Por Ananta Martins

Não há tabacaria mais em mim

Mas ainda não sei quem sou

Nem sei se um dia saberei

Pode ser que até consiga saber, pois em mim há muitos saberes das coisas do mundo.

As estrelas que faíscam a noite, consigo vê-las da janela do meu quarto, dele vejo todo o céu do mundo todo.

Mas o que significa de fato poder ver tudo isso se nada disso pode ser tocado?

Olhando à esquerda da janela do quarto, vejo a rua, é uma rua triste e solitária

Mas quando os estudantes voltam para suas casas eles enchem de vozes o meu quarto e eu ouço enquanto estou deitada na minha cama.

Eu me pergunto pelos mistérios da vida de cada um, será que um dia alguém viverá como eu, à sombra da vida?

Uma sombra povoada de pensamentos, com desejo de ser real, possível e alegre e sorridente.

Todo o mistério da vida dos estudantes vai por água abaixo se eu pensar que eles também envelhecerão um certo dia.

E que a morte é destino certo depois dos cabelos ralos e brancos, seja nos homens ou nas mulheres.

E a vida de todos nós é destino certo para o nada.

Porque a morte parece o nada.

Sem nada para ser feito.

Sem cobrança alguma.

Sem sentido qualquer.

Sem objetivo, sem missão nem nosso nada que valha a pena.

É como dirigir um carro cujo combustível deve ser recolocado dia a dia – quanta fome tenho no meu dia e noite, valha-me, Deus!

É como obter multas e multas pelos erros cometidos na estrada de um nada e que termina sem nada a acrescentar.

E a gente parece que é vencido por um cansaço tão extremo para ganhar o troféu do descanso eterno e mais nada que valha.

Será que isso chama lucidez ou apenas a certeza da morte que traz a tranquilidade do nada que existe do lado de lá.

Mas não é como o lado de lá da rua que eu vejo da janela do meu quarto.

Daqui vejo também as donas de casa, algumas quase ainda jovens e outras nem tanto.

Também vejo os homens casados olhando freneticamente as mulheres mais jovens que eles.

E jovens a saltitarem em passos bailarinos da noite deixando latas e garrafas largadas que ao dia na relva seca se encontram como objetos testemunhas de irmandade com as coisas vividas e compartilhadas entre eles.

Sem uma despedida, um adeus a esta casa e este lado da rua, nada sei que valha.

De dentro da minha cabeça, minha mãe já ida repete seu refrão “deixe que as carruagens passem e que os cães ladrem”.

E um frenesi sacode meus nervos e músculos: sinto tristeza e alegria me aturdindo a vida.

Estou hoje assim a contemplar o tudo e o nada indecisa entre o que me valha.

Estou hoje e sempre dividida entre o lado esquerdo e o lado direito dessa rua que da minha janela observo tudo indo e vindo.

E a leve impressão de que nada me valha e que falhei em tudo que eu queria na vida:

Não fui uma jornalista de sucesso e nem fracassada, porque nem jornalista fui;

A aprendizagem que obtive, não foi suficiente para falar os idiomas que me fizessem poliglota, porque nem falar minha língua direito falei;

Nem carteira de motorista conquistei, paguei tudo à vista, fiquei doente e quando retornei a autoescola havia fechado, aprendi a dirigir e desaprendi pela não prática;

O carro desejado, nem sentei no banco do passageiro imagina no do motorista;

Quando me propuseram sociedade de 3% numa rede de lojas de presentes finos, o governo embolsou a poupança dos empresários;

Quando me disseram que eu iria ganhar $5 mil fixo + comissão de 1% nas vendas, tudo mudou do nada;

Quando depois de tudo, eu na minha reinvenção número 433.000, o sucesso finalmente apontando na linha de chegada, foi interrompido porque a pandemia fechou tudo

E o nada veio a valer tudo.

Desci ao inferno ladeira abaixo, perdendo casa, chorando nas eiras e nas beiras lamentando uma solidão ínfima

E atravessei a cidade toda para reinventar mais outro eu que me valesse

E encontrei só ervas e árvores,

Numa cidade sem gente, numa cidade-fantasma.

E quando havia gente era uma igual à outra.

Eu continuo a olhar pela janela a vida que passa por ela

E continuo a pensar:

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Será que estou em algum outro mito da caverna com os olhos ofuscados pela luz do sol, eu que vivi sempre dentro da minha imaginação?

Logo eu que penso querer ser e viver tanta coisa!

Génio, ou quiçá fazer parte da história, fazer uma revolução, estimular um movimento filosófico, ou descobrir a receita para a solução da economia nacional, inventar um método para a riqueza imediata, ou descobrir a cura para o ódio ou a raiva ou então um antídoto contra a depressão e ansiedade, males dos tempos atuais.

Todos os sonhos de tantas conquistas futuras.

Não sei se cabem em mim.

Mas será que o poder do subconsciente é um fato?

Então por que nos manicómios há doidos malucos com tantas certezas?

Eu que oscilo entre o tudo e o nada para onde irei? O que será que me vale? O que será de mim?

Eu aqui na janela olhando a relva e as árvores fico com a pureza das perguntas sem respostas.

Será que o mundo é para quem nasce para o conquistar

Ou para quem tece filosofias como Kant?

Mas tem que valer mais que tudo, senão nada vale a pena mesmo a alma não sendo pequena.

Um dia eu li num dos milhões de livros lidos por mim que vale mesmo é o trajeto não a chegada,

Serei então aquela que contemplou o pensamento, a imaginação e que lhe abriram a porta desejando boas vindas, que sorriu para os pássaros, que sentiu aromas das minúsculas flores do asfalto, que se inspirou nas formigas e borboletas e encheu os olhos de beleza gratuita advinda de gestos ou das cores das flores que enfeitam as árvores.

Sou desde sempre amante dos astros celestes.

Conquistando todo o mundo antes de levantar.

E na Feira, por mais que eu tenha outras ofertas é chocolate que todos querem.

Olha que não há mais metafísica no mundo do que chocolate com morangos.

Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.

Talvez eu encontrei um bom lugar, e é um pequeno lugar que cabe o mundo todo

De quem quer comer chocolate com morangos.

Mas eu descobri, porque eu desejava há tempos, um copo encantado cheio de delícias.

Deito tudo nele como tenho deitado na vida, cookies, chocolate, morangos, chocolate, chantilly, morangos, chocolate.

Quiçá o mundo todo cansado da amargura só deseje um copo encantado de gostosura.

Mas ao menos consagro a mim mesma um poema que me valha a vida sem lágrimas,

Eu deusa grega, concebida ou hindi em forma

com meu coração cheio de amor derramando

Distribuo meu eterno sorriso de alegria contagiante

É isso mesmo que penso que me valha?

Ser apenas parte de uma engrenagem

Ou sendo eu uma alma não pequena

Tudo vale mesmo a pena?

4 COMENTÁRIOS

  1. “Em um mundo realmente invertido o verdadeiro é uma página no lattes.” Impresso numa certa casa em BH

  2. Gostei, Ananta. “Quiçá o mundo todo cansado da amargura só deseje um copo encantado de gostosura”. Um copo, um trago que traga a doçura de volta. O poeta ilustre tinha pares no mundo e não sabia.

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