Por José Abrahão Castillero

 

Desde que os trabalhadores da limpeza da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) passaram por uma demissão em massa com o fim do contrato com a empresa APPA, eles vêm esperando o pagamento dos dias trabalhados pela própria universidade. Nesse momento, por uma semana, esses funcionários ficaram trabalhando pelo sistema conhecido como “fonte 10”, que é por onde a universidade prometeu pagar as diárias. Depois da volta da empresa na execução do serviço por meio de um contrato emergencial, alguns trabalhadores foram recontratados, mesmo acontecendo novas demissões.

Depois do contrato emergencial firmado, tanto os trabalhadores recontratados, quanto os que permaneceram demitidos, ficaram na espera do pagamento dos dias trabalhados pelo sistema “fonte 10”. Hoje, depois de meses de espera, esses funcionários estão vendo à distância para chegar o dia em que irão receber o dinheiro. Segundo um gestor da prefeitura, a demora para cair o pagamento se deu pelo valor ser muito alto (em torno de R$ 100 mil), então a procuradoria da UERJ entrou com processo para analisar as transações do sistema. O problema é que faz meses que declara que está para finalizar o trâmite e que vai realizar o pagamento. Porém, os trabalhadores continuam esperando, sem ter resultado.

Ao questionar gestores da prefeitura, por meio da DESEG (Departamento de Serviços Gerais), estes disseram não saber do número do processo sobre a “fonte 10”, para uma consulta pública. Foi preciso ir até o Diretório de Administração Financeira (DAF) da UERJ. Porém o mesmo alegou que o processo estava com a DESEG e esta novamente repetiu não saber o número do processo e disse que o pagamento dos trabalhadores terceirizados iria acontecer “daqui a pouco”. Porém, dias depois, o pagamento ainda não veio.

Ao conversar com um dos funcionários do prédio das ciências médicas e perguntar sobre a espera do pagamento das diárias, ele disse:

“Eu não tenho certeza se os dias trabalhados incluem 20 reais de alimentação, 10 de passagem e [se] quando caísse iria vir isso tudo. Porque a gente já estava gastando do nosso bolso e eles (a administração da UERJ) disseram que iriam repor isso. Agora, tem esse prejuízo nosso também. E a gente estava se garantindo que a fonte 10 ia pagar a gente. Teve gente aí que foi demitida por não poder trabalhar nesses dias, simplesmente por não ter dinheiro para a passagem. Aí a gente foi perguntar para a chefia, eles não sabem. Estavam falando que lá no campus Maracanã estavam mandando o povo embora se chegasse atrasado. Ou seja, o povo já ficava com medo. Aí houve um dia que a gente foi perguntar do dinheiro da ‘fonte 10’, parece que o cara da administração da UERJ virou e disse ‘esquece esse dinheiro aí, não vai cair nada não’. Aí é foda, porque além desse problema com a UERJ, a gente tem outros problemas com a APPA. Pois a gente aqui tem trabalhado com condições péssimas. A gente mexe com lixo, com rato de laboratório, alguns saem vivos e mordem a gente. Furam a luva que a gente usa. Isso fora o lixo de laboratório, que tem vidro e um monte de coisa. Os chefes aqui já disseram que a gente ia receber adicional de insalubridade. Mas isso já faz uns três meses e não deram nada”.

É importante lembrar que a falta de adicional de insalubridade era baseada no fato de que a limpeza de corredores não estaria incluída na lista das ocupações que lidam com condições insalubres, segundo a legislação trabalhista. Porém, isso é algo bem sensível aos faxineiros da UERJ, pois no recolhimento de lixo já houve acidentes, como uma funcionária furada por uma seringa e outros que sofreram cortes de vidro ou mordidas de rato. Há uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que pode servir como precedente judicial, pois concederam o adicional para uma faxineira que limpa banheiros de escolas. Essa promessa feita por palavras para os funcionários do campus das Ciências Médicas, depois não sendo concretizada, é um sintoma de um conflito antigo. Nele, já houve um funcionário demitido por reclamar da falta de adicional de insalubridade.

Das demissões depois do estabelecimento do contrato emergencial com a APPA, consegui entrevistar um desses funcionários, perguntando sobre o valor que a UERJ está devendo e como isso afetou sua vida.

“A gente trabalhou 7 diárias pelo sistema ‘fonte 10’. Parece que o valor era de 96 reais cada uma. Somando esses 96 reais, dá uns 700 reais, por aí, que eles estão devendo para cada um de nós. Quando eles me demitiram eu recebi todas as verbas da rescisão de contrato, tudo direitinho. Mas agora eu estou duro e esses dias trabalhados pela ‘fonte 10’ [eu] não estou recebendo. Estou preocupado com eles me darem um calote.”

Se antes a impotência da fragmentação e isolamento dos trabalhadores terceirizados não impediu as demissões que vieram, hoje temem que sofram um calote no pagamento. O protesto dos estudantes contra as demissões serviu para pressionar a burocracia universitária a favor desses trabalhadores, quando a APPA finalizou o contrato. Mas agora, com o possível calote, a situação se complexifica, como a organização do trabalho que cria uma vigilância a partir dos que são próximos da chefia, contra os que reclamam das condições ou não participam do ritual de relações pessoais. Esse controle baseado na cordialidade dos chefes gere o serviço desde a contratação até a demissão.

Funcionários suspeitam de altos pagamentos a gestores de projetos

Seguindo um pouco mais a busca do problema de não pagamento das diárias dos trabalhadores terceirizados, muitos deles falaram que a demora se deve à investigação feita pela procuradoria da UERJ diante dos valores fornecidos pelo sistema da “fonte 10”. Enquanto a situação não se resolve, os faxineiros ficam sem receber esses dias trabalhados. E numa conversa com servidores da universidade sobre a indisponibilidade da verba, um servidor apontou que ocorrem casos de pagamentos de alguns gestores, o que entra em contradição com a demora para pagar os trabalhadores da limpeza. Segundo eles, basta fazer uma visualização no site transparência da universidade e colocar o nome de gestores que estão nos projetos citados. É possível ver remunerações de R$ 28 mil, R$ 59 mil e até R$ 205 mil. Segundo relatos, não houve processo seletivo para escolher participantes. Um servidor disse o seguinte:

“A gente está muito indignado com isso, parece uma grande ‘filha da putagem’. Eu ando sem tempo por causa dos filhos, mas queria botar uma pressão no sindicato, chamar o pessoal para se organizar e deixar claro que isso não é a UERJ. Entendeu? A gente está indignado com isso. São chefes escolhidos a dedo, em projetos que quando a gente vê, não estão andando, não funcionam. Mas toma cuidado para publicar isso aí. É muita doideira”.

É notável o medo de servidores ao comentar a incoerência da UERJ diante do não pagamento de trabalhadores e de altas quantias para gestores em projetos que alegam não funcionar. Semelhante medo é perceptível nos terceirizados, de serem demitidos simplesmente por falar e reclamar das condições de trabalho. E se esse medo é permanente, a organização do trabalho também é. O que prevalece são os contatos pessoais, para manter empregos e contratações na base de relações com pessoas de dentro. Daí a função política da terceirização. No caso do regime estatutário, o controle parece mais difícil de desmascarar, devido às garantias de trabalho e proteção à estabilidade dos servidores. Mas diante desses relatos, a mesma liberdade política que esses funcionários conseguem conquistar, parece ficar impotente para desmascarar relações escusas dos chefes, que não podem ser imediatamente comprovadas.

Talvez essas situações de intimidação digam um pouco mais sobre as condições de trabalho dos terceirizados, inclusive a partir de um setor aparentemente diferenciado: os servidores. Pois mostra como seria o desafio de uma solidariedade real entre esses setores da classe trabalhadora. Indo além de acordos sindicais, esse apoio entre categorias poderia se dar pela denúncia da estrutura da UERJ. No entanto, é o medo de se indispor com os chefes que atrapalha essa articulação. E a estrutura capitalista da universidade talvez se apoie nessas relações de favorecimento estratégico de alguns interesses políticos, baseados na intimação de setores diversos de trabalhadores. Talvez manifestações de denúncia da situação dos terceirizados possam ser um passo para apontar a solidariedade como defesa dos setores mais fragilizados. Mas o que seria efetivo para colocar um “freio” nessas relações mais brutas de exploração seria uma articulação próxima entre esses setores e promover uma paralisação das atividades. Como uma greve que ultrapasse as estruturas sindicais e burocráticas, considerada “selvagem” por alguns. Mas essa garantiu o pagamento de terceirizados quando estudantes ocuparam o campus Maracanã junto com a greve de funcionários. No entanto, a mesma estrutura estudantil do DCE e outras semelhantes se encontram submetidas a remunerações e financiamentos que submetem a mobilização e conquistas sociais a acordos com reitorias. É possível notar que a solidariedade com esses modelos tem limites e não vai além disso. Assim como vemos militantes estudantis negando a veracidade de relatos de funcionários, esses mesmos protegem o controle social promovido pela burocracia universitária. Uma luta na universidade, que passe por qualquer questionamento profundo, precisa atuar na solidariedade com terceirizados e outros funcionários. É nessa interrelação que se percebe a luta de classes na universidade e contra quem e como recai a violência do capitalismo. Aí é um desafio de formação política dos estudantes, assim como de estratégia de organização e luta dos trabalhadores. Muito além de eleições por cargos e disputas institucionais.

As imagens que ilustram este artigo foram reproduzidas da internet.

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