mastodon postam mais um 3J
A Agência de Notícias Anarquista comemora algum centenário
Alfredo, motorista da linha 311,sai para mais um dia de labuta
Anitta grava em inglês um novo hit
O Professor anarca chamando pra sua Live pelo 3J
Para onde iremos?