Por Isadora de Andrade Guerreiro

A discussão sobre a informalidade tem ganhado destaque em várias áreas. Há que se pensar sobre os interesses dos organismos multilaterais do capitalismo com o termo – que é determinado historicamente e tem vida recente –, pois a fronteira de expansão do capital tem passado justamente sobre a captura de relações in-formes, ou melhor, não subsumidas totalmente à forma-capital. O fenômeno da atual “informalidade urbana” na América Latina não foi denominado sempre assim, e olhar rapidamente sobre como os conceitos se desenvolveram dá algumas pistas sobre seu lugar político hoje.

As cidades da América Latina foram lidas, desde a década de 1950, como tendo um desenvolvimento desordenado, extensivo, desigual, com zonas precárias produzidas fora das relações estritamente capitalistas. Havia uma dificuldade de explicação, a partir dos instrumentos analíticos do desenvolvimento europeu, de porque essas cidades cresciam de maneira muito diferente do que o centro do sistema capitalista. Como explicar o inexplicável? Ou, na verdade, o que não se quer ver: as consequências da violência colonial e sua contínua reprodução. Daí talvez o nascimento do sentido ideológico historicamente determinado dessa noção de informalidade. O informal foi construído como o que “não tem forma”, como algo que está fora desse sistema e que, portanto, se deve adequar, colonizar. Legitima-se a violência da subsunção à forma-capital ao determinar que o seu “outro” é sem-forma.

O atraso e a marginalidade dual

O debate não tinha esses termos até pouco tempo atrás. Na década de 1950 e início da década de 1960, o debate era sobre o desenvolvimento – ou sobre o subdesenvolvimento – e tinha três aspectos problemáticos que passaram a ser respondidos no final da década de 1960, começo da de 1970.

O primeiro aspecto problemático era a escala de análise. A ideia de subdesenvolvimento, olhando para a formação do território brasileiro (ainda na transição rural-urbano), trazia a dimensão daquilo que foi entendido como uma herança feudal, como se a América Latina estivesse num sistema “anterior” e, portanto, ligada a formas não-capitalistas de produção como o escravismo, o latifúndio. As cidades de desenvolvimento desigual, inclusive regionalmente, seriam expressões desse “atraso” – do ponto de vista de uma lente olhada localmente, dentro da nossa realidade, sem uma conexão com o mercado global. Daí a questão da escala de análise: se olharmos só para nós mesmos, não veremos nossa inserção no mundo e, portanto, nos veremos sempre como o “outro”, o que “não é”, no caso, denominado como “atrasado” (não “informal”).

O segundo aspecto problemático era o deslocamento dos sistemas analíticos. Havia uma tentativa de enquadrar processos concretos em sistemas analíticos que chegavam de outras formações sócio-históricas. Por exemplo, a “vulgata stalinista”, na década de 1950, plasmada no “etapismo” de Rostov, que entendia que o desenvolvimento se dava por etapas e que nós estaríamos numa etapa atrasada. E o entendimento da produção urbana era o de que essa desigualdade que víamos nas cidades era consequência de um capitalismo insuficiente, que levaria à “marginalidade” (não “informalidade”). E, portanto, dentro da perspectiva etapista, esta estaria fadada à extinção, pois com o desenvolvimento do capitalismo, isso se equilibraria e seríamos como os países centrais.

Dentro da perspectiva urbana, há um texto de Luís Pereira, um urbanista ligado à CEPAL na década de 1960, “Urbanização e subdesenvolvimento”, de 1965, que ilustra bem esse pensamento. Vejo essa visão como a de uma “marginalidade dualista”: pois essas zonas, que não seriam produzidas diretamente pelo modo de produção capitalista, estariam à margem, formando um sistema dual entre o que está dentro e o que está fora. A marginalidade dualista seria uma consequência desse desequilíbrio causado por certo tipo de dependência, a partir da qual há mais urbanização do que industrialização. Isso levaria, segundo tais pensadores, a um “terciário inchado”, pois já que as pessoas vão para as cidades e não têm um trabalho industrial por conta de uma indústria de baixo desenvolvimento, elas acabariam no setor terciário, que ficaria inchado. A perspectiva do momento era que o responsável por isso seria o “imperialismo”, que impediria nosso desenvolvimento, nos mantendo no atraso. E, portanto, essa escola partia numa defesa de que se tivéssemos um desenvolvimento autônomo do país, melhoraríamos as nossas cidades.

O terceiro aspecto problemático é o comprometimento político com um modelo de transformação e emancipação ligado ao comunismo soviético nesse momento. As cidades foram lidas, nesse esquema comprometido, como um espaço da luta de classes entre capital e trabalho numa era industrial. É montado um cenário de análise teórica em que o centro é o mundo industrial e a relação capital-trabalho – que estava muito colocado pela conjuntura de guerra-fria. E então o PCB, ligado ao partido soviético que se colocava na América Latina em particular, colocava a perspectiva de que o imperialismo norte-americano impediria nosso desenvolvimento e precisávamos de uma revolução burguesa para nos desenvolver.

No urbano, isso se deu pela defesa do modernismo seja na arquitetura, seja no planejamento urbano, que defendia o desenvolvimento contínuo das cidades com grandes obras de infraestrutura e de conjuntos habitacionais, na perspectiva de um desenvolvimento rápido ligado a formas de produção mais avançadas, para, segundo o PCB, a criação de uma classe operária no Brasil que pudesse avançar as etapas. Isso se daria pelo trabalho em grandes obras, mas também na conformação do modo de vida urbano de acordo com a classe trabalhadora operária. O planejamento soviético nos chegava, pela esquerda, contraditoriamente como parte do pacote de conformação à forma-capital.

Críticos ao marginalismo dualista

No final da década de 1960 uma série de críticos vão olhar, a partir do urbano, esses três aspectos problemáticos colocados anteriormente: a dimensão da escala de análise, o deslocamento dos sistemas analíticos e o comprometimento político com o comunismo soviético. Essas críticas vêm no bojo do movimento contracultural de 1968, que criticam o centralismo do stalinismo na esquerda mundial. No urbano, chega na América Latina como uma crítica ao modernismo e aos primeiros teóricos da CEPAL. Esses críticos dizem que esses contrastes que vemos nas cidades latino americanas não são uma barreira para o desenvolvimento, mas uma forma específica de inserção no sistema capitalista, que tem escala global, dentro da perspectiva da divisão internacional do trabalho, que tinha certa centralidade na discussão desse momento da era industrial.

Muitos desses críticos partem do trabalho do André Gunder Frank, que circulou muito na América Latina, de 1967: “O desenvolvimento do subdesenvolvimento”. De acordo com o autor, nós nos desenvolvíamos sim, mas desenvolvíamos o subdesenvolvimento. Frank faz uma articulação desses lugares concretos latino americanos com o global, fazendo uma crítica à visão localista e fazendo conexões com os processos globais. E a América latina teria um lugar específico dentro desse sistema capitalista seja histórico, seja no papel que ela adquire.

Uma série de autores, apoiados em Frank, vão tentar olhar para as cidades fora do esquema etapista e pensar a especificidade desse “subdesenvolvimento”. Rui Mauro Marini, por exemplo, vai falar que níveis desiguais de produtividade entre os países centrais e os dependentes (não subdesenvolvidos). Isso levaria a uma transferência de valor entre eles, respondida, pelos países dependentes da América Latina, com o que ele vai chamar de superexploração da força de trabalho. Pois os salários pagos por aqui seriam estruturalmente abaixo do custo de reprodução da força de trabalho e, portanto, abaixo de seu valor. Essa noção, ainda que crítica ao etapismo soviético, não se desvinculava do esquema político vinculado à crítica ao “imperialismo”.

E as cidades, o que tinham a ver com isso? Esse esquema explicativo de que os salários baixos são estruturais no capitalismo dependente vai ser central para quem vai pensar cidades a partir de então. Por exemplo, Sérgio Ferro, em 1969, escreve um texto importante que é “A produção da casa no Brasil”. Ele cita diretamente Gunder Frank, correlacionando nosso desenvolvimento com o do capitalismo central, inserindo a questão do grande exército industrial de reserva que representavam as populações recém-migradas para as cidades. Então o que o Luís Pereira estava chamando de marginalidade, Sérgio Ferro vai dizer que não é marginal, pois não está fora do sistema. O exército industrial de reserva faz parte do capitalismo, no sentido de que tem uma função específica de rebaixamento salarial. Portanto nossas cidades seriam cidades com excesso de exército industrial de reserva – nem “trabalho informal”, nem “marginalidade”.

E a autoconstrução que se via nas cidades latino americanas seriam, para Ferro, uma expressão desse mecanismo e, portanto, não uma auto exploração dos trabalhadores. Eles estariam inseridos dentro de um sistema maior e, portanto, a autoconstrução passava a ser vista como interna ao capitalismo. A partir daí, o autor diz que haveria uma impossibilidade estrutural de industrialização e, portanto, uma impossibilidade efetiva de implantação do modernismo no Brasil, seja na arquitetura, seja no planejamento urbano. Pois esse exército industrial de reserva impediria que as relações produtivas alcançassem maior produtividade – dado que estávamos fadados à baixa produtividade para alimentar o sistema global de mais-valia (dado que ela é gerada pela força de trabalho). Nosso grande exército industrial de reserva, ao impedir a industrialização, estaria alimentando o sistema global com mais-valia absoluta e, por isso, a necessidade do capitalismo de manter a nossa produtividade baixa.

Nesse mesmo período, Aníbal Quijano (peruano) escreve “Dependência, mudança social e urbanização na América Latina” e, logo em seguida, em 1971, “A formação de um universo marginal na América Latina”. Ele usa a questão da marginalidade posta na década de 1960, só que agora com outro arcabouço analítico – diferente da dupla Sérgio Ferro e Marini, que entendiam que haveria uma impossibilidade de desenvolvimento de maior produtividade. Segundo ele, a industrialização chegou na América Latina de forma retardatária e, portanto, já com uma produtividade alta que expulsa força de trabalho. A marginalidade viria dessa expulsão (e, portanto, não seria in-forme). Os primeiros trabalhos de Lúcio Kowarick são muito próximos a esta visão de Quijano.

Quijano insere na discussão a questão do Estado, que é visto como o centro das relações políticas e não só das relações econômicas – um tanto diferente da dupla Ferro-Marini, pois os dois não falam do papel do Estado na relação de dependência. Quijano e Kowarick vão inserir muito a dimensão estatal na dominação econômica, social, política e cultural, diferente dos demais. As cidades, para Quijano, vão ser reflexo das relações de dependência como relações de poder, e não só como relações econômicas. Seriam essas relações de poder que manteriam as populações marginalizadas e fora das relações de produção capitalistas. Com modos de vida diferentes dos modos de vida da classe operária – que está inserida dentro do sistema salarial. Esse texto sobre marginalidade descreve modos de vida da população que não estão relacionados à dimensão da luta de classes, da relação capital-trabalho, mas que precisa sobreviver e que não é assalariada, no início da década de 1970.

A virada dialética e o lugar do Estado

Chico de Oliveira vai mais além na crítica ao dualismo cepalino, com a “Crítica à razão dualista” em 1972: ele vai entender as formas de autopromoção da vida – inclusa a autoconstrução da casa – da força de trabalho no país contribuindo para o desenvolvimento capitalista entre nós, ao fazer rebaixar o salário. Há uma divergência aí com Sérgio Ferro, na medida em que este vê o rebaixamento salarial pelo exército industrial de reserva, enquanto Chico o vê nos modos de vida e de reprodução da força de trabalho – ou seja, dentro da centralidade da relação capital-trabalho.

Ou seja, Chico olha para a cidade a partir da relação entre a esfera de produção e a reprodução da força de trabalho – sem marginalidade. A marginalidade é integrada não como reserva mas, dialeticamente, como parte da reprodução mesma do capitalismo. Ela é entendida como força de trabalho, mesmo não (ou nunca) empregada. Há aqui uma solução e um problema: ao mesmo tempo em que se decifrava a esfinge do capitalismo brasileiro totalizando sua abrangência, as relações de sobrevivência não ligadas à relação salarial passaram a ser entendidas como a fonte dos problemas da própria classe trabalhadora. Sua existência se dava pelo negativo, pelo que significa para o mundo salarial, e não nas suas especificidades.

A definição de suas formas de trabalho (que seriam melhor definidos por Vera Telles como “expedientes de sobrevivência”), anos mais tarde, como “sem-forma” parece ser parte dessa negativa – que passa a ser um problema político na medida que seu peso aumenta na sociedade, até se tornar hegemônico. É problema político porque coloca a reprodução social de toda a população de baixa renda (operária ou não) e as formas políticas associadas aos seus processos sociais concretos, em contraposição às formas políticas associadas à luta de classes no âmbito da produção – que seriam conformadas pelo sindicalismo, reivindicação de direitos e políticas públicas. Cria um deslocamento interno no sujeito político que, ao secundarizar politicamente os expedientes de sobrevivência como “puro valor de uso”, secundariza também o crescimento do capitalismo “por baixo” – que quando ganha relevância, a interpretação só pode ser o de um “desvio” a ser combatido, ou negado. Parte da desorientação da esquerda hoje pode ser olhada deste ponto de vista.

A urbanista Ermínia Maricato, herdeira desta tradição crítica, também vai olhar a autoconstrução a partir da perspectiva de um “alto valor de uso”, como elemento de reprodução da força de trabalho, por ser a única escolha possível dentro do sistema de baixos salários. No entanto, ela insere um elemento a mais na análise: esse sistema se completaria com a falta de infraestrutura pública das cidades – o lugar onde ela coloca a intervenção estatal. É a partir daí que ela faz a ligação com a década de 1980, com o desenvolvimento do planejamento urbano durante a redemocratização: a defesa da autoconstrução seria a defesa do rebaixamento salarial estrutural e falta de intervenção estatal e, portanto, era necessária a defesa de políticas urbanas públicas que produzissem habitação “formal”, como salário indireto. Segundo Maricato, o olhar militante para esses territórios não deveria estar na defesa da autoconstrução, mas na questão da terra, pois as lutas em torno da posse da terra urbanizada organizavam as pessoas em torno da reivindicação junto ao Estado. Vai-se construindo neste arcabouço a noção de cidadania como central na constituição do novo sujeito político que surgia: força de trabalho reproduzida por salários indiretos vindos de políticas públicas urbanas, organizado por meio da reivindicação por terra urbanizada. Nesse aspecto, junto à crítica à autoconstrução, Maricato está próxima de Oliveira, que olha para o papel do Estado no começo da década de 1970 como relevante na determinação do preço da força de trabalho, pois ele interfere no seu custo de reprodução ao interferir nas cidades.

Síntese e programa para a década de 1980

O texto que faz a conexão destas discussões com tudo o que vai acontecer na década de 1980, é o “Espoliação urbana” de Lúcio Kowarick, de 1979, que acaba fazendo uma síntese da década. Ele vai inserir todos esses elementos tratados aqui – seja a terra, a autoconstrução, o Estado, articulando-os inclusive com a dependência e a marginalidade colocadas anteriormente. E mais do que síntese da década anterior, ele dá o passo para a década seguinte. Na sua síntese, a autoconstrução rebaixa salários e retira o papel do Estado de oferecer salários indiretos por meio de bens de consumo coletivo – o inverso do que acontecia no Estado de bem estar europeu. Em ambos, o Estado parece ser fundamental: além de ser responsável pela infraestrutura para expansão industrial, é financiador, investidor econômico, fornecedor de bens de consumo coletivo e, principalmente, faz manutenção da ordem social. Esse era um ponto importante durante a ditadura militar, e Kowarick diz que não era coincidência o milagre econômico se dar em meio à ditadura: é o próprio Estado, numa dimensão de poder, que faz com que seja possível o desenvolvimento das cidades dentro dessa perspectiva autoritária modernista.

E a espoliação urbana seria então uma relação entre esse desenvolvimento dependente e um Estado autoritário. Kowarick faz a relação entre a dimensão da estrutura econômica, com a estrutura de poder do Estado, através da análise do urbano. Para ele a defesa de um Estado de Direito – com a emergência da cidadania participativa – seria uma saída para a dependência, na medida em que mudaria a correlação de forças entre capital e trabalho, acabando com o “mito da sociedade amorfa”, mantido ideologicamente pela ditadura para manter a sociedade civil passiva diante desse processo de desenvolvimento dilapidador e espoliativo. No âmbito das lutas sociais, a espoliação urbana, que seria a “forma de extorquir as camadas populares do acesso aos serviços de consumo coletivo” vai assumir o sentido da extorsão de direitos.

Vejam que a dimensão dos direitos entra aqui só no final da década de 1970, junto com a anistia (1978). E Kowarick deixa a pergunta sobre o que é que iria se propor para as cidades nesse momento de abertura. Então a cidadania vai pressupor o exercício de direitos tanto econômicos quanto políticos e civis. Conjunto de prerrogativas que dizem respeito aos benefícios urbanos. Cidadania não se esgota em conquistas de direitos sociais básicos: “sua obtenção implica na efetivação de direitos políticos e civis e se complementa com um conjunto de benefícios econômicos inerentes à esfera das relações de trabalho”.

“Assim, o ‘problema’ habitacional, bem como outros elementos básicos para a reprodução da força de trabalho, terá um encaminhamento na medida em que movimentos populares urbanos conectados à luta que se opera nas esferas do trabalho puserem em xeque a forma do domínio tradicionalmente exercido pelo Estado no Brasil, onde se condensam as contradições de uma sociedade plena de desigualdades e oposições”.

Uma forma resistente – e disputada

A questão política que fica é a de que o planejamento urbano participativo, marca da Nova República, nasce desta formulação de Kowarick, sintetizando a década anterior, que, portanto, permanece ligada à centralidade da força de trabalho no urbano, no mundo industrial. E as formulações de Quijano, que buscava entender os modos de vida da população marginalizada, ficaram em segundo plano dentro dos novos comprometimentos políticos ligados à constituição de uma tentativa de sociedade salarial, já desde o início conformada à política como cidadania. Há uma ponte aí que ficou perdida: essas populações que nunca entraram na esfera do Direito, da cidadania, no mundo do trabalho industrial, continuaram sobrevivendo e consolidando certo mundo social – que agora emerge com força e é disputado politicamente e economicamente.

O tema dos movimentos sociais, nestes termos, também está em disputa. Kowarick os colocava como centrais para a democratização das cidades, enquanto Quijano, fala sobre eles uma década antes, mas não no mesmo sentido de Kowarick. Este está olhando o movimento social como um braço da organização dos trabalhadores na esfera do trabalho – dentro do mundo da sociedade salarial, dos direitos – enquanto Quijano está olhando movimento social a partir de um outro lugar, que são os outros modos de vida de uma população que nunca entrou dentro da relação salarial, embora tenha (quase) sempre sobrevivido e, atualmente, alçado o patamar de maioria das populações urbanas do país. A resistência das formas de vida – e de fazer política – do mundo popular estão em disputa, em tentativas variadas de conformá-la – ou dar-lhe forma controlável.

Continuar a chama-lo de sem-forma, ou informal, soa politicamente comprometido com a sua captura para a forma. Como pensar agora a emancipação fora da sociedade salarial da era industrial, ligada aos direitos sociais? Como olhar para os territórios populares não como “informais”, mas com forma própria, cuja sobrevivência fora do mundo do assalariamento atravessou décadas de intervenções estatais e passa a ser disputada num momento de predominância financeira do capital? Não é uma forma apartada do capitalismo, na medida em que está sendo gerida há três décadas por políticas públicas, organizações sociais e dinâmicas mercantis atravessadas por formas violentas da criminalidade. Essa população está inserida no capitalismo não apenas pela relação capital-trabalho, mas também por formas extrativistas. As lutas urbanas não têm como prosseguir mais apenas em torno da dimensão do direito social, ligado a uma sociedade salarial, cujo sentido não cabe aqui. Essa forma resistente, que temos dificuldade de aceitar e não sabemos lidar politicamente, é aquela que manda na política do país hoje. Não a encarar de frente é continuar girando em falso.

3 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom o texto e essa reflexão Isa!
    Não sei se tem relação, mas me lembrei de Milton Santos falando sobre os circuitos de economia superiores e inferiores, em qual desses caminhos será que ele se enquadrava?

  2. Giovanni,
    Boa pergunta! Eu precisaria estudar mais a questão pra te responder, pois esses conceitos do Milton Santos me interessam também. Eu tendo a achar que a teoria dele passou (infelizmente) mais paralela a este debate, deixando para trás uma boa possibilidade de outros caminhos para se pensar a especificidade brasileira no que tange ao mundo popular. Há um debate na geografia da USP de retomada do seu pensamento, em breve será lançado um livro sobre isso, eu passo por aqui quando sair.

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