Por pequeno grupo de estudos

Um fenômeno novo

De 2020 até meados de 2021, a criptomoeda Bitcoin aumentou o seu valor em seis vezes, passando de pouco mais de US$10.000 até o recorde de aproximadamente US$67.000 no dia 8 de novembro de 2021. Neste momento as criptomoedas deixaram de ser uma curiosidade e passaram a ser um tema comentado pelas autoridades dos bancos centrais em quase todos os países do mundo.

O fato é que este fenômeno trouxe muitas perguntas e acontecimentos curiosos. Como por exemplo, o mistério em torno do criador das Bitcoins – o pseudônimo Satoshi Nakamoto-, ou a inovadora combinação entre criptografia e computação distribuída, de onde surgiu o já famoso blockchain. Do lado das perguntas, podemos começar com aquela mais trivial: o Bitcoin tem valor de verdade? A esta se somam outras: É possível que somente a crença ou confiança em uma moeda lhe confira valor? Seu valor tem a ver com a inovadora tecnologia utilizada? Se trata de uma pirâmide financeira, um esquema Ponzi?

Estas perguntas oportunas são as primeiras que surgem, a partir da raridade deste novo fenômeno – ou talvez da surpreendente escala alcançada pelas criptomoedas. No entanto, todos os dias saem novas notícias a respeito, e muitos desses fatos ainda precisam ser analisados – e tranformados em novas perguntas. Como por exemplo o ranking de adoção de criptomoedas por país. No informe The 2022 Geography of Cryptocurrency, realizado pela consultora Chainanalysis figura que os países onde as criptomoedas tiveram maior adesão entre as pessoas comuns foram Vietnã, Filipinas, Ucrânia, Índia, e Estados Unidos. Os cinco seguintes são Paquistão, Brasil, Tailândia, Rússia e China. Certamente é uma lista bastante heterogênea. Se por uma lado ela tem grandes potências econômicas e populacionais, por outro vemos também uma participação importante de países do chamado mercado emergente, e casos chamativos, como a presença de países em guerra entre si e outros governados por partidos comunistas.

Tomemos o caso do Vietnã, o primeiro colocado do ranking. As remessas de dinheiro dos e das vietnamitas migrantes representou 5% do produto interno bruto em 2020, ano em que o país esteve entre os 10 maiores destinos de remessas individuais do mundo. Os dois métodos tradicionais para realizar as remessas são através das instituições bancárias e os operadores de transferência de dinheiro, como a agência Western Union. O primeiro é mais confiável, e portanto o que cobra taxas mais altas. O segundo método é utilizado pela população não bancarizada ou que quer evitar os trâmites burocráticos e a abertura de contas. A terceira opção que surgiu são as criptomoedas, que apresentam duas grandes vantagens: uma população pouco bancarizada mas com altos índices de uso de smatphones, utiliza plataformas digitais para realizar suas transações; além disso, conta com taxas muito baixas em comparação com os bancos e as agências de transferência.

Um caso mais próximo e chamativo é Cuba. Embora o volume total das remessas seja muito mais baixo que o do Vietnã, estima-se que comparado com o produto interno bruto esteja também ao redor dos 6%, sendo a segunda maior fonte de divisas do país, depois da exportação de serviços médicos e acima do turismo. Essa importância econômica das remessas de trabalhadores e trabalhadoras cubanas migrantes levou o regime do Partido Comunista de Cuba a regulamentar o uso das criptomoedas.

Ora, essa inesperada capilaridade das criptomoedas em países dirigidos por partidos comunistas, impulsionada pelo fenômeno da força de trabalho migrante, deveria ser motivo mais que suficiente para chamar a atenção da esquerda. No entanto, não é o caso de vociferar críticas nem demonizar esse fenômeno à toa. Tomemos seriamente o desafio de entender como funcionam as criptomoedas e que lugar podem ter no mundo da economia.

Comecemos com uma breve introdução à questão das teorias monetárias, uma parte pouco debatida e estudada pela esquerda nas ciências econômicas, para tentar eliminar o senso comum que acabamos repetindo por ignorância.

O que é o dinheiro?

As teorias monetárias discutem diferentes aspectos do dinheiro, tais como o conceito, a origem e a função primária do dinheiro, assim como as relações sociais que o atravessam. Entre o fim do século XIX e começo do século XX o sistema monetário baseado em moedas de metais preciosos começou a dar mostras de seus limites pelos desafios que o crescimento da população e da economia acarretaram, necessitando de uma expansão monetária correspondente que não podia ser satisfeita pelos metais preciosos que se achavam nos bancos. Por isso, o papel moeda começou a ganhar mais relevância.

Como reação a essas transformações, duas diferentes teorias monetárias se destacaram. Do lado da escola historicista alemã se desenvolveu o chamado cartalismo – nome que remete à palavra charta, -ae em latim, “papel”. Do outro lado estava o metalismo, cujo nome faz referência aos metais preciosos, defendido pelo economista austríaco Carl Menger.

O debate entre metalistas e cartalistas pode ser resumido em algumas diferenças centrais que opõe ambas perspectivas. Primeiramente, é importante distinguir duas coisas. A primeira é que o metalismo entende que a função primária do dinheiro é ser meio de troca entre os agentes econômicos. Assim o explica Carl Menger, e adverte que o dinheiro muda em diferentes épocas e povos, dificultando a comparação entre as diferentes moedas ou para uma mesma moeda em momentos diferentes. Por isso, sugere que seria útil um bem de valor constante que funcionasse como um critério de medida que seria aplicável igualmente a todos os mercados em todos os tempos, porque permitiria compará-los. Mas, isso não só não existe, como é impensável pelos níveis de regulação, estabilidade e resistência a fatores externos que seriam necessários, reconhece o austríaco.

A segunda, é que o metalismo define o dinheiro como dinheiro-mercadoria. Isto fica mais claro a partir da explicação de Karl Marx. De sua perspectiva teórica, falar de dinheiro-mercadoria implica que o dinheiro é produto do trabalho humano e portanto se produz através do mesmo processo social que as demais mercadorias da sociedade capitalista. Se para o metalismo não é necessário aprofundar essas questão, uma vez que o ouro teria justamente essa forma de mercadoria – um sólido brilhante e cobiçado, para Marx é necessário explicá-lo a partir de sua teoria do valor. Dado que o ouro se transforma em mercadoria por meio do trabalho humano, como todas as demais mercadorias na sociedade capitalista, ele pode servir como medida de valor universal, um equivalente geral. Assim, o valor do dinheiro expressaria o valor do trabalho acumulado na produção do dinheiro.

O cartalismo, por sua vez, fala em dinheiro-crédito e considera que sua função primordial é ser uma unidade de conta. Esta diferença se explica em função dos antecedentes históricos que cada teoria reconhece como fundantes da instituição do dinheiro. A perspectiva metalista atribui a origem do dinheiro à sua capacidade de facilitar o intercâmbio no mercado entre os diferentes agentes. Isso, de algum modo, sugere uma relação horizontal entre os participantes desta atividade. Para explicar isso, autores como Menger e Marx se valem de lógicas evolucionistas – muito em voga naquela época – e argumentam pelas vantagens dos metais preciosos para ocupar, após determinado processo histórico, o lugar do dinheiro. Em oposição a isso, o cartalismo vincula essa origem às antigas economias palacianas, ou organizações estatais em geral, que aplicavam diferentes modalidades de impostos, os quais deveriam ser pagos nos termos ditados pela autoridade soberana. O dinheiro havia sido primeiro a unidade de conta com a qual o Estado geria as relações sociais de produção, e a moeda emitida por essa autoridade adquire sua importância e demanda a partir dessa relação. Em termos gerais, o dinheiro-crédito institui uma relação assimétrica entre as pessoas que impõem obrigações e aqueles que devem obedecê-las.

Este último traço é importante porque explicita que, para a perspectiva cartalista, o dinheiro não pode ser neutro – como pode dar a entender o metalismo – mas que ele constitui uma relação de poder. Keynes explica essa oposição em termos da diferença entre uma economia “real” (quando o dinheiro é assumido como um elemento “neutro”) e uma economia monetária (onde o dinheiro opera como elemento autônomo). Para Keynes, a teoria econômica deve se ocupar da economia “real”, mas vivemos em uma economia monetária e os desenvolvimentos teóricos não podem aplicar-se tão facilmente à nossa experiência econômica.

Por último, outro ponto relevante deste debate é que, enquanto para o cartalismo o dinheiro é essencialmente criado por meio da intenção de uma autoridade estatal, para o metalismo a criação de dinheiro depende da descoberta e extração de metais. Em outras palavras, para a perspectiva cartalista o dinheiro é um elemento integrante da economia, é dinheiro endógeno (interno), e para a metalista o dinheiro se cria de maneira exógena (externo), à economia. Este traço se torna relevante na hora de pensar problemas econômicos e suas possíveis soluções.

Essa discussão segue vigente, apesar de o ouro ter perdido sua função de meio de troca na experiência da enorme maioria da população.

Alguns autores da tradição marxista, como Rolando Astarita, seguem compreendendo o ouro como o fundamento do valor dos demais tipos de dinheiro, tomando como base a vigência das enormes reservas de ouro das principais instituições financeiras nacionais. Em tempos de crise o ouro continua sendo a garantia última de liquidez, seu preço sobe na medida em que a confiança nas moedas nacionais caem. Outros autores da mesma tradição, como Michel Aglietta, propõem uma interpretação alternativa, que já não considera o ouro como fundamento do dinheiro contemporâneo, mas entende o dinheiro como expressão do tempo de trabalho (Monetary Expression of Labour Time, MELT). O valor do dinheiro estaria determinado pelo total de trabalho realizado e materializado no total das mercadorias produzidas.

A partir da tradição austríaca, Hayek nos oferece um olhar muito mais pragmático sobre o dinheiro, onde impera a função de meio de troca. Com uma posição combativa contra o papel do Estado como autoridade monetária, o economista austríaco menciona o fato de que numa mesma sociedade diferentes grupos utilizam uma diversidade de moedas: segundo a geografia, segundo o objeto de troca, etc. O autor se apoia no fato de que o dinheiro é algo que se utiliza independente da existência do aparato estatal. É uma posição interessante, porque embora não se baseie na ideia de um dinheiro-mercadoria que justifique ou explique tal ou qual forma de dinheiro, supõe que a criação do dinheiro não necessita de uma soberania assimétrica que emita o dinheiro, reconhecendo a iniciativa dos povos para regular o uso do dinheiro, ou seja, toda e qualquer coisa que venha a ser utilizada como dinheiro.

Longe de haver uma correlação clara entre teoria monetária e postura ideológica, como se pode ver no metalismo de Marx e de Menger, existem também posturas críticas à ideia de dinheiro-mercadoria por parte de autores marxistas. O português João Bernardo rejeita toda tentativa de conceber o dinheiro como expressão de valor, uma vez que a estrutura capitalista de exploração da mais-valia se baseia em defasagens e imprevisibilidades quanto ao valor produzido no processo de trabalho global. A função do dinheiro seria conjugar os valores, sem expressá-los, para permitir o funcionamento desequilibrado e imprevisível deste modo de produção. Bernardo entende o dinheiro antes como uma linguagem, dado que é incapaz de expressar as coisas como entidades transparentes. Ao contrário, conserva a opacidade que lhes é natural.

Formulando perguntas

Após percorrer esta resumida bibliografia se abrem muitas perguntas, e a primeira é evidente: podemos pensar as criptomoedas efetivamente como dinheiro? Se sim, o que isso implica?

Em que medida as criptomoedas cumprem as “funções” tradicionais do dinheiro na teoria monetária? Ainda que de forma muito marginal, elas têm sido utilizadas para a realização de operações de compra e venda (de imóveis e jogadores de futebol, por exemplo), também como uma atípica reserva de valor (especialmente nos países com elevada inflação) e como meio de pagamento de impostos (El Salvador, Rio de Janeiro, Mendoza, Buenos Aires), como concebia o cartalismo.

Mas não só isso. Elas assumem também outras funções do dinheiro. Por um lado, a função de meio de pagamento de salários, e por outro a transferência de valores de um país para outro. Estas modalidades não são consideradas na maior parte da bibliografia consultada, e nos permite pensar novas dinâmicas, como por exemplo a tranferência internacional de valores já não de capital mas de salário, ou seja: não como uma circulação entre capitalistas mas entre trabalhadores e trabalhadoras.

Contudo, permanece uma inquietação a respeito das criptomoedas assim como de todas as formas de dinheiro: quem emite? Ou, em outros termos, como se organiza a produção e a circulação desta forma de dinheiro? Quais são os atores e que dinâmicas novas podem ser observadas no ecossistema das criptomoedas? Alterará nossa forma de compreender o dinheiro, ou será apenas uma forma a mais?

*Este texto é um resumo de alguns dos temas abordados em um grupo de estudos sobre criptomoedas, ativo durante o ano de 2022.

Bibliografia:

Aglietta, Michel, “El capitalismo en el cambio de siglo: la teoría de la regulación y el desafío del cambio social”, New left review 7 (2001)

Bernardo, João, “Economia dos Conflitos Sociais”, Expressão Popular (2009)

Cruz, Esteban; Parejo, Francisco; Rangel, José, “El dinero moderno y el enfoque cartalista institucional” Revista de Economía Institucional 22, 43 (2020)

Hayek, Friedrich, “La desnacionalización del dinero”, Ediciones Folio (1996)

Keynes, John, “Una teoría monetaria de la producción”, Cuadernos de Economía 17, 28 (1998)

Marx, Karl, “El Capital” Volumen I, Siglo XXI (2008)

Menger, Carl, “El Dinero”, Unión Editorial (2013)

Traduzido pelo Passa Palavra. O original, em espanhol, pode ser lido aqui.

As imagens que ilustram o artigo são reproduções de obras de Jac Leirner.

 

8 COMENTÁRIOS

  1. Um texto muito interessante pelas questões que indaga. As criptomoedas, a começar pela mais importante, o Bitcoin, demarcam alterações fundamentais na lógica produtiva do capitalismo contemporâneo. Uma moeda digital que só se realiza como tal através de mineração em soluções matemáticas de alta complexidade e que só pode circular como valor imanente num ecossistema digital – a rede blockchain – que potencializa a produção de universos tecnológicos multiplicadores em escala exponencial de atividades econômicas agregadas nas esquinas do mundo analógico, no “ecossistema” em que vivemos, o mundo das sociabilidades capitalistas permeadas pelo dinheiro “fiat” (como dizem os “bitconheiros”). Moedas altcoins, a partir do sistema Ethereum vêm ganhando cada vez mais protagonismo na lógica da produção capitalista. Altcoins também são redes blockchain com as quais podem ser bancos descentralizados (as cripto DEFI – concorrem entre si pela capacidade na velocidade e preço da realização de uma operação de compra e venda de moedas ou qualquer outra mercadoria) e/ou produtores de tecnologia – como a criptomoeda Worldcoin estruturada como ativo na função única de executar a leitura da íris humana para formar um banco de informações, com cada indivíduo sendo alocado como token único na formação de um banco de dados global, um dia todos nós seremos um token na Web 3 ainda que não faça a menor ideia do que venha a ser isso. Há muita gente se deixando “fotografar” na sua íris em troca de moedas que obviamente são imediatamente trocadas por dólares ou reais em qualquer corretora. E as corretoras como bancos de criptomoedas em alcance global – vejam a Binance, por exemplo, está em todos os cantos do mundo, esse é um mundo bancário que na sua tecnologia integralmente digitalizada vem enterrado complexos bancários tradicionais. O sistema PIX no Brasil de grande sucesso está todo escudado como sistema operacional em rede blockchain com a tecnologia da Ripple, a empresa da XRP que muitos vêm dizendo que será a moeda global de trocas internacionais. Muitas altcoins são empresas virtuais com alta capacidade produtiva integradora pela reorganização tecnológica que impõem – a velocidade ampliadíssima do tempo das trocas bancárias nos negócios comerciais e que agora também como ativo de especulação bancária em bolsa de valores (as tais EFT’s do Bitcoin – um esforço de “captura” institucional pelo sistema bancário tradicional). O valor global do mercado Bitcoin chega a quase 600 bilhões de dólares que somado ao mercado das centenas de Altcoins ultrapassa um trilhão de dólares. Valores impressionantes para um mercado que tem apenas catorze anos de existência.
    Desconheço as teses dos autores citados no texto, mas a discussão da moeda em si é um problema a enfrentar. O que os autores artigo pensam das reflexões de Alfred Sohn-Rethel sobre a moeda (linguagem) na fundamentação da lógica social capitalista?

  2. Gabriel, você poderia indicar uma leitura para conhecer as reflexões de Sohn-Rethel a respeito da moeda?
    Ninguém que foi do grupo conhece esse autor.

    Essa Worldcoin chamou a atenção do governo e da mídia aqui em Buenos Aires. A lógica da “Web3” que este setor propõe passa pela monetização de absolutamente qualquer coisa. Existe algo de anarcocapitalismo nisso, por isso também a preocupação dos gestores estatais.
    https://www.clarin.com/tecnologia/worldcoin-argentina-rompio-records-10-mil-personas-escanearon-iris-50-dolares_0_bLAdhkY3NW.html

  3. Primo Jonas:
    Há muita coisa escrita sobre as criptomoedas e muito pouco sobre o Sohn-Rethel.
    Neste texto do Anselm Jappe temos uma excelente introdução às perspectivas do Alfred Sohn-Rethel:
    https://revistasep.org.br/index.php/SEP/article/view/865
    Este pessoal do Area Bitcoin tem vídeos muito didáticos na divulgação dos fundamentos das criptomoedas e são a melhor expressão ideológica do fundamentalismo anarcocapitalista. Os vídeos “furiosos” da Kaká são primorosos pela ortodoxia neoliberal em defesa dos valores sócio-históricos do bitcoin, apenas o bitcoin, porque para ela, as altcoins são uma distorção empresarial no mundo cripto. Nesse site há muita informação bastante útil:
    https://www.youtube.com/@AreaBitcoin
    Este artigo do Rafael Grohmann pareceu-me bastante útil para descrever os movimentos da financeirização junto às análises de Sohn-Rethel.
    https://docplayer.com.br/185906988-Financeirizacao-midiatizacao-e-dataficacao-como-sinteses-sociais.html
    E este pequeno artigo vai como mera curiosidade:
    https://medium.com/@thiagosantana_59477/karl-marx-e-o-bitcoin-55635115327d
    Por fim, indico, mas não o li (conheço apenas algumas resenhas sobre), o livro do Edmilson Paraná – Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico:
    https://www.amazon.com.br/Bitcoin-utopia-tecnocr%C3%A1tica-dinheiro-apol%C3%ADtico-ebook/dp/B08CS2B1B7/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=1Z6LILA5ZCSFR&keywords=edemilson+paran%C3%A1&qid=1694685533&sprefix=edimilson+paran%C3%A1%2Caps%2C290&sr=8-1

  4. -> “De 2020 até meados de 2021, a criptomoeda Bitcoin aumentou o seu valor em seis vezes, passando de pouco mais de US$10.000 até o recorde de aproximadamente US$67.000 no dia 8 de novembro de 2021.”

    Logo nesta primeira frase do artigo fica exposto o cerne das criptomoedas. Ao contrário do suposto pelos cypherpunks e anarco-capitalistas, nenhuma moeda é apolítica tampouco o Mercado (por conseguinte, a Economia) pode sê-lo.

    Criptomoedas até podem ter alguma utilidade circunstancial para a população em geral (há exemplos disto no próprio artigo), de um modo geral, entretanto, tem sido não mais que instrumentos de especulação financeira.

    Neste sentido, para alguns ganharem muito a maior parte dos investidores precisa perder muito – em mais um caso de transferência de renda e patrimônio, tão característicos do Capitalismo.

    -> “A partir da tradição austríaca, Hayek nos oferece um olhar muito mais pragmático sobre o dinheiro”
    -> “É uma posição interessante, porque embora não se baseie na ideia de um dinheiro-mercadoria”
    -> “reconhecendo a iniciativa dos povos para regular o uso do dinheiro, ou seja, toda e qualquer coisa que venha a ser utilizada como dinheiro.”

    Já quando se refere a Hayek – portanto ao neoliberalismo e ao monetarismo – o artigo mal dissimula um certo alinhamento, ao caracterizar como um “olhar pragmático” e uma “posição interessante”.

    O Dinheiro não é apenas meio de troca, também é unidade de medida e reserva de valor. E nada mais faz do que materializar numa mercadoria (cujo único valor de uso vem a ser seu valor de troca) relações sociais de produção.

    A mão do Mercado pode ser invisível, mas seu corpo não.

    Por sua vez, a emissão de moedas sociais se baseia em fundamentos completamente distintos de uma “iniciativa dos povos para regular o uso do dinheiro”.

    Não se trata de auto-regulação do mercado, e sim de embrião de um outro tipo de relações sociais. E aí sim, a teoria de João Bernardo do “dinheiro como linguagem” encontra um rico campo de pesquisa.

  5. O que o João Bernardo poderia dizer sobre o dinheiro como linguagem em Alfred Sohn-Rethel? E também: o que o João Bernardo poderia dizer sobre as criptomoedas dado o fato que o seu texto original sobre o dinheiro foi publicado (Economia dos Conflitos Sociais) em 1991? Como atualizaria a sua discussão sobre o dinheiro frente às tecnologias que dão suporte à existência das criptomoedas?

    Arkx: o bytcoin é uma moeda que exige o blockchain, o seu ecossistema, e dele, a partir de 2013, se desenvolveram outras tecnologias, como por exemplo, as finanças descentralizados (bancos), as DEFI’s (caso da Uniswap), isto é, uma tecnologia que faz circular moeda, mas que produz valor de “novo tipo”. As redes blockchains desintegram as moedas nacionais em seus supostos valores endógenos (são o espelho institucional da alta escalabilidade do Estado Amplo, para usar, ao menos retoricamente, o termo do João Bernardo, que destruirão de vez os mecanismos do Estado Restrito). As redes blockchains passam a ser ambientes produtivos, um token de uma DEFI gera valor como criptomoeda, mas como um banco descentralizado pode emprestar dinheiros para tokens (outras criptos) de produção tecnológica. O que tento confusamente lhe dizer é que com o capitalismo das criptomoedas temos um universo produtivo que ultrapassa as representações formais do dinheiro “fiat” que temos hoje, trata-se de um universo institucional de produção de valor que tem a potência de esgarçar em escalas inimagináveis os universos produtivos convencionais da produção da mais-valia. O grande “inimigo” do capitalismo das criptomoedas (em altcoins, não do Bitcoin) é o governo dos EUA que cerceia por todos os lados o poder disruptivo dessas novas moedas mediadas globalmente por agências como a Binance. A Binance é a expressão máxima do financismo global do Estado Amplo, permita-me a ilação. O ponto chave a entender é o funcionamento produtivo do sistema blockchain.

  6. Gabriel: -> “O sistema PIX no Brasil de grande sucesso está todo escudado como sistema operacional em rede blockchain com a tecnologia da Ripple”

    Não. O PIX não usa bloclchain. Além disto, o banco de dados é proprietário, centralizado e operado pelo Banco Central.
    Mas para efeito desta troca de comentários, não é um equívoco relevante.

    -> “uma tecnologia que faz circular moeda, mas que produz valor de “novo tipo”.”

    Sem dúvida faz circular moeda, mas categoricamente não produz valor – nem de velho tipo nem de “novo tipo”.
    Eis a questão: só o trabalho produz valor, e só os humanos trabalham. Nem animais, muito menos máquinas (sejam ou não sistemas “inteligentes”), trabalham.
    Este é o impasse insuperável do Capital.

    -> “O que tento confusamente lhe dizer é [… ] trata-se de um universo institucional de produção de valor que tem a potência de esgarçar em escalas inimagináveis os universos produtivos convencionais da produção da mais-valia.”

    Estou lhe compreendendo. É preciso fazer a seguintes distinções, entre:
    • produzir e agregar valor
    • produzir e realizar valor

    Outro exemplo da incapacidade do Capitalismo atual de produzir novo valor para minimamente se reciclar, são as NFT (Non Fungible Tokens). Outra aberração.

    Por isto a extrema preocupação dos economistas neoliberais com a relação dívida/PIB, superávit primário, balança comercial, política monetária, fiscal e cambial, etc…
    Assim como outros indicadores tanto da produção de valor quanto da acumulação deste no mega Capital transnacional – ao invés de ser apropriado pelos trabalhadores.

    Tudo o mais é um esquema ponzi, uma descomunal pirâmide invertida. Em algum momento vem abaixo. Exato como na Crise de 2008, da qual até hoje o Capitalismo não se recuperou.

    Aliás, os dados econômicos atuais da China são esclarecedores e alarmantes: https://criticadaeconomia.com/2023/08/e-a-lei-do-valor-estupido/

  7. Gabriel,

    Já algumas pessoas me pediram que escrevesse sobre as criptomoedas (eu preferiria dizer criptodinheiro, porque dinheiro é o termo genérico, enquanto moedas são cilindros metálicos achatados e cunhados em ambas as faces, mas como quem estabelece a terminologia é a opinião pública e não sou eu…). Não escrevi sobre este assunto por falta de competência. Teria de conhecer muito bem o meio técnico em que as criptomoedas são emitidas e em que circulam. No entanto, se me abalançasse a fazer esse estudo, prossegui-lo-ia na perspectiva usada por Aurora Apolito e Grevo de Vergere, por exemplo.

    Quanto a Sohn-Rethel, usei-o com muito proveito em numerosas passagens do Labirintos do Fascismo (São Paulo: Hedra, 2022), mas sobretudo para definir quais os sectores empresariais que apoiaram a ascensão do nacional-socialismo e os que não a apoiaram (vol. II, págs. 19-21 e 27) e a respeito da questão dos gestores (vol. I, págs. 279-282 e vol. II, pág. 71).

    Antes de terminar, um pequeno detalhe. A minha primeira abordagem do dinheiro não data de 1991, mas de 1977, num dos capítulos de Marx Crítico de Marx, intitulado «Crítica da Concepção Marxista do Dinheiro» (Porto: Afrontamento, 1977, vol. II, págs. 189-196).

  8. Arkx: Cometi um erro, você tem razão, o BC é quem tem o controle do ambiente de funcionamento do PIX. De qualquer modo, a Ripple / XRP faz-se presente não com o PIX, mas como possível conexão para a realização do CBDC / DREX como moeda digital do BC. O PIX é a blockchain do BC. Enfim…
    https://www.infomoney.com.br/mercados/xrp-pode-ser-a-ponte-entre-real-digital-e-outras-cbdcs-diz-ceo-da-ripple/
    O artigo sobre a economia chinesa é excelente pela análise e dados apresentados. Bem, enquanto tudo não desaba, permita-me o chiste, vou ali comprar uns “polígonos”, estão baratos…rs.

    João Bernardo: Obrigado pela indicação dos artigos publicados anteriormente aqui no Passa Palavra. Numa rápida leitura pareceram-me de máxima importância para a questão das criptomoedas.

    *** *** ***

    O capítulo cinco do Economia dos Conflitos Sociais, se o entendi bem, tem ferramentas de análise de uma atualidade espantosa para a análise dos circuitos institucionais das criptomoedas, a começar com o conceito de “dinheiro de crédito”.

    Um exemplo do capitalismo “bitconheiro”: as “fazendas de cannabis” plantadas na rede blockchain… onde é proibido fumar.
    https://kannacoin.io/

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