Assédio Organizacional no Serviço Público: o caso da Fundacentro [3]

Por Leo Vinicius Liberato [*]

 

Degradação das condições de trabalho

O não reconhecimento da natureza da atividade de pesquisa na gestão da Fundacentro que se iniciou em 2019 foi algo sistemático e recorrente. Passou por uma difusão de Portarias e burocracias impróprias ao trabalho de pesquisa e difusão de conhecimento, e pela centralização das decisões da área técnica na presidência, que não é um cargo técnico, mas político. O uso de determinados instrumentos de gestão também expressa esse não reconhecimento da atividade de pesquisa. Um exemplo foi a substituição do uso do Sistema de Gestão de Projetos e Atividades (SGPA) pelo o uso do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) para gerir projetos de pesquisa[1]. Enquanto o SEI foi criado pelo TRF4 para processos jurídicos e administrativos, o SGPA é um sistema próprio da Fundacentro pensado para a atividade fim da fundação. Outro exemplo foi o uso de planilhas de Excel com dados predominantemente quantitativos para acompanhamento de etapas de um projeto, cujos dados mensais alimentam um software de Business Intelligence. Quando questionado por um servidor se essa forma de controle teve como referência outra instituição de pesquisa, o assessor da presidência Paulo César Vaz Guimarães não respondeu à questão, tergiversando. A Portaria 850/2022, que institui o controle de frequência eletrônico, e o Programa de Gestão e Desempenho (PGD), também expressam um não reconhecimento da atividade fim da Fundacentro, descumprindo o Decreto 1590/1995 que só permite que seja posto controle de frequência para os cargos de pesquisador e tecnologista em conformidade com a atividade do órgão. Essa Portaria estabelece controle de frequência eletrônico também a pesquisadores e tecnologistas, mas em nenhum momento fundamenta isso com base na atividade do órgão [2].

A sistematicidade e recorrência de ações de não reconhecimento da atividade dos pesquisadores, dificultando e impedindo a atividade por normas inadequadas, retirando os recursos imateriais necessários, em si já caracteriza uma situação de assédio sobre esses servidores.

Exemplar também do não reconhecimento da própria atividade técnica da Fundacentro, e de busca do esvaziamento da área fim do órgão, foi a nomeação de Diego Fernando Ferreira de Oliveira, o diretor do superRH chamado CGGC, ao qual foram subordinados todos os servidores das UDs, como representante da Fundacentro no grupo tripartite que discute alterações na Norma Regulamentadora 35 (que versa sobre trabalho em altura). A nomeação ocorreu pela presidenta recém-empossada Luciana Ferrari Siqueira[3]. Diego Fernando Ferreira de Oliveira possui formação em Administração, nenhuma experiência e conhecimento sobre trabalho em altura. Trata-se apenas de pessoa de confiança da gestão da Fundacentro, mas totalmente desqualificado tecnicamente para compor discussão sobre a NR 35 ou qualquer outra NR, como pode ser visto em seu currículo.

Assédio Organizacional no Serviço Público: o caso da Fundacentro [3]

Aos tecnologistas e pesquisadores que estão sob controle de frequência eletrônica do Sisref (contrariando o do Decreto 1590/1995) e demais servidores que não estão em teletrabalho, é exigido preenchimento de formulário de Solicitação de Autorização de Trabalho Externo para atividades que demandam estarem em outro local. Tal procedimento, no entanto, mostra-se incompatível com o desenvolvimento de atividades que fazem parte de um processo de pesquisa e o desenvolvimento profissional do pesquisador, os quais necessitam de uma flexibilidade e autonomia negada por esses procedimentos. Contrariam a necessidade do trabalho e bloqueiam o reconhecimento do pesquisador na sua atividade. A situação é exemplificada num questionamento realizado por mim, reproduzido em anexo [4], sem que tenha havido resposta condizente ou mudança que solucionasse o problema. Mais uma vez, trata-se novamente do não reconhecimento da natureza da atividade de pesquisa e por consequência da própria formação e identidade profissional de servidores da área fim da Fundacentro. Tal situação lembra uma charge de Henfil, bem descrita por Idelberto Muniz de Almeida:

 

Os controles excessivos, as humilhações, as práticas de assédio moral foram denunciados numa charge histórica [de Henfil] em que, voltando para seu posto, uma trabalhadora informa à colega operadora de prensa: “Mirtes: o departamento de pessoal liberou minha ida ao banheiro dia 30 de outubro, às 18 horas!” [5].

Não é coincidência que o livro de onde a citação acima foi retirado ficou cinco anos aguardando publicação pela Fundacentro, até que, na atual gestão, foi solicitado que fosse ressubmetido à avaliação, apesar de já ter tido parecer favorável. O bloqueio da sua publicação se deu provavelmente por questões políticas, isto é, o livro continha ideias que os gestores da Fundacentro não gostariam que fossem difundidas. O livro acabou sendo publicado por uma editora privada com apoio do Ministério Público do Trabalho.

A retirada dos recursos imateriais para realização do trabalho, isto é, o estabelecimento de uma organização do trabalho imprópria para a atividade, pode ser ilustrada em exemplos muito concretos, como o que expus à Diretora de Pesquisa Aplicada Érika Alvim de Sá e Benevides e à presidenta Luciana Ferrari Siqueira (ambas não são servidoras de carreira da Fundacentro)[6]. Devido às regras (irracionais) impostas, fui impedido de assistir a uma audiência pública de tema relacionado à pesquisa que coordeno. Claro que não se trata de caso isolado. Uma colega, por exemplo, não pôde participar do próprio evento organizado pela direção de pesquisa da Fundacentro, pelo menos motivo. Cabe aqui reproduzir o que apontei à Diretora Érika Alvim de Sá e Benevides e à Presidenta Luciana Ferrari Siqueira, com base no próprio conhecimento do campo de Segurança e Saúde no Trabalho:

 

As normas e controles impostos na Fundacentro impedem que eu acompanhe essa audiência pública, me privando assim de acesso a um evento que pode trazer informações e conhecimentos relevantes sobre a realidade dessa ocupação em Florianópolis. Isso porque: 1) o controle de frequência estabelecido na Fundacentro não permite flexibilidade e autorregulação de horários pelo pesquisador; 2) A inexistência ou esvaziamento da chefia imediata impede que esses ajustes sejam realizados de forma compatível com a realidade social e do trabalho; 3) O sistema de controle para “trabalho externo” gera insegurança ao pesquisador uma vez que se baseia no trabalho prescrito e não no trabalho real.

(…)

O resultado é que não participarei da referida audiência pública. As normas postas na Fundacentro não são adequadas às necessidades da atividade de pesquisa e desenvolvimento profissional. Em poucas palavras, elas impedem o trabalho. Impedindo e obstruindo o trabalho elas são fatores para adoecimento como é bem sabido pelos estudos relacionados à clínica da atividade. Como bem ressalta Yves Clot, para analisar a relação da atividade com a saúde, deve-se entender a atividade não apenas como aquilo que é realizado, mas também como aquilo que não pode ou se conseguiu realizar.

Assim como muitos servidores da Fundacentro, a minha formação foi realizada com gastos consideráveis do orçamento público, através do financiamento das universidades públicas nas quais estudei e através de bolsas de pesquisa que recebi ao longo do mestrado, doutorado e pós-doutorado. É triste que, além de tudo, a atual gestão da Fundacentro esteja impondo normas que não apenas desconsideram todo investimento público feito nesses profissionais para realizarem trabalho de pesquisa, mas também, por impedirem o trabalho e o desenvolvimento profissional, dilapidando esse investimento público que foi feito, uma vez que o resultado inevitável é o desengajamento do trabalho como mecanismo de defesa da saúde e a involução de competências. Algo que resultará na mediocridade das pesquisas, baixa qualidade e perda de competências para atividade fim da Fundacentro. É difícil não levantar a hipótese de que seja esse o objetivo.

Assédio Organizacional no Serviço Público: o caso da Fundacentro [3]

E apesar de alertada que essa forma de impedimento organizacional, juntamente com a retirada de instrumentos de trabalho, configuram claramente uma situação de assédio organizacional, o ofício enviado à presidenta Luciana Ferrari Siqueira foi ignorado, assim como outros assinados coletivamente que expunham a existência de assédio organizacional na Fundacentro. Luciana Ferrari Siqueira deve ter achado mais confortável se tornar parte da situação pelo qual a Fundacentro passa, uma vez que nada fez para mudá-la.

A involução de competências resultante de regras e controles que impedem o trabalho e, por consequência, o desenvolvimento profissional, é sentido por inúmeros colegas da Fundacentro. Já ouvi vários colegas dizerem que se sentem “defasados” devido a essas condições e organização do trabalho na Fundacentro. Uma dilapidação de recursos humanos e investimento público decorrente de práticas de gestão deve ou deveria configurar também improbidade administrativa.

Esse processo de assédio organizacional evidentemente tem seus agentes ativos, que planejam, executam e justificam a degradação das condições de trabalho. Por vezes há poucas evidências documentais, pois podem ocupar cargos que não demandem assinatura dos atos administrativos. É o caso do cargo de assessor da presidência. Paulo César Vaz Guimarães. Assessor da presidência desde 2019, vindo de fora do quadro de servidores de carreira da Fundacentro, é percebido por muitos servidores como um dos personagens principais nas políticas de degradação das condições de trabalho na Fundacentro. Ilustrativo que em uma reunião sobre um projeto de pesquisa que eu coordeno, ele se colocou como responsável pelas condições de trabalho na Fundacentro. Algo que foi testemunhado por diversos colegas.

O fato de um assessor da presidência participar e opinar em discussões sobre projetos de pesquisa já diz bastante sobre a situação organizacional que a gestão que ingressou em 2019 na Fundacentro criou: de desrespeito às instâncias internas e à autonomia didático-científica. Bem, quando um colega nessa reunião sugeriu que usássemos uma determinada metodologia, respondi, em suma, que “as condições de trabalho” na Fundacentro inviabilizavam essa metodologia a meu ver (no caso, principalmente o controle que não permitia flexibilidade e autonomia de local e tempo). Apesar de não ter me dirigido a ninguém em específico como responsável pelas condições de trabalho na Fundacentro, Paulo César Vaz Guimarães se pronunciou imediatamente. Lembro bem, e vários presentes naquela reunião possivelmente se recordam também, que ele me acusou de assédio por ter falado isso. Sim, reclamar das condições de trabalho, na visão distorcida dos gestores que querem ter poder absoluto, é assédio sobre os gestores. O que ficou explícito nesse caso é que Paulo César Vaz Guimarães se via como responsável, talvez até mesmo “o” responsável, pelas condições de trabalho na Fundacentro.

Mais recentemente, precisamente em 13 de setembro de 2022, em reunião da presidência da Fundacentro com a CISSP, a presidenta Luciana Ferrari Siqueira apresentou seu assessor e chefe de gabinete, Paulo César Vaz Guimarães, como aquele que poderia responder as questões levantadas pela CISSP. Tal atitude denota a importância que Paulo César Vaz Guimarães teve na gestão da Fundacentro desde 2019 e, portanto, nas práticas que caracterizam o assédio organizacional que aqui relatamos.

Assédio Organizacional no Serviço Público: o caso da Fundacentro [3]

O assédio organizacional aparece também como meio para fazer os servidores aderirem ao teletrabalho via Programa de Gestão e Desempenho (PDG). Com a adesão ao teletrabalho a gestão busca reduzir custos, que são externalizados aos servidores. A degradação da estrutura física e dos instrumentos de trabalho é particularmente usada nesse sentido [7]. Por sua vez, a Chefe de Serviço de Desenvolvimento de Pessoal, Viviane Maciel Trevisan, impõe junto com seu superior Diego Fernando Ferreira de Oliveira, que fiscal de contrato deve que ser alguém que esteja em trabalho presencial [8]. Não há norma que determine que fiscal de contrato deva ser alguém que esteja em trabalho presencial. Ou seja, tal afirmação se configura como simples gozo de exercício de poder sobre o outro (o poder no lugar das regras), ou é uma ação deliberada de assédio para fazer servidores aderirem ao teletrabalho via PGD. E podemos nos perguntar, se todos aderissem ao PGD-teletrabalho, então quem seria fiscal de contrato pela lógica expressa pela Chefe de Serviço de Desenvolvimento de Pessoal?

O uso de mentiras para justificar ações da gestão fica claro também no caso do procedimento instituído de Solicitação de Autorização para Trabalho Externo. Diego Fernando Ferreira de Oliveira (Coordenador-Geral de Gestão Corporativa), Roberta Granja Gonzaga (Coordenadora de Gestão de Pessoas) e Viviane Maciel Trevisan (Chefe de Serviço de Desenvolvimento de Pessoal) afirmam que o procedimento já existia antes da implantação do Sisref (o sistema de ponto eletrônico). Mas os servidores sabem que não é verdade[9]. O uso de inverdades se liga também ao tópico seguinte, que trata da difusão de abusos ao longo da hierarquia de gestores.

Mas, para finalizar este tópico, o não fornecimento de ferramentas e insumos como telefone, impressora, papel, imprescindíveis para o trabalho, como tem ocorrido na Fundacentro desde 2019, expressam, como já mencionamos, uma situação bastante típica em casos de assédio organizacional. Uma degradação calculada das condições de trabalho, de retirada de instrumentos de trabalho que, dentro do contexto analisado, caracterizam ao mesmo tempo em que são características do assédio organizacional.

[*] Tecnologista da Fundacentro, doutor em Sociologia Política.

Assédio Organizacional no Serviço Público: o caso da Fundacentro [3]

Notas

[1] Ver Anexo 11.

[2] Ver Anexo 12.

[3] Ver Anexos 13 e 14.

[4] Ver Anexo 25.

[5] ALMEIDA, Ildeberto M. de. Prefácio. In: ROCHA, Raoni (org.). Trabalho Ilustrado: uma crítica bem-humorada às empresas contemporâneas e ao mundo do trabalho. Belo Horizonte: Ramalhete, 2022, p. 15. Disponível em: https://ergonomiadaatividadecom.wordpress.com/2022/08/02/livro-trabalho-ilustrado-uma-critica-bem-humorada-as-empresas-contemporaneas-e-ao-mundo-do-trabalho-disponivel-para-download/

[6] Ver Anexo 15.

[7] O testemunho de servidores sobre esse uso da deterioração das condições de trabalho ainda não pode vir à tona.

[8] Ver Anexo 16.

[9] Ver Anexo 25. Não havia solicitação para uma chefia distante, mas pedido ou ciência ao chefe próximo, sem burocracia. Após a realização da atividade era anexada à folha de frequência um relato da atividade externa realizada, com horários, dias etc. O relato anexado à folha de frequência encaminhada ao RH não era uma solicitação de autorização. Era um apenas um documento para registro de horas trabalhadas.

 

Anexos disponíveis AQUI.

Leia as partes 1, 2, 4 e 5.

 

As artes que ilustram o texto são da autoria de Edvard Munch (1863-1944).

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