Por Rodrigo Oliveira Fonseca
Nas redes sociais virou piada e meme falar que o mês de janeiro parecia interminável. Muita gente anseia essa virada de mês para o salário de fevereiro cair na conta e voltar a ter algum dinheiro depois das “gastanças” de janeiro: de um lado, os gastos com lazer, que tendem a ser maiores nessa época; de outro, despesas com material escolar, impostos, gastos de fim de ano que empurramos para o feliz ano novo,… É uma explicação razoável? É, mas, no espírito “Garoto Enxaqueca”, a minha primeira impressão foi mesmo a de falta de perspectiva de classe, de uma manifestação de hegemonia burguesa (nas suas vertentes calvinista e coach do “trabalhe enquanto os outros dormem”): afinal, janeiro é tradicionalmente o mês em que mais se tira férias no Brasil. Sob as bençãos de Kairós, o deus do tempo oportuno, não seria janeiro o mês mais rápido do ano para os trabalhadores?
Outra explicação seria uma impaciência com a demora para se chegar logo no carnaval. É a imagem que os brasileiros gostamos de cultivar: “país tropical abençoado por Deus”, que em fevereiro (como em qualquer país de maioria católica) tem carnaval; materialização das míticas e paradisíacas terras de Cocanha e da ilha de Hy Brasil, de pouco trabalho e muita festa; caldeirão de heranças festivas tupinambás, lusitanas, iorubás. Mas a simples falta de qualquer referência nos memes ao mês de fevereiro e ao carnaval me fez seguir na pista de alguma falta de consciência de classe, uma explicação cômoda, óbvia, inquestionável, enfim, um carimbo pronto pra encerrar a discussão. Distraídos venceremos?
Acontece que janeiro também é mês de divulgação de dados importantes da economia. A taxa de ocupação em 2023 — o número de trabalhadores ativos no Brasil — bateu recorde: somos 100,7 milhões, um crescimento de 3,8% em relação ao ano de 2022. Esse número é pouco menos da metade da população do país (203 milhões segundo o Censo de 2022), a outra metade sendo composta por crianças e adolescentes até 14 anos (cerca de 20%, 40 milhões de pessoas), por 20 milhões de pessoas cuja força de trabalho é considerada subutilizada (estando dentro desse total 8,1 milhões de desempregados), por 6 milhões de trabalhadoras e trabalhadores domésticos (75% sem carteira assinada), mais as pessoas desalentadas e todas aquelas que não trabalham pelos mais diversos motivos — incluindo o de serem capitalistas e viverem do trabalho alheio[1].
Mas se o assunto é férias, o número que deve ser perseguido não é o da ocupação laboral. O Ministério do Trabalho e Emprego indica que o número de empregos/postos de trabalho com carteira assinada é de 43,9 milhões. No entanto, milhões desses postos não estão ocupados, o que explica que o número de trabalhadores formais para o mesmo período seja o de 37,7 milhões, uma marca histórica no levantamento do IBGE/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — segundo lugar na história, esse número só foi um pouco maior no segundo trimestre de 2014: 37,8 milhões.
Então vemos que, dos 100,7 milhões de trabalhadores, só 37,7 milhões têm empregos formais, o que — em tese — significa que são esses os que puderam gozar férias no mês passado, contra 63 milhões de trabalhadores que não puderam[2]. O Brasil segue assim a tendência de informalização das relações de trabalho. Em 2018 a Organização Internacional do Trabalho/OIT indicou que a taxa mundial era de 2/3 de informalidade[3].
Pode ser pior? É pior. Retomando o dado dos 43,9 milhões de postos de trabalho com direito a férias, vemos que mais da metade é formada por novas admissões. Ou seja, são pessoas que ainda não podem tirar férias, e, a depender da rotatividade do setor, talvez nem venham a ter férias.
Aí fica a dúvida autocrítica: se é que existe mesmo algum mal-estar com o “período de férias”, esse desconforto seria: a) das pessoas com enormes saudades dos chefes, dos afazeres e dos colegas de trabalho; b) das pessoas que têm de cobrir o trabalho de quem está de férias; ou c) de quem não tem perspectiva de um dia ter férias?
Parafraseando livremente Umberto Eco[4], diria que suspensos entre a nostalgia de um verde paraíso da consciência de classe e a esperança desesperada dos amanhãs do Apocalipse, os profetas da classe trabalhadora propõem a imagem desconcertante de um projeto altivo e trôpego, visto que não sabem escolher entre o proclamado amor às massas ameaçadas pela catástrofe e o amor secreto pela catástrofe.
Distraídos perderemos.
Notas:
[1] Não serve para indicar o número de capitalistas, longe disso, mas fica o registro de que o Brasil terminou o ano de 2023 com 21,6 milhões de empresas ativas.
[2] Nesse número estão 13,5 milhões de pessoas empregadas sem vínculos trabalhistas e 39,5 milhões (!) de trabalhadores por conta própria sem inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica/CNPJ. Os 10 milhões que faltam nesse montante dos trabalhadores informais talvez sejam os “pejotizados”, os que são contratados como microempreendedores individuais (MEI).
[3] Se em números absolutos de empregos formais o país atingiu uma marca histórica, pode-se notar que, percentualmente, em comparação com os anos de retomada da atividade econômica pós-pandemia (2021 e 2022), no ano passado foram gerados menos empregos formais: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/01/31/quais-sao-as-perspectivas-para-o-mercado-de-trabalho-formal-em-2024-analistas-respondem.ghtml.
[4] Apocalípticos e integrados. Tradução de Pérola de Carvalho. 5a edição. São Paulo: Perspectiva, 1993, p. 15.
A imagem que ilustra este artigo pertence a Roman Selsky.
Eu cheguei a comentar (ou a pregar rs) aqui no site sobre a necessidade de manter coerência entre todas as esferas da vida. Nesse esforço nós temos que fazer algumas escolhas. Vou contar um pouco das minhas. Eu, tendo recursos materiais para manter a minha vida e a vida de outras pessoas, escolhi não ter filhos biológicos. Atualmente, tenho três filhos não-biológicos e terei mais quantos outros minha condição material permitir. Outra escolha foi a de matricular meus filhos no Ensino Público. É verdade que essa escolha impõe que eu compense em casa o conteúdo negligenciado pela escola. Mesmo assim há vantagens (há uma experiência cotidiana mais próximo à realidade da maioria dos explorados) que auxiliam na formação humana das nossas crianças. Outra vantagem é a seguinte: O município nos fornece uniforme completo (incluindo meia e tênis), material escolar completo (incluindo mochila e estojo), transporte escolar e alimentação (café da manhã, lanche da manhã e almoço). Então, para nós e para as famílias das crianças matriculadas neste município o fenômeno do Longo-Janeiro não é nem tanto a questão dos gastos escolares. Tampouco, para a comunidade em geral, há um suar frio em relação ao custo das cobranças de impostos. Raramente há quem receba o suficiente para se ver obrigado a pagar Imposto de Renda. Frequentemente, inclusive, recebe-se em dinheiro (porque parte dessa comunidade escolar é trabalhador do campo). Assim como não há também quem precise (ou quem possa) pagar imposto sobre veículo. E não há também que se falar em impostos sobre bens imóveis (pois aqui quem é trabalhador do campo recebe também uma casinha com teto de goteira e soleira de barro para passar os dias e quem é trabalhador urbano mora em um bairro de ocupação irregular e que por isso passa a margem da administração pública, que não lhes fornece serviços, tampouco cobra-lhes impostos).
Voltando aos meus motivos individuais de enxaqueca. Dezembro e janeiro foram meses longos para nossa família (que em razão de divergências políticas não conta com a colaboração da família extensa) por dois motivos: Alimentação e manutenção da casa. Sem a escola para fornecer almoço, nós precisamos dedicar mais do nosso tempo a essa tarefa. E, como a casa menos cheia por meio período do dia significa casa ligeiramente menos suja, casa mais cheia o dia inteiro significa casa suja mais rápido. Nós não contrataríamos uma pessoa que poderia muito bem ter as mesmas características físicas e econômicas da mão biológica dos nossos filhos, para cozinhas o nosso feijão e limpar a nossa privada. Então, por este motivo, dezembro e janeiro foram meses bastante longos para nós.
Agora, não foram mais longos, imagino, do que para a mãe de uma amiguinha da escola. Ela é de uma família bolsonarista e evangélica. Essa mulher tem duas filhas e uma sobrinha (que ela cuida como filha porque a mãe morreu e o pai foi comprar cigarro). Uma das filhas tem um problema respiratório grave e que não tem a menor chance de melhora porque a condição estrutural do bairro em que elas moram oscila entre barro e poeira. Essa mulher cuida também da mãe idosa. Uns meses atrás a mãe idosa revoltou-se contra a filha que decidiu acolher uma família desesperada de venezuelanos. Na mente dessa senhora o dinheirinho da filha precisa ir para a família dela (e para a igreja), jamais para a família dos outros. Ela é casada com um caminhoneiro. Esse Natal o marido passou viajando, levando carga para sabe-se lá onde. O ano novo eles passaram separados também, mas agora como ex-casados. Ela é caixa de supermercado, tem folga apenas aos domingos e nunca tira férias durante este período do ano. Na verdade, ela quase nunca tira férias, pelo contrário, sempre que possível ela vende as suas férias. Aqui me parece que as famílias suam frio não tanto pelos impostos ou pelo material escolar, mas mais pela questão da alimentação. Na falta da escola, eu tenho tempo e recursos para dar conta da alimentação da minha família. Na falta da escola, ela não tem tempo, muito menos tem recursos. Quem cuida das filhas dela enquanto ela trabalha é uma babá, que na verdade é a vizinha que cobra o dinheiro da comida e um pichulé a mais pelo serviço. E ela paga sozinha com um dinheiro que ela não tem.
Enfim… Janeiro é realmente um mês bem longo. Talvez todos os dias do ano sejam, a depender de como a pessoa vive o seu dia.
Liv fiquei na dúvida: se seus filhos fossem biológicos vc teria colocado eles numa escola pública? Já q diz q tem condiçoes materiais para se sustentar e sustentar outras pessoas ….
Eu fui mãe solo, assalariada, na maior parte da minha vida, vivi com o dinheiro contado, pagava as contas primeiro, (várias, inclusive impostos), e depois o q sobrava ia me virando pra dar até o próximo pagamento. ..férias TB era mais pra descansar do trabalho fora mesmo, pq o trabalho diário de casa continuava. .mas mesmo assim adorava minhas férias , pq além de descansar, um pouco, daquela rotina diária, transporte público, chegar em casa à noite, etc, de férias poderia dar mais atençao ao meu filho!! Q mesmo ganhando pouco, o coloquei pra estudar num colégio particular lá do bairro, na esperança dele ter um futuro melhor q o meu! E não é q deu certo??? Um abraço!
Camarada Maria, puxa, que sorte teu filho tem por te ter como mãe… Não deve mesmo ter sido fácil ser mãe solo, é necessário muita garra. E que escolha louvável a tua, de ter abdicado de tanta coisa para bancar o peso econômico do Ensino Particular… Você é uma mulher admirável!
Quanto a pergunta inicial do teu comentário, com todo respeito a camarada, não vejo motivo para tecer grandes comentários. Até porque a razão de colocar meus filhos no Ensino Público já foram insinuadas no primeiro comentário que fiz. Mas posso te garantir que por aqui, assim como por aí, anda dando tudo certo! Neste link (https://youtu.be/aHV_82_ADhc?feature=shared), mãe coruja que sou, te apresento meu menino tocando piano. Ele foi aprovado esse ano no processo seletivo escola de música do Theatro Municipal de São Paulo. E foi o pai, servidor público, que ensinou, acredita?! Ah, e não, não é talento, antes alguém queira vir diminuir o esforço do meu filho. É disciplina.
Uma obs apenas: Liv qdo falei sobre filhos biológicos ou não, com certeza não há diferença no amor, mas acho q “talvez” o fato de não serem biológicos, nos deixem mais leves em relaçaão às neuras da superproteção, mesmo q inconscientes!
Abraço
Liv fala sobre “manter coerência sobre todas as esferas da vida” e eu me pergunto agora o que ele faz para manter essa coerência toda. Teria superado a individualidade e se tornado, ele mesmo, um ser universal revolucionário sem contradições? Querer dar uma boa educação pro seu filho te torna “incoerente”? Digo isso porque eu também, aos trancos e barrancos, corri atrás pra conseguir uma meia bolsa e colocar meu filho em uma boa escola, na esperança de que ele pudesse ter mais oportunidades e que, considerando o fato dele ainda ser muito pequeno e eu e a mãe dele sermos trabalhadores, desde os 6 meses tivemos que deixá-lo em uma creche bem fodida e nada é mais duro para os pais do que isso. E sim, me preocupo com meu filho e busquei nesse ano colocá-lo em um lugar melhor, onde os professores conseguem dar conta da turma reduzida e não precisam se desdobrar em 3 ou 4 salas como era a última creche dele. Na mesma medida, busco também ter conforto em casa. Sonho em ter um robô aspirador (algo muito longe de eu conseguir bancar hoje) pra poder me liberar das limpezas cotidianas que tomam grande tempo nosso. Na mesma medida, sonho com uma máquina de lavar louça com o mesmo intuito. Seria eu um incoerente por querer gozar de certas migalhas desenvolvidas no capitalismo para ter mais sossego e tranquilidade – inclusive pra me permitir conspirar? Deveria eu abdicar mão de tudo para viver na miséria e, assim, me tornar um verdadeiro anti-capitalista? E já que estamos aqui, comunista pode ter iPhone?
Parabéns Liv!!! 🌹 Parabéns Daniel! 🌹
Como eu disse o Amor é igual e a atitude é nobre, valorosa! Parabéns à familia! Felicidades!!! ❤️
Camarada Incoerente, teu comentário é de fato incoerente. O camarada quis imputar que eu estaria pregando que todo indivíduo anticapitalista deve matricular seus filhos no Ensino Público. Mas curiosamente não me acusou de pregar que todo indivíduo anticapitalista deve não ter filhos biológicos. O que me faz crer que a escolha de matrícular os meus filhos do Ensino Público ofende a escolha do camarada pelo Ensino Privado. Eu achei que isso ofenderia apenas aos principios soberbos, pequeno burgueses, de minha mãe. Temos algum psicanalista na sala para explicar este fenômeno?
Camarada, peço que note que em meu comentário dei dois exemplos de pessoas que chegaram se arrastando ao final do mês de janeiro e que por isso tiveram a percepção de que janeiro foi um mês demasiadamente longo. Peço também que note que para uma dessas pessoas foi mais longo do que para outra. Porque a primeira vive sem possibilidade de escolha e a segunda vive as consequências de suas escolhas.
Se o exemplo dado não foi suficiente para sensibilizar o camarada, posso dar outro [o autor deste texto tentou sensibilizar com números, eu sempre aposto nas histórias de vida]: por um tempo fui mentora de uma mocinha espetacular. Ela veio de uma família que não tinha o privilégio da escolha. Quando muito, seu irmão, que foi quem chegou mais longe de sua condição material inicial, foi capaz apenas de escolher entre permanecer trabalhando em uma pastelaria ou buscar uma posição de auxiliar de escritório. Ela gostaria de poder escolher estudar. Mas não havia condições materiais, não havia uma mesa de estudos, não havia porta no quarto, não havia silêncio na casa e, pior, não havia apoio familiar real (um que vai além da imagem, um que não é “da boca pra fora”). Naquelas condições era uma esquisitisse desejar estudar. A mãe dessa mocinha não foi mãe solo. O pai dos seus cinco filhos, que a impedio de trabalhar por anos, era um drogado orgulhoso e violento que se recusou por anos a abandonar a casa. Ou seja, um atraso de vida. No período mais recente, está mãe conseguiu espaço para trabalhar fora de casa. Arrumou um emprego em uma fábrica de pão, onde a filha mais velha já trabalhava. Ambas com a mesma função: embalar o pão. Essa mãe, que trabalhava todos os dias e não recebia nem ao menos um salário mínimo, ocasionalmente conseguia se organizar para levar a nossa mocinha em um passeio. Geralmente esse passeio era no Brás. Elas iam juntas, de trem, na esperança de voltar para casa com alguma lembrancinha. Quem é de São Paulo sabe que que do Brás para Pinacoteca é um pulo. O custo da ida ao Brás e da ida a Pinacoteca é exatamente o mesmo: o da passagem de trem. Mas a qualidade dos passeios são absurdamente distintas. O que teria sido mais útil para a formação humana (do máximo potencial humano) dessa mocinha: um passeio no Brás ou um passei na Pinacoteca? Um passeio na Pinacoteca. Mãe essa mãe, vítima de sua condição material, que não teve nem mesmo a oportunidade de finalizar o ensino fundamental, poderia escolher diferente? Não, não poderia. O Brás é o limite (louvável) do que essa mãe tinha para oferecer para sua filha que desejava estudar.
Um militante pode escolher? Pode e deve. Um militante anticapitalista deve fazer o inventário de sua trajetória de vida, como nos sugere Gramsci. Para em seguida ser capaz de fazer escolhas coerentes. Mas veja bem, escolhas coerentes não são escolhas impossíveis. São escolhas coerentes que levem em consideração a condição material sua vida.
Eu fiz as escolhas que eu fiz porque eu posso e porque eu devo. Eu devo, se eu realmente acredito na concepção de mundo que digo acreditar.
Reafirmo: é necessário manter um vínculo de coerência entre todas as esferas da vida e esse esforço demanda determinadas escolhas. Jamais afirmei que essas escolhas devem ser universais, uniformizadas. E jamais afirmaria isso porque sei, meu comentário inicial é bem claro em relação a isso, que as condições materiais variam, e que o que é possível a mim, nem sempre é possível ao outro.
Por fim, camarada Incoerente, você perguntou se um comunista pode ter iPhone. Veja, se o iPhone for instrumento de trabalho imprescindível para a manutenção da vida deste comunista, então penso que sim. Mas se esse iPhone servir ao mero deleite, então penso que não. Um comunista que deseja se comunicar com seus camaradas pode ter um celular menos ostensivo e reverter o valor que estaria disponível para a compra deste signo de distinção social (é isso que o iPhone representa) em algo mais útil para a construção de sua militância anticapitalista. Por exemplo: livros. Livros para si e/ou livros para pessoas que nao possuem recursos disponíveis para comprar livros.
Liv, talvez meu foco no seu comentário relativo ao Ensino Público ou Privado seja derivado mais das contradições postas (as quais também se colocaram para mim) do que por problemas de ordem psicológica. O que me incomoda em seu comentário, na realidade, é o seu foco na “coerência em todas as esferas da vida” defendendo (e aí sim) a escola pública em oposição à privada (mas podemos falar também do seu foco em não ter filhos, que parece ser mais importante pra você, mas pode ser tambem sobre sobre ter ou não ter um iphone, morar ou não morar em uma comunidade, comer ou não comer sushi nos finais de semana, etc). Ora, em um sistema incoerente, é impossível ser coerente em todas as esferas da vida simplesmente porque vivemos em milhares de camadas de contradições sobrepostas, e é impossível apontar para todos os caminhos “coerentes” ao mesmo tempo. A defesa de uma “coerência em todos os aspectos da vida” é uma perspectiva ideológica que esconde por debaixo dos panos toda uma série de outras incoerências que estarão sempre ali presentes aos olhos de outras pessoas “mais coerentes”. Dito isso, eu não estou aqui fazendo uma ode ao oportunismo, ao vale-tudo, etc. A grande questão aqui é que a tal da “coerência” não diz muito por si só, e geralmente é apresentada como uma cartada de virtude que em geral serve apenas pra ornamentar a cabeça – e o ego – dos que se dizem coerentes. A sua escolha de “comprar livros para os outros”, por exemplo, não oferece qualquer perspectiva anti-capitalista por si só, mas pode ser uma caridade bem legal mesmo. Assim como comprar roupas, ou comida, ou… um celular? Mas, por que não reverter esse “valor a mais” para dedicar à luta de categorias que estão mais ativas hoje nos processos de luta e enfrentamento (não deveríamos aqui começar a pensar por exemplo na eficácia de nossas ações para uma perspectiva revolucionária ao invés de ficarmos defendendo as pequenas ações indivíduais como fazem os liberais com o papinho de separar o lixo, tomar banhos mais rápidos, etc?)? Por que adotar crianças no seu núcleo familiar restrito e constituir família quando se pode optar por romper de vez essa perspectiva burguesa de família e buscar, desde já, constituir novas formas de sociabilidade que superem o núcleo familiar para não ter mais que depender da “familia extensa” – uma vez que agora toda a ideia de família já seria extensa? Por que não abdicar logo mão de tudo e ir viver no mato, liberando-se das contradições do capitalismo como hoje defendem vários revolucionários adeptos das teorias mais obscuras primitivistas e anti-civilização, afinal, estes também defendem a coerência em todos os aspectos da vida, e por isso escolhem não mais participar de nada e se isolar.
Longe de mim dizer o que você tem ou não que fazer, mas a “coerência” não me parece ser a régua mais indicada para a construção de uma perspectiva revolucionária, embora eu acredite que é sim importante ser coerente com seus princípios. A questão é que a coerência por si só não constrói nada.
Camarada Incoerente, sei que é muito difícil compreender a complexidade envolvida nos pontos apresentados por mim nesta sessão de comentários. Se fosse fácil não haveria sequer a necessidade de opinar a respeito. Não é de fácil compreensão ao senso comum, tampouco é de fácil execução. Como eu havia dito antes, exige esforço. Exige força. Exige a força do super homem nietzchiano. E esse esforço é um caminho árduo, de luta diária, de correções constantes, encharcado pelo sofrimento trilhado por quem sabe que não há felicidade e conforto possiveis em um mundo que tem a miséria como pilar de sustentação. Desejo ao camarada um rumo útil e firme. Quem sabe um dia…
Qdo cada um de nós pode ter direito às nossas escolhas, isso é mto bom, mesmo q nós tragam dificuldades no cotidiano, como tive e já descrevi acima. O fato é q o ideal é q todos nós tenhamos empregos dignos com carteira assinada, a opçao de colocarmos nossos filhos, biológicos ou não, ou os dois, em escolas públicas ou escolas privadas, sendo q a meu ver o prob nas escolas públicas não é só a “qualidade do ensino” tem outras questões TB, mas q possamos escolher, hoje se tem os Institutos Federais q têm ensino de MTA qualidade a nível do ensino médio, na época do meu filho não existiam, mas tinha o Colégio Pedro II q TB é muito bom. Que as pessoas em geral possam curtir suas férias do trabalho todos os anos, ter uma casa com conforto, quem sabe um carro pra facilitar seu dia a dia, sair com a família, etc … Pra mim essas coisas são importantes em nossas vidas, termos cultura, visão de mundo socialista, q todos tenhamos direitos a bons hospitais, médicos, enfim, menos preconceitos uns com os outros, menos vigilância de quem é mais ou menos socialista, de quem é mais ou menos anti-capitalista….. Pra mim o meu anseio de vida é termos, num mundo global, uma sociedade “igualitária” o respeito às diversas culturas, hábitos, e um mundo de Paz!
Utopia? Talvez, mas escolhi tê-la, e sem pedir licença a ninguém!!!
Agradeço à Liv e a todos os outros as contribuições, ampliaram bastante o escopo do meu textinho despretensioso sobre o real problema das férias e da falta delas, que buscou entender com alguns números o que a Liv muito bem trouxe por experiências pessoais. E fico feliz de que antes de se transformar isso aqui em um “Casos de Família” anticapitalista se tenha conseguido resolver razoavelmente as questões em torno do mal-estar que Liv involuntariamente produziu a partir da sua filosofia de vida. Não penso que seja uma discussão secundária, não, vi muitos companheiros de luta que buscaram imprimir certas atitudes, intensidades e coerências nas suas militâncias e vidas (ou fazendo da própria vida uma bandeira) e, pouco tempo depois, veio os desbundes, as desistências ou os adoecimentos. A gente precisa de muita gente, e precisa estar inteiro, cada um encontrando a sua fórmula, nossa classe é muito heterogênea, muito fragilizada e cada dia tem um leão pra matar, então – penso eu, né? – a empatia, o companheirismo, a decisão de estar e de lutar junto é que acabam sendo decisivas.