Los Pibes son Libertarios

Por Primo Jonas

Na Argentina o “anarcocapitalismo” vai juntando um corpo. Os resultados da última eleição podem parecer indicar o contrário: José Luis Espert conquistou apenas 1,47% dos votos nas eleições presidenciais de 2019, concorrendo pelo espaço político que hoje tem o nome de Avanza Libertad. Esta frente de pequenos grupos políticos ultraliberais teve que enfrentar um cenário péssimo para terceiras vias, com a forte polarização nacional entre a maior parte do peronismo e a direita construída por Mauricio Macri no partido PRO [Propuesta Republicana], que então era governo. Muitos queriam que Macri fosse embora, muitos outros não queriam a volta do peronismo. Havia muito pouco espaço para um voto ideológico por fora desta disputa.

Mas mesmo o pobre resultado nos números não esconde um fato constatável: havia uma juventude ativa e interessada neste campo político, e os diálogos entre os libertários e a direita macrista foram estabelecidos: direita unida para enfrentar la jefa Cristina Kirchner e sua marionete Alberto? Ou direita dividida para disputar novos rumos? No segundo semestre deste ano teremos eleições legislativas e neste exato momento a rosca está sendo cozinhada: este jargão da política argentina que significa os conchavos, as pequenas estratégias e artimanhas do trato pessoal a fim de atingir objetivos. Contam-se os feijões, los porotos, e quem tiver mais ganha a condução legítima, os demais perfilam-se atrás na disputa pelos segundos e terceiros escalões. Decisões são tomadas em churrascos e as listas são definidas deixando para trás aliados de ocasião [1]. A direita macrista sabe que os libertários têm um bolso cheio de feijões, e lhes foi oferecido participar nas eleições primárias da frente encabeçada pelo PRO. Até agora as notícias dão conta de que Espert tentará liderar a lista de deputados estaduais da província de Buenos Aires, a mais importante do país.

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A apresentadora Viviana Canosa bebe dióxido de cloro ao vivo, um tratamento caseiro contra o covid.

Outro personagem importante, a figura pública do Partido Libertario, é o economista Javier Milei, que tem uma resistência maior ao macrismo. De fato, Milei chegou a afirmar que Macri realizava um governo socialista. Sua figura bizarra e abjeta é um polo que atraiu com força algumas subjetividades que dão corpo à alt-right em diferentes latitudes: gamers, cosplayers, jovens ávidos por abraçar uma ideologia antissistêmica, entusiastas das criptomoedas, incels, etc. Um bom exemplo deste fenômeno é uma música composta em sua homenagem: Javier Milei, el último punk. Milei é professor de Economia, e se tornou famoso ao protagonizar escândalos televisivos, onde ele adotava um tom ríspido e buscava humilhar seus interlocutores quando discordavam dele. Aos berros típicos de algumas tradições fascistas, ele denunciava toda a casta política, “são a escória do país”, “todos keynesianos ladrões, safados”. Ensinou a toda uma geração que a inflação é sinônimo de emissão de moeda, uma pauta tratada com obsessão de seita. Mas agora é candidato e acredita que deve tentar mudar as coisas por dentro. A moderação e o acomodamento em pequenos mandatos pode amansar a direita assim como a esquerda.

Detrás deles existem diversos setores da “nova direita” argentina, fazendo debates ideológicos muito insistentes: a famosa guerra cultural. Para tomar o exemplo de um dos setores mais mobilizados da sociedade argentina, o movimento de mulheres: ainda que a direita em geral se identifique com o lenço azul, da campanha antiaborto, as radfems têm ganhado espaço. Como a campanha do lenço verde é rapidamente associada às esquerdas, focam-se em outro tipo de mensagens: “El Feminismo es Liberal $”, onde o sinal de dólar substitui o famoso ‘A’ anarquista. Mas esta é uma polarização muito complicada na sociedade argentina, que bagunça muito o tabuleiro. Por exemplo, é possível encontrar também pixações das pró-vida acusando as “abortistas” de genocidas comparáveis com Videla (uma militância antiaborto crítica da última ditadura!).

Neste cenário de ascensão do novo polo político à direita, que conta com uma juventude que pisa forte nos espaços virtuais e traz muitas coisas aprendidas da internet, alguns setores da direita “velha guarda” passam a disputar essa onda. A Argentina tem uma ligação particular com o nazismo, uma vez que o governo peronista abrigou uma grande quantidade de altos quadros políticos e militares alemães ao final da segunda guerra. Alejandro Biondini é o referente do principal grupo político legalizado deste setor, Bandera Vecinal, uma extrema-direita pequena, mas fazendo seu trabalho de base há anos. Biondini conta com seu próprio aparelho, mas muitos dos fascistas tradicionais se encontram em setores do peronismo. Um exemplo um pouco mais à esquerda é Guilhermo Moreno, que foi Secretário de Comércio Interior durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner (de 2006 a 2013) e responsável por intervir no Instituto Nacional de Estadística y Censos (Indec), a fim de sustentar uma mentira pública vergonhosa a respeito da inflação do país. A situação foi tal que os e as trabalhadoras do instituto realizavam seguidos “abraços” ao seu edifício, uma espécie de mensagem ao resto da classe trabalhadora dizendo que não queriam ser cúmplices da mentira oficial. Se trata de um fascista clássico, um personagem que faz fotos de reuniões com lideranças de pequenos grupos de choque e gestão do crime, respaldados por clubes esportivos sob a forma de “torcida organizada”, los barrabravas. É o peronismo da terceira posição, minoritário há décadas no movimento peronista. Estes, e o setor sindical, são dois setores do peronismo que se afastaram de forma irremediável das camadas jovens da sociedade. Como reciclar algumas de suas ideias?

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O empresário Eduardo Cúneo, “peronista, sindicalista e nacionalista”, denunciando a covid-19 como um grande negócio.

Compartilho com o público lusófono alguns trechos do texto de apresentação de um think tank de intelectuais conservadores argentinos. De particular interesse são o pluralismo de ideias e o arco de alianças sociais e políticas que eles propõem. Trago este material para colaborar com um esforço de análise comparativa das ideias da direita latinoamericana e mundial.

Aquela sociedade [a sociedade crioula argentina dos séculos passados] reconheceu valores que fizeram de nossa civilização o porta-estandarte de princípios centrados na vida, na liberdade, na responsabilidade e nas obrigações individuais para com o próximo: valores que no século XXI estão sendo questionadas pela elite política e uma globalização que, se bem é inexorável como estrutura técnica-econômica, não por isso deve levar à aceitação acrítica da ideologia cosmopolita e ahistórica gerada por uma casta intelectual mundial transformada em oligarquia decadente e supérflua.
(…)

A modernidade e o progresso não podem ser construídos sobre a perda daqueles valores próprios de nossa identidade. Já dizia, não faz tanto tempo, Octavio Paz: “Nunca acreditei que a modernidade consistia em renegar da tradição, senão em usá-la de um modo criador”. Reconhecemo-nos em nossos próceres, construtores da nacionalidade, e nos valores de sempre nos quais nos apoiamos para marchar ao futuro. Fazemos nossas as palavras de Juan Bautista Alberdi: “Promover o progresso sem precipitá-lo; evitar os saltos e as soluções violentas no caminho gradual dos avanços; abster-se de fazer, quando não se sabe fazer, ou não se pode fazer; proteger as garantias públicas, sem descuidar das individualidades… mudar, trocar, corrigir, conservando.
(…)

O Fórum é aberto e tributário de várias correntes, que podem complementar-se e também diferir, sem filiar-se ou aderir necessariamente em tudo, mas nessa pluralidade cheia de sentido há uma construção e um caminho: integrantes dos grandes movimentos populares argentinos, humanistas católicos e judeus e cristãos em geral, liberais, conservadores, nacionalistas e desenvolvimentistas.
(…)

Notas

[1] O filme “El Estudiante” (2011), de Santiago Mitre, é um excelente retrato desta dinâmica.

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