Por Passa Palavra

Todos vimos atentos o golpe de Estado em Mianmar do dia primeiro de fevereiro e o que tem sucedido desde então. Os militares prenderam opositores, sendo eles políticos, jornalistas e celebridades. Estão atirando em manifestantes e prendendo os que sobrevivem, e impondo toques de recolher e restrições do uso de internet para que os crimes cometidos pelas tropas governistas não venham à tona na imprensa. Entrevistamos alguns cidadãos birmaneses que contam o que tem acontecido e a dificuldade em organizarem-se. A entrevista foi realizada no início de abril do ano de 2021.

Repressão e medo

No início de fevereiro, os militares apenas assistiam aos protestos no centro da cidade. Após o dia 9 há uma mudança no cenário. Uma jovem de 19 anos foi baleada na cabeça em Naypyidaw pela polícia. Desde então, os militares já assassinaram 600 civis, sendo 45 destes crianças. Militares fotografam os manifestantes e esperam o cair da noite para efetuar as prisões. A Junta Militar chegou a declarar que aqueles que tiverem muitos seguidores nas redes sociais, aqueles que falam mais abertamente contra o governo, serão considerados criminosos. Para escapar das inevitáveis prisões, para aqueles que frequentam os protestos, é preciso arranjar esconderijos.

Ao cair da noite, em Yangon, tem sido hábito que a população desligue as luzes de suas casas e fique o mais quieta possível. O motivo são as constantes batidas policiais detendo civis e, às vezes, matando-os, desde que não estejam sendo vistos por vários olhos. É que os militares impuseram uma série de restrições para impedir a cobertura do caos em Mianmar. Portanto, as redes sociais são um alvo constante de perseguição. Uma das entrevistadas conta que o estado de sítio toma conta de todo o país, mas a repressão age com mais força em Yangon.

À noite eles prendem alguém sem nenhum motivo aparente e de manhã retornam com o corpo, já morto.

Foi estipulada uma série de restrições de acesso a meios digitais por parte da população:

– Interrupção de uso de internet das 1:00 A.M até às 9:00 A.M. durante 53 dias consecutivos;
– Dados móveis desabilitados por 24 dias;
– Wi-Fi público limitado por 22 dias;
– Corte da internet de banda larga por 6 dias;
– Plataformas sob vigilância desde fevereiro.

O objetivo é cortar a relação de Mianmar com o restante do mundo e provocar um clima de medo e apreensão.

Mas isso não impediu que as pessoas se comunicassem nem que deixassem de se organizar. Nos três primeiros dias que se seguiram do golpe era difícil ainda saber o que estava por vir, então no dia 4 de fevereiro as grandes mobilizações invadem Yangon e o restante do país. Em 22 de fevereiro ocorre um dos maiores protestos, batizado de “22222 Sprint Revolution” [“Primavera Revolucionária”, em tradução livre. O número “2” repetido 5 vezes diz respeito à quantidade do numeral referente àquele dia 22/02/2021].

Muitos cidadãos birmaneses aguardam instruções sobre o que fazer diretamente da página de Facebook mantida pelo Comitê Representativo Pyidaungsu Hluttaw — CRPH — que reúne as forças de oposição ao golpe que em 2020 haviam tido maior desempenho eleitoral, mas que tiveram sua transição comprometida pelo golpe do dia primeiro de fevereiro. No mês passado, o Comitê anunciava que os grupos étnicos que combatiam as juntas militares eram oficialmente organismos representativos em armas. Mianmar hoje conta 16 desses grupos étnicos armados nas fronteiras de estados como Kayin (KNU), Kachin (DKBA), Rakhine (AA), Mon (PNLO), etc., e suas portas parecem estar abertas para receber aqueles que quiserem se somar à luta armada. Alguns trabalhadores pertencentes a Movimentos de Desobediência Civil (CDM) já estão se juntando com estes grupos étnicos em ações que impeçam o encarceramento de manifestantes.

Mianmar no mundo

Birmaneses denunciam que as autoridades chinesas e russas não impuseram sanções à Junta Militar. As autoridades chinesas e russas, inclusive, participaram no Dia das Forças Armadas que a Junta Militar celebrou no país. Há um entendimento de que, na verdade, a ditadura que se abate sobre Mianmar é interessante politicamente para os governos daqueles países. A China investiu de forma pesada no país nos anos de 1988 até 2015, época em que os militares participaram de outro episódio ditatorial. Mesmo o governo recém-eleito que hoje forma o bloco de oposição democrática não conseguiria deixar de lidar com os projetos informais iniciados naquela época envolvendo a China, como é o exemplo dos dutos sino-birmaneses que permitem a extração de petróleo e gás natural.

Uma das entrevistadas conta que o grupo militar conta com o apoio de vários grupos empresariais em Yangon. O maior destes grupos é o Patron Group. O ditador que comanda desde o golpe, o General Min Aung Hlaing, é presidente do Patron Group. Além deste há o Myanmar Economic Holdings Limited (MEHL) e a Myanmar Economic Corporation (MEC). A China recebe investimento do Patron Group, o que leva a crer que dificilmente algum destes vá apoiar a população civil birmanesa.

Mianmar abriga muitas famílias sino-birmanesas. Não é de se esperar que as autoridades chinesas se solidarizem com os civis, já que apoiam o golpe, e tampouco se solidarizem com os civis de origem chinesa residentes no país. Na verdade, muitos chineses residentes no país somam-se aos protestos e à “primavera revolucionária”.

A Junta já sofreu sanções ocidentais antes. Logo após o golpe os EUA voltaram a aplicar sanções, e uma das entrevistadas admite que esse fator, independente das intenção, não contribuirá com a luta contra a ditadura vigente no país. Já os grupos étnicos estão fazendo patrulhas nas fronteiras de Mianmar, recrutando militantes pró-democracia para se juntarem a eles na luta. Muitos destes, porém, preferem deixar o país com medo da repressão. Alguns têm tido sucesso entrando na Índia pela região de Mizoram ou por Manipur. As forças de segurança nacional do país, no entanto, têm ordens de barrar esses refugiados.

As forças militares de Mianmar não tardaram em solicitar as autoridades indianas para que entregassem seus policiais desertores, argumentando que desejam ter de volta seus 8 policiais “em nome da fraternidade entre países vizinhos”. Segundo a Reuters — lê-se na BBC — 30 pessoas, dentre estes os policiais e suas famílias, procuraram abrigo no país vizinho nos últimos dias. Em Manipur, oficiais responsáveis pelas fronteiras foram instruídos a “barrar educadamente os refugiados de Mianmar”.

A Tailândia declarou que iria abrigar os refugiados que desejem escapar do conflito, mas quando cerca de 3 mil birmaneses abrigaram-se na Índia para escapar de um ataque aéreo da Junta contra um território ocupado pelas minorias, todos tiveram de voltar para Mianmar após a prestação de cuidados médicos aos feridos.

Aqueles que desejam ficar já estão contando com a possibilidade de receberem treinamento para combater os militares — conta uma das entrevistadas. “Nós pensamos que está por vir uma guerra civil em toda Mianmar”. Não descartam, porém, que recebam uma R2P (Responsabilidade para Proteger) de outros países, mas com o poder de veto da China e da Rússia na comunidade internacional é possível que fiquem por conta própria.

Neste momento, como nunca, precisamos apoiar esses camaradas!

3 COMENTÁRIOS

  1. A guerra civil já está entre nós faz tempo, matando os de baixo, enquanto os de cima tiram selfies e ficam ainda mais ricos. Que Myamar nos inspire a sair d Twitter, a copiar e colar, a deixarmos de escrever tantos panfletos de “solidariedade internacional”,a postar zines que ninguém vai ler. Existe mundos de oprimidos aqui mesmo, reclamando o duro trabalho de ser reconhecido como potência de levantes. Myamar somos todos,ou não somos!

  2. porque os anarquistas no BR só copiam e colam,

    qual o problema em noticiar e declarar solidariedade aos companheiros? que tipo de incômodo é esse? É o reflexo de alguma impotência política? Um abraço.

  3. porque os anarquistas no BR só copiam e colam,

    Conte-nos mais sobre isso, por favor.

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