Por Jan Cenek

 

No prefácio de Contribuição à crítica da economia política está um parágrafo famoso e intenso [1], com um trecho que sintetiza, de certa forma, o pensamento marxista (do próprio Marx e não necessariamente dos marxistas que vieram depois): “Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social.”

Para iniciar é preciso definir, minimamente, o que se entende por forças produtivas e relações de produção. Forças produtivas: capacidade social de gerar valor própria da força de trabalho. Relações de produção: regime de propriedade, formas de organização do processo produtivo e de exploração da força de trabalho.

No modelo marxista o desenvolvimento das forças produtivas determina as relações de produção, até que estas entrem em contradição com aquelas, abrindo o tempo da revolução social. Marx deixou indicações sobre como pode se expressar a contradição entre as relações de produção e as forças produtivas no capitalismo. São possibilidades que não se excluem e podem ocorrer simultaneamente:

  • Queda tendencial da taxa de lucro causada pelo desenvolvimento tecnológico e o crescimento da composição orgânica do capital, movimento que intensifica a exploração e a luta de classe.
  • Crises periódicas provocadas pela queda da taxa de lucro, acirrando a exploração e a luta de classes. Vale pontuar, para diferenciar do item anterior, que as taxas de lucro podem cair por outras razões que não o crescimento da composição orgânica do capital.
  • Miséria relativa da classe trabalhadora, que apesar de consumir mais quantitativamente devido ao crescimento da produtividade, fica com parcelas decrescentes da riqueza social, expropriada em parcelas crescentes pela burguesia.
  • Estranhamento provocado pela separação dos produtores em relação aos meios de produção, ou, dito de outra forma, pelo não reconhecimento dos trabalhadores nos produtos do trabalho, que lhes aparecem como entidades estranhas, hostis e que se voltam contra seus produtores.

Como não poderia deixar de ser, o pensamento de Marx provocou diversas interpretações e possibilidades. Cito algumas:

  • Há quem enxergue uma inevitabilidade na revolução, como se o capitalismo fosse morrer de velho, sem a ação revolucionária da classe trabalhadora. Leitura apressada de um trecho presente no mesmo parágrafo de Marx, segundo o qual as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam condições para resolver antagonismo entre as classes sociais. Quem vai por este caminho esquece que criar condições não é necessariamente resolver, além de que a força de trabalho é elemento central das forças produtivas e, sendo assim, a contradição se dá, sobretudo, entre as relações de produção capitalistas e o proletariado. A força de trabalho é inseparável dos corpos dos trabalhadores, ou seja, o processo produtivo destrói quem trabalha. Basta pensar, por exemplo, nas doenças laborais e no desgaste causado pela intensificação do trabalho.
  • Há quem considere que as forças produtivas não são neutras, ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas reforça as relações de produção capitalistas. É uma possibilidade aparentemente atestada pela realidade. Mas, se vamos por este caminho, perde-se uma espécie de esteio econômico da revolução. É como se a humanidade se propusesse problemas que ela não necessariamente pode resolver, contrariando o que Marx registrou no prefácio citado. Exemplifico perguntando. Consigo pensar a superação do feudalismo a partir da contradição entre forças produtivas e relações de produção. Na sociedade feudal se desenvolveram forças produtivas que se chocaram com as relações de produção. Mas o mesmo não ocorreu nem ocorrerá no capitalismo? Não há, no modo de produção capitalista, contradição (produtiva, do ponto de vista da produção social) entre forças produtivas e relações de produção?
  • Há quem considere que a questão central é justamente conter o desenvolvimento das forças produtivas (como se fosse possível). Quem vai por este caminho pode chegar a qualquer ponto, só não deve se reivindicar marxista. Marx pensa a superação do capitalismo como o estabelecimento de relações de produção “novas e superiores”. Qualquer coisa diferente disso seria impensável. O capitalismo será superado pela positiva ou não será.
  • Há quem considere que as forças produtivas deixaram de se desenvolver. É o que registrou Trotski no Programa de transição, no final dos anos 1930: “A premissa econômica da revolução proletária já alcançou há muito o ponto mais elevado que possa ser atingido sob o capitalismo. As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos não conduzem mais a um crescimento da riqueza material.” O argumento encaixa com o trecho de Marx, mas está de acordo com o que se observa no mundo real? É razoável afirmar que “as forças produtivas da humanidade deixaram de crescer” a partir do final dos anos 1930? Quem vai por este caminho precisa ignorar a energia nuclear, a nanotecnologia, a internet e as possibilidades produtivas derivadas dela.

Antes de prosseguir vale lembrar que, para Marx, o modo de produção capitalista foi revolucionário porque permitiu um intenso desenvolvimento das forças produtivas. Olhando de hoje para o passado podemos pensar, por exemplo, na ampliação da produção agrícola, no aperfeiçoamento das formas de transporte e comunicação, no desenvolvimento da medicina e da ciência, no aumento da população e da expectativa de vida. Vão contra-argumentar, com razão, que a maioria desses desenvolvimentos não são isentos de contradições, sendo a principal a destruição ambiental que podem provocar. Mas não é este o ponto, por aqui. Interessa-me registrar que o desenvolvimento das forças produtivas – entendido como a capacidade social de produção – é inequívoco e razoavelmente constate no capitalismo. E isso ocorre por uma determinação do próprio modo de produção. Para sobreviver à concorrência, os capitalistas precisam explorar cada vez mais a capacidade de gerar valor da força de trabalho. Produzir mais com menos. O resultado final pode até ser a destruição do meio ambiente, é uma possibilidade, mas que não altera o fato de que as forças produtivas se desenvolvem cada vez mais. Também é verdade que no capitalismo se mantêm e se relacionam formas de exploração extensiva (mais-valia absoluta) e intensiva (mais-valia relativa), mas a dinâmica do sistema é determinada nos setores mais avançados tecnologicamente, ou seja, que exploram a mais-valia relativa.

A questão que sempre me intrigou passa por uma afirmação presente no mesmo trecho de Marx: “Uma sociedade jamais desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que possa conter”. Se é assim, teria o modo de produção capitalista desenvolvido todas as forças produtivas que contém? A pergunta se justifica porque na sequência Marx afirma que “relações de produção novas e superiores” não se estabelecem sem que as condições materiais de existência tenham se desenvolvido na própria sociedade.

Está mais ou menos nesse ponto a questão que me intriga. A força de trabalho produz cada vez mais. Observam-se seguidas transformações nos métodos e técnicas produtivas que ampliam a capacidade social de produção. Ou, colocando em forma de pergunta: a capacidade de produção da força de trabalho atual é superior se comparada com os tempos de Marx? Se respondemos sim à questão formulada, surgem outras: é possível afirmar que as relações de produção (capitalistas) se tornaram “entraves” para o desenvolvimento das forças produtivas? Quais são e onde estão as condições materiais que permitem o estabelecimento de “relações de produção novas e superiores”?

Mesmo considerando que a força de trabalho é o elemento central das forças produtivas, mesmo considerando que o desenvolvimento destas passa pela exploração intensificada daquela, o fato observável é que a capacidade social de produção continua a se desenvolver. Ou melhor e em forma de pergunta, há contradições entre as forças produtivas e as relações de produção capitalistas, mas estas se tornaram um “entrave” para aquelas?

Em Marx o revolucionário se confunde com o teórico, o que explica alguns limites e muitas possibilidades. Não há pensamento revolucionário sem prática revolucionária. Repetidas vezes Marx registrou que a revolução estava próxima. Dificilmente poderia seguir por outro caminho. Não se luta sem certezas. Marx era uma das principais expressões do movimento revolucionário de seu tempo, não ocuparia a mesma posição caso considerasse a revolução como uma possibilidade distante. Mas o fato é que o modo de produção capitalista se revolucionou repetidas vezes e adiou o socialismo para os séculos posteriores.

Considerando o grau de desenvolvimento das forças produtivas no tempo presente, partindo principalmente capacidade crescente de geração de valor da força de trabalho, é possível o estabelecimento revolucionário de outras relações de produção. Mas é razoável utilizar os adjetivos empregados por Marx? É possível pensar em relações de produção “novas e superiores”? Se sim, seguindo Marx e considerando que as “relações de produção novas e superiores” não se estabelecem sem que as condições materiais de existência tenham se desenvolvido na sociedade, é preciso indicar quais são e onde estão tais condições. E mais, é preciso pensar, a partir do atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas, o que seriam relações de produção “novas e superiores”?

Enfim, mantenho uma certeza: a superação do capitalismo passa pelo estabelecimento revolucionário de relações de produção “novas e superiores”. Mas como? Se as forças produtivas não entram em contradição com as relações de produção, se não se tornam entraves produtivos: qual o limite do capital?

 

Notas:

[1] Além do trecho citado, no mesmo parágrafo Marx registra:

[…] “O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.” […]

[…] “a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir.” […]

[…] “As relações de produção burguesas são a última forma antagônica do processo de produção social, antagônica não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que nasce das condições de existência sociais dos indivíduos; as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para resolver esse antagonismo.” […].

11 COMENTÁRIOS

  1. A incompreensão da dinâmica entre relações de produção e forças produtivas é responsável pelas grandes tragédias do movimento revolucionário no séc. XX.

    Para dissipar as ilusões e confusões quanto a isto, nada mais indicado que a leitura do livro “Economia dos conflitos sociais”, de João Bernardo.

    Neste sentido, destaco alguns trechos:

    《Longe de serem independentes das determinações do capitalismo, as forças produtivas constituem, ao contrário, uma expressão material e direta das relações sociais do capital. 》

    《Por isso a expansão de dadas forças produtivas 
    facilita e apressa o desenvolvimento das relações sociais que as condicionam, e não de quaisquer outras. O desenvolvimento, das relações sociais de tipo novo, antagônicas das hoje prevalecentes, vai por seu turno constituir a condição prévia ao aparecimento de uma nova tecnologia. 》

    《 Não há qualquer caso de um modo de produção fundado sobre o sistema de forças produtivas do modo de produção anterior. 》

    Vivemos tempos atrozes. As possibilidades de acão, e até mesmo de reflexão, se estreitaram em demasia.

    Enquanto à Esquerda jaz a quase totalidade da Esquerda, o neo-fascismo se levanta com força quase irresistível.

    Como ainda levar a cabo a grande luta de emancipação? Talvez seja através dos pequenos encontros.

    Quem muda o mundo são as pessoas. Por isto precisamos nos encontrar através da luta concreta em nosso ambiente de vida.

    O pequeno tem um poder imenso. Porém, para este poder se exercer as pequenas iniciativas precisam estar interligadas em rede, movendo-se para o amplo horizonte da grande luta.

    O vídeo no link abaixo é uma pequena contribuição para estas lutas conhecerem umas as outras. E para do encontro entre elas se abrir o caminho da emancipação de todos nós.

    vídeo: Quintais produtivos do Morro do Sossego
    https://youtu.be/-nAkCoMn1Dk

    PS:

    -> “E mais, é preciso pensar, a partir do atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas, o que seriam relações de produção “novas e superiores”? […] qual o limite do capital?”

    Relações de produção “novas e superiores” não podem ser consideradas sob o aspecto quantitativo e dentro do modelo Capitalista.

    O “novas e superiores” deve ser compreendido fora da dinâmica de acumulação ampliada do Capital, dentro de um modo de produção tendo a própria Vida como referência fundamental.

    Muito além de ser um modo de produção, o Capitalismo é um modo de destruição. Portanto, o limite do Capital é o aniquilamento das condições de vida humana no planeta.

    Nunca estivemos tão perto disto quanto agora. Há regiões na China central onde já se registram temperaturas de 6°C acima da média histórica.

    Na Idade Média as aldeias começaram a ser freqüentadas por estranhos visitantes, comercializando mercadorias que traziam de terras distantes.

    Quem então reconheceria uma brutal mudança social germinando, com a ascensão da Burguesia?

    E hoje? Quais estranhos visitantes agindo de modo inusitado antecipam uma grande transformação?

  2. Ótima síntese, bem didático com questionamentos capciosos. As realizações da força de trabalho no capitalismo reforça a cultura capitalista de caráter social alienado que é a entrega total ao sistema de trabalho e a sublimação de todas as necessidades (liberdade, prazer, amor, felicidade, conhecimento, tempo livre, etc.) no consumo. “O capitalista recebe na troca o trabalho mesmo, o trabalho como atividade criadora de valores; isto é, recebe na troca a força produtiva, que mantém e reproduz o capital e que, com isso, se transforma em força produtora e reprodutora do capital, uma força pertencente ao próprio capital”
    Os questionamentos não passariam pelo processo de APROPIAÇÃO de tudo que a classe trabalhadora produz, inclusive o tempo livre.
    MARX, K., Elementos Fundamenales para la Crítica de la Economia Política (GRUNDRISSE) 1857~1858. I., p.215.

  3. Caro Jan Cenek, não nos cabe sentar e esperar que o capitalismo acabe por conta de um colapso econômico causado por “entraves produtivos” decorrentes da “contradição entre forças produtivas e relações de produção”. Essa concepção é devedora, ainda que indiretamente, do produtivismo pseudo-marxista que dominou o comunismo do século passado. O problema do capitalismo não é nem nunca será da ordem dos “entraves produtivos”, de sua inferioridade econômica em relação a outro sistema existente no mundo ou na cabeça de algum espertalhão. As teorias catastrofistas sobre a economia capitalista só são úteis para aspirantes a burocratas, que acreditam que o mundo estaria salvo se fossem eles os escolhidos para gerir a política econômica, ou então para indivíduos desesperados e proto-fascistas que acham que só mesmo uma boa dose de destruição e sofrimento humano podem chacoalhar as coisas de verdade.

    O problema é que a sociabilidade burguesa baseada na troca da mercadoria força de trabalho torna-se crescentemente anacrônica à medida que as forças produtivas se desenvolvem. Também não nos cabe especular qual seria o limite do avanço dessas forças – já com a grande indústria elas tornam anacrônicas as relações de produção burguesas; já aqui há um descompasso entre a consciência (burguesa) e o ser social (industrial), como dizem Marx e Engels. As relações de produção novas e superiores são: para cada um de acordo com suas capacidades, para cada um de acordo com suas necessidades. Essa superação do igualitarismo burguês, que no fundo é o reconhecimento do caráter anacrônico da sociabilidade burguesa diante da grande indústria, já foi proposta nesses mesmos termos muito antes de Marx, por Saint-Simon, Louis Blanc e outros.

    A tarefa histórica da revolução socialista já foi colocada e os altos e baixos da economia são irrelevantes. As forças produtivas e as relações de produção estão em contradição desde que existe capitalismo; desde que a opulência universal preconizada por Smith e por outros revolucionários burgueses no século XVIII converteu-se em um cenário obsceno em que convivem lado a lado robôs, sweatshops e massas de desempregados; desde que a vida civil livre preconizada pela burguesia revolucionária deu lugar ao Estado capitalista (desde que todos os regimes burgueses constituídos passaram a sistematicamente violar os princípios de suas Assembleias Constituintes em nome da manutenção da ordem, como Marx expõe em seus ‘textos políticos’). Aliás, essa contradição *é* o capitalismo, de modo que a última frase do texto expressa uma confusão teórica enorme!

    Discutir os limites do capital é discutir o sexo dos anjos. O capital não tem limites. Se o nível do mar subir, se milhões de pessoas morrerem e fugirem para outras regiões, se trinta bombas nucleares forem lançadas e mais dez vírus pandêmicos aparecerem, o capital vai continuar firme e forte. A dominação do capital (isto é, a dominação da humanidade pelos produtos do seu trabalho; é isso que Marx diz com o conceito de estranhamento, o qual não tem nada a ver com teorias psicológicas calcadas no socialismo reacionário – “os trabalhadores não se reconhecem nos produtos do seu trabalho”) só vai acabar quando a classe trabalhadora se organizar para tomar o poder nos países centrais e instaurar uma ditadura transicional ao longo da qual o direito burguês definhará junto do Estado.

  4. Paulo escreveu:
    -> ” Se o nível do mar subir, se milhões de pessoas morrerem e fugirem para outras regiões, se trinta bombas nucleares forem lançadas e mais dez vírus pandêmicos aparecerem, o capital vai continuar firme e forte.”

    Afirmar que mesmo com a destruição das condições de vida humana no planeta, ainda assim o Capital continuaria firme e forte é supor o Capital como uma entidade com vida própria, um alienígena invencível…

    No entanto o Capital é uma Relação Social, sem seres humanos não há relação social, não há Capital…

    Não é à tôa ser mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do Capitalismo.

    A crise climática e as crises sanitárias são hoje a prioridade para quem quiser refletir, e agir, sobre não alguma catástrofe por vir mas a respeito da catástrofe na qual já vivemos aqui e agora.

  5. Caro arkx, eu disse que o capital é uma forma social do produto do trabalho que surge quando as relações de produção burguesa entram em contradição com as forças produtivas industriais. É uma definição sucinta e muito incompleta, mas acredito que é mais especifico do que dizer que o capital é uma relação social, além de ser muito diferente de dizer que o capital é um alienígena.

    No mais, a humanidade não vai entrar em extinção (isso é papo de ambientalista radical tendendo para o ecofascismo) e nenhuma catástrofe vai enterrar o capitalismo por nós!

    Pode ter (e vai ter) crise climática, sanitária, ditadura, fascismo, o escambau: a tarefa histórica do socialismo proletário continua a mesma.

  6. Paulo escreveu:
    -> ” nenhuma catástrofe vai enterrar o capitalismo por nós!”

    Paulo, a catástrofe que é o próprio Capitalismo vai nos enterrar junto com ela.

    Seja sob cinzas radioativas, ou cozidos pelo aumento da temperatura, envenenados pelo ar, dizimados pela fome e as doenças, ou tudo isto junto e misturado…

    Vivemos numa época de negacionismos. Sem dúvida o Capitalismo não vai acabar por si mesmo, numa entropia. Isto é inegável.

    Também é inegável que só a organização autônoma dos oprimidos e explorados pode dar um fim ao Capitalismo.

    Assim como não nos devemos iludir que “a humanidade não vai entrar em extinção”, até mesmo porque há uma grande extinção em curso, dela fazemos parte e somos o principal agente.

    Mas infelizmente este costuma ser um tema tão polêmico quanto a dinâmica entre Forças Produtivas e Reações de Produção.

    Joker escreveu:
    -> “E aí, Arkx Brasil, já se vacinou?”

    Na verdade já morri recentemente ao menos umas 3 vezes. Porém tenho consciência do fato, ao contrário de zumbis piadistas supondo-se ainda vivos.

    Por falar em sistema de vacinação orientado a mercado, o Brasil está sob uma outra onda de COVID com altíssima quantidade de infecctados.

    O Sars-CoV-2 continua circulando livremente, sofrendo mutações, infectando e reinfectando…

    O efeitos de longo prazo da COVID se impõe. Entre eles, uma grande diminuição da quantidade de espermatozóides no sêmen.

    Mas por que se preocupar? Quem está vacinado supostamente está morrendo menos, muito embora os dados mostrem exatamente o contrário.

    Uma resposta política para o desafio sanitário da COVID se tornou hoje a tarefa prioritária e urgente. Sem saúde será impossível lutar, ou sequer sobreviver.

  7. Caro arkx Brasil, escrevi essa coluna há um tempinho, o que é interessante porque permite ir passando por algumas leituras antes de publicar, para tentar precisar as próprias ideias. Um dos livros que li, depois que escrevi, foi justamente Economia dos conflitos sociais, do João Bernardo. Está no meu texto, por exemplo, a possibilidade das forças produtivas não serem neutras. Além disso, percebi – lendo Economia dos conflitos sociais – que eu poderia ser enquadrado no que João Bernardo chamou de “marxismo das forças produtivas”. Você não foi por esse caminho, mas poderia ter ido, se quisesse. De qualquer forma, resolvi correr o risco porque parece-me que o argumento de Marx (sintetizado no Prefácio) não deu conta, totalmente, dos desenvolvimentos posteriores do modo de produção capitalista.

    Na minha opinião, quando Marx se refere às tais relações de produção “novas e superiores”, ele pensa em todos os sentidos, inclusive o produtivo. São relações de produção “novas e superiores” que permitiriam, por exemplo, o “de cada um de acordo com suas capacidades, para cada um de acordo com suas necessidades”. Não significa que a humanidade produziria cada vez mais, indefinidamente e infinitamente; significa, por exemplo, que a humanidade seria capaz de produzir cada vez mais com cada vez menos (isso só é possível com o desenvolvimento das forças produtivas). É assim que se superaria o trabalho estranhado e adoecedor que vigora no modo de produção capitalista. A superação do capital, para Marx, é quando os trabalhadores controlam o quê, como e quanto produzir. O que é uma possibilidade do tempo presente devido justamente ao desenvolvimento das forças produtivas. Neste sentido, o Marx (sintetizado no Prefácio) deu conta dos desenvolvimentos posteriores do modo de produção capitalista.

    Mas há, na minha opinião, uma possibilidade colocada pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista que escapou do modelo marxista (do Prefácio). Apesar das relações de produção capitalista serem destrutivas, as forças produtivas continuam se desenvolvendo. A capacidade social de produção é crescente. Essa talvez seja a novidade do capital e a grande pedra no caminho da humanidade. Se, como coloca Marx (no Prefácio), as relações de produção se tornam um entrave para o desenvolvimento das forças produtivas, a superação do capital não é apenas um ato de vontade do proletariado, é também uma determinação estrutural. Creio que é justamente essa determinação estrutural que desaparece se não há contradição (que se manifeste como entrave) entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção capitalistas. A superação das relações de produção capitalista viria apenas por um ato de vontade do proletariado, ainda que autorizado pelo estado da arte das forças produtivas. A manutenção das relações de produção capitalistas se sustentaria pelo desenvolvimento das forças produtivas. Se a superação do capital é apenas um ato de vontade do proletariado, as coisas se complicam e as possibilidades se reduzem, talvez seja exatamente isso que está se revelando no tempo presente.

    Por fim, valeu pelo vídeo. Muito interessantes os quintais produtivos.

  8. Jan Cenek,

    Este assunto (forças produtivas x relações de produção) é fascinante, além de ser vital para a luta por emancipação. Por outro lado, é muito complexo e polêmico.

    Uma das melhores maneiras de contornar as polêmicas estéreis é trazer a discussão para exemplos concretos, sejam históricos ou até mesmo cotidianos.

    Nem mesmo o New Deal foi capaz de erguer o Capitalismo do abismo onde ele se atirou na Crise de 1929. Só com a maciça destruição de forças produtivas (principalmente Capital Variável, seres humanos) provocada pela carnificina da II Guerra a taxa de lucro se recompôs.

    Como agora superar o impasse econômico causado até hoje pela Crise de 2008?

    O artíficio das destruições criativas, usado pelo Capitalismo para reverter provisoriamente a inexorável tendência de queda da taxa de lucro, exige cada vez mais destruir ainda muito mais.

    O Capitalismo precisa da guerra, e das mortes por ela causadas, para seguir se processando. Mas como ficam as relações de produção após uma guerra nuclear?

    Do mesmo modo ocorre com o outro artifício contra-cíclico adotado pela Capitalismo: a mais-valia relativa.

    Além da mais-valia relativa nunca existir em estado puro, estando sempre combinada com a mais-valia absoluta na cadeia produtiva (Vale do Silício x classificadores de conteúdo do Google), periodicamente o Capitalismo necessita retomar ao seu estado de acumulação primitiva.

    O Capitalismo não pode trair sua natureza de saque e expropriação, que o digam Elon Musk e o Twitter.

    Legal que você tenha gostado da experiência dos Quintais Produtivos na periferia do Rio de Janeiro.

    É uma ação pequena, diminuta, minúscula mesmo. Mas, com certeza, não é insignificante. Ao contrário, até.

    O Comunismo não é uma vaga e longínqua promessa para o futuro. Ele existe aqui e agora em cada luta concreta, onde florescem os laços da solidariedade. Ele existe em cada Comunidade onde se desenvolvem relações sociais anti-capitalistas.

    O Capitalismo não pode ser derrotado se ao mesmo tempo não se constrói outro mundo, outras relações sociais.

    Esse mundo outro ou novo não é um lugar de chegada, mas um modo de viver que em seu cotidiano impede a continuidade do capitalismo.

    Os modos de vida, as relações sociais, os espaços que somos capazes de criar devem existir de tal forma que estejam em luta permanente contra o capitalismo.

    《Num movimento, tanto pela terra como por teto, transporte ou por qualquer outro objetivo, a vida das pessoas tem de ser diferente desde o início, elas têm de se organizar de uma maneira que rompa com a sociedade dominante; em todas as dimensões de sua vida tem de haver mais autonomia e mais coletividade. Ou seja, as formas de organização coletiva têm desde o início de ser distintas das que vigoram no capitalismo.》

    《Os processos revolucionários podem considerar-se vitoriosos na medida apenas em que demonstram praticamente a possibilidade de um novo modo de produção, coletivista e igualitário. São eles que mantêm o comunismo como algo do presente, e não como um vago projeto futuro. 》

    E o futuro só pode se atualizar no cotidiano das lutas concretas, aqui e agora.

    《Para espanto de todos aqueles que, como o autor deste livro, foram educados no marxismo ortodoxo, é nas empresas produtoras de bens de consumo corrente, por vezes pequenos estabelecimentos com escassas dezenas de trabalhadores, se tanto, que mais longe têm sido levadas, na atual fase, as novas relações sociais.》

    Qual o básico bem de consumo corrente? Soberania alimentar é condição fundamental para a auto-defesa e para a autonomia das lutas.

    Quais as pequenas unidades de produção capazes de engendrar as novas relações sociais baseadas na soberania alimentar?

    Terra e Território, Comunidades Autônomas em luta e articuladas em rede, como a vanguarda de um novo modo de produção.

    Essas seriam as “novas e superiores” relações sociais de produção necessárias para a superação do Capitalismo? Vai saber…

    Porém, por certo, é neste rumo que devemos nos mover.

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