Por Marcelo Tavares de Santana*

Recentemente tivemos a infeliz notícia que o parlamento francês aprovou uma lei que permite às forças policiais a ativarem câmeras e microfones de smartphones remotamente [1]. A notícia não é só infeliz por trazer mais uma preocupação com uma cultura de vigilância que favorece sistemas totalitários e ameaçam democracias, é infeliz também por mostrar como governantes eleitos são mal assessorados e incapazes de integrar a sociedade nesse tema, inclusive aprendendo com a mesma. Vale relembrar o caso de vigilância global praticado pela National Security Agency dos Estados Unidos (NSA) e denunciado por seu ex-contratado Edward Snowden, onde até líderes em países democráticos foram vigiados. Tais tecnologias de vigilância são também ameaças a segredos industriais e propriedade intelectual, além de violação de privacidade, abrem mais pontos de falha de segurança e sugerem um descompasso entre práticas governamentais e necessidades da evolução da humanidade.

Um contra ponto a esse vigilantismo é a experiência que tive ao ser indicado para trabalhar num cargo de analista de dados na Controladoria Geral do Município de São Paulo (CGM-SP), órgão responsável por combater corrupção, defender patrimônio público, promover transparência e participação social para a melhoria da qualidade de serviços públicos. O entrevistador foi o subcontrolador e durante a conversa ele disse que uma das principais diretrizes era não interferir no cotidiano dos investigados, quando inclusive contou um caso em que o funcionário público tinha um carro incompatível com seus rendimentos e descobriram que a esposa era empresária e tinha comprado o carro para o marido, portanto estava tudo certo. O investigado não soube da ação e não teve sua vida pessoal importunada. Outro caso interessante para se contar é a de uma reunião de técnicos de segurança ocorrida uns 15 anos atrás na Holanda, onde todos desligaram seus smartphones para não serem ouvidos e durante a reunião a polícia bateu a porta do local para perguntar o quê estava acontecendo, eles explicaram e os agentes policiais foram embora. Observem que nesse último não foi preciso usar câmera, nem microfone, nem GPS dos smartphones, pois foi a partir da ausência de sinal de um número significativo de aparelhos num curto período de tempo, num mesmo local, que o alerta foi gerado e através de triangulação matemática chegaram ao local. Em nenhum desses casos foi necessário criar propositalmente falhas nas tecnologias dos aparelhos que podem ser usadas também de forma ilícitas; para que a lei francesa seja efetiva será necessário forçar as fabricantes a criarem smartphones cada vez menos seguros, o quê criará um ambiente inseguro massificado. O caso da CGM-SP mostra a importância de termos agentes que não desempenham papel meramente operacional, e que devem ter treinamento na legislação brasileira e nas convenções onde o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Se os governantes continuarem nesse caminho em breve voltaremos a Idade das Trevas e países ditos democráticos começarão a queimar livros e bloquear sites que contêm conhecimentos como a Gaiola de Faraday [2]. Esse tópico da Física trata do experimento de Michael Faraday sobre como bloquear campos elétricos e eletromagnéticos (portanto sinais de smartphones) e que foi implementando de modo engenhoso numa gambiarra largamente conhecida e disponível na Web sobre como usar papel-alumínio para impedir a comunicação de equipamentos móveis. Ou seja, podemos impedir que acessem e controlem nossos equipamentos a um custo muito baixo. A Gaiola de Faraday também é usada numa solução para carros chamada Nissan Signal Shield, que consiste num compartimento onde o motorista coloca seu smartphone para não ser interrompido durante a condução do veículo com o intuito de melhorar a segurança no trânsito, portanto, não é possível queimar livros sem inclusive tirar a liberdade de criação de empresas.

No entanto, o papel-alumínio não resolveria o caso da Holanda onde o uso dessa técnica simularia o desligamento dos celulares. Porém há outra coisa que podemos fazer que também é amplamente conhecido: tocar música. Essa gambiarra consiste em colocar os smartphones ligados numa mochila, caixa ou outro recipiente opaco, e deixar um dos equipamentos tocando uma lista de música num cômodo diferente de onde estarão os participantes da reunião. Portanto, para combater bilhões de investimento em vigilantismo basta uma mochila barata.

É inexplicável como governantes são tão cegos para o conhecimento popular e são tão mal assessorados a ponto de criarem leis que gastam enormes recursos financeiros com tecnologias quando deveriam dar condições dignas de trabalho e treinamento aos agentes de segurança. Talvez seja o lobby de vendas de soluções tecnológicas de segurança que ceguem os eleitos pelo povo e direcionem a sociedade para um caminho de involução das civilizações humanas. Podemos até imaginar um cenário onde um motorista coloca seu smartphone dentro de um bloqueador de sinal para executar uma condução mais responsável, e ao descobrirem que não conseguem religar o aparelho, iniciarem uma perseguição para perguntarem porque não conseguem usar a câmera, e quando capturado ele vai responder que é um recurso do carro que vem de fábrica.

Enquanto não temos leis, legisladores e governantes melhores, e mesmo tendo agentes públicos de segurança muito responsáveis que até questionariam o serviço que são obrigados a fazer devido as leis vigentes, podemos ajudar esses agentes colocando música para ouvirem; pelo menos deixaremos mais agradável um serviço questionável com músicas para relaxamento, prática de ioga, instrumentais, clássicas, rock, MPB etc. Isso me faz lembrar o excelente e recomendável filme “A vida dos outros” (2006).

Seguem algumas sugestões de estudo:

  • Semana 1: pesquise sobre as denúncias de Edward Snowden;
  • Semana 2: pesquise e experimente as gambiarras citadas nesta matéria;
  • Semana 3: teste as gambiarras com amigos, inclusive em lugares com sinal forte;
  • Semana 4: pesquise outras gambiarras que possam ajudar em nossa segurança.

A gambiarra da música pode ser experimentada com três smartphones, onde um toca música, o segundo fica na bolsa com uma ligação ativa com um terceiro celular, experimentando-se conversar alto e se afastando da bolsa até não se poder entender mais a conversa, sem precisar deixar o volume do primeiro equipamento muito alto. Pode-se também fazer um Gaiola de Faraday caseira para deixar no carro e contribuir com a segurança no trânsito; talvez seja possível usar a gaiola com um cabo USB ligado ao carro para tocar uma lista de músicas de modo off-line.

Como foi citado um caso acontecido na Holanda, o título dessa matéria também é uma homenagem a relação que brasileiros e holandeses têm na área de Tecnologia de Informação, onde o termo gambiarra se tornou conhecido e falado por holandeses em Amsterdã nessa área.

Boas gambiarras a todos!

*Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de São Paulo

Notas

[1] Disponível aqui

[2] Disponível aqui