Por Cridom

Eu passei a catraca da estação Saint-Lazare ao lado deles e vi que ela, com seus dois filhos, ficou para trás, parada em uma outra catraca. Ela tinhas várias bolsas e sacolas para organizar, prender algumas no carrinho no qual carregava a criança menor, e tinha, também, que estar atenta à outra, uma menina de uns 5 ou 6 anos, muito agitada, serelepe, que alegremente se movimentava o tempo todo e desarrumava sem perceber suas próprias roupas de frio. Ela também precisava de encontrar em sua bolsa o cartão de transporte e assim liberar a entrada deles naquela área da estação. Passei a catraca e fui direto olhar o painel de horários de trens pendurado no teto. O meu ainda demoraria quinze minutos para partir, e o número da linha onde ele estacionaria ainda não aparecia lá. Fiquei parado ali mesmo à espera dessa informação. Eu estava atrasado para o meu compromisso. Havia saído de casa correndo sem me atentar às previsões do tempo para aquele dia. Comecei a sentir frio. Não sabia que em breve acabaria mais uma vez vendo um exemplo simples e gigante da beleza da inocência das crianças. Vesti uma camisa de flanela que há dias, por descuido, acabara ficando dentro da mochila, e torci para o sol esquentar a terra. À minha frente, um pouco distante de mim, uma jovem limpava, pelo lado de fora, os vidros do balcão da bolangeriepâtisserie. Do lado de dentro estava uma outra jovem, e as duas trabalhadoras conversavam e sorriam com entusiasmos que chamaram a minha atenção naquela manhã fria de domingo. Pensei comigo: “Para mim é difícil demais trabalhar sorrindo no domingo.” Voltei a observar a mulher com as duas crianças quando ela, apressada, parou por um instante ao meu lado, olhou o painel e o seu rosto e o seu corpo denunciavam que ela já havia encontrado o que buscava. Não foi tempo o suficiente para estacionar ali, ajeitou a mochila nas costas e a bolsa que carregava a tiracolo, pegou a menina serelepe pela mão, arrumou a jaqueta dela que escapava do corpo, disse qualquer coisa, visivelmente atrasada, meteu a outra mão no carrinho de bebê, iniciou a corrida no mesmo instante em que a criança abriu um lindo sorriso, acompanhando a mulher correu alegre, empolgada como quem participava de uma boa brincadeira, desconhecendo o que é estar atrasada e o incoveniente de por aqui perder um trem no domingo, inocente como uma criança comum.

A obra que ilustra o texto é O Caminho de Ferro (1872-73), de Édouard Manet.

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