Por Antonio de Odilon Brito

Este pequeno artigo começou como uma resposta a um comentário num grupo de WhatsApp onde os integrantes são majoritariamente pessoas de esquerda, a propósito da discussão acerca do recente conflito que começou entre o Estado de Israel e o Hamas. No meu comentário original (que por sinal não cheguei a publicar no grupo, mas virou isto que vocês leem) eu respondia a uma pessoa que defendia a destruição do Estado de Israel.

* * *

Olha, eu também não acho que a resposta é dizimar o estado de Israel não. Pelo simples fato de em Israel existir uma classe trabalhadora que é a mesma classe trabalhadora em todos os lugares do planeta (o que muda é a língua, alguns costumes, religião — ou falta dela — etc). Uma eventual destruição do estado de Israel significa uma destruição dessa mesma classe trabalhadora. Na minha opinião a única solução para o Oriente Médio (Israel incluso) é a união dos trabalhadores palestinos, israelenses, turcos, sírios, jordanianos etc etc. Contra os capitalistas palestinos, israelenses, turcos, sírios, jordanianos etc, em prol de um projeto de autogestão (algo mais ou menos parecido com o que até um dia desses havia em Rojava, no norte da Síria — digo “havia” pois não sei como a coisa está hoje em dia), com igualdade e liberdade e livre desse câncer chamado nacionalismo, que na minha opinião só faz dividir a humanidade em grupinhos hostis uns aos outros.

Agora, no caso de Israel e Palestina, o que temos, infelizmente, é um governo extremamente racista de extrema-direita do lado de Israel (com aquela figura assombrosa chamada Benjamin Netanyahu no poder) que quer aniquilar a população árabe palestina, e do lado palestino a organização que governa uma boa parte da população palestina é o Hamas, um grupo também de extrema-direita racista antissemita, que não esconde que quer “afogar todos os judeus no mar mediterrâneo”. Aliás, um dos motivos pelos quais eu pessoalmente odeio o Hamas é que esses caras, com a ideologia reacionária deles, continuam queimando o filme de toda a religião muçulmana. E aí, aqui do lado de cá do globo a maioria das pessoas continua achando que o Islã é violência, misoginia, e toda essa coisa, o que não é verdade, pois essa é a interpretação do Alcorão de uma parte dos muçulmanos, mas não de todos. Aliás, eu mesmo conheço diversos muçulmanos que são pessoas de esquerda ou no mínimo progressistas, e eu pessoalmente acho que do ponto de vista das artes visuais e da música o Islã é uma religião muito bonita. Ou seja, me entristece muito quando eu vejo as pessoas comuns associando essa religião com grupos bárbaros como o ISIS, pois eu sei que existem outras interpretações que nada têm a ver com isso, e que inclusive defendem a igualdade entre mulheres e homens, dentre outras coisas muito positivas.

Mas sim, o que o Estado de Israel, o Estado turco e outros fazem em termos de barbaridade não é brincadeira, porém não significa que no caso de Israel o outro lado também não seja governado por uma galera tão ruim quanto (o Hamas no caso). É que no caso do Estado de Israel é como se eles tivessem uma metralhadora, enquanto o Hamas tem apenas um pedaço de pau. A disparidade em termos de poder de fogo é realmente grande. E enquanto os poderosos de um e outro lado brigam, quem realmente morre e é massacrado são os trabalhadores, palestinos e israelenses, comuns, que nada têm a ver com isso e querem apenas viver suas vidas, trabalhar para conseguir comida e no fim do dia ir dormir com suas famílias em paz.

Agora, a realidade é que essa alternativa de autogestão que consiga unir palestinos e israelenses em prol de uma sociedade mais igualitária e menos misógina, menos racista, menos homofóbica etc não existe, concretamente falando. Então é esperado (infelizmente) que a esquerda cerre fileiras com um ou outro lado que representa não só o nacionalismo mais reacionário e virulento, como também qualquer coisa menos uma alternativa de autogestão dos trabalhadores (que, na minha opinião, é o que realmente define alguém como sendo de esquerda). Mas isso não significa que isso seja algo correto, pois se tem uma coisa que infelizmente tem sido uma constante na história humana foi oprimidos dando a volta por cima e se tornando novos opressores.

Aliás, a esquerda do chamado “Ocidente” em geral não sabe (ou convenientemente ignora) que o nacionalismo árabe tal qual o conhecemos hoje, em 2023, só pode ser entendido à luz da Segunda Guerra Mundial e da aliança entre nazistas alemães e muçulmanos do Oriente Médio (árabes, iranianos etc — também não estou dizendo que TODOS os muçulmanos participaram dessa aliança, muito longe disso). Aliás, não é por acaso que são tantas as semelhanças ideológicas entre, por um lado, a ideologia pan-arabista Baath (do clã Assad na Síria e do finado Saddam Hussein no Iraque) e o pan-arabismo de Gamal Abdel Nasser, e por outro o Nacional-Socialismo germânico da década de 1930 e 1940. Me desculpem os defensores do nacionalismo árabe palestino (e eu, embora não apoie qualquer nacionalismo, seja de palestinos, de judeus, de negros, de azuis ou de alienígenas, sou completamente solidário aos trabalhadores palestinos que dia após dia morrem nas mãos das Forças de “Defesa” Israelense e são expulsos à força das suas casas), mas às vezes fico de cabelos em pé pelo fato de, dado o quadro agora traçado esses defensores não ficarem incomodados com o fato da bandeira associada à Palestina ser a mesma bandeira do nacionalismo Pan-Árabe. O nacionalismo árabe palestino atual somente pode ser compreendido à luz desse Pan-Arabismo, e este apenas à luz do Nacional-Socialismo de Hitler. Isso significa que a luta dos palestinos contra o genocídio perpetrado pelo Estado de Israel é ilegítima? De forma alguma, mas muito longe disso. Como João Bernardo afirmou em algum lugar no seu “Economia dos Conflitos Sociais”, muitas das vezes não se trata do porquê se luta, mas da forma como se luta por algo. A forma, como sucede tantas vezes na luta dos trabalhadores, é o verdadeiro conteúdo, e aqui no caso da Palestina não é diferente: os trabalhadores palestinos estão lutando de maneira coletiva e ativa (leia-se: com autogestão) pelo seu direito de viver de forma digna, em aliança com os trabalhadores israelenses, contra o Estado de Israel e ao mesmo tempo contra os governantes que falam a mesma língua e possuem a mesma religião que eles, ou estão lutando sendo chefiados por um grupo de reacionários que possui interesses próprios como elite? Sobre isso, gostaria de direcionar os leitores a este artigo, escrito por um palestino membro do Movimento da Juventude de Gaza.

Mas voltando ao Hamas, digamos que eles consigam o que querem e o que parte de alguma esquerda infelizmente quer, que na prática é uma destruição do Estado de Israel (muito improvável, pois o poder de fogo dos israelenses é muito superior): quais seriam as consequências práticas disso? Não seria nada mais e nada menos que um genocídio étnico em massa contra os judeus da região (a concretização do sonho de “afogar todos os judeus no mar Mediterrâneo”, como querem os pan-arabistas há mais ou menos um século) e a instalação de mais uma teocracia islâmica de ultra-direita que coloca as mulheres como cidadãs de segunda classe. Por outro lado, me parece que, se as coisas continuarem do jeito que estão, é o genocídio étnico contra os palestinos que irá eventualmente se concretizar, com a consequente anexação completa da Cisjordânia por parte de Israel.

O que eu acredito que deve ser feito no longo prazo já deve ter ficado bastante claro ao leitor. Mas e no curto prazo? Para esta pergunta não tenho uma resposta, então fica a pergunta a ser respondida. Assim, finalizarei com a seguinte citação, deste texto, do João Bernardo:

“Não é exclusivo dos judeus o facto de entre os perseguidos se ter gerado uma reacção nacionalista que, encontrando oportunidades de desenvolvimento favoráveis, se converteu em imperialismo. Esta é a armadilha que todo o nacionalismo coloca às pessoas de esquerda, que apoiam o nacionalismo quando ele aparece como uma defesa de povos oprimidos, sem verem que, se conseguir efectivar-se na prática, esse nacionalismo inevitavelmente se desvendará como um imperialismo. O meu receio é que aquelas mesmas correntes ideológicas que ontem apoiavam o nacionalismo sionista dos judeus, com o argumento de que eles eram perseguidos pelos nazis, apoiem hoje o nacionalismo árabe, com o argumento de que os palestinianos são perseguidos por Israel − para apoiarem quem amanhã e com que argumento?

A grande lição que se extrai da génese e do desenvolvimento do sionismo não deve limitar-se a sustentar a crítica ao Estado de Israel. Essa lição deve ajudar-nos a fazer a crítica a todos os nacionalismos que, ascendendo com argumentos progressistas, se convertem em imperialismos logo que podem. O sionismo, enquanto via de passagem da perseguição sofrida pelos judeus às agressões praticadas pelo Estado de Israel, mostra que a luta contra a opressão sofrida por um povo deve ser inseparável da luta contra a exploração sofrida pela classe trabalhadora desse povo. O povo palestiniano tem de se defender da agressão israelita, mas isto não significa que os trabalhadores palestinianos não tenham de se defender dos seus patrões, sejam eles israelitas ou árabes, e que as mulheres palestinianas não tenham de se defender da opressão masculina, tão imbuída na tradição islâmica.”

13 COMENTÁRIOS

  1. Caro Odilon,

    Uma ótima reflexão, corajosa acima de tudo, por demonstrar que você não embarca no senso comum da esquerda tradicional, que está comemorando com a velha profusão de memes, e busca manter uma perspectiva de classe acima dos nacionalismos e das disputas geopoliticas, por mais assimétricas que sejam.

    Saudações,

  2. Caro Irado,

    Obrigado pelo elogio! Penso que é difícil, porém necessário, manter uma perspectiva de classe em tempos onde a classe trabalhadora possui uma realidade meramente econômica, mas não sociológica. Como disse o João Bernardo uma vez em algum livro ou artigo que não me recordo, a ausência de autogestão dos trabalhadores apenas reforça formas variadas de heterogestão dos trabalhadores. No caso da Palestina e de Israel, penso que é o fato de o trabalhador israelense não se reconhecer no trabalhador palestino (e vice-versa) que faz com que o trabalhador israelense ou árabe palestino busque o reforço da gestão da sua vida por uma elite que fale sua mesma língua, tenha sua mesma religião etc. É um ciclo vicioso absurdamente cruel. Frequentemente me pego pensando como deve ser ser um trabalhador palestino que acorda na cidade de Gaza com um bombardeio das IDF (Forças de Defesa de Israel) e vê que o grupo que o está protegendo (pois são os que possuem armas) é um bando de reacionários que acham que mulheres são humanos de segunda classe. Ou então ser um trabalhador judeu comum em alguma cidade israelense, sem nenhum racismo contra árabes, que vê a rua da sua frente ser bombardeada pelo Hamas, e entende que o mesmo grupo armado (as IDF) que está te protegendo e protegendo sua família (evidentemente, porque eles estão armados) do Hamas está na Cisjordânia cometendo as mais inacreditáveis barbáries contra palestinos que estão apenas frequentando uma mesquita. Percebe como deve ser louco viver num cenário desses? Sair desse ciclo vicioso é uma tarefa verdadeiramente hercúlea, mas é exatamente isso que a esquerda deve fazer, penso eu.

    Ademais, teve duas coisas que eu esqueci de colocar no texto. A formação do estado de Israel, e a consequente expulsão em massa de palestinos do território que depois viria a ser Israel (a chamada Nakba, ou Catástrofe Palestina), apenas pode ser compreendida à luz da expulsão em massa de judeus dos países de maioria muçulmana (https://en.wikipedia.org/wiki/Jewish_exodus_from_the_Muslim_world). O ano é 1948, 3 anos depois do término de um certo regime não muito humanitário na Alemanha. Não é difícil imaginar que, dado esse contexto, a maior parte desses judeus foram para o que depois seria Israel, já que pensavam que ali seria um lugar onde eles poderiam, pelo menos, não morrer por serem judeus, já que o estado que seria fundado seria judeu. A outra coisa que eu esqueci de falar é um fato muito curioso: 3 dias após a declaração de independência de Israel, foi a União Soviética que reconheceu esse nascente Estado (https://en.wikipedia.org/wiki/Soviet_Union_and_the_Arab%E2%80%93Israeli_conflict). E, mais curiosamente ainda, foi a Checoslováquia, parte do bloco soviético, que em 1948 mandou uma quantidade armamentos muito significativa e importante para Israel, para que o país pudesse se consolidar e, evidentemente, lutar contra os países árabes no entorno, que não pensaram duas vezes em invadir Israel para “afogar todos os judeus no mar mediterrânico”. Obviamente que as armas soviéticas também foram importantes para a expulsão de palestinos daquelas terras durante a Nakba.

    75 anos depois, e só o que eu vejo são apoiadores da União Soviética apoiando o Hamas e pedindo pela destruição do Estado de Israel (e o consequente afogamento dos judeus no mar mediterrânico, quer esses apoiadores se dêem conta disso, ou não). O mundo dá voltas, e eu sigo um tanto quanto perplexo que alguma esquerda não pense sobre essas coisas à luz desses fatos.

    Um abraço do
    Antonio

  3. -> “A outra coisa que eu esqueci de falar é um fato muito curioso”

    Existem muitos fatos curiosos sobre o conflito Israel-Palestina, geralmente são esquecidos. Exemplos abaixo.

    Sobre o Hamas:

    Israel começou a secretamente contribuir com para o Hamas através de favorecimentos e doações para Mesquitas e escolas (Graham Usher, The Rise of Political Islam in the Occupied Territories, 25/06/1993).

    As doações Israelenses foram relatadas na ordem de milhões de dólares, fortalecendo consideravelmente a organização do Xeque Yassin (Haim Baram, “The Expulsion of the Palestinians: Rabin Shows His True Colors” Middle East International, 01/08/93; Rowland Evans and Robert Novak, Washington Post,12/21/92. Also see Alan Cowell, New York Times, 10/20/94).

    Segundo um ex-porta voz do IDF, o Mossad sabia que que o Hamas polarizaria um número suficiente de muçulmanos fundamentalistas, criando um influxo de violência suficiente para fazer naufragar qualquer iniciativa de paz, e a violência resultante poderia ser imputada a Arafat e a todos os Palestinos.

    Isto autorizaria os tanques, helicópteros e aviões de caça serem usados na “negociação”, perpetuando desta forma  o ciclo de violência.

    Sobre a criação do Estado de Israel:

    Em novembro de 1940, o navio “Patria”, com cerca de 3.500 refugiados Judeus vindos da Europa, permanecia ancorado em Haifa enquanto a Inglaterra bloqueava o desembarque dos imigrantes, pretendendo transferí-los para uma ilha no Oceano Índico.

    Antes que o impasse fosse resolvido, o “Patria” sofreu uma explosão e afundou, no que por muitos anos se acreditou ter sido uma sabotagem inglesa.

    Pesquisas efetuadas por Sabbattai Beit-Tsvi, Judeu Russo que se dedicou ao estudo dos arquivos da agência Judaica em Tel Aviv, descobriu que o responsável pelo naufrágio do “Patria” foi o Haganah, organização clandestina que deu origem ao exército Israelense.

    Decidido a impedir a todo custo a transferência dos refugiados, o Haganah colocou uma mina no navio, o que foi proposto por Shaul Avigur, mais tarde comandante do serviço secreto de Israel.

    O slogan “Israel ou Morte”, proferido por Ben Gurion, foi levado às últimas conseqüências e o “Patria” afundou às 9:00 h da manhã de 25/11/1940, matando 250 pessoas.

    Não foi a única vez em que os Sionistas não deixavam outra opção aos Judeus Europeus do que imigrar para a Palestina.

    _________
    João Bernardo: -> “Um artigo não de respostas, mas de dilemas. Porque, afinal, o muro em que batemos com a cabeça é o de saber como fazer funcionar as tais soluções. O que são soluções certas numa prática errada?”

    A indagação é feita num comentário em “Uma mensagem para os verdadeiros amigos dos palestinos”, artigo indicado acima no texto principal deste post.
    Link:
    https://passapalavra.info/2021/05/138274/#comment-746914

    E qual a mensagem para os verdadeiros amigos dos palestinos:

    《Então, vemos manifestações na Europa, onde as pessoas gritam slogans horríveis contra os judeus e Israel. Ouvimos o mesmo ódio que ouvimos nos canais de propaganda do Hamas. Quem for nosso amigo, não deve falar assim! Nós não queremos e merecemos tais amigos!
    […]
    Por favor, manifestem-se contra a política falsa e destrutiva do governo israelense. Mas também, por favor, levantem sua voz contra o que o Hamas está fazendo. 》

    O que falta nesta mensagem? Falta exatamente uma análise do conflito sob a perspectiva da Luta de Classes. Algo perfeitamente colocado no presente artigo:

    《Na minha opinião a única solução para o Oriente Médio (Israel incluso) é a união dos trabalhadores palestinos, israelenses, turcos, sírios, jordanianos etc etc. Contra os capitalistas palestinos, israelenses, turcos, sírios, jordanianos etc, em prol de um projeto de autogestão》

    E assim chega-se ao dilema evocado por João Bernardo e também aqui citado por Antonio de Odilon Brito:

    《Agora, a realidade é que essa alternativa de autogestão que consiga unir palestinos e israelenses em prol de uma sociedade mais igualitária e menos misógina, menos racista, menos homofóbica etc não existe, concretamente falando.》

    E por que não existe esta alternativa? Evidente, por causas diversas. Entre elas a de maior importância é justo não haver abordagem do conflito Israel-Palestinos sob a perspectiva da Luta de Classes, que tenha correspondência numa prática efetiva.

    Evidente também que qualquer prática neste sentido seria durante reprimida não só na Palestina como em todo o Oriente Médio, inclusive em Israel.

    Não sendo outro o motivo dos demais setores dominantes árabes, com apoio efetivo de Israel, terem atirado os Palestinos ao controle dos fundamentalistas, pois é justamente na sociedade civil palestina onde há o embrião desta alternativa de autogestão da classe trabalhadora.

    Exemplo disto foram as eleições de Janeiro de 2005 para a presidência da Autoridade Palestina, quando uma chapa articulada por organizações civis laicas e não fundamentalistas, comprometidas com uma paz digna e a solução de dois Estados, foi encabeçada pelo médico Mustafa Barghouti, atingindo cerca de 20% dos votos.

    A Assessoria de Relações Internacionais desta chapa, assim como do movimento civil dela articulador, foi prestada por uma brasileira: Juliana Yohann.

    A causa primária e fundadora do conflito Israel-Palestinos está no modo pelo qual foi criado o Estado de Israel, e sua manutenção até hoje nos mesmos termos.

    O Estado de Israel tal qual existe será destruído. Não por algum inimigo externo. Mas pelo próprio sionismo. É inevitável. E disto os sinais são avassaladores.

    Resta saber se junto com ele seremos também destruídos. Israel esteve a ponto de usar armas nucleares na Guerra do Yom Kippur, em 1973. E não hesitará novamente em fazê-lo.

    Também em Israel falta uma atuação concreta sob a perspectiva da luta de classes com forte inserção social.

    Deflagrado em função da Reforma do Judiciário, um intenso e abrangente protesto estava em curso recentemente no país. Oficiais superiores do exército e milhares de reservistas começaram a aderir ao movimento. Mas agora a tendência é todos se unirem novamente em torno das bandeiras do sionismo.

    E foi justamente um historiador israelense, Shlomo Sand, quem de modo mais preciso demoliu estas bandeiras mistificadoras, em sua trilogia:
    • “A Invenção do Povo Judeu”.
    • “A Invenção da Terra de Israel”.
    • “Como deixei de ser judeu”.

  4. A esquerda alucinada já tá tirando a roupagem radical e seus adereços verborrágicos do armário – o impressionante é que é sempre pra defender uma posição alucinada em outro lugar do mundo do qual não fazem ideia do que se passa de verdade. Lá pros idos 2001 já havia uma certa esquerda alucinada marxista que vibrou com o atentado às Torres Gêmeas como uma espécie de grito dos explorados. O Hamas é a bola da vez, quem critica é liberal – proletário mesmo é apoiar a tal da “nação proletária” contra a “nação burguesa”. Aliás, muito engraçado que até alguns ditos libertários estejam nessa onda. “Abaixo ao Leninismo, viva o Hamas!”

  5. A esquerda que agora aplaude o Hamas pelo facto de ele lutar contra a ignomínia do apartheid sionista recorda-me aquela esquerda que há cem anos aplaudia Hitler pelo facto de ele lutar contra a ignomínia do Tratado de Versailles.

  6. Aos colegas que estudam ou que vivem na Palestina.

    Existe algum partido, movimento ou organização de trabalhadores atuando nessa linha do texto? O Fatah possui correntes atuando nesse sentido? Ou está tudo dominado pela extrema direita muçulmana?

    Saudações

  7. Eddie, entrem contato com Juliana Yohann. Ou forneçam algum canal de contato.
    ___
    Eddie,
    《escreva para Bahia Amra da PNGO (Palestinian Network of NGOS) , e descreva o tipo de grupo que te interessa , q aí ela cata a coisa mais parecida c o perfil q vc quiser》

  8. João Bernardo, poderia esclarecer (me fornecer referenciais) sobre o apluso da esquerda a Hitler por ser contra o Tratado de Versalhes?

    *** *** ***

    Ao Antonio de Odilon Brito, pergunto o que fazer quando entre a classe trabalhadora se generaliza a ideologia (e muitas vezes a prática) da direita? O bolsonarismo medrou entre os trabalhadores e nosso vasto exercito de reserva. Entre os trabalhadores palestinos não ocorre o mesmo? Elegeram o Hamas, defendem o ataque e sequestro de israelenses civis. Não ocorre de a classe trabalhadora, apesar da sua posição estrutural, ser “superestrutualmente”, por assim dizer, de direita – com consequencias graves para os próprios trabalhadores (falta de água, luz, serviços médicos etc.)? Que fazer?

  9. Paulo Luiz,

    Tratei extensamente esse assunto no Labirintos do Fascismo (São Paulo: Hedra, 2022), vol. III, págs. 231-305. E note que até à nomeação de Hitler para a chancelaria do Reich o Partido Comunista da Alemanha era o segundo maior em todo o mundo, a seguir ao da União Soviética, por isso a orientação que prevalecia na Alemanha servia de modelo à aplicada pelo Komintern nos restantes países. Muito resumidamente, essa orientação considerava que o principal perigo fascista residia na social-democracia, apelidada de social-fascista, enquanto os verdadeiros fascistas eram considerados como opositores às potências imperialistas dominantes. Analisei o assunto em três subcapítulos, cujos títulos podem dar uma ideia da dimensão do problema: Os comunistas procuraram ultrapassar a social-democracia pela esquerda e o nacional-socialismo pela direita, O populismo nacional-socialista era o espelho do nacional-bolchevismo dos comunistas e As relações entre a Reichswehr e o Exército Vermelho. Por isso eu pude escrever num comentário que a esquerda que agora aplaude o Hamas pelo facto de ele lutar contra a ignomínia do apartheid sionista recorda-me aquela esquerda que há cem anos aplaudia Hitler pelo facto de ele lutar contra a ignomínia do Tratado de Versailles. Mas o certo é que as lições da História, como todas as lições, são inúteis para os analfabetos funcionais.

  10. NACIONAL-BOLCHEVISMO & CONTRARREVOLUÇÃO PREVENTIVA
    o solipsismo bolchevique pretendia: ultrapassar a social-democracia pela esquerda e o fascismo pela direita; o que conseguiu: a (contrar)revolução lhe saiu -ou será que entrou?- pela culatra

  11. Caros Paulo Luiz e Eddie, tudo bem com vocês?

    O Eddie comentou algo uns dias atrás sobre partidos, movimentos, organizações etc de trabalhadores autônomos/autogeridos na Palestina, que eu infelizmente esqueci de responder (peço perdão!).

    Começarei respondendo pela parte final do comentário do Paulo Luiz, e espero assim acabar dando uma resposta que busque contemplar ambos e estimular o debate. Paulo, você diz: “Que fazer?”; e eu darei início tentando esboçar uma resposta, que a mim sempre foi mais ou menos clara há vários anos. Penso que o que talvez falte, tanto na Palestina e em Israel como aqui no Brasil (afinal, você falou do bolsonarismo), é uma classe trabalhadora organizada, com laços de solidariedade bem atados. Então me parece que a resposta é a construção de laços entre os trabalhadores através do fortalecimento das lutas e dos movimentos de nossa classe. Note que aqui no Passa Palavra foi publicado, muito recentemente, um texto sobre a greve dos Operadores de trem no metrô de São Paulo (https://passapalavra.info/2023/10/150291/). Também faço questão de acompanhar no X (antigo Twitter) e no Instagram as movimentações de um grupo de trabalhadores de aplicativo que conheci através do Passa Palavra chamado Treta no Trampo (https://twitter.com/tretanotrampo/status/1438595687957020673). Este ano o PP também publicou um texto sobre movimentações de trabalhadores na China: https://passapalavra.info/2023/03/147957/ . Por fim, por esses dias o João Bernardo me mandou privadamente a seguinte matéria (https://elpais.com/internacional/2023-10-13/la-guerra-siembra-israel-de-ciudades-fantasma-colegios-cerrados-y-comercios-vacios.html) sobre Palestina e Israel, destacando o seguinte trecho: «[…] cuatro empleados palestinos de Jerusalén se afanaban en reponer productos en los mostradores. “¿Miedo? ¿A quién le preocupa la guerra? Peor es no tener trabajo”, se justificaba uno de ellos, que prefirió no identificarse.» (Você pode ler esse texto na íntegra utilizando um removedor de Paywall, se for o caso. Por exemplo, este: https://www.removepaywall.com). Ou seja, para além da guerra, uma grande preocupação desse trabalhador é a falta de trabalho, de ter o que comer.

    Mas por que eu estou falando essas coisas? Porque eu acredito que é nas lutas dos trabalhadores, nos movimentos autônomos da nossa classe, que pode ser formada uma nova cultura, oposta àquela de grupos como o Hamas, oposta ao Bolsonarismo, e também oposta a um certo identitarismo supostamente “de esquerda”. É preciso deixar claro, em primeiro lugar, que eu não penso que os trabalhadores sejam “puros”, e que mesmo movimentos autônomos e autogeridos de trabalhadores estejam livres de serem contaminados por essas coisas. Por exemplo, conheço casos, e possivelmente você também conhece, de iniciativas autônomas da nossa classe onde existe um machismo entre os homens que faz com que eles se imponham de tal forma, que não deixam mulheres falarem em espaços de discussão. Ao ponto de, por exemplo, as mulheres sentirem a necessidade de, estando ainda dentro daquele grupo, criarem um subgrupo entre elas próprias para que possam se fortalecer e lutar pelo direito de serem escutadas nos espaços de discussão que eu mencionei. Eu já vi coisas assim acontecerem e, nos casos que eu me recordo, o resultado foi muito positivo, pois os homens acolheram as críticas e começaram a mudar suas atitudes. Mas veja que não se tratou de segregar homens e mulheres na linha do que atualmente tem se chamado Espaços “seguros” (https://passapalavra.info/2023/09/149911/), mas sim de uma auto-organização de mulheres trabalhadoras entre si que querem se fortalecer para que possam se incluir nos espaços mistos e brigar pelos seus direitos nesses ambientes, onde todos podem coexistir em pé de igualdade. Na minha opinião, isso é o contrário dos chamados “Espaços ‘seguros'”, mas fiquem à vontade para discordar. Não se trata, como diversas vezes se falou neste site, de mulheres se auto-organizarem ou não, de negros se auto-organizarem ou não, o mesmo valendo para LGBTs etc; trata-se da forma como essa organização se dá, se possui ou não recorte de classe, se ela busca se inserir ou não na construção de uma identidade verdadeiramente Humana ou se ela quer reforçar essa ideia de tribos mutuamente hostis umas às outras que se chama identitarismo etc. E já que eu falei em direitos das mulheres e espaços “seguros”, sugiro este texto (https://passapalavra.info/2013/05/76982/) muito esclarecedor da Rita Delgado e do João Bernardo sobre essa questão no contexto do processo de queda do regime fascista português. Note algo muito crucial nele: todo esse movimento surgiu e se fortaleceu num contexto onde a classe trabalhadora estava se organizando autonomamente, eventualmente desembocando numa experiência de autogestão muitíssimo importante para nós trabalhadores. Sobre isso, inclusive, vale a pena ler o jornal O Combate (aqui: https://caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/06/29/combate-em-linha/ e aqui: https://www.marxists.org/portugues/tematica/jornais/combate/), algo que eu por sinal ainda não fiz, mas pretendo fazê-lo.

    Sobre movimentos dos trabalhadores em Israel e na Palestina, confesso que conheço quase nada. Tem um grupo israelense chamado “Anarquists Against the Wall” (“Anarquistas Contra o Muro”) que talvez valha a pena acompanhar: https://theanarchistlibrary.org/library/uri-gordon-and-ohal-grietzer-anarchists-against-the-wall . Como o nome sugere, são um grupo israelense que se solidariza com a causa palestina e se opõe às muralhas construídas pelo Estado de Israel em Gaza e na Cisjordânia. Também vale a pena dar uma olhada no site Libcom e pesquisar por “palestine” e ver os resultados que são retornados (https://libcom.org/search?search_api_fulltext=palesti).

    Um abraço!
    Antonio

  12. Como florescer uma consciência de classe nesse cenário de guerra e destruição em ambos os lados? O extremismo nacionalista do estado hebreu e o radicalismo teocrático do hamas só podem ser superados pela internacionalização das lutas proletárias de hebreus e palestinos. Não me parece fácil essa solução. Em um cenário sem guerra muitas vezes os trabalhadores não se reconhecem numa classe social coexa e que luta por sua emancipação o que dirá num cenário de guerra onde além da exploração do trabalho há também o fator de uma luta geopolítica no qual deixa a situação ainda mais obscura. Mesmo assim, creio eu, a resposta para a situação deve ser a internacionalização das lutas proletárias de hebreus e palestinos, ou seja, no momento no qual os operários hebreus não reconhecerem mais o estado de Israel como seu “lar e quando os operários palestinos não reconhecerem mais o hamas e outra qualquer forma de autoridade palestina, aí sim haverá espaço para uma luta proletária de ambos os lados buscando a superação da crise.
    Sem mais para o momento.
    Abraços à todos do PassaPalavra.

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