Por Alan Fernandes

Em solo birmanês, a gigante Delivery Hero se destaca em entregas de comida por plataformas através de sua sucursal FoodPanda. A marca é responsável pela maior parte da receita da empresa na Ásia fora da China, atuando em outros 11 países. Em Myanmar, ao todo existem cerca de 9.000 entregadores, sendo entre eles 7.000 só na capital, Yangon.

Desde março, entregadores questionam o fato de a empresa ter diminuído os valores por entrega, o que diminui o rendimento total dos entregadores ou os obriga a rodar por mais tempo. De motoboys a ciclistas, os trabalhadores encabeçam uma greve desde o dia 4 de junho, que já envolve mobilizações em Yangon e Mandalay. Os manifestantes pedem por melhores condições de trabalho e jornadas mais justas, e apelam a colegas e usuários da FoodPanda que desativem o aplicativo e rebaixem a nota do mesmo, em solidariedade à paralisação.

Circulam em alguns posts manifestos dos grevistas que pedem, para além dos usuários, que entregadores de todo o mundo se solidarizem, principalmente aqueles que entregam para a FoodPanda por toda a Ásia.

“Nós recebemos menos de 5 dólares por dia. Apoie nossa greve e não utilize o FoodPanda.” #PagamentoJustonaFoodPanda
“Nós recebemos menos de 5 dólares por dia. Apoie nossa greve e não utilize o FoodPanda”. #PagamentoJustonaFoodPanda

Os entregadores pedem, essencialmente:

  • Um aumento da taxa minima para 670 kyats ($0.36 dólares), a depender do “score” do entregador.
  • Simplificação do sistema informático que gerencia o trabalho dos motociclistas [mais transparência].
  • Providenciar tratamento e abono para entregadores lesionados durante o tempo de trabalho.
  • Permitir um dia de descanso semanal, redução do sobretrabalho, fornecer licença remunerada e parar de forçar trabalhadores a compensar no trabalho as horas de descanso.
  • Uso do Google Maps para calcular a distância das entregas.
  • Sempre que a empresa fizer qualquer declaração que afete o trabalho dos entregadores, esta deve ser oficialmente anunciada com uma semana de antecedência na página oficial e Telegram utilizados pela firma.
  • Que haja um canal direto entre os entregadores e a FoodPanda em caso de quaisquer problemas.
  • Crachás de identificação para os entregadores de aplicativos.

Ao passo que a greve continua, entregadores de outras plataformas demonstram solidariedade e aproveitam para denunciar a tendência que atinge a categoria. “Stop the Precarization” [“Abaixo à precarização”] — lê-se em um cartaz. A FoodPanda opera em Myanmar desde 2019 e conta com entregadores em Bangladesh, Camboja, Hong Kong, Paquistão e outros países asiáticos, sendo em Singapura a sede.

Em 2021 entregadores em Hong Kong já se levantavam contra a empresa por melhorias e estes mesmos entregadores agora estão se mobilizando para dar apoio aos entregadores birmaneses. Também ano passado, na China, uma grande campanha de solidariedade foi feita para apoiar Menghzu, liderança da categoria que foi detido em casa por sua atuação política. Na Turquia, milhares de trabalhadores da Yemeksepeti [outra sucursal da Delivery Hero] lutavam por pagamentos mais elevados, uma vez que o aumento que tinham recebido só cobria o salário mínimo, que ainda era insuficiente para as despesas dos trabalhadores, inclusive para a gasolina, para continuar entregando.

No restante do mundo entregadores se agitam em diferentes idiomas. No Brasil ocorreram grandes “breques”, revelando o potencial disruptivo da categoria sem qualquer passagem prévia pela gramática do sindicalismo clássico. Do Reino Unido à Itália, a tendência à remodelação da categoria tem afetado os trabalhadores em todo o mundo, sob contextos diferentes, ainda que suas pautas sejam muito parecidas.

Em um esforço de internacionalizar as lutas, ligas como a ICL-CIT apostam na sindicalização de todos os entregadores vinculados à Delivery Hero, independentemente da marca para a qual entregam e a qual país pertencem. A luta, porém, não tem dependido dessas estruturas para se articular, ainda que encontre nestas uma aliança.

Mas a greve que se passa agora em Myanmar esbarra com uma ditadura incitada pela Junta Militar desde o ano passado, e por isso não conta com protestos de rua para engrossá-la, uma vez que a Junta tem se utilizado com frequência da repressão aberta para coibir atividades sindicais e manifestações de dissidentes. Toques de recolher foram impostos nos primeiros meses do golpe e a internet foi restringida. Hoje o país está mergulhado em uma guerra civil entre os golpistas e as minorias étnicas, tendo estas últimas em seu auxílio a Força de Defesa Popular (PDF). Chama atenção, no mesmo dia da escrita deste artigo, o registro de batidas, execuções e incêndios em vilarejos controlados por esses grupos étnicos, simplesmente por não auxiliarem a Junta na busca por combatentes da PDF.

O pesadelo, longe de acabar, é responsável pela sentença à morte de quatro ativistas, sendo dois deles opositores conhecidos do regime. Em um contexto de escalada repressiva, não podemos nos isentar de apoiar aqueles que lutam por melhorias de vida, frente aos governantes e frente aos patrões. Diante de democracias e ditaduras.

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