Por Passa Palavra

Na tarde de hoje verificamos, para nosso desgosto, que um artigo para cuja elaboração dedicamos várias horas, conjugando análises jornalísticas, fatos e desdobramentos do resultado das eleições presidenciais, foi plagiado em um blog intitulado Folha Ji-Paraná (veja aqui o plágio).

O responsável pelo blog e suposto assinante do artigo, H. Eduardo Pessoa, não teve sequer a pretensão de mascarar o que estava fazendo. As mesmas ilustrações que nós usamos no artigo são as que estampam a notícia republicada naquele site. Ao longo do texto não há qualquer menção à autoria e origem do artigo. Só no final é possível notar que se trata de um copy and paste de outro portal de notícias, a Opera Mundi, na seção Diálogos do Sul. Isso fica evidente na medida em que reproduziram sua mensagem final no artigo: “As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul”.

Acontece que a Opera Mundi teve o cuidado jornalístico de indicar a autoria da publicação (ver aqui), enquanto a Folha Ji-Paraná não teve a mesma responsabilidade.

Por fim, repudiamos o ato e salientamos nosso compromisso em noticiar as lutas, apoiá-las e pensar sobre elas, sempre tendo como princípio a transparência e honestidade para com nossos colaboradores externos. Esperamos que o dito jornalista se retrate publicamente.

28 COMENTÁRIOS

  1. Gentil e curto Alan, me ilumine, importa em que?

    Em outro texto dessa mesma série comentei que os artigos são de pouca utilidade pois se limitam a apresentação de sucessão longa de fatos. Tão longa que torna impossível abordar os temas de forma estruturada. a série não permite uma visão estrutura da situação e, por isso, impede o processo da crítica. Um fato seguido de outro fato é apenas mais um fato. Enumeram, enumeram e, por fim, tangenciam. Novamente, FROMM:
    “Outra maneira de paralisar a capacidade de pensar criticamente é a destruição de qualquer imagem estruturada no mundo. Os fatos perdem a qualidade específica que só podem ter como partes de um todo estruturado e conservam apenas um significado abstrato e quantitativo; cada fato é somente outro fato e tudo o que interessa é se sabemos mais ou menos.”
    “A superstição patética que predomina é de que conhecendo um número cada vez maior de fatos chega-se a um conhecimento da realidade. […] Sem dúvida, raciocinar sem conhecimento dos fatos seria fútil e ilusório; somente as “informações”, porém, podem ser um obstáculo tão grande ao raciocínio quanto a sua ausência.”
    FROMM. O Medo à Liberdade. Cap. sobre  Liberdade e Democracia.
    Sobre isso, reflita… O artigo em questão foi replicado por um site que se vangloria por um desempenho de 12mil notícias publicadas. O que te parece esse site? O que te parece esse site replicar um texto do Passa Palavra? Inicialmente, acho um rebaixamento intelectual se sentir atacado por um site tão medíocre. Além disso, acho que o Passa Palavra deveria repensar essa série de publicações. Mas quem sou eu para achar, não é mesmo? Ninguém. Ser ninguém me permite tanta coisa! Me permito, por exemplo, repitir a pergunta: de uma concepção de mundo anticapitalista, replicar um texto aparentemente tão cuidadosamente redigido, que custou aos autores tantas e tantas horas, importa em que? Importa em passar a palavra, importa em disseminar a ideia. Não é isso que importa? E digo mais, se esse fulano, se for um tipo realmente de carne e osso, conseguir chegar em mais pessoas do que o Passa Palavra chega atualmente, quem sabe não seria interessante repassar diretamente à ele textos tão precisos e de tão demorada escrita?

  2. Pensar que a desonestidade possa ser uma das características do anticapitalismo é fazer um triste retrato da sociedade que se pretende construir.

    Eu sou escritor, e na minha profissão o plágio é considerado a prática mais infame.

  3. A noção tosca de coletivismo subjacente aos comentários de Liv é a mesma que corre nas bocas dos bolsonaristas quando dizem que se o Lula subir a rampa do Planalto “sua casa vai ser invadida pelo MTST e você vai precisar conviver com os sem-teto”. É o coletivismo do “seus bens pessoais pertencem a todos” – e eu não consigo pensar em bem mais pessoal do que as ideias – “e por isso posso fazer uso deles como se fossem meus”.

  4. Corrigido**
    Ah, camarada João…. Eu tinha certeza que você comentaria, sabia? Não conseguiria deixar de comentar, não é? Um autor que sente tanto prazer em citar, prioritariamente, incessantemente, a si mesmo.
    É claro que, na atualidade, um escritor precisa defender a propriedade ntelectual. Mas, que eu saiba, os autores do Passa Palavra não são remunerado para escrever, ou são? Tampouco o Passa Palavra é. Sendo assim, me parece que sobra infantilidade e incoerência por parte dos autores. E falta criatividade para pensar qual seria o ganho do trabalhador que escreve em um mundo anticapitalista.
    De tua parte, João, falta honestidade. Se é escritor sabe que as palavras só te pertencem enquanto permanecerem enclausuradas dentro de sua própria cabeça. Quando elas saem da esfera individual e adentram a esfera coletiva elas deixam de ser tuas. Elas perdem a pureza original no instante em que são recebidas pelo outro que está a tua frente ou ao teu lado, e que irá compreender o pensamento comunicado de forma particular. Por este motivo sabe que as palavras, quando postas para o mundo, não são realmente tuas. São de ninguém. Ou são de todos nós.
    A passagem pela vida é um sobro. Mas um sopro de tempo, ainda é tempo. Se desacomode, camarada.

    *** *** ***

    Disparatado Camarada Fagner, existe uma diferença de materialidade. Casas não são ideias. Tampouco ideáis. Apesar de que, ultimamente, pareçam ser.

  5. Liv argumenta como se o Passa Palavra estivesse cobrando participação em lucros de direitos autorais, mas o único pedido é que haja menção à autoria e à origem do artigo. Mas, para Liv, divulgar o trabalho de outros como se fosse seu – mesmo que esse trabalho possa para ser replicado livremente, desde que dados os devidos créditos e indicado o local da publicação original – talvez seja o prenúncio do socialismo.

  6. Já achei cômico o comentário original de Liv no artigo anterior, dizendo, em resumo, que não gostou do que leu e que o Passa Palavra deveria escrever do jeito que ela gosta, sem apontar nenhum caminho próprio e se limitando a dizer que o texto amontoou fatos demais, como se isso fosse um problema. Que eu saiba os fatos são as pedras essenciais para qualquer construção teórica do ponto de vista sociológico, temos que partir dos fatos para pensar, mas a esquerda pouco liga para os fatos e se agarra às suas ideologias e narrativas. O que li dos comentários de Liv foi “abaixo aos fatos, viva a narrativa!”. Agora ela vem protestar novamente: “abaixo a propriedade intelectual, viva o plágio!”. Para ela está tudo bem que um sujeito use um texto de um coletivo como se fosse seu para conseguir vantagem pessoal, e isso seria uma prática anticapitalista! Errado está o Passa Palavra em se incomodar. Deve ser daquelas pessoas que está disposta a pagar para que outros façam seu TCC, tese de mestrado ou doutorado, ou que não veria problema nenhum nisso caso tivesse dinheiro suficiente.
    Se ao invés de gastar seu tempo com críticas idiotas, Liv expusesse seu ponto de vista sobre a conjuntura com a estrutura que deseja, teríamos algo mais produtivo. Mas prefere gastar seu tempo “pentelhando”. Paciência, basta ignorar pessoas assim.

  7. Perverso camarada Fagner, eu não argumentei “como se o Passa Palavra estivesse cobrando participação em lucros autorais”. Eu escrevi, apostando, inclusive, que a denúncia de plágio nada tem a ver com a remuneração de alguém que vive (é explorado) do que escreve. A defesa da propriedade intelectual só faz sentido aos trabalhadores especializados e a fatia do capital que os explora.
    Fora isso, não faz sentido.
    E mais: se o Passa Palavra não deseja participar do lucro, então o que o Passa Palavra deseja? A coroação dos iluminados? Passam a palavra ou detém a palavra?

  8. Puxa vida, a troco de quê o cara quer a referência à autoria? Para dizer que o filho é teu? Hum, isso me parece narcisismo. Mas só o fato de fazer menção a lucros é indício da razão que fez o direito criar normas para a defesa da propriedade intelectual. Até o intelecto foi apropriado, tornado objeto do direito, logo, objeto do … Gostaria de estar enganado, mas tenho a impressão de que o direito não defende o indivíduo enquanto algo em si mesmo, como queria Kant. Só o iluminismo pretendeu isso, e hoje infelizmente essa tendência perniciosa do pensamento se mantém viva nas universidades. Se o direito protege é porque quer oferecer meios para a exploração econômica da ideia. De qualquer forma, deixa eu ver se entendi: uma plataforma que se propõe ser anticapitalista faz a defesa ideológica da propriedade intelectual, um instrumento de defesa da explorração capitalista, repito, colocando como aparência da defesa o indivíduo, sua “dignidade”, em suma, um expediente que mostra a força do iluminismo inocente, que só serve à academia e seus feudos e obviamente à fração do capital aliada às universidades.
    Quanto à crítica do Fagner, desculpe-me, mas nem a analogia consegue fundamentar a aproximação entre casa e ideia.
    Desonestidade é crer que o indivíduo produz por si o conhecimento, é, por assim dizer, reifiicar a palavra e se abraçar a ela como bote salva-vidas contra a noção fluida do tempo, em suma, é aderir a uma tradição filosófica baseada na ideia de essência – o que fica longe do materialismo. Isso só mostra como a gramática da linguagem ainda tem a grande força de impedir a crítica à realidade em termos que não sejam essencialistas e tem força para determinar a estrutura de percepção do indivíduo como unidade essencial.

  9. Desde o primeiro dia da sua publicação, em Fevereiro de 2009, o Passa Palavra indica na sua página inicial:

    «É permitida a reprodução desde que para fins não comerciais, os autores sejam citados e a integridade do texto ou das partes utilizadas seja respeitada.»

    Não se trata de propriedade, mas de honestidade.

  10. Aqui no Rio de Janeiro se roubam celulares mais do que se compram, muito provavelmente. Não sei a ideologia por trás desses furtos, mas talvez o lumpenproletariado tenha se inspirado em Liv, para quem posse e propriedade são a mesma coisa. Talvez roubar trabalhadores seja uma ação direta contra a atitude pequeno-burguesa dos trabalhadores! Os capitalistas? Ora, ficam contentes quando as ideias não se convertem em práxis. Infelizmente, as ideias não conduzem às transformações, os sujeitos a fazem.

  11. Alan, essa discussão sobre posse e propriedade não é de hoje, foi feita por Savigny e Ihering. Do ponto de vista do direito, a posse é indício da propriedade, é uma situação de fato que prova a possível existência da propriedade ou de um de seus direitos derivados. Em suma, a posse não é nada mais do que a propriedade materializada, propriedade de fato, não obstante haja proteção jurídica para a aparência de propriedade (ou seja a posse, que é isso que torna o ponto diferencial). Isso para dizer que posse ou propriedade não muda o argumento nem o confuta. Alias, desculpe-me, mas também a analogia não fundamenta seu argumento contrário, com base no exemplo que você citou, já que num caso não se tem a intenção de tornar o uso do objeto com exclusividade, e noutro, a intenção é exatamente essa – fora tratar de ojetos de natureza diferente. De qualquer forma, ao falar em termos de roubo, há uma insistência em tratar a realidade com a pauta valorativa capitalista.

  12. Há comentadores e comentadoras que, quando vêem o terreno a deslizar-lhes debaixo dos pés, agarram-se a tudo para fugir do assunto. No entanto, a questão é só uma e é muito simples:

    Desde há mais de treze anos que o Passa Palavra anuncia na sua página de início: «É permitida a reprodução desde que para fins não comerciais, os autores sejam citados e a integridade do texto ou das partes utilizadas seja respeitada.»

    Não se trata de propriedade, trata-se de honestidade.

    A questão é esta e só esta — honestidade.

  13. Levando adiante o frágil e reiterado argumento do Camarada João, se é uma questão de honestidade, é uma questão ética/moral [nota 1]. Correto? A pergunta que se faz então é se é também uma questão patrimonial [nota 2]. O que quer o Passa Palavra? Passar a palavra ou ter a POSSE/PROPRIEDADE da palavra? Quer exigir aos que desejam replicar um texto confeccionado pelos editores do Passa Palavra um selo que os identifiquem como proprietários intelectuais do pensamento comunicado?
    Há comentadores e comentadoras que, quando vêem o terreno a deslizar-lhes debaixo dos pés, agarram-se a tudo para fugir do assunto. No entanto, a questão é só uma [nota 3] e é [apenas em sua aparência] muito simples: A moral que se pede, a pauta valorativa, é anticapitalista ou não?
    Há ofuscantes e escorregadios comentadores que acusam a imoralidade de outros comentadores para escaparem de si mesmos. Para escaparem da tarefa número um da Filosofia da Práxis: Façam seus inventários, camaradas! [nota 4]. Francamente, vocês parecem desconhecer a moral os que guia. E sem conhecer, ou sem admitir conhecer, acabam agindo em defesa das forças que imaginam combater.
    Reparem bem camaradas, vocês foram replicados em uma plataforma que nada mais é do que um excremento do capital. Se a produção intelectual do Passa Palavra, em especial esta série de publicações mais recentes, de fato confrontasse a hegemonia capitalista, não teria sido replicada com tanta naturalidade.
    Escapar da compreensão de si mesmo, isto sim é imoral.

    [nota 1] Para Gramsci, existe um elo que liga a ética à dimensão da moral: “ÉTICA. A máxima de Kant – “Atue de tal maneira que a tua conduta possa tornar-se, em condições similares, uma norma para todos os homens” – é menos simples e óbvia do que à primeira vista pode parecer. O que se entende por “condições similares”? […] A máxima kantiana pode ser considerada como um truísmo, já que é difícil encontrar alguém que não atue acreditando encontrar-se nas condições em que todos atuariam como ele. Quem rouba por fome acredita que quem tem fome também roubaria; quem mata a mulher infiel acredita que todos os maridos traídos também deveriam matar, etc. Apenas os “loucos”, em sentido clínico, atuam sem acreditar que estão no justo. […] É possível dizer que a máxima de Kant está ligada a seu tempo, ao iluminismo cosmopolita e à concepção crítica do autor, isto é, está ligada à filosofia dos intelectuais como camada cosmopolita. Portanto, aquele que atua é o portador das “condições similares”, ou seja, o criador delas: isto é, ele “deve” atuar segundo um “modelo” que gostaria de ver difundido entre todos os homens, segundo um tipo de civilização pelo advento da qual trabalha ou por cuja conservação “reside” contra as forças desagregadoras, etc.” (GRAMSCI, A. Concepção Dialética da História. Civilização Brasileira, 1978. Pg 59-60);

    [nota 2] “O Direito de Autor ou Direito Autoral constitui, COMO A PROPRIEDADE INDUSTRIAL, um dos ramos dos denominados DIREITOS INTELECTUAIS, enquanto criações do espírito humano. Não é propriamente um produto, mas o produto não existe sem ele, razão pelo qual o autor tem direitos sobre o produto. O Direito do Autor compreende prerrogativas MORAIS E PATRIMONIAIS, aquelas referentes ao vínculo pessoal e perene que une o criador à sua obra e estas referentes aos efeitos econômicos da obra e o seu aproveitamento mediante a participação do autor em todos os processos e resultados. O direito de autor protege o criador e as obras resultante, direta ou indiretamente, e ampara a concepção do autor apresentada sob determinada forma. (BASTOS, A. Dicionário de Propriedade industrial e assuntos conexos, Aurélio Wander Bastos. 1997. Ed lúmen júris. Pg. 77).

    [nota 3] “Para os esperantistas da filosofia e da ciência, tudo o que não vem expresso em sua linguagem é delírio, é preconceito, é superstição, etc.; eles (mediante um processo análogo ao que se verifica na mentalidade sectária) transformam em juízo moral ou em diagnóstico de ordem psiquiátrica o que deveria ser um mero juízo histórico. Muitos traços desta tendência se encontrar no Ensaio Popular [Bukharin]. O esperantismo filosófico está radicado notadamente nas concepções positivistas e naturalistas. A “sociologia” é, talvez, o maior produto de uma tal mentalidade; da mesma maneira, as tendências à “classificação” abstrata, ao metodologismo e à lógica formal. A lógica e a metodologia geral são concebidas como existentes em si e por si, como fórmulas matemáticas, desligadas do pensamento concreto e das ciências particulares concretas (do mesmo modo como se supõe que a língua exista no dicionário e nas gramáticas, a técnica fora do trabalho e da atividade concreta, etc.). Por outro lado, não é necessário supor que a forma de pensamento “antiesperantista” signifique ceticismo, agnosticismo ou ecletismo. É certo que toda forma de pensamento deve considerar a si mesma como “exata” e “verdadeira” e combater contra as outras formas de pensamento, mas isto “criticamente”. O problema, portanto, reside na dose de “criticismo” e de “historicismo” que estão contidos em todas as formas de pensamento. A filosofia da práxis, reduzindo a especulatividade” aos seus justos limites (isto é, negando que a “especulatividade” – como a entendem inclusive os historicistas do idealismo – seja o caráter essencial da filosofia), revela ser a metodologia histórica mais adequada à realidade e à verdade.” (GRAMSCI, A. Concepção Dialética da História. Civilização Brasileira, 1978. Pg 78-79).

    [nota 4] “Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto de atingido pelo pensamento mundial mais desenvolvido. Significa, portanto, criticar, também, toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. Início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem beneficiário no inventário. Deve-se fazer, inicialmente, este inventário.” GRAMSCI, A. Concepção Dialética da História. Civilização Brasileira, 1978. Pg 12).

    [fiz direitinhos as citações? Conquistei a carteirinha da honestidade?]

  14. A questão é simples: cabe a atribuição de autoria numa produção cultural pautada pelos parâmetros de uma ética anticapitalista? A “honestidade” a que tantos se referiram é isso. Só isso. Antes de qualquer debate patrimonial, a atribuição de autoria já existia; do contrário, o estilo, conteúdo e forma da Odisseia, do Dao De Jing e das tradições dos griot não nos evocariam tempos, lugares e povos específicos. Não saberíamos da sofisticação de Ibn Khaldun frente a Al-Ghazzâlî, não reconheceríamos no Sankofa um elemento da cultura imaterial dos Akan, não conseguiríamos rastrear na sabedoria dos povos originários da América as raízes dos “direitos do homem” do Iluminismo, confundiríamos os fantásticos achados arqueológicos na Amazônia com Ratanabá. Seria tudo palavras ao vento. A atribuição de autoria individual ou coletiva, velha como o mundo, é o que nos permite inscrevermo-nos neste mesmo mundo, fazermo-nos reconhecer pelos demais, e identificarmo-nos uns aos outros mediante esse reconhecimento. Citar os outros, atribuir-lhes a autoria de algo que dizemos, é prestar-lhes homenagem, é dar-lhes o reconhecimento devido, é puxar o fio das ancestralidades, é tornar prático o entendimento de que, como diria Isaac Newton (citando Bernardo de Chartres, que aliás pescou a frase de Prisciano de Cesareia), vemos mais longe só porque estamos sobre os ombros de gigantes. A atribuição de autoria é o contrário do mito burguês do gênio solipsista, porque indica as raízes, passagens e transformações de um objeto cultural. O plágio equivale não a uma violação do patrimônio, como alguns aqui disseram, mas a um sequestro de identidade, a uma apropriação cultural. Fazer-se passar por quem não se é. Assumir uma História que não é a sua. Se na ética anticapitalista de Liv isso é cabível, ok, não temos mais o que discutir, porque teremos identificado onde está nossa diferença irreconciliável. Se não é cabível, será bom entendermos onde está a divergência por trás de tanto corta-e-cola, do contrário ficará a impressão de que Liv só busca o lacre.

  15. Camarada Liv, neste comentário, não consegui visualizar uma relação de causa e efeito. Vejo saltos, apenas. Tentarei explicar.

    Me diga, o que garante que as produções intelectuais atribuídas às personalidades citadas, foram realmente produzidas por estes indivíduos? Não é certo que uma dúvida que paira sobre, por exemplo, o conjunto das obras de Bach? Há quem diga que nem todas as composições atribuídas à ele foram realmente compostas por ele. A mesma dúvida paira sobre alguns textos de Aristóteles. E mesmo Omero, citado por você, sobre o qual há teses de que ele sequer existiu. De qualquer forma, o conhecimento que foi passado oralmente de pessoa a pessoa e que nele encontrou uma forma perene não impediu que a Ilíada e a Odisseia tivessem sua ampla difusão. Será que cada membro do conjunto social que permitiu o surgimento dessa história irá reclamar que a história seja honesta com eles? Beira a inocência, não? Mudaria alguma coisa se Omero se chamasse Aristófeles? Quer mais um exemplo? Mary Shelley, autora de Frankenstein, teve que fazer uso do nome de seu marido para conseguir difundir seu livro. Em suma, a autoria é uma questão fé. Cremos que tal pensamento foi originado por tal indivíduo. Mas se realmente foi, será sempre impossível determinar. Isso demonstra que você tem um modo essencialista de percepção do mundo, isso para não tocar no Imperativo Categórico, em uma composição do “sujeito” bizarro (olha Gramsci aqui de novo). Ó a identidade! A identidade é intocável. A identidade é primordial. Bem, não é bem isso que Hume demonstra em seu Tratado da Natureza Humana.

    Mais um exemplo? Os algarismos arábicos que costumeiramente se apontava como de origem árabe, hoje se aponta como de origem indiana. E então, a matemática é outra porque agora são indianos? E a Bíblia?! Nem mesmo no texto bíblico há consenso com relação as autorias. E isso impediu a difusão do cristianismo no mundo?

    Mais alguns exemplos? Hermes, Trismegistro, Zoroastro e Orfeu. Mais um? Você sabia que não temos certeza de que o Teorema de Pitágoras é de Pitágoras? E, nem mesmo, se Pitágoras existiu! Imagine isso?!

    Você disse que “A atribuição de autoria individual ou coletiva, velha como o mundo, é o que nos permite inscrevermo-nos neste mesmo mundo”? Então significa que estamos beirando ao risco de uma crise existencial?! Meu Senhor!! Pitágoras pode não ter sido o autor do Teorema de Pitágoras?! Vamos precisar revisar toda a geometria! E agora João?!

    O questionamento feito foi o seguinte: A moral que se pede, a pauta valorativa, é anticapitalista ou não? Supondo que as publicações do Passa Palavras não envolvam ganho econômico, por qual razão o Passa Palavra se importar tanto com a replicação desacompanhada de um selo autoral de um de seus textos em outras plataformas? A ideia do Passa Palavras não é disseminar pensamentos anticapitalista? Se esta é a ideia, que importância tem a autoria?

    Você fez uma defesa a quem presta reverências, não? Você não disse isso que “atribuir-lhes a autoria de algo que dizemos, é prestar-lhes homenagem, é dar-lhes o reconhecimento devido”? Por que dar prioridade a um valor moral tão indissociável da vaidade de um indivíduo atomizado que nasce (ou, ao menos, cresce) com a filosofia moderna em vez de fomentar a difusão do conhecimento independente de selos? E há quem justifique isso dizendo, simplesmente, que seria mais honesto (humm… sinto cheiro de Imperativo Categórico…) conceder aos autores as prestigiosas reverências de quem possui a propriedade intelectual de algo.

    Na ética capitalista de Liv, a defesa da primazia dos direitos autorais (confundido aqui com honestidade) em detrimento da difusão do conhecimento/informação é cabível. Então, realmente, parece claro o ponto irreconciliável entre Liv que diz ser ninguém e Liv tem o hábito de prestar reverência à indivíduos em vez de prestar reverência à ideias.

    Camaradas, bom descanso!

  16. Uau…
    Esse malabarismo todo de Liv só porque o PP – conforme expresso no site – desejo que os seus textos sejam devidamente referenciados?
    E o cidadão ainda viaja falando de propriedade intelectual? Kkk
    Liv, onde estão os textos e ensaios e livros que vc publicou depois de anos de pesquisa? Quero publicá-los como meus.

    É cada uma..

  17. Estamos onde estamos — num cenário em que a esquerda anticapitalista foi pulverizada e reduzida à impotência e a extrema-direita e o fascismo ocupam o centro do tabuleiro — porque a esquerda que se diz anticapitalista deixou de representar qualquer progresso material, científico e cultural; deixou de representar a possibilidade de, através da luta, efetivarem-se e ampliarem-se direitos individuais e coletivos que o capitalismo limitou-se a inscrever no papel; deixou de representar a possibilidade de articular a propriedade e a liberdade individuais com a propriedade e a gestão coletiva dos meios de produção; deixou de representar a possibilidade de atingir-se a igualdade social sem anular-se a individualidade e a privacidade; deixou de representar quaisquer virtudes: estas são entendidas como ideologias burguesas. Tudo isso se perdeu, como perderam-se também as noções de reconhecimento e respeito pelo esforço alheio. Alguns dos comentadores acima representam justamente isso, a perda de qualquer noção de avanço social; pretendem opor ao capitalismo o retrocesso, a regressão. São eles mesmos o retrocesso e a regressão. Um deles, inclusive, escreveu que “desonestidade é crer que o indivíduo produz por si o conhecimento” e agora outra aparece para dizer que, se em determinados casos é difícil atribuir a verdadeira autoria de uma obra, então usurpar uma obra de que se conhece a autoria é plenamente justificável ou talvez até desejável. Enfim, é usar demagogia — esquerdista ou pura demagogia mesmo, e de baixo nível — para defender o charlatanismo, a vigarice e a usurpação do trabalho alheio, e isso é repugnante.

  18. Um site comercial se apropria privadamente de um texto escrito coletivamente num site sem fins lucrativos e ainda há quem pergunte se isso importa, de um ponto de vista anticapitalista! É uma nova corrente política: o socialismo corsário! A pilhagem como método.

  19. Emerson,

    Mas o que foi questionado neste artigo não foi o uso comercial de um artigo, mas o plágio.

    Não li todos os comentários de Liv, mas tendo a concordar. A discussão e o questionamento sobre plágio de uma perspectiva progressista ou anticapitalista já tem tempo. Recomendo os escritos de Wu Ming sobre isso. E são escritores profissionais, portanto também escrevem por vezes da perspectiva da própria sobrevivência material.

    No meio científico o plágio normalmente está associado a essa falta de honestidade. Uma trapaça nas regras do jogo. A questão é quais são as regras do jogo. E elas estão, no nível do indivíduo, relacionadas à acumulação de capital simbólico, além, evidentemente, da dinâmica de reconhecimento que estrutura as identidades.

    Politicamente a contradição é posta entre fazer as ideias escritas circularem ao máximo, pela importância da sua difusão, independente a quem seja creditada autoria (ou mesmo creditada a ninguém), e a importância da ampliação de simpatizantes, adeptos e “seguidores” de um grupo ou indivíduo. O reconhecimento da autoria serve politicamente para esse último propósito.

  20. Quando leio os comentários em que, de uma forma ou outra, se desculpa o plágio ou se encontra justificação para o facto de uma pessoa se apresentar como autor de todo um artigo que foi escrito por outros, constato que a esquerda — ou aquilo a que se chama esquerda — desceu ainda mais baixo do que eu imaginava. Quanta degradação!

  21. Que horror ter que ler algumas coisas que foram escritas aí em cima!
    A questão é simples e direta: o cidadão copiou o texto do Passa Palavra (que bom, pois textos anti-capitalistas precisam ser divulgados mesmo) e publicou com o NOME DELE (horrível!) ao invés de dar crédito ao coletivo Passa Palavra! Coletivo este que faz questão de, muito acertadamente, incentivar a divulgação livre e irrestrita não apenas de seus próprios textos e livros, mas também de outros autores!
    Se a sociedade que queremos que se materialize amanhã começa com a maneira como a qual nos comportamos hoje, principalmente para com companheiras e companheiros de luta, é essa a sociedade que algumas pessoas que fizeram alguns comentários acima querem construir? Uma sociedade baseada em mentiras?! Se sim, me contem fora desse projeto!

  22. Olá Leo V, gostei muito de alguns textos seus publicados neste site. Me enche de alegria que você ache desimportante a autoria, pois eu tencionava mesmo publicá-los em meu nome. Abraço!

  23. Joker,

    Não escreverei um texto sobre plágio se você pegar textos que escrevi e publicar com seu nome. Acharei um tanto ridículo apenas. Se você leu o que escrevi deveria ter visto que eu não disse que acho desimportante a autoria. Eu apenas lancei brevemente o que fundamenta a existência de autoria e no caso de grupos políticos, de onde viria a importância dela. Senão a discussão fica no campo da discussão moral.

  24. É lamentável que alguém possa escrever: «Senão a discussão fica no campo da discussão moral». Pois é precisamente nesse campo que a esquerda precisaria de discutir. Mas assim, pelo menos, as coisas ficam claras. Vemos quem prefere esquivar-se ao campo da discussão moral.

  25. PARALAXE DA HEMIPLEGIA
    Entre Kant & Sade, o coração pequeno-burguês balança…

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