Por Alan Fernandes

Depois dos ataques em Blumenau, São Paulo e Goiás, não se passou um dia sem que novos temores apareçam no noticiário ou ainda com mais rapidez nos aplicativos de mensagens instantâneas. O assunto é inclusive abordado com cautela porque o temor propiciou inúmeras fake news cruzando fatos verídicos com encenações sem contexto.

O recado que tem aparecido a muitos pais, professores e estudantes é que não haverá paz nos próximos dias. Nos últimos dias, no subdistrito da Ilha do Governador (RJ), um estudante da rede estadual levou para escola uma faca e, na ocasião em que outros alunos a viram, tentaram escapar da sala de aula e alguns se feriram levemente durante o processo. Alunos foram avistados em vídeos pendurados na janela do prédio e uma menina que não apareceu nas cenas chegou a cair do segundo andar, apesar de não ter se ferido gravemente. Só que, quando estes vídeos circularam em muitos grupos de WhatsApp, apareceram outros apresentando cenas de uma mesa de “totó” coberta de sangue, e o estudante que filma o momento diz que está ocorrendo um massacre. Não se sabe o contexto ou a data do vídeo, mas o importante a ressaltar é que a imprensa local apurou as informações e concluiu que não houve ataque. Houve, de fato, a presença da faca, mas nenhum aluno foi ameaçado.

Mas a compilação de diversos vídeos presumindo um mesmo contexto tem deixado pouca margem para leitura sóbria, e não à toa a nova portaria do Governo quer punir as apologias aos ataques nas escolas bem como os divulgadores das notícias falsas envolvendo estes casos.

Além do Governo Federal, governadores e prefeitos estão debatendo o assunto e estudam formas de impedir novos ataques através do rastreio das ameaças e prevenção de incidentes. Enquanto a Polícia Federal vem buscando rastrear os responsáveis pelas ameaças, as polícias civil e militar têm dialogado com diretores e responsáveis sobre mecanismos de segurança no interior das escolas. Muitas dessas medidas implicam que as polícias estejam presentes nos protocolos escolares e muitas recomendações de segurança vêm sendo acatadas sem pestanejar pelas escolas.

Nas câmaras municipais e legislativas o assunto vem sendo também debatido. Em especial a extrema-direita tem aproveitado o momento para alertar sobre os benefícios das escolas cívico-militares e do patrulhamento presencial de militares nas escolas. Nos aplicativos de mensagens instantâneas a mensagem parece cair como uma luva, pois estão todos em alerta e preocupados com o futuro de seus filhos.

O medo, no entanto, é um canalizador irracional. A injustiça historicamente remete à ação, à contestação, ao protagonismo. O pânico, porém, é de outra natureza. A insegurança ofertada gratuitamente pela disseminação do pânico tem dado mote à ideia clássica do populismo penal que diz que “mais polícia é igual a mais segurança” e que basta transferir a disciplina militar para as instituições pedagógicas, para que estas funcionem devidamente.

Existe literatura abundante sobre o tema, não podendo ser o objetivo deste artigo mencionar toda. Nos ocuparemos de algumas recomendações e descobertas interessantes para pensar o tema e escapar da zona do pânico. O artigo “O que pode ser feito sobre os tiroteios nas escolas? Uma revisão das evidências” (What Can Be Done About School Shootings?: A Review of the Evidence), escrito por Randy Borum, Dewey G. Cornell, William Modzeleski e Shane R. Jimerson, busca compreender o “estado da arte” dos estudos sobre tiroteio escolar, desafios e soluções. O texto começa a articular o olhar crítico sobre as soluções paliativas oferecidas pelas instituições de segurança e governos locais no estado da Pensilvânia. Um ataque a tiros que vitimou algumas estudantes na década de 90 resultou num protocolo que consistia em entregar armas diretamente aos professores para reagirem aos ataques. Avaliando exemplos semelhantes, os autores defendem que muitas das medidas excediam a necessidade e não acompanharam nenhum amplo debate sobre a sua adesão. Por força da histeria jornalística, medidas disciplinares arcaicas foram promovidas com base no pânico e foram criticadas duramente ao longo das últimas décadas. O estudo mostra, por exemplo, que os ataques em escolas são eventos circunstanciais que são inexpressivos se comparados à violência fatal contra crianças fora das escolas. Um estudante está muito mais seguro dentro da escola, mesmo sem as medidas de segurança promovidas no calor do momento, do que em relação a uma ida à padaria.

A política de “Tolerância-zero” praticada em pelos menos 75% das escolas da federação, a despeito de ser mencionada elogiosamente pela mídia, moveu uma diretriz disciplinar desprovida de bases empíricas e denunciada pelos autores como uma política em que a raça dos estudantes denunciava a desigualdade na aplicação das medidas punitivas. O modelo tinha como premissa a ideia de que, punindo exemplarmente pequenas contravenções, era possível evitar piores condutas. Às más premissas sucederam as piores conclusões: a expulsão e detenção persistente de alunos ao invés de identificar uma melhora nos níveis de disciplina escolar, classificaram essas escolas como “persistentemente perigosas”. Em suas últimas linhas, o artigo conclui implicitamente que as escolhas que melhor se adaptaram ao cenário “de guerra” promoveram conjuntos de ações que foram em sua maioria preventivas.

Um relatório do Justice Policy Institute, apresenta que há 20 anos houve um aumento de 38% da presença de oficiais de resoluções escolares desde o início da política de tolerância-zero e que representa uma entrada dos agentes da lei nas escolas. Essa política é marcada por uma outra: com uma entrada dos agentes da lei nas escolas, os atritos estudantis que caracterizavam conflitos pedagógicos passaram a enquadrar estes estudantes contraventores em circunstâncias penais, ameaçando a instrução desses jovens.

Já num relatório publicado em 2019 por meio da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar, Gabriela Tunes da Silva, consultora da Câmara Legislativa do Distrito Federal, corrobora a rejeição de que a militarização aprimora a segurança e/ou a qualidade do ensino.

Não há, no Brasil, estudos que avaliem objetivamente o efeito da disciplina militar nos processos de ensino-aprendizagem. Porém, estudo realizado nos EUA, país que adotou em várias escolas a política de Tolerância Zero (TZ), mostra que a TZ não aumentou a disciplina dentro da escola. Mostra, também, que as minorias sofrem mais com as punições da TZ, em especial os negros norte-americanos, demonstrando que o racismo estrutural da sociedade é reproduzido dentro do ambiente escolar, de forma que as políticas punitivistas irão atacar preferencialmente negros e minorias. Não existem, portanto, evidências conclusivas de que regras rígidas melhorem efetivamente o comportamento e a disciplina dos estudantes, de forma que tal argumento, o de que a “disciplina militar melhora o desempenho dos estudantes”, pode ser também uma falsa afirmação, tendo em vista que o melhor desempenho das escolas militares se deve ao fato dela selecionar, de diversas formas, os melhores estudantes. A rígida disciplina, que inclui suspensões e expulsões, pode inclusive funcionar como mecanismo de exclusão dos alunos com mais dificuldades de aprendizagem e socialização, exatamente aqueles que mais precisam do ambiente escolar para terem pleno desenvolvimento cognitivo, social, cultural e afetivo.

Em contraposição à lógica policialesca no ambiente escolar, um professor do Estado do RJ publicou um artigo em um blog no qual diz que [as forças policiais em escolas] são meras medidas paliativas que podem instantaneamente garantir uma sensação de segurança, mas com o passar do tempo os efeitos podem ser de perseguição a docentes e funcionários que não concordam com a lógica militarista, assédios sexual e moral que estudantes venham a sofrer. O próprio Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (SEPE-RJ) sugeriu em nota que a presença de policiais nas instituições de ensino seja substituída pela contratação de porteiros e inspetores, além de um pedido de fim dos assédios morais e melhor condição de trabalho para os funcionários do setor. Ambas as colocações põem em causa as propostas que vêm sendo implementadas nas escolas de todo país, como o “botão do pânico” e similares.

A imagem de destaque deste artigo é de Ivan Aleksic.

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