Por Um professor universitário

 

No dia 17 de março saiu no “A terra é redonda” um texto de Marcelo Sevaybricker Moreira, discutindo o cenário de greve de docentes nas universidades federais. O argumento do autor é que “fazer greve agora é inoportuno, ao menos para quem se coloca como um defensor do Estado democrático de direito e da ampliação do bem-estar social no país”.

O texto usa a noção de Kairós para justificar o argumento. Usa sem explicar, o que deixa um ar erudito, mas não extrai todas as consequências desse ponto: Kairós é o momento oportuno em que algo inesperado acontece. Foi recuperado pela teologia medieval para se referir ao “Tempo de Deus”: é o tempo em que nós, reles mortais, não temos agência. Estranha noção de tempo para pensar a política, não? Subjaz aí a ideia que para se fazer política se deve esperar as condições ideais. Política, ao contrário dessa formulação, deveria ser entendida como a capacidade de criar as condições para a construção do horizonte que se almeja.

O argumento do autor gira em torno de um ponto: “Fazer uma greve agora irá inevitavelmente jogar água no moinho da oposição, dado que irá desgastar o governo frente à sociedade brasileira.” O moinho da direita vai muito bem, obrigado. É o moinho da esquerda que está fraco, sem força. O governo concedeu aumento para policiais federais e a PRF (Polícia Rodoviária Federal). O governo já decidiu que não irá construir uma política da memória do golpe de 1964 que completa 60 anos. Então, quem está jogando água no moinho da extrema-direita mesmo?

A universidade pública segue o curso da deterioração (embora acelerado no governo Temer e Bolsonaro, não começou ali). Mesmo no atual “governo democrático” o contingenciamento de recursos já aconteceu. O parco reajuste dado, tido pelo autor do artigo como um sinal de diálogo, não chega nem perto do acumulado de inflação. As bolsas também estão defasadas e minguantes. Relatório do Tesouro Nacional indica que Saúde e Educação perderão até 500 bilhões de reais em 9 anos. A mesa de diálogo com a categoria já dá indícios de esgotamento com a intransigência do governo.

Seja como for, esse debate que acontece agora revela algo curioso no nosso predicamento político do campo da esquerda. Provavelmente se lembram que ocorreram chamados de greve nas universidades durante o governo Bolsonaro, mas muito rapidamente diziam “isso é o que Bolsonaro quer. Uma greve agora deslegitima a universidade pública”. Agora, repete-se a mesma cantilena: “uma greve é inoportuna, pois deslegitima o governo”. Ao fim e ao cabo, é a luta dos trabalhadores docentes da universidade pública brasileira que termina deslegitimada.

14 COMENTÁRIOS

  1. (…)é a luta dos trabalhadores docentes da universidade pública brasileira que termina deslegitimada.

    Mas esta não esta deslegitimada tem tempo? Quantas vezes os docentes se uniram para mudanças, exigências, melhores condições e mais expansão para absorção da força de trabalho que virá.

    Sobre a resposta ao artigo e a noção de esquerda, a esquerda é isso mesmo. Sem radicalidade ou um projeto crítico que tenha finalidade, a nossa discussão será somente por meio de resposta ao que se coloca ou a luta para não perder. Aliás, quando vamos aprender a lutar para ganhar?

  2. Por que os professores universitários não fizeram greves durando os quadro anos nos quais Bolsonaro governou?

  3. Os professores universitários eu não sei, mas os professores de educação básica tiveram um aumento no piso, em um único ano, de 30%. Já o atual governo deu um aumento de cerca de 5%, valor abaixo até mesmo da inflação do período (o que na pratica cá é um rebaixamento de salário). Não vou entrar no mérito dos motivos de um ou de outro, mas esse é um dado concreto.

  4. HELIANA CONDE VIVE!

    Mnemosine Vol.19, nº1, p. 1-1 (2023) –Editorial.DOI:10.12957/mnemosine.2023.76204Departamento de Psicologia Social e Institucional/ UERJEditorial

    O ensaio que abre este número de Mnemosine evoca o contundente poema de Brecht, Intertexto, que situou, no passado, a chegada dos invasores – osque ocupam nossas casas aos poucos,sem serem notados, até que nos expulsam. Primeiro levaram os negros/ Mas não me importei com isso/ Eu não era negro Em seguida levaram alguns operários/ Mas não me importei com isso/ Eu também não era operário Depois prenderam os miseráveis/ Mas não me importei com isso/ Porque eu não sou miserável Depois agarraram uns desempregados/ Mas como tenho meu emprego/ Também não me importei Agora estão me levando/ Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém/ Ninguém se importa comigo. Cada vez é mais necessário criar vacúolos de silêncio em meio a um insuportável vozerio. Assim, creio que basta o poema de Brecht ao Editorial de Mnemosine nesse primeiro número de 2023. Obrigada a todxs que colaboraram. Saúde, alegria. Também querem levá-las. Mas, no caso, isso nos importa e não estamos dispostxs a permitir….. Heliana de Barros Conde Rodrigues.

  5. Este texto citado acima como um poema de Brecht, na verdade é de autoria de um pastor luterano alemão chamado Martin Niemöller. O pastor foi um apoiador de primeira hora do partido nazista, mas depois foi perseguido e preso. Depois de libertado, se arrependeu de seu apoio inicial ao regime e em palestras/discursos citava frequentemente esse texto, com algumas variações.

    https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Martin_Niem%C3%B6ller

  6. Porque é uma categoria aburguesada e corriam o risco de demissão no governo bozo.
    Entre a boa vida que levam e arriscar uma demissao numa greve no governo bozo a escolha não é dificil.

  7. É muito curioso – para não dizer trágico – o que se tem passado no movimento dos técnicos, professores e estudantes em escala nacional. Como sou graduando na Universidade Federal de Santa Catarina, vou comentar sobre os seus últimos acontecimentos em específico.

    Na semana passada me deparei com um professor, do Departamento de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, que reproduziu de maneira quase idêntica o argumento de Moreira. E ainda comentou, sarcasticamente: “os professores agora são leões da savana!”. Curiosamente, este professor (condenando os colegas que nada fizeram durante os governos Temer e Bolsonaro) também nada fez durante esses governos. Mas, agora, condena-os por estarem pautando uma greve e “favorecendo a extrema-direita”.

    Os técnicos, pelo menos nesta universidade, tomaram a frente na greve. Embora sejam os sindicatos que estão puxando as paralisações na maioria dos estados – o que demonstra o caráter hétero-organizativo do movimento -, em Florianópolis muitos desses técnicos criaram aproximações políticas nos locais de trabalho e tratam entre si, a partir dos seus setores, dos problemas diários do ofício.

    Desde o início do semestre estão eles em greve. Pautam, sobretudo, questões estruturais: há um rombo tão grande no telhado da biblioteca central da universidade que, quando chove, escorre água como se fosse uma cascata. Os técnicos e terceirizados da limpeza fazem o que podem: cobrem os livros com sacos de lixo e colocam baldes embaixo de onde a água escorre. Há ainda os riscos de curto-circuito. Vale comentar que o acervo de livros dessa biblioteca supera o da biblioteca pública do estado de Santa Catarina. Além disso, os prédios da universidade – alguns construídos na década de 60 – estão, literalmente, caindo aos pedaços. No ano passado, uma luminária caiu na cabeça duma estudante enquanto assistia uma aula no Centro de Comunicação e Expressão.

    Os professores não fazem greve há mais ou menos dez anos, e alguns, hoje, recusam aderir à greve. É isso mesmo… não querem perder as parcas bolsas que lhes chegam, seus laboratórios, seus projetos, enfim, suas guildas e seus aprendizes!

    Nesse último final de semana, a adesão à greve a partir do dia 15 foi votada pelos filiados e rejeitada.

    Acho necessário ainda relatar algo curioso – e novamente trágico: há os laboratórios conhecidos por serem compostos sobretudo pelos professores “marxistas”. E mesmo estes não querem aderir à greve. Mas, em sala de aula, enchem os planos com seus autores marxistas prediletos. Luta de classes só na sala de aula! Não conheço nenhum desses professores em específico que alguma vez se preocupou com a precária situação dos terceirizados da limpeza. Mas enchem a boca para falar dos trabalhadores. Um conhecido meu, uma vez me disse: “é preciso diferenciar os ‘marxistas’ dos marxólogos”. E eu não falo nem destes últimos, mas realmente dos primeiros.

    A situação dos estudantes, contudo, é de falta de amadurecimento político e fragmentação. Vieram quase “a reboque”, incitados pelos técnicos e por alguns professores. O último salto político dos estudantes foi durante o governo Bolsonaro, quando o então ministro da Educação Weintraub impulsionou um projeto que, na prática, acelerava a privatização das universidades públicas. O projeto chamava-se “Future-se”. Em resposta, ocorreu a maior greve estudantil da história dessa universidade. E, o movimento autônomo que amadurecia durante o processo, logo percebeu a necessidade de dialogar com os terceirizados. Consequentemente, descobriram o que é mexer com essas empresas privadas que prestam serviço para as universidades… Os trabalhadores, nesse período, foram proibidos de receber panfletos.

    Mas toda essa história parece, para os atuais estudantes, que aconteceu noutra vida, em outra encarnação. Mal sabem o que se passou e o Diretório Central Estudantil, o lugar par excellence de formação dos futuros gestores – que foi contra o movimento autônomo desde o início – , deturpa a história dessa greve. E os Centros Acadêmicos – outro lugar desejado pelos projetos de burocratas – não fazem questão de preservar a história de luta dos estudantes que lhes precederam. Quando uma nova gestão entra, é como se tivesse descoberto a roda e todas as respostas no Manifesto Comunista.

    Para engrossar esse caldo, há ainda a fragmentação fomentada pelos fascistas do pós-fascismo: os identitários que pintam e bordam nos centros de Humanas e de Artes. Estes já não aguardam nem o “bom tempo”, pois acreditam em outro método de transformação. Qual? A renovação das elites – e as universidades públicas brasileiras têm tido um certo êxito em concretizar esse projeto.

    https://ndmais.com.br/tempo/biblioteca-da-ufsc-alaga-e-parte-do-forro-cai-apos-chuvas-intensas-em-florianopolis/

    https://g1.globo.com/google/amp/sc/santa-catarina/noticia/2023/08/24/biblioteca-da-ufsc-tem-alagamento-por-causa-de-goteiras-e-predio-e-interditado.ghtml

    https://ndmais.com.br/infraestrutura/biblioteca-da-ufsc-e-afetada-pela-chuva-e-tem-registro-caotico-nao-deveria-estar-funcionando/

    https://www.nsctotal.com.br/noticias/estudante-da-ufsc-fica-ferida-apos-luminaria-de-sala-de-aula-despencar-absurdo-demais

    https://g1.globo.com/google/amp/sc/santa-catarina/noticia/2023/04/28/estrutura-de-metal-despenca-em-sala-de-aula-e-estudante-e-atingida-na-ufsc-lampadas-quebraram-em-mim.ghtml

    https://www.apufsc.org.br/2024/04/06/confira-o-panorama-da-greve-dos-docentes-no-pais/

  8. acho conveniente pontuar essa falta de solidariedade da catergoria docente com o restante do corpo de trabalhadores. como bem citou outro colega, nunca vi sindicato docente se mobilizar diante das violações que os terceirizados sofrem nas universidade. Aqui na universidade, nem com os estudantes a greve dos técnicos tem conseguido dialogar: os caras simplesmente fecharam uma fila do RU e deixaram os discente com fome em longas filas sob o sol. Deixar estudantes com fome!, bela estratégia de greve.

    https://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2024/04/02/restaurantes-universitarios-da-ufc-fechamento-de-ate-50-dos-acessos-provoca-filas.html

  9. Acho válida a pergunta sobre por que os professores universitários não fizeram greve sob o governo Bolsonaro. Não pretendo respondê-la, falta-me a vivência do ambiente universitário naqueles anos. Por outro lado, trago outro fator para agregar à pergunta. Para quem viu a situação de fora, os anos de Bolsonaro no governo parecem ter sido de pura e simples sobrevivência, a julgar pelos enormes contingenciamentos orçamentários com que as universidades públicas tiveram de lidar por força do discurso do Ministério da Educação de priorizar a educação básica, e da prática quase nula do MEC em implementar o que quer que fosse (sei-o por fontes internas ao MEC, que diziam, unanimemente, que nada se fazia lá dentro em termos de planejamento, políticas ou gestão além de tocar o que já existia). Com este outro fator, creio que alguém poderá responder á pergunta (válida, repito) com maior contexto.

  10. Vivenciei o contexto de uma universidade federal citada, durante o governo Bolsonaro, e o que vi foi o seguinte, professores priorizando o “Lula livre”, como tática de uma estratégia puramente parlamentarista, que apostava todas as fichas na libertação do seu herói, para que ele concorresse as eleições de 2022 e “derrotasse o fascismo nas urnas”. Toda e qualquer discussão sobre greve era recebida com um “agora não é o momento” e “isso é fazer o jogo da direita”. Foi com esse discurso que os professores receberam a greve estudantil de 2019, rechaçando e perseguindo o movimento. Essa é uma pequena amostra da extensão do prejuízo causado pelo lulo-petismo no âmbito das lutas na Educação. Tínhamos o bolsonarismo atacando institucionalmente e socialmente por um lado, e a pelegada petista (não só) tentando freiar as lutas a todo custo, por outro. Foi o que vi e vivi naqueles tempos.

  11. Mas, meus caros, a questão é muitíssimo mais geral, é universal, e os lulistas são uma mera nota de rodapé. Eu escrevo e sempre volto a escrever que o Brasil não está no Brasil, está no mundo, esforço baldado, porque os brasileiros persistem em julgar que o Brasil é estritamente brasileiro. Mas não é. Vou dar um exemplo. Em Portugal, depois do golpe militar de 25 de Abril de 1974, que derrubou o fascismo e desencadeou as condições para o processo revolucionário, o Partido Comunista considerava que se devia concentrar os esforços na defesa do novo sistema político e atacava as greves — cada dia mais frequentes — como obra dos fascistas e da PIDE, a antiga polícia política do salazarismo. Naquela época eu colaborava no jornal Combate, que logo no seu primeiro número, de 21 de Junho de 1974, publicou um cartoon que vos aconselho a ver e que poderia ser reproduzido em todo o mundo e em todas as situações similares. No Brasil também. A verdadeira questão é saber porquê.

  12. Como eu disse João, apenas relatei o que vivi, não havia a pretensão de ser uma análise geral que, concordo, é necessária e urgente.

    Abraços.

  13. Sinceramente que comentário sem sentido este, João Bernardo? Honestamente, o que tem a ver a luta do brasileiro ser restrita aqui com o a luta do mundo? As condições que são citadas afetam ao trabalhado locado na Universidade Brasileira e em contexto diferente do vivenciou há 50 anos atrás. Seria como se não tivéssemos avançado ou mesmo aprendido alguma coisa, avançado em certos discursos ou mesmo retardando em outros, enfim.

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