Por Passa Palavra
Uma esquerda que desiste da economia é uma esquerda que desiste de transformar as relações sociais de produção, ou seja, que desiste de lutar contra o capitalismo. Em vez disso, dedica-se a fabricar biombos e telas, chamados “narrativas”, que servem para ocultar a realidade por detrás de imagens agradáveis, isto é, agradáveis para ela.
A economia é como as ciências da natureza, física, química e biologia, ou seja, assenta em fatos, e por isso dá trabalho. Talvez seja por isso que uma parte da esquerda, que detesta os fatos e prefere as narrativas, seja tão avessa à economia. É mais confortável.
Soma-se a isso o problema do afastamento entre distintas áreas de conhecimento na academia. Nas faculdades de história, por exemplo, para além da preponderância de estudos culturais e de representação, ou teoria da história pelas vertentes alemãs, é raro que alguém estude história econômica. Grande parte dos estudantes e professores, mesmo não conhecendo nada a respeito, simplesmente tratam a história econômica como algo superado.
É justamente a ignorância em matéria econômica que faz que algumas pessoas entendam o capitalismo como uma espécie de decisão unilateral, e outras entendam a economia de escala, seja ela capitalista ou não, como uma aberração eurocêntrica.
Apesar disso, ao mesmo tempo em que a economia é uma peça chave para entender fenômenos materiais que influenciam o jogo de forças da luta de classes, é demasiado complexo encontrar pessoas que deem conta de análises econômicas pela recusa da esquerda em debater economia política. É o buraco em que nos encontramos!
Assim, a economia acaba sendo mais uma preocupação da direita do que da esquerda. Esta se interessa por quase tudo, menos economia.
Alguns exemplos ajudam a compreender a importância do estudo da economia por parte da esquerda.
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Nos últimos anos do comunismo de guerra, o partido bolchevique empenhava-se em prosseguir com a tão esperada abolição do dinheiro. Entendido como uma “ferramenta do capital” e um obstáculo ao até então capitalismo de Estado em direção ao socialismo, eram controversas as formas pelas quais o partido bolchevique pretendia substituir o meio de equivalência universal responsável pela operacionalização das trocas.
Entre canetadas e cantos emancipatórios, o partido que herdara a revolução russa conseguiu que o dinheiro não fosse abolido, mas que sua utilização fosse levada a cabo de forma descentralizada, fosse no mercado negro ou por “jeitinhos” comuns entre os camponeses, como por exemplo a prática de armazenar stocks, a partir de tal ou qual item que poderia ser estabelecido como um parâmetro para as trocas.
Na melhor das hipóteses, outros itens assumiram a função do dinheiro como equivalente geral, com todos os riscos que pudessem incorrer disso. Essa experiência estendeu-se a outros períodos históricos e foi reproduzida de forma mais ou menos distinta por diferentes atores. Vale mencionar que, embora a abolição do dinheiro fosse um aceno para a esquerda socialista na União Soviética, logo depois seria adotada a Nova Política Econômica (NEP), em que o taylorismo ditaria a produtividade da economia nacional. E enquanto as relações sociais de produção permaneciam intactas, os socialistas se contentavam em buscar alterar a forma jurídica do dinheiro.
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São conhecidas as intervenções antropológicas de Pierre Clastres, sobretudo entre os acadêmicos. Dentro das ciências humanas pode-se dizer que é um dos maiores adversários teóricos do marxismo.
Em A sociedade contra o Estado, o autor propõe uma desconstrução do entendimento até então consensual na historiografia de que o Estado teria aparecido como consequência do desenvolvimento de forças produtivas até aparecerem as classes sociais, abrindo caminho para a história da luta de classes.
Seu argumento, que confronta tanto os defensores do Estado moderno como os marxistas, é de que as ditas sociedades primitivas não tinham para com o Estado uma relação de carência, mas de recusa. Essas sociedades primitivas baseavam-se na economia de subsistência e não produziam excedentes. E o autor ia além: a escolha de algumas comunidades, como os Incas, os Maias, entre outros, de produzir excedentes, foi o que estabeleceu entre eles as condições para o aparecimento do Estado como modelo de coerção.
Escolha política, para Clastres, é a melhor forma de tratar o tema, porque o fator coercitivo em tese precederia a infraestrutura de uma sociedade, isto é, as forças produtivas. Mas o autor também identifica o limite claro dessas sociedades autóctones, que é a qualidade de serem comunidades pequenas.
é bastante provável que uma condição fundamental da existência da sociedade primitiva consista numa fraqueza relativa de seu porte demográfico. As coisas só podem funcionar segundo o modelo primitivo se a população é pouco numerosa. Ou, em outros termos, para que uma sociedade seja primitiva, é necessário que ela seja pequena em número.
Quer dizer, Clastres se preocupa em desconstruir o paradigma vigente na academia sobre política e economia. Mas se fôssemos levados a crer na falência moral das sociedades de economia de escala, que destino hoje nos seria relegado? O da defesa da diminuição demográfica, entendido como uma saída mais à esquerda que a da superação do Estado capitalista.
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É perceptível nesses exemplos que a relação entre a esquerda e a economia não é das melhores. Que significa dizer, por exemplo, que a economia é uma escolha unilateral de tal ou qual sociedade? Lênin nos deu uma lição — contra sua própria intuição — de que não é possível combater o capitalismo por decreto. As sociedades autóctones que se permitiam “recusar” a economia, isto é, a economia complexa, vão na contramão daquelas que se empenharam em dominar todos os aspectos da vida e produzir abundância plena.
Onde quer que observemos, mesmo na esquerda, a economia é temática de amplas polêmicas e divide as análises de conjuntura. Chegou-se ao ponto de os intelectuais de esquerda usarem a palavra “economicismo” como termo pejorativo para diferentes matrizes políticas. É conhecida a acusação de “economicismo” presente na crítica de Lênin em O que fazer?, direcionada aos seus adversários na Rabotcheie Dielo e Rabotchaie Myls, mas hoje a coisa se generalizou, de tal modo que “economicismo” é uma outra forma de ridicularizar um adversário político. Comumente aqueles que fazem críticas ao capitalismo de Estado que vigorou na Rússia soviética são assim denominados.
Recentemente publicamos o que consideramos ser, talvez, um dos artigos mais importantes da história do Passa Palavra. Em O problema da escala no anarquismo e o caso do comunismo cibernético somos desafiados a imaginar uma economia de escala independente do modo de produção capitalista, mas nem por isso menos econômica, o que envolve, aliás, o estudo da matemática, outra área menosprezada pela esquerda.
E aqui voltamos ao que escrevemos na abertura deste artigo: uma esquerda que desiste da economia é uma esquerda que desiste de transformar as relações sociais de produção. Desde 2019 temos buscado, por meio de nossas Colunas, abordar temas cruciais para o desenvolvimento das lutas anticapitalistas, e um deles é a economia. Ocorre que tem sido muito difícil encontrar colunistas que dominem o conhecimento nessa área e saibam trabalhar com dados econômicos, tratem a economia como uma ciência e fujam aos lugares-comuns e à reiteração de “leis” de funcionamento do capitalismo enunciadas há mais de 150 anos.
Essa dificuldade faz com que nossa coluna Diabo da Economia esteja hoje ameaçada pela ausência de um colunista fixo. Como o tema nos é caro, encerrar as atividades não é uma opção. Hoje publicamos esta pequena intervenção no lugar das habituais colunas, mas esperamos em breve solucionar o problema, problema este que certamente nos diz algo sobre a esquerda anticapitalista da época atual.
Que bom que o próprio passapalavra parou de fugir do assunto.
A economia do golpe da burguesia, que não era segredo para ninguém, no link abaixo. E ainda se via por aqui gente dizendo que Lava Jato, PSDB ou o que fosse era modernizador e coisas do tipo, quando o que estava diante do nariz é pura e simples luta de classes: a burguesia buscando rebaixar renda direita, indireta e condições de trabalho da classe trabalhadora.
‘Uma das características fundamentais da economia brasileira na etapa iniciada em 2016 é de uma distribuição de renda do trabalho para o capital. A redução da parcela salarial entre 2015 e 2021 significará uma transferência do trabalho para o capital na ordem de R$ 560 bilhões de reais (em valores nominais).’
https://jornalggn.com.br/trabalho/a-remuneracao-do-trabalho-golpe-e-pandemia-por-adalmir-a-marquetti-e-alessandro-d-miebach/
LeoV, no artigo Tempestade Perfeita [https://passapalavra.info/2015/07/105485/] eu defendi que a Lava Jato era uma manobra política de viés jurídico que visava destruir o esquema fechado (blindado) que o campo democrático popular havia construído e que formava uma articulação tríplice “PT-Empresas estatais-Empresas privadas”, obstruindo os mecanismos normais de competição e disputa de fundos públicos e negócios lucrativos. Como o PT bloqueou a atuação econômica e política de muita gente grande, dentro e fora do país, se articularam para desmontar o esquema e “retomar” o controle de ativos etc. Nesse cenário a Lava Jato não era modernizadora e o PSDB representava mais “a burguesia” contra “os gestores” (PT). Muita coisa q eu disse no artigo de 2015 com o passar do tempo e os vazamentos da Lava-Jato se tornou senso comum e “obviedade”, e embora eu tenha errado em supor que a coisa se explicava por esse conflito entre burguesia e gestores, capitaneado por PSDB e PT, no geral acho que acertei muita coisa. Meu erro foi que não fui capaz de dar o devido peso aos fatores externos, internacionais. A própria desvalorização do petróleo me parece ter sido orquestrada à época visando a retomada de ativos, mas a desvalorização das commodities creio que foi fruto dos mecanismos automáticos da economia. Me desgastei muito (fisicamente) estudando as doações de campanha de 2014, e por isso não consegui um retrato mais amplo e internacional da coisa. O desmonte de direitos que veio a seguir, aprofundado após o impeachment de Dilma, tornado possível devido ao PT já ter cumprido seu papel de assimilação e desarticulação das organizações de esquerda, foi e é desdobramento que ocorre na confluência de interesses de ataque aos trabalhadores, por parte de muitas das forças que lutaram entre si no processo da Lava Jato. Não sei se vc estava pensando no meu artigo quando escreveu seu comentário, mas achei pertinente pontuar aqui.
Sobre a coluna Diabo da Economia, é uma pena que tenhamos tão poucos quadros capazes e dispostos a tomar cargo dela. Certamente é um dos espaços mais importantes do site.
Sim Pablo, mas não faltou comentário e até artigo aqui no PP dizendo que PSDB e Lava Jato era modernizador e coisa do tipo. É que fica chato eu pinçar isso agora. Mas esses dias postaram um comentário num desse artigos, ironizando que agora os autores tinham candidato a presidente: Moro.
Sobre coluna de economia, é uma pena que não tenha gente com conhecimento ou paciência suficiente para escrever. Mas em outros lugares se encontra análises a partir de dados. Claro que as implicações políticas e conclusões vai ter a cara ideológica dos autores. Mas é possível escrever uma coluna de economia que saia dos limites da social-democracia num período de tamanha inexpressividade da classe trabalhadora?
《Para espanto de todos aqueles que, como o autor deste livro, foram educados no marxismo ortodoxo, é nas empresas produtoras de bens de consumo corrente, por vezes pequenos estabelecimentos com escassas dezenas de trabalhadores, se tanto, que mais longe têm sido levadas, na atual fase, as novas relações sociais.》
Qual a origem do problema do PassaPalavra com o diabo da Economia?
Possivelmente seja por conta de seu foco na “economia de escala” e na “produtividade”, enquanto o Diabo reside nos detalhes espantosos.
Ao invés de Pão e Terra, os burocratas do Partido confiscaram a Terra e produziram a Grande Fome. Tudo em nome da produtividade e da economia de escala.
Parece que as grandes tragédias históricas não foram suficientes, o Diabo da Economia exige mais. Mais e mais que os mesmos erros se repitam…
Ainda com um genocídio em curso, mais uma vez a fome e a doença ceifam centenas de milhares de vidas.
Frente a isto qual a questão econômica central? Nesta conjuntura de tamanha destruição, qual o bem de consumo prioritário?
Quais as pequenas unidades de produção deste bem capazes de engendrar novas relações sociais?
Nenhuma resposta virá do diabo da Economia. Ao contrário, é justamente a Economia a origem de nossos problemas.
Eu sou um dos que argumentava sobre o papel modernizador da Lava Jato no capitalismo brasileiro. Entendo isso, de maneira geral, como uma adaptação da economia brasileira aos circuitos do capital internacional, que é a tendência geral e irrestrita do capitalismo. Obviamente, é uma interpretação do movimento geral e não uma análise dos diversos fatores e episódios da operação Lava Jato.
Um dos motivos pelos quais os argumentos do Leo V não me convencem é a própria formulação dos termos: como pode um “golpe da burguesia” ter como resultado a destruição das principais empresas nacionais? Isso me soa à antiga tese de que o país não tem uma “verdadeira” burguesia, com vocação para o desenvolvimento das forças produtivas, na linha histórica que substitui luta de classes por nacionalismo.
Acho que fica no ar a reflexão a respeito do que significa a modernização, pegando a deixa do arkx brasil. Afinal, é o mesmo Leo V que acha que a entrada do MST no mercado financeiro é algo inofensivo. Não estaria o MST modernizando-se, ao abrir-se aos circuitos do capital financeiro e das fintechs?
Para os links dos artigos de Pablo Polese funcionarem, basta usar o protocolo https.
Ou seja: apenas acrescentar o “s” ao “http” na caixa de endereço no browser.
Enquanto resultado do movimento geral também acho que a Lava Jato ajuda em um aspecto “estrutural” da modernização do capitalismo brasileiro, pois retira as amarras “clientelistas” do modelo tríplice petista. O que ocorreu naquele momento histórico é bem curioso: empresas (especialmente do ramo da construção civil) geridas por gestores, modernas, se valeram de táticas e estratagemas que uma visão liberal consideraria “obsoletos”, típicos da gestão burguesa de empresas: obter vantagens por meio de negociatas com o aparelho estatal, em virtude de este ser o único caminho possível para ter acesso a certos negócios lucrativos. Ao romper aquele modelo de articulação de interesses (Partidos e empresas), destruindo-o por meio de aparatos jurídicos, ideológicos e políticos da Lava Jato, muitos ativos “brasileiros” (por exemplo o pré-sal) ficaram à mercê das disputas e forças internacionais capitaneadas por outras empresas geridas por gestores. A Lava Jato abriu parte da fatia brasileira do mercado global. Nesse sentido a Lava Jato foi modernizadora, pois retirou mecanismos protecionistas. Mas modernização no sentido estrito envolve desenvolvimento da produtividade, e nisso a Lava Jato não interferiu. Mesmo tendo superlucros decorrentes da corrupção as empresas não se tornaram mais ou menos produtivas devido à destruição operada pela Lava Jato. E em termos de exploração dos trabalhadores, não passou a haver mais mais-valia relativa (modernização) após a Lava Jato e sim mais-valia absoluta (ataque aos direitos sociais e trabalhistas). A Lava Jato inclusive opera contra a modernização na medida em que leva a uma desvalorização grande do real, atrapalhando e bloqueando importações de maquinário e tecnologia. Tudo confluindo pra um cenário de crise e de ataques aos trabalhadores visando garantir os lucros. Acho que é isso que o LeoV tem em mente quando fala que não houve modernização e sim o contrário.
Lucas,
Para responder à pergunta como um golpe da burguesia pode destruir as principais empresas nacionais, basta ver o que aconteceu diante dos nossos olhos.
Primeiro, se foi necessário sacrificar empreiteiras privadas e uma empresa estatal para atacar os trabalhadores, foi o que foi feito. Ainda mais que a Lava Jato não estava livre de interesses norte-americanos como se sabe hoje. Interesses esses que que viam com bons olhos detonar a Petrobrás e as empreiteiras transnacionais brasileiras.
O que não entendo é ter que explicar certas coisas como se tratasse de história da Idade Média ou de abstrações, quando tudo isso se deu diante dos nossos olhos. bastava ver… ora, a burguesia brasileira se mobilizou para dar o golpe e impedir que o PT se elegesse em 2018 prendendo e impedindo Lula.
O processo do golpe de 2016, no qual a Lava Jato foi um dos instrumentos, de fato pode ser visto como uma forma de relocalizar o Brasil no circuito internacional do capital. Relocalizar o Brasil como fazendão, como fornecedor unicamente de matéria prima cada vez mais barata para aumentar taxa de lucro. De fato é uma realocação ou retorno do Brasil a uma posição no circuito do capital internacional. Mas por óbvio não era modernização, bem pelo contrário. E, desculpa, quem não via o retrocesso que vinha com o golpe já em 2015 e 2016 demonstrou uma incapacidade total de fazer letura da realidade ocorrendo diante do nariz.
Para finalizar, ninguém menos que Armínio Fraga, um sujeito da elite, neoliberal, que por volta de 2015 disse que o desemprego tem que aumentar, disse essa semana que a elite brasileira impede o desenvolvimento do Brasil.
Parece que caiu a ficha dele que nossos neoliberais são em grande maioria escravocratas, e que o golpe de 2016 não foi para o desenvolvimento, modernização ou qualquer coisa do tipo.
Sério, uma esquerda que confunde um processo político de retrocesso histórico como nunca antes visto no país, com renovação de elites e modernização, vai na melhor das hipóteses comer poeira e ser irrelevante.
Acho curioso o Arkx Brasil mais uma vez falar em “tragédias históricas” para fazer justamente a apologia de seu suporte teórico. O que se quer com a conclusão de que o problema reside nas economias de escala? Muito bom o Passa Palavra ter usado o exemplo de Clastres para escancarar isso, porque pelo menos Malthus era sincero sobre o que queria. Será tão custoso para grande parte da esquerda entender que a transformação do modo de produção atual requer a transformação das relações sociais de produção, e não a negação mística dos fenômenos econômicos?
Meu comentário não guarda relação com o problema do Diabo da Economia, mas sim com Clastres.
Passa Palavra disse que, para ele, as “sociedades primitivas não tinham para com o Estado uma relação de carência, mas de recusa”. Minha pergunta: como levar Clastres a sério se ele diz que uma sociedade recusa algo que não existe? Para as “sociedades primitivas” o Estado não existe, pois então como recusá-lo? Esta é uma evidência pura de uma análise que naturaliza a sociedade capitalista e generaliza seus elementos para as outras formas de sociedade.
Temos aqui duas questões muito diferentes sendo convenientemente misturadas: (1) se operações como a Lava Jato e o combate à corrupção em geral contribuem potencialmente para a modernização do capitalismo e (2) se dos conflitos sociais no Brasil pré e pós-impeachment emergiu um capitalismo mais moderno e produtivo. E a essas duas questões soma-se outra: (3) se a precarização vivida pelos trabalhadores demonstra que o capitalismo brasileiro está retrocedendo em vez de tornar-se mais moderno e produtivo.
Leo V quer nos fazer crer na seguinte narrativa: (1) a Operação Lava Jato não promoveu a produtividade e a modernização do capitalismo brasileiro (2) porque ela representou uma das facetas do “golpe burguês” contra a classe trabalhadora; (3) prova disso é que a classe trabalhadora tem se sujeitado a condições cada vez mais precárias.
Acontece que existem bons motivos para instituições como o FMI (https://www.imf.org/external/pubs/ft/issues6/issue6.pdf), o Banco Mundial (https://www.worldbank.org/en/topic/governance/brief/anti-corruption), a ONU (https://www.unodc.org/documents/treaties/UNCAC/Publications/Convention/08-50026_E.pdf), o Fórum Econômico Mundial (https://www.weforum.org/agenda/2019/12/corruption-global-problem-statistics-cost/), a OCDE (https://www.oecd.org/corruption/oecdantibriberyconvention.htm) e a OMC (https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/10thi_e/10thi05_e.htm) defenderem o combate à corrupção. Devemos ignorar os argumentos de instituições que ditam os rumos do capitalismo global e têm interesse direto na criação de oportunidades de investimento? Devemos ignorar também as iniciativas dos capitalistas brasileiros no mesmo sentido (https://www.legiscompliance.com.br/artigos-e-noticias/355-empresas-brasileiras-avancam-no-combate-a-corrupcao-diz-transparencia-internacional)? Não convém comparar os índices de percepção da corrupção medidos pela Transparência Internacional (https://www.transparency.org/en/cpi/2020/index/nzl) com indicadores de desenvolvimento econômico em cada país (https://databank.worldbank.org/source/world-development-indicators)? Será que o combate à corrupção não cria condições favoráveis à modernização, à produtividade, enfim, ao desenvolvimento? Condições que podem ou não ser bem aproveitadas?
Penso que uma pista para a solução do problema foi dada por João Bernardo neste artigo: https://passapalavra.info/2021/09/139804/. A Lava Jato não foi capaz de fazer prevalecer entre as classes dominantes brasileiras uma nova cultura política. Por conseguinte, estas continuam preocupando-se mais em manter um estilo de vida suntuoso do que em realizar investimentos capazes de compensar as lutas vitoriosas dos trabalhadores com a extração de mais-valia relativa.
Outra questão é que a produtividade não é uma coisa homogênea. Existem níveis distintos de produtividade. João Bernardo esclareceu num texto publicado neste site (https://passapalavra.info/2011/09/43889/) que o Brasil padece de um grande defasamento tecnológico, com um pequeno número de empresas com elevado grau de produtividade, de um lado, e um grande número de empresas de baixo nível tecnológico, de outro, o que dificulta a difusão de tecnologias inovadoras por toda a economia. Além do mais, à introdução de novas tecnologias não correspondem automaticamente melhores condições de vida para os trabalhadores. A FAO, por exemplo, republicou em 2017 (já vivíamos sob o “golpe burguês”) um artigo que comemorava o fato de a agricultura ter se tornado o ramo mais produtivo da economia brasileira, com números que ultrapassavam os de economias desenvolvidas (ver aqui: https://www.fao.org/in-action/agronoticias/detail/en/c/1036314/ e aqui: https://en.mercopress.com/2017/09/08/agriculture-has-become-the-most-productive-sector-of-the-brazilian-economy): “without increasing public spending, the sector managed to produce more with almost the same amount of land”. Entretanto, o DIEESE, em estudo de 2014 (ainda no pré-“golpe”) sobre o mercado de trabalho no campo brasileiro (https://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2014/estpesq74trabalhoRural.pdf), afirmou que “baixa escolaridade aliada à situação de informalidade traduz-se, quase sempre, em baixa remuneração e, por consequência, pobreza”. O rendimento médio dos trabalhadores com carteira assinada no campo era de R$ 1.120,79, e o dos trabalhadores sem carteira assinada, de R$ 579,20. Apesar disso, a produtividade por hectare subiu de 2.195 kg em 2000 para 3.550 kg em 2014. Ora, para os trabalhadores, a melhoria nas condições de vida resulta mais das pressões coletivas do que da introdução de tecnologias mais modernas. A produtividade pode aumentar com a introdução de novas tecnologias, com limitações, mas são as pressões coletivas que fazem a intensificação dos ritmos de trabalho ser compensada por melhorias nas condições de vida.
Por outro lado, aquilo que as pessoas chamam de “precarização”, e que atribuem aos retrocessos pós-“golpe de 2016”, envolve desde a difusão da uberização até a fixação de metas para o funcionalismo público, desde o aumento da jornada de trabalho e a redução de salários até a ampliação da idade mínima para aposentadoria, e assim por diante. Boa parte daquilo que a esquerda chama de “precarização” verifica-se em economias desenvolvidas e altamente produtivas, onde os trabalhadores desfrutam, no geral, de melhores condições de vida.
Além do mais, outra armadilha na narrativa de Leo V consiste em tratar como um bloco homogêneo todas as soluções propostas pelos capitalistas, desde 2016, para a retomada do crescimento e do desenvolvimento, ao mesmo tempo em que deixa de mencionar que soluções semelhantes, concebidas inclusive por cabeças que apoiaram ativamente Temer e Bolsonaro, foram tentadas antes do “golpe da burguesia” em 2016. Compensa dar uma conferida, por exemplo, no livro da economista Laura Carvalho (aqui: https://libgen.is/book/index.php?md5=754A363E8162B470E997C3731C4949DA), observando atentamente qual foi o modelo econômico adotado – e a que interesses atendia – pela presidente deposta, quando deparou com o esgotamento do modelo anterior. Enfim, é como se as políticas econômicas da década anterior não tivessem preparado, junto de avanços, o terreno para o retrocesso.
Pablo, por sua vez, interpreta os fatos como uma reação da “burguesia” contra os “gestores”, como se o PSDB fosse o representante da burguesia retrógrada e o PT, o dos modernos tecnocratas, quando trata-se, na verdade, de grupos com trajetórias convergentes, transitando entre o setor público e o privado e mantendo relações íntimas com – ou se convertendo em, quando já não o eram – investidores capitalistas. É como se a atuação dos gestores não tivesse de ser lastreada, para além do vínculo com o Estado, num processo de acumulação de capital em empresas ou instituições que acabaram assumindo feições empresariais (sindicatos, movimentos sociais…).
E agora uma digressão: o bolsonarismo constitui um enorme retrocesso? Sem dúvida. A calamidade sanitária, a fome, o desemprego e muito mais estão aí para provar. Mas é preciso diferenciar Bolsonaro de Temer, tal como hoje Lula diferencia muito bem Bolsonaro de Alckmin e trabalha ativamente para ter o ex-presidenciável do PSDB como vice, dizendo que com ele conseguiria dormir tranquilo… O Brasil está retrocedendo? Sim, e a Operação Lava Jato deu a sua contribuição, afinal ajudou a conformar o campo fascista hoje hegemonizado por Bolsonaro, mas isso não significa que a Lava Jato não tenha representado, por outro lado, uma certa modernização, ajustando o Poder Público e sobretudo o empresariado brasileiro aos padrões internacionais, requeridos por instituições de governança global. Se as classes dominantes brasileiras não perderam a oportunidade de perder uma oportunidade, aí já é outra questão.
Mas, enfim, voltando à situação da classe trabalhadora, boa parte daquilo que a esquerda chama de “retrocessos”, atribuídos ao “golpe”, faz parte, novamente, da realidade dos trabalhadores nos países mais avançados, onde o velho Estado intervencionista, as políticas de bem-estar social, o papel desempenhado pelos sindicatos, a estabilidade no emprego, etc., foram sendo substituídos por outras coisas. O problema é que, incapaz de lutar nesse novo contexto, rompendo com as tradições do paternalismo e do corporativismo, a esquerda se apega ao velho (literalmente), ao que já não atendia aos interesses dos trabalhadores e que, por isso mesmo, pôde ser removido, embora com certa dificuldade. E os trabalhadores vão se virando para adequarem-se à nova realidade, resistindo como podem, pois não têm tempo para se apegarem a um passado que ajudou a construir o presente.
《Cada modo de produção produz uma tecnologia específica, expressão e realização das suas contradições próprias.》
Em meio à tempestade perfeita do Capitalismo contemporâneo, na qual todos somos náufragos sem rumo, o PassaPalavra poderia ser uma lanterna brilhando na noite escura – em especial no caso do Brasil.
Ainda mais por ter João Bernardo como referencial teórico.
Porém a maioria dos participantes do site, seja como autores de publicações ou na área de comentários, não parece conhecer os livros dele.
Ou não os compreenderam e debateram o suficiente. Ou fizeram leituras seletivas. Vai saber…
Muito menos se debruçaram sobre as contradições internas daqueles livros e artigos, seus pontos cegos, o não-dito eloquente, “aquilo que o autor não pode confessar a si mesmo, e a partir do qual se deve esclarecer toda a obra”.
Deste déficit decorre o PassaPalavra adotar como paradigmas dogmáticos os conceitos de “produtividade”, “economia de escala”, “mais-valia relativa” (tomada como independente da mais-valia absoluta).
Chegando-se ao ponto de polemizar sobre “modernização do Capitalismo”.
O que seria um capitalismo modernizado? Um capitalismo verde? Um capitalismo menos selvagem? Um capitalismo com forças produtivas plenamente desenvolvidas?
Mas esta é justamente a questão.
Por ser um modo de produção, cuja materialidade consiste nas relações sociais subjacentes, o Capitalismo não só não admite adjetivos como de suas metamorfoses nada surge, a não ser ele mesmo.
《Por isso a expansão de dadas forças produtivas
facilita e apressa o desenvolvimento das relações sociais que as condicionam, e não de quaisquer outras. O desenvolvimento, das relações sociais de tipo novo, antagônicas das hoje prevalecentes, vai por seu turno constituir a condição prévia ao aparecimento de uma nova tecnologia. 》
Por que diabos devemos focar na Economia? Certamente não em prol da ordem e do progresso.
Muito menos em virtude de modelos teóricos de uma revolução, pois estes continuam sendo negados pelo crivo da prática.
Num contexto em que a fome e a doença nos assolam, a Economia que nos interessa prioritariamente é a da soberania alimentar, inclusive porque um de seus efeitos é a saúde.
Na Idade Média as aldeias começaram a ser freqüentadas por estranhos visitantes, comercializando mercadorias que traziam de terras distantes.
Quem então reconheceria uma brutal mudança social germinando, com a ascensão da Burguesia?
E hoje? Quais estranhos visitantes agindo de modo inusitado antecipam uma grande transformação?
Não haverá nenhum “capitalismo modernizado”, já temos em curso uma grande extinção em massa.
Se nela não quisermos estar incluídos, devemos reconhecer, para delas participar, as novas relações sociais se constituindo na possibilidade concreta de um novo modo de produção.
• identificar casos de comunidades e territórios com lutas e experiências em seu processo de conquistar autonomias.
• participar, dialogar, divulgar e articular redes para ampliar, aprofundar e interconectar os processos locais numa dinâmica global.
E meio ao ocaso das supostas luzes trazidas pelo Renascimento, impondo o falso brilhante da dominação burguesa, muitos diminutos pontos se acendem.
Como torná-los constelação?
Giovanni, terminologicamente não há muita contradição entre o que Clastres propõe. A recusa do Estado é, na verdade, uma recusa em solidificar uma economia complexa, portanto para ele a escolha de produzir excedentes é uma escolha da superestrutura de uma sociedade, enquanto a infraestrutura seria a consequência disso. Por exemplo, os Tupis-Guaranis não vieram a ser o que seriam os Maias e os astecas porque havia uma escolha política em não produzir excedentes. Não é uma recusa abstrata do Estado, mas uma recusa em desenvolver uma economia complexa. Os excedentes são produzidos nas sociedades primitivas unicamente para realização de rituais ou quando a constante guerra produz um cenário de incertezas alimentares para a comunidade. A antropologia moderna daria os créditos à Clastres por ter tirado essas sociedades da condição de “primitivas” de forma pejorativa, mas as implicações políticas de ‘recusar’ uma economia complexa hoje demonstram incapacidade de realizar uma economia de escala socialista. É claro que os objetivos de Clastres são exclusivamente acadêmicos, por isso é confortável que se abstenha das consequências práticas de se abdicar da economia de escala. No pior dos casos, pensar que se pode fugir ou abolir a economia nos trará uma herança similar a do Camboja, entre outros exemplos. Por outro lado Clastres é o intelectual favorito de muitos autonomistas que querem abolir o capitalismo mas tem preguiça de colocar alguma outra coisa no lugar.
Quem trata seriamente a Lava Jato como operação de combate à corrupção não pode estar ‘na política’, ganha diploma de incapacidade política, não atravessa sequer a ideologia mais chinfrim.É com uma ideologia tão barata que até o tio do zap não acredita mais que se vai querer argumentar e fazer análise?
O ponto é do delírio…
Se pelo menos lessem os livros de história saberiam que o álibi e discurso anticorrupção foi usado para tentar impedir JK, foi usado no golpe de 64 (e discurso era idêntico ao de 2016), e no mundo historicamente sempre o fascismo o utilizou. A ideologia “anticorrupção”, que serve para abater inimigos políticos e mobilizar a massa, esse foi o fenômeno que vivemos, para um retrocesso histórico imenso, retirada de direitos trabalhistas, destruição de empresas tecnologicamente de ponta, pilhagem generalizada de recursos como numa colônia.
Sério, pessoal tá vivendo numa realidade paralela, que imagino que deve dar alguma segurança interior equivalente ao que ocorre entre os bolsonaristas e terraplanistas que criam seu mundo paralelo.
Houve algumas organizações e correntes de extrema-esquerda que mantiveram o pé na realidade, e fizeram a leitura óbvia e correta do que aconteceu de 2015 para cá. Uma delas é a Coordenação Anarquista Brasileira. Na extrema-esquerda, no entanto, se viu muito o descolamento da realidade, como foi abundante aqui no PP.
Quando um piloto de avião não consegue entender o que os instrumentos estão indicando e o que está acontecendo, resultando em acidente, se diz que ele não fez ou não conseguiu ter uma representação correta da situação, não conseguiu formar na sua cabeça o que estava acontecendo, o motivo de cada instrumento estar indicando o que indicava etc.
Boa parte da extrema-esquerda tem um problema de representação mental bastante grande. Se pilotasse um avião e o painel do avião fosse “do PT”, o avião iria cair.
Primeiro tem que tratar da PTfobia pra depois fazer análise política ou “pilotar esse avião”, esse é meu diagnóstico de grande parte da extrema-esquerda. A CAB é um exemplo de organização que não confunde seus princípios e posições estratégicas com análise da realidade.
Fagner,
antes de mais nada, sua intervenção tem um estilo e tom muito ruins, insinuando má fé ou estupidez da parte dos interlocutores, o que desestimula o debate.
Sobre gestores PT versus burgueses PSDB Pablo não “interpreta”, e sim “interpretou”, em 2015, e com base não em um achismo e sim em uma pesquisa de mais de 300 páginas refinando os financiamentos de campanha, onde restou comprovado que empresas de gestão burguesa (e eu não as chamei de retrógradas) apoiaram o PSDB, e empresas transnacionais de cariz gestorial apoiavam o PT. Basta recuperar as tabelas de ilustração do meu artigo e checar os dados para ver tudo que descobri. Eu não errei em apontar esse ACENTO em um e outro lado das classes capitalistas por parte de um e outro partido financiado, e nem mesmo no antagonismo entre eles (agora talvez comece a ficar difícil lembrar, com Alckmin cotado a vice de Lula, mas no jogo do PSDB à época da Lava Jato seria ele a retornar ao poder em 2018). O que eu errei foi tão somente em tentar interpretar um processo super complexo com base naquela pesquisa e naquela chave de análise. Ainda assim dei uma contribuição ao debate e o grosso da pesquisa segue atual 6 conturbados anos depois. Não venha empobrecer o que escrevi (e aliás, vc empobreceu o que LeoV defende também, e ainda chama pejorativamente de “narrativa”).
A certa altura vc diz:
“A Lava Jato não foi capaz de fazer prevalecer entre as classes dominantes brasileiras uma nova cultura política. Por conseguinte, estas continuam preocupando-se mais em manter um estilo de vida suntuoso do que em realizar investimentos capazes de compensar as lutas vitoriosas dos trabalhadores com a extração de mais-valia relativa.”
No cenário da Lava Jato, a “nova cultura politica” era mais valorizada pelas empresas ligadas ao PT (gestores de visão cosmopolita). O “estilo de vida suntuoso” era mais valorizado pelas empresas ligadas ao PSDB, empresas que tem como dono pessoas e famílias, em vez de milhares de acionistas. A questão aqui é de acento, ou seja, existem exceções onde se vê o inverso. Com a destruição operada pela Lava Jato os vácuos econômicos foram ocupados por empresas transnacionais de base estrangeira, que tomaram conta dos ativos internos comprando muita coisa a preço de banana, com dólares valorizados, e por empresas nacionais menos despojadas, que conseguiram garantir sua fatia ou migalhas (especialmente com Bolsonaro no poder) e tiveram seus setores mais valorizados. Com o terreno pronto para aprofundar os ataques aos trabalhadores, as empresas não se viram e não se veem impelidas a por em marcha os mecanismos de mais-valia relativa, simplesmente porque o conflito social está em baixa sintonia e a lucratividade é assegurada por meio de puros e simples ataques, capitaneados pelo Estado. É óbvio que ainda há desenvolvimento da produção, mas sem grande pressão por parte dos trabalhadores em luta. Então, seguindo seu modelo de exposição, (1) Embora tenha focado em temas que contribuem com a modernização capitalista, nomeadamente a retirada de mecanismos clientelistas e de corrupção, a Operação Lava não promoveu a produtividade e a modernização do capitalismo brasileiro, e nem poderia, posto que modernização parte sempre da relação das empresas com os trabalhadores em luta. O que ela fez foi tirar do jogo alguns players globais de base brasileira permitindo que o espaço fosse ocupado por outros (2) por conta disso, e do papel que os ativos estratégicos (pré-sal etc) e empresas desempenhavam no desenvolvimento econômico interno (geração de emprego etc) e nos planos petistas de redução da desigualdade social simultaneamente à ampliação dos lucros da capital financeiro e do agronegócio, tudo via mecanismos de acomodação e controle da classe trabalhadora, ela, a Lava Jato, representou uma das facetas do aprofundamento dos ataques contra a classe trabalhadora, algo que já vinha ocorrendo (capitaneado pelo PT) e se aprofundou após o impeachment, assim como depois se aprofundou com Temer e com Bolsonaro; (3) nesse cenário a classe trabalhadora tem se sujeitado a condições de trabalho e de vida cada vez mais precárias, em virtude de ter perdido, devido à assimilação democrático-popular dos principais órgãos de luta, a capacidade de reação política organizada, capaz de resistir aos ataques. Ao perder essa capacidade ela perde os benefícios materiais de ser explorada prioritariamente por mecanismos de mais-valia relativa.
arkx Brasil,
minha opinião é que devemos focar na economia porque o principal meio da contrarrevolução permanente é o desenvolvimento das forças produtivas, que capacita as empresas capitalistas a assimilar as lutas dos trabalhadores por meio dos mecanismos de mais-valia relativa. Com isso os trabalhadores passam a ser mais explorados em termos de valor e simultaneamente têm mais acesso a bens materiais, tendo assim a impressão de estarem sendo menos explorados. Sem entender a economia os trabalhadores continuarão sempre a recair nesse paradoxo, que resulta na manutenção e fortalecimento do sistema. A preocupação em torno da modernização do capitalismo é a preocupação em torno do modo específico de exploração capitalista dos trabalhadores: quanto mais moderno o capitalismo, maior o foco na mais-valia relativa (isso em termos de acento, pois sabemos que no mundo real a coisa se dá de modo atrelado, com o moderno e o arcaico sendo produzidos e reproduzidos num mesmo processo que muitas vezes reengendra mecanismos de exploração obsoletos e menos produtivos, por exemplo a exploração em situação análoga à escravidão etc). Justamente por conta de toda esa complexidade é que o foco deve ser dado na economia e os mecanismos estudados em sua concretude e especificidade.
Realmente gostaria de entender como a operação Lava Jato operou essa suposta modernização da economia brasileira elevando a governança do setor público e das empresas privadas ao nível standardizado por bancos e organismos multilaterais. Não haveria a possibilidade de que esses standards internacionais anticorrupção sejam manejados por países centrais para destruir conglomerados econômicos de sucesso dos países pobres?
No fundo, o que estão a advogar aqui é uma pretenso interesse de organismos como FMI e Banco Mundial em alavancar economias como a brasileira.
Moro seria o profeta incompreendido da nossa burguesia! Vejam só! A burguesia brasileira perdeu a oportunidade de modernizar-se com seu Messias: Sergio Moro.
Convenhamos. Não parece ser o caso.
O que não fica claro nessa análise é como a corrupção afeta a produtividade das empresas brasileiras. Por exemplo, a Odebrecht, metida em esquemas de propinas, era uma das maiores empresas multinacionais do país. Possuía um dos maiores índices de internacionalização segundo estudo do Instituto Dom Cabral. E aí?
Faltam a essa análise pitadas de elementos político e geopolítico. Ora, por que a suposta modernização da economia brasileira passa pelo aprisionamento (ilegal) do candidato favorito a levar as eleições? Quais a relações do ex-juiz com o departamento de Estado americano? Nenhuma?
Não que a geopolítica explique totalmente a Lava-jato, mas parece que é o caso sim de considerá-la nas análises.
Uma questão interessante a se levantar é: quais conglomerados econômicos ganharam com a Lava Jato. Quem levou a massa falida das empreiteiras no mercado global?
Por outro lado, de 2016 para cá, sabemos que as condições de vida do povo deterioraram-se bastante.
Caro Fagner,
Quero dar-lhe os parabéns pelo seu comentário, não só pelo estilo e pelo tom, que considero um excelente estímulo ao debate, como pelo conteúdo. Uma única crítica, é que você deveria ter reservado isso para um artigo, espero que ainda o faça.
Um abraço.
Pablo,
-> “…quanto mais moderno o capitalismo, maior o foco na mais-valia relativa (isso em termos de acento, pois sabemos que no mundo real a coisa se dá de modo atrelado, com o moderno e o arcaico sendo produzidos e reproduzidos num mesmo processo…”
– os modelos da mais-valia relativa e da mais-valia absoluta não operam nunca na forma isolada, mas articulam-se em múltiplas combinações;
– o desenvolvimento da mais-valia relativa, mesmo nos seus casos extremos, não deixou nunca de se conjugar com a manutenção de áreas de mais-valia absoluta;
– uma teoria econômica baseada apenas na mais-valia relativa constitui uma perfeita utopia;
– uma crítica da economia baseada apenas na mais-valia absoluta exprime os anseios de um revolucionarismo ingênuo, não ultrapassa uma visão fragmentária do modo de produção, condenando-se à ineficácia;
– qualquer tentativa de explicação de cada uma das situações concretas existentes no mundo em que vivemos tem de articular, de uma forma específica, os mecanismos da mais-valia relativa e os da absoluta.
Exemplo: Vale do Silicio + swetshops asiáticas + cleaners e rotuladores de dados
Mas na verdade estamos adotando enfoques diferentes frente a questão do “diabo da Economia”.
Compreendo perfeitamente o seu. O meu é: qual a forma de gestão do meio em que vivemos (oikonomía) capaz de garantir nossa sobrevivência, frente ao colapso de um mundo.
Fagner Henrique,
Considerar a Lava Jato como fator de modernização do Capitalismo no Brasil (seja lá o que for um “capitalismo modernizado”), citando o agronegócio como exemplo de produtividade a ser adotado é desconsiderar por completo:
– o agronegócio negócio só é rentável por contar com todo tipo de subsídios: financiamento diferenciado, isenção fiscal, estímulo cambial, gratuidade no uso de recursos naturais públicos, etc;
– além disto, o agronegócio não arca com nenhum dos impactos gerados por suas externalidades;
– para usufruir destes privilégios, o agronegócio recorre ao uso de todo tipo de corrupção.
Portanto, nada mais distante da dura, crua e nua realidade dos dados e fatos que o agronegócio produz “without increasing public spending”.
A corrupção é intrínseca ao Capitalismo, faz parte de todo modelo de negócios.
A Lava Jato nada mais foi do que instrumento da Luta de Classes, que se dá também entre frações de classes.
Não há como compreender plenamente a Lava Jato senão pela supressão da Satiagraha. Do mesmo modo que o Fora Dilma é gerado pela supressão de Junho de 2013.
Ambas efetuadas pelo Lulismo.
“A inacreditável adulteração do pão, especialmente em Londres, foi revelada pela primeira vez pelo comitê da House of Commons [Câmara dos Comuns] “sobre a adulteração de alimentos” (1855-1856) e pela obra do dr. Hassall, Adulterations detected. A consequência dessas revelações foi a lei de 6 de agosto de 1860: “for preventing the adulteration of articles of food and drink” [pela prevenção da adulteração de produtos alimentícios e bebidas], uma lei inócua, pois, como é natural, trata com a mais terna delicadeza todo free-trader [livre-cambista] que demonstra comprar e vender mercadorias adulteradas “to turn an honest penny” [para ganhar um centavo honesto]. O próprio comitê formulou, de modo mais ou menos ingênuo, sua convicção de que o livre-comércio significa essencialmente o comércio com matérias falsificadas, ou, como os ingleses a elas se referem jocosamente, “matérias sofisticadas”. Na verdade, esse tipo de “sofística” sabe melhor que Protágoras como fazer do branco preto e do preto branco, e melhor que os eleatash sabe demonstrar ad oculos [aos olhos] a mera aparência de todo real” (Karl Marx, O Capital, I, Ed. Boitempo, p.231)
Segundo arkx Brasil “– o desenvolvimento da mais-valia relativa, mesmo nos seus casos extremos, não deixou nunca de se conjugar com a manutenção de áreas de mais-valia absoluta” . Por analogia, a corrupção, seja ela via gangsterismo (uma espécie de corrupção “absoluta”), seja via lobismo (uma espécie de corrupção “relativa”), é fator intrínseco e inalienável ao modo de produção capitalista, desde o tempo de Marx, o chamado Santo, ao tempo de Passa Palavra, conforme excertos abaixo retirados de matéria do El País em 28 de setembro de 2015 (mais de 150 depois de Marx, dito Santo…):
“Os fiascos ‘Made in Germany’
A fraude da Volkswagen se soma a outros escândalos do setor bancário e da indústria.
A venerada imagem que a Alemanha tem de ser um país eficiente e responsável —e cujo emblemático selo de exportação Made in Germany é aceito mundialmente como garantia de qualidade— sofreu um golpe no fim de semana passado, por causa de uma saga digna de um filme de vilões que se acham muito espertos. A Volkswagen, uma das joias mais preciosas da grande indústria alemã, que emprega diretamente cerca de 600.000 pessoas em todo o mundo, foi obrigada a admitir que havia enganado as autoridades ambientais norte-americanas, ao instalar um software sofisticado que lhe permitia burlar as emissões de gases tóxicos em vários modelos com motores a diesel.
(…) A Alemanha é um país corrupto e os executivos formam uma família sem escrúpulos onde prevalece o lucro acima da honestidade? A questão não é por acaso, e esse aspecto pouco conhecido do país ganhou destaque nos meios de comunicação mais importantes quando foram revelados vários escândalos de corrupção protagonizados por empresas emblemáticas como a Siemens, bancos como o Deutsche Bank e o Commerzbank, e também pelos partidos políticos e sindicatos.
(…) A grande indústria alemã se beneficiou até 1998 de uma brecha legal que lhe permitiu pagar subornos em metade do planeta e deduzir dos impostos o dinheiro utilizado para conseguir contratos. Esse sistema permitiu à Siemens, outra joia da grande indústria alemã, se expandir rapidamente em mercados em desenvolvimento (…)
Casos de destaque:
§ Siemens. Em 2008, a Siemens teve de pagar 1 bilhão de dólares pelo envolvimento em mais de 400 casos de suborno em todo o mundo.
§ MAN. A montadora, filial da Volkswagen, pagou em 2007 uma multa de 150 milhões de euros devido ao pagamento de propinas na Europa, África e Ásia para vender caminhões e ônibus.
§ Deutsche Bank. O banco foi multado este ano em 2,5 bilhões de dólares por manipular as taxas de juros usadas em empréstimos entre bancos.
§ Commerzbank. A instituição pagou 1,45 bilhão de dólares por ter realizado transações com países sob embargo.mente em mercados em desenvolvimento. (El País, 15 de setembro de 2015. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/25/economia/1443197454_856174.html)
Como diz a matéria, “esse aspecto pouco conhecido do país” (a Alemanha no caso), este “pouco conhecimento” certamente poderia adjetivar todos os países do mundo, em especial aqueles considerados mais avançados, com maior produtividade de mais-valia relativa, maior qualificação e remuneração da força de trabalho. Mas, para sermos mais precisos, tal adjetivação (o aspecto pouco conhecido…) deve ser feita, sobretudo ao “Estado Amplo”, posto que, certamente, “instituições como o FMI, a ONU, o Fórum Econômico Mundial, a OCDE e a OMC defendem o combate à corrupção”, na maioria das vezes, tão somente em face ao “Estado Restrito”. Além disso, não há, em nenhuma dessas instituições, estudos, estatísticas, etc, sobre, por exemplo, caixa 2: como se produz, se opera, se calcula, etc… E será que seria possível haver? Será que os gestores destas empresas deixariam a “razão” econômica de lado e se voltariam à “ética” dos negócios. Candidamente exporiam em jornais seus balanços contendo os valores de caixa 2? Se ética e moral são a perdição da classe trabalhadora, o que seria para as classes capitalistas?
É bem verdade que as reivindicações das esquerdas atuais, principalmente as identitárias, não alteram a exploração capitalista, podendo até reforçá-la. Desvencilhar a mais valia absoluta da relativa e a corrupção dos gangsters e dos lobistas como condição sine qua non para o desenvolvimento do capitalismo, do mesmo modo, só faz reforçar a exploração.
E se Marx, o Santo, não serve mais para explicar o presente, bebamos em novas fontes:
“Com efeito, é um facto de importância capital, e que domina toda a economia alemã de hoje, que os bombardeamentos tivessem sido muito mais sensíveis sobre as cidades e os nós de comunicação do que sobre as forças produtivas. […] Assim – constatação primordial e novo paradoxo da Alemanha do pós-guerra – a indústria pesada, base essencial da indústria de guerra, saía do conflito menos atingida do que qualquer outra. Calcula-se até que a Alemanha possuía ainda em 1945 o segundo equipamento mundial em máquinas-utensílios, logo a seguir ao dos Estados Unidos […]” (João Bernardo -Internacionalização dos Capitalistas e Fragmentação dos Trabalhadores – Cap III- https://comunism0.wordpress.com/internacionalizacao-dos-capitalistas-e-fragmentacao-dostrabalhadores/)
O excerto acima talvez seja uma das mais ricas sínteses de como o capitalismo pode conjugar modos e forças aparentemente tão divergentes. A Alemanha sai logo após a 2ª guerra do fascismo, mas não deixa de ser fascista. Ser o “segundo equipamento mundial em máquinas-utensílios, logo a seguir ao dos Estados Unidos” revela que o Estado Amplo (e não tanto o Estado Restrito), pela via do totalitarismo (ou Democracia Totalitária) seguiu desenvolvendo as forças produtivas, sob o modelo fascista, antes, durante, e após a guerra. Aliás, o quanto de desenvolvimento tecnológico e produtivo não foi compartilhado no pós guerra entre os “Estados Amplos”(muito embora alguns insistam em dizer que este “compartilhamento” foi uma espoliação americana e russa sobre a Alemanha fascista).
É neste contexto histórico que fica difícil de vislumbrar uma cisão dos fundamentos do modo de produção capitalista no presente e no futuro. E o próprio movimento identitário e ecológico esta aí para provar isto. A mesma Volkswagen que burlou as leis ecológicas, é a mesma Volkswagem que incentiva as ideias ecológicas. Substitua Volkswagen por qualquer outro Estado Amplo é o resultado é o mesmo…
Tiririca,
Acho que é verdade! Se, como diz João Bernardo, grande parte do comércio mundial se realiza, na verdade, no interior das grandes empresas, ou, mais precisamente, no interior do Estado Amplo, as diferenças de produtividade e formação de mão de obra só poderiam estar se complementando, ainda que realizadas sob Estados Restritos diversos. Além disso, se o conjunto de recursos para a produção, incluso aí a força de trabalho, estão genericamente à disposição dos capitalistas como classe, esta produção se realiza, também, em conjunto. Não adianta ter um carro com motor de Ferrari sem ter um simples pneu, né?
Pois é São Marx! E se antigamente o capitalista falsificava o pão acrescentando serragem, cascas, sementes, etc, à farinha de trigo, hoje ele ainda continua fazendo isso, só que chama de pão integral com 9 grãos e ainda cobra mais caro…. isso que é mais valia relativa!
arxkx brasil fala em ‘forma de gestão do meio em que vivemos (oikonomía) capaz de garantir nossa sobrevivência’ ao passo em que critica as economias de escala.
Essa ‘forma de gestão que garanta nossa sobrevivência’ seria, portanto, uma economia da escassez? Algo que produz o estritamente necessário para nossa reprodução biológica
Onde especificamente critiquei a economia de escala? Inclusive tomei a precaução de a ela me referir colocando a expressão entre aspas.
O Modo de Produção é como a Ideologia, ambos perpasam e constituem um mundo e nossa percepção dele.
Tornam natural e inquestionável a permanente produção, e reprodução, de relações sociais determinadas historicamente.
A economia de escala, tal qual a conhecemos, só é capaz de produzir escassez, desigualdade, miséria, desperdício e destruição.
Cada modo de produção tem suas especifidades, seu desenvolvimento técnico próprio que possibilita sua reprodução.
Muito pouco da tecnologia do Capitalismo pode ser reapropiada num modo de produção Comunista.
Contudo, esta afirmação (algo que deveria ser de uma total obviedade) se converte numa heresia ou soa incompreensível.
Seja como for, refiro-me a questões práticas e urgentes: a fome e a doença.
Com ainda 230 mortos diários no Brasil, em apenas 21 dias superamos a quantidade total de óbitos em toda a pandemia na China.
Milhões de miseráveis mal conseguem o mínimo necessário para sua “reprodução biológica”.
Economia de escala capitalista é isso aí.
O que precisamos é de autonomia na produção de energia, água e comida: o fundamento de todas as demais autonomias.
O primeiro partido a pedir publicamente o impeachment da Dilma está abrindo suas portas a Alckmin, para construir a chapa Lula-Alckmin 2022.
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/12/09/solidariedade-paulinho-da-forca-sindical-alckmin-lula-2022-psdb.htm
engraçado esse pessoal PTfóbico.
Mais um comentário na batalha contra a negação da realidade e as teorias baseadas em fantasias que pulula aqui pelo Passa Palavra (principalmente nos comentários).
Cratera do metrô de São Paulo. Obra parada de 2016 a 2020 porque a Lava-Jato destruiu as empreiteiras. A obra foi dada então a uma empreiteira espanhola. Está certo, em 2007 também teve cratera de metrô em São Paulo. É a lógica financeira se sobrepondo à engenharia, fenômeno mais ou menos global.
Essas semanas um amigo que voltou a trabalhar com a Petrobrás afirmou espontaneamente que “a Petrobrás é a nossa Nasa”. As empreiteiras brasileiras tinham conhecimento de ponta de engenharia. Não era empresas obsoletas, bem pelo contrário. Não à toa atuavam se não em todos em quase todos os continentes e eram um vetor do subimperialismo brasileiro na década de 2000. A Petrobrás nem se fala, desenvolveu ciência e tecnologia para extração em águas profundas que nenhum empresa do mundo possui.
A Lava-Jato atacou exatamente as empresas transnacionais brasileiras tecnologicamente mais avançadas. A Lava-Jato desde o iníco e muito claramente, como se cansou de apontar, atuou, entre outras coisas, para abrir espaço no mercado para outras empresas, de fora. E obviamente não foi para modernizar o capitalismo brasileiro. Muito pelo contrário, era o projeto neocolonial que se erguia com ajuda da Lava-Jato, a olhos vistos.
Sergio Moro disse esses dias que se fosse presidente privatizaria a Petrobrás e disse que ela é atrasada.
Pela milésima vez: para ter um projeto não nacionalista e não social democrata, à esquerda, não é preciso negar a realidade das disputas geopolíticas e nem negar a história colonial da América latina, a qual sempre tensiona o presente. Está aí Noam Chomsky para mostrar que dá pra ser anarco-sindicalista e apontar, com fartura de dados, todos esses interesses geopolíticos em jogo.
Leo, o problema nunca foi negar que exista a disputa imperialista. O que seria impensável é sustentar que a classe trabalhadora deveria preocupar-se com a soberania nacional brasileira. A empresa espanhola responsável pela nova cratera no metrô de São Paulo, é certamente uma transnacional tecnologicamente avançada. Ou será que nosso problema é que as empresas estrangeiras que vêm explorar a força de trabalho no Brasil não são suficientemente boas no que fazem?
Ao ler um comentário acima lembrei de um amigo que dizia: “A única coisa de anarquista que percebi nos escritos de Noam Chomsky foi a total ignorância em economia.”
imigrante,
A questão nunca foi se preocupar ou não se a empresa é espanhola ou brasileira. A questão é não fazer análise fantasiosa, dizendo que um processo que entre outras coisas visava interesses geopolíticos e de rebaixamento das condições de vida e de direitos dos trabalhadores era um processo modernizador!!!
Ora, era isso que era dito e ainda é dito aqui neste site em textos e comentários!!! Que se tratava de modernização, renovação de gestores etc etc.
Além de não ser modernizador (pelo contrário, era neocolonial e regressivo), era um processo de rebaixamento das condições de vida dos trabalhadores. E se isso não interessa a quem é de esquerda, interessa o que?
Quando se institui Preço de Paridade de Importação do petróleo para atender os interesses de capitalistas, se trata de luta de classes, pura e simples. É renda dos trabalhadores que é sugada pelo aumento do lucro de acionistas privados. Agora, quem não entendeu em 2015 e 2016 que era pra isso (também) o golpe, e achava que não havia luta de classes envolvida, tem que sair da alienação em que se encontra.
A ladainha do “golpe” voltou em ano eleitoral. Interessante.
É um exagero afirmar que a Lava Jato destruiu a economia de determinados setores.
O exemplo levantado por Leo V sobre a perda da licitação das obras da Linha 6 do metrô de São Paulo pela Odebrecht e Queiroz Galvão não deve ser colocado na conta da Lava Jato, o rompimento de contratos em andamento de empresas envolvidas em corrupção faz parte da legislação brasileira muito antes da existência da Lava Jato na lei de licitação. A perda de crédito com bancos públicos também faz partes da penalidades, no caso da Linha 6, impossibilitou que as empresas acima continuassem as obras. Sobre isso a Lava Jato não inventou nada de novo já estava prevista em lei as consequências.
A quebradeira das petroleiras e das petroquímicas foi em consequência da crise mundial do setor petroliféro. A falta de investimento no setor foi em decorrência da crise que levou, em 2016, o barril de petróleo a ser vendido por 30 dólares, recorde negativo histórico no setor. A Opep após fechar o gargalo e diminuir a produção afirma que novos investimento só se darão quando o barril chegar a 100 dólares. Hoje o barril está sendo vendido a 90 dólares e a Opep+ anunciou aumento na produção, em 2014 chegou a ser vendido a 120 dólares o barril.
O máximo que se pode levar em conta é que a Lava Jato agravou as crises dessas grandes empresas, que já passavam dificuldade motivado pelo mercado externo e pela crise que passava o país na época.
A Lava Jato não teve todo esse poder de destruir a economia de um país, é um exagero.
Quantas vezes eu repito — inutilmente, claro — que o Brasil está no mundo! Mas os brasileiros não acreditam. Têm um mundo próprio, limitado pelas fronteiras do país. A Lava-Jato só pode ser entendida no contexto do reforço do poder judiciário contra o poder executivo, que nas últimas décadas parece caracterizar um bom número de democracias representativas. Veja-se o sucedido na Ásia, nomeadamente na Coreia do Sul, e em países do Pacífico. Na Europa os exemplos abundam, e talvez o caso português seja o mais decisivo, com a intervenção judiciária contra o ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates e o grupo Espírito Santo, que na época era o principal grupo económico português. Esse processo arrasta-se há anos e continua a fazer novas vítimas entre gestores e empresários que ocupavam o primeiro plano na economia e na política. Para impedir este assalto do judiciário ao executivo, os dois governos mais autoritários da União Europeia, a Polónia e a Hungria, mas especialmente a Polónia, aumentaram os poderes do executivo sobre o judiciário, o que os tem levado a sofrer retaliações por parte do órgão central da União Europeia. Paro aqui, porque sobre este tema podia escrever-se um tratado. Limito-me a chamar a atenção para o assunto.
Resumir a Lava-Jato a uma manobra inserida na destituição de uma senhora pelos seus antigos aliados é ignorar o mais interessante da Lava-Jato — ter feito parte de um processo de âmbito mundial.
REGURGITOFAGIA DA RUMINÂNCIA
Hobsbawm disse que Kraus disse que Confúcio disse: “Se a linguagem não estiver correta, o que é dito não é o que se quer dizer. Se o que é dito não é o que se quer dizer, o que tem de ser feito não será feito: a moral e a arte apodrecem. Se a justiça se extravia, o povo esperará – cada vez mais impotente e confuso. Portanto, que não haja leviandade no que se diz. Isto é o que há de mais importante.”
Exatamente João Bernardo,
Casos de lawfare são mundiais. No Brasil alcançou uma espécie de tipo-ideal, pois conseguiram destituir presidente, impedir outro de ser eleito e implementar um programa ultraliberal. Na Coreia do Sul algo parecido ocorreu posteriormente, com o “Moro” de lá saindo como candidato a presidente também.
Já o avanço do Judiciário sobre o executivo, no Brasil, tem uma marca bastante clara, para além do caso mensalão. O caso de Cesare Battisti, em que parte do STF realizou uma batalha para esvaziar o poder do executivo em conceder refúgio político. A oposição ao governo fora então para o poder Judiciário.
O Judiciário é, entre os tais três poderes, o que possui menor (ou nenhum) controle democrático. Isso talvez diga muito sobre a necessidade ou a possibilidade cada vez maior das classes capitalistas prescindirem de governos eleitos.
A questão é que não é disso que se vê discussão por aqui quando se trata de Lava-Jato. A chave da esquerda que frequenta o Passa Palavra é em geral dizer qualquer coisa que seja contrário ao que o campo hegemonizado pelo PT diz. Sendo assim, se o PT diz que a Terra é redonda, aqui irão aparecer análises dizendo que a Terra é plana. Da mesma forma as análises se centraram em dizer que a Lava-Jato era modernizadora e coisas do tipo, quando na verdade ela foi instrumento de regressão e de uma política de redução das condições de vida e de direitos da classe trabalhadora.
O problema da discussão sobre a terra ser plana, ou redonda, é que se você for analisar ela é um geóide.
A chave para entender o que diz Leo V é a frase “a Lava Jato destruiu o Brasil”.
Me parece lógico que uma esquerda autonomista não coincida com as posições e as análises feitas por uma esquerda compromedita com o desenvolvimento do capitalismo nacional, sinto como se estivesse discutindo com alguém que não conhece a história do movimento anticapitalista. É consequente de tua parte, Leo V, atrelar os governos do PT aos interesses da classe trabalhadora, assim como é consequente da parte da esquerda autonomista não o fazer.
Agora, você terá que admitir que não existe isso de “o PT diz tal coisa ou tal outra”, já que são diferentes posições dentro do partido. Seria difícil dizer exatamente o contrário do que dizem:
“Existe um pedaço pequeno do PT que ainda fica nesse negócio de golpe. Política não se faz com ressentimento, se faz pensando em estratégias para transformar a vida do povo”
https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/vice-presidente-do-pt-diz-que-dilma-nao-tem-mais-relevancia-eleitoral
Existe hoje esse esquerdismo petista, na sua versão mais estalinista ou mais libertária, que tenta ir além do partido, com suas interpretações e seus desejos projetados. Existe um Lula para cada um de nós.
imigrante,
O problema não é evidentemente que as análises da esquerda não coincidam em tudo (ou mesmo da esquerda e da direita). O problema é quando se acha que elas devem ser diferentes em tudo. Há fatos que formam o que chamamos de realidade. Se alguém olha a Torre Eiffel e chama de “minha avó” para não ter a mesma “análise” do PT de que se trata da Torre Eiffel , esse alguém entra no campo da loucura, do ‘non sense’.
Atrelar o interesse da classe trabalhadora ao PT significa que as ações da classe trabalhadora devem seguir os interesses do partido, por princípio.
Coisa muito diferente é não se enganar de que o golpe juridico-midiático articulado para derrubar Dilma e impedir o PT visava antes de tudo implementar uma política econômica que atingia em cheio a classe trabalhadora. No contexto da luta de classes o governo do PT era como uma muralha, que se impedia que a classe trabalhadora avançasse ou visse um horizonte, também bloqueava o tsunami neoliberal (ou ultraneoliberal). O problema não foi o PT ser derrubado em si. O problema é que não foi a classe trabalhadora que derrubou! O problema na foi Dilma cair, mas que caiu e ai cair em cima da gente!
Agora, quem não consegue ou não conseguiu enxergar quem derrubava e por que derrubava, deveria ver desenho animado e não se aventurar em fazer análise política.