Por José Abrahão Castillero
Diante dos recentes acontecimentos envolvendo sérias questões sociais na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), desde a questão estudantil, suas instituições, circulação de verbas públicas, pagamento de propinas, até o atraso constante de bolsas e salários de trabalhadores terceirizados, entendo que é preciso desenvolver a situação diante de investigações de documentos e relatos de trabalhadores envolvidos nessa universidade.
Estava retornando às atividades na UERJ e me deparei com a necessidade de voltar para os esforços de acompanhar o processo cotidiano e geral dos trabalhadores terceirizados. Lembrando que havia pouco tempo que tinha feito um artigo a partir de conversas com eles diante da troca de empresas, como do setor da limpeza. Na época, os funcionários estavam apreensivos por conta de possíveis demissões que poderiam acontecer, além de possíveis problemas com pagamentos permanecerem, como os que ocorriam com a APPA, com seus atrasos no salário e nos benefícios. Como foi citado no artigo, um supervisor da empresa que prevaleceu no contrato, a Conquista, disse para um funcionário que eles não teriam direito ao adicional de insalubridade. Apesar desse temor não ter se concretizado, pois pelo menos os funcionários da área das Ciências Médicas recebem, a empresa está atrasando seus pagamentos, o que mostra que ocorre um certo clima de terror, tanto de não receber direitos como de ter pagamentos atrasados, o que está presente com o contrato atual. Tanto que o Celso, diretor da DESEG (Departamento de Serviços Gerais) e gestor contratos da UERJ com as terceirizadas, enviou um ofício para a empresa:
Encontrei esse ofício após fazer uma pesquisa sobre como estavam os contratos das empresas terceirizadas da limpeza. Encontrei o site do processo que gerou a contratação da empresa Conquista, que atua no setor, por meio de uma dispensa de licitação, alegando ser um regime de contrato emergencial por 180 dias. Assim como ocorria com a empresa APPA. Gerando uma curiosidade minha, é que apesar de algumas colocações que os funcionários terceirizados fizeram em seus relatos estarem corretas, parece que uma informação não estava sendo passada para eles, a de que a citada empresa do contrato emergencial anterior poderia renovar seu contrato, pois o modelo emergencial permanece. Com uma competição de propostas de mercado entre as duas, foi decidida uma dispensa de licitação a favor da empresa atual.
Tal situação lembrou o momento em que um funcionário da limpeza alertou que a empresa que entrava era a Verde Gestão (de Servicos e Resíduos Ltda), que é a razão social com o nome fantasia de Mais Verde, que é a mesma que a empresa Conquista. Inclusive seus CNPJs são os mesmos: 25.090.867/0001-06.
O relato do terceirizado da limpeza me lembrou o da vigilância, no artigo citado, quando ele me disse que a empresa Verde era na verdade a Conquista, que agora também atuava na segurança, e já foi a empresa Magna. O sindicato dos vigilantes já divulgou essa mudança de nomes, que não foi algo amplamente divulgada pela empresa. Essa atende pelo CNPJ próprio: 11.804.114/0001-00. Tal situação já foi apontada pelo portal transparência.
No site cruzagrafos, estabelece-se que Marcelo Nascimento Andrade é representante legal e sócio administrador dessas empresas. Dentro disso, ele estabelece contratos com a UERJ desde antes de 2016, através da razão social Verde Gestão, nas áreas da jardinagem e dos serviços de ascensoristas.
E essas mesmas empresas se envolveram no caso gerador do impeachment do ex-Governador Wilson Witzel, a partir da delação do servidor e ex-secretário da Saúde Edmar Santos. Essa revelou os contatos ocultos do empresário Edson da Silva Torres com as empresas Verde e Magna, hoje reveladas como parte de uma só. E elas participaram do pagamento de propinas a servidores da UERJ, para receber verbas públicas primeiro. O empresário tem ligações com empresas de energia elétrica, através de empresas de consultoria internacional. Acumula mais de R$ 6 milhões de dívidas previdenciárias.
De acordo com isso, ou além disso, a empresa Conquista controla os setores da limpeza e vigilância dentro da UERJ. O que deixa a situação um pouco surpreendente é que a gestão da UERJ insistiu no caráter emergencial para contratação sem licitação para a limpeza, de uma empresa que já teve problemas judiciais, por conta de pagamento de propinas. E isso depois de junho de 2022, quando houve uma disputa e inviabilização de outra empresa, a Lapa, por não conseguir apresentar documentos que comprovassem quitação de dívidas previdenciárias. E perto dessa época, a empresa Verde Gestão (Conquista) teria ficado em 4º lugar na licitação cancelada, que deu retorno para a APPA como gestora do serviço. Nessa situação, a APPA também retornou para um regime de contratação emergencial por 180 dias, com dispensa de licitação. E nesse mesmo contrato ela obteve uma atualização de despesas de mais de R$ 7 milhões, autorizados pela DAF (Departamento de Administração Financeira).
Diante do fim do contrato emergencial da empresa APPA, a prefeitura dos Campi e a administração alegaram essa mesma urgência, para fazer uma dispensa de licitação para a empresa Verde Gestão, atual Conquista. Alegaram que na proposta da concorrente, a empresa APPA, faltavam atualizações na planilha de preços, dando vitória para a atual, com o contrato de valor de mais de R$ 9 milhões. O que me deixa novamente curioso é a quantidade de mais de 2 aniversários que a UERJ opera sob contrato emergencial no serviço de limpeza e ainda prossegue nessa inércia. Falando finalmente sobre a situação dos trabalhadores: o ofício enviado por Celso, diretor da DESEG, advertindo sobre o atraso de pagamentos pela empresa Conquista, deixa de citar um fato importante. A última convenção coletiva de trabalho, estabelecida com o SIEMACO (Sindicato dos Empregados de Empresas de Asseio e Conservação do Município do Rio de Janeiro-RJ), diz que a cada dia útil de atraso no pagamento de salário ele será pago com acréscimo de 2% de multa.
Indo para a realidade de como as coisas são, voltemos para um relato de outro funcionário da limpeza:
“Tu tem falado com pessoal de outros setores? Tá tendo atraso de pagamento em outras empresas, né? Tem gente lá da [campus] Lapa, do desenho industrial, que tá sem receber o vale. Nesse ano, eles, a Conquista, começou atrasando o vale alimentação. Logo no começo do contrato. O Celso não falou nada. Aí falaram pra gente que a gente, se quisesse sair da empresa recebendo a indenização, seguro-desemprego e tal, era só depois de 2 meses. Mas aí eu não quis sair, pensando que eles iam pagar na hora. Aí os caras só diziam que quem quisesse ir embora, só pegando a carteira (de trabalho) com a Conquista. Deram 3 meses pra quem quisesse ir embora. Mas disseram, os supervisores disseram pra gente que a gente não tinha mais como ir, só se fosse sem receber o seguro-desemprego e tal. Ou se a Conquista demitisse a gente. Que merda, né? Aí, parece que depois de uma manifestação que os estudantes fizeram apoiando a gente, caiu o pagamento. Tava atrasado há uns 5 dias. Caiu 67 reais e depois 147. Dessa vez, foi o cúmulo mesmo. Quê que eu vou fazer com 67 reais? Parece que tava pra cair dia 19 de março. Depois caiu mais 157. Aí juntou, deu 227. Que é o valor do nosso ticket mesmo. Quando a gente voltou, a gente ficou de plantão, trabalhando mais tempo, pra não precisar vir outro dia. É foda, a APPA atrasava também, mas vale alimentação não. Os chefes da Conquista não falam nada. A gente tá trabalhando sem uniforme, não fornecem nada. No dia do treinamento, eles vieram botando maior terror, dizendo que a gente tem que ter EPI (equipamento de proteção individual), que a gente não terá nem insalubridade talvez, que não pode dar mole.”
Quando fui falar com os estudantes que puxaram a manifestação a favor dos terceirizados da limpeza, contra o atraso no pagamento do salário e do vale alimentação, disseram que ela não aconteceu de verdade. O que aconteceu é que eles foram para o Bandejão, chamaram para duas manifestações que iriam ocorrer mais tarde, mas ao chegarem para o ato pelos terceirizados não havia ninguém. Portanto, se o pagamento caiu foi por conta do hábito dos gestores, que é pagar atrasado aos trabalhadores.
Vigilantes
Algo importante e vital deste mesmo dia em que estava conversando com os trabalhadores da limpeza foi quando estava descendo a rampa a caminho dos elevadores do campus Maracanã. Um grupo de vigilantes me chamou de longe, gritaram alto para mim, sem saber meu nome. Eu fiquei um pouco assustado, pois em momentos de conflito envolvendo o movimento estudantil isso pode significar encrencas. Mas era com quem eu tinha conversado antes para escrever meu último artigo. Quando me aproximei, eles vinham me falando uma série de problemas.
“É tu que faz denúncia da situação da gente que trabalha aqui na UERJ, não é? Olha, preciso te falar, nesses meses aí, a gente tá recebendo pagamento atrasado já faz uns 6 meses. E agora tão atrasando o pagamento do vale alimentação também. A gente fica de vigia, cara, todo dia, o dia todo. Tomando conta de problemas que aparecem por aí. Acham que é atribuição nossa socorrer pessoas, mas não é não. A gente não tem formação pra isso. Outro dia, uma colega da limpeza daqui teve um infarto, não tinha ninguém pra socorrer ela. Eu peguei ela no colo e coloquei no uber, porque a ambulância não vinha. Ainda tomei esporro, por não ser essa a minha atribuição e deixei o posto por uns minutos pra isso. E ainda tamo recebendo pagamento atrasado, sem saber como vai ser pra pagar as contas, pra cuidar da família. Daqui a pouco a gente não vai tá mais vigiando gente que vem aqui pra tentar se matar. É o segurança que vai tá se jogando daqui de cima do prédio.”
Ouvindo eles, precisei perguntar:
“Pô, mas desse jeito então é momento pra vocês pensarem em paralisar, né? Igual fizeram lá em Cabo Frio. Os caras paralisaram e conseguiram pagamento, né? Eu posso fazer a denúncia, mas o que funciona de verdade é quando vocês param o trabalho.”
Um deles me responde:
“Vamo parar sim irmão, provavelmente é o que vai acontecer. Mas esse povo daqui tem muito medo, ninguém quer parar. O que dá pra fazer é denunciar sobre essas coisas que tão acontecendo com a gente. Até vi um dia um cartaz aí, pedindo pra xisnovar as coisas aqui do trabalho. Botaram um QR Code, pra encaminhar as coisas, como enviar denúncia e tudo”.
Na minha baixa sagacidade para entender algumas “linguagens das ruas”, tratei o termo “xisnovar”, vindo de “X9”, que é a pessoa que entrega informações de outra para autoridades, como algo ruim e próprio de “traidor”. No caso, “traidor da classe trabalhadora”, alguém que entrega o colega de trabalho que reclama e quer se mobilizar para os patrões, levando à demissão ou advertência dessa pessoa. Nisso, perguntei preocupado:
“Xisnovar quem? A empresa tá colando cartaz pedindo pra vocês xisnovarem colegas que reclamam do trabalho?”
Deixando minha pessoa mais aliviada, ele responde:
“Xisnovar a empresa, pô. Tão pedindo pra gente denunciar pro site lá as merdas que a empresa faz com a gente no trabalho.”
Nisso, lembrei que eu havia colado cartazes com seus relatos e pedindo que fizessem novas denúncias. Disse que era de minha autoria. O vigilante disse que imaginava que era meu. Quando eu perguntei porque ele não disse para os colegas que era meu, a resposta me deixou particularmente emocionado: “Não explano minhas fontes”.
Interessante foi quando eu expliquei que o link da página estava para a antiga página do coletivo “Invisíveis”. Disse que eu colei somente para receber denúncias, mas que ele tinha acabado. Nisso, um deles me disse que achava que ele nunca tinha parado de existir, pois sempre me via ali conversando com terceirizados e fazendo publicações sobre problemas de trabalho. Aí ele sabia que eu sempre estava ali e que quando precisasse fazer denúncia era só falar comigo. Nessa época, o coletivo ainda não havia retornado as atividades, que ocorreu pouco tempo depois desse encontro. Mas já há outra página no Instragram, com relatos e publicações de paralisações de terceirizados da UFRJ, que ocorreram contra o atraso de pagamentos.
Conversávamos sobre como eles acham importante fazer denúncia de relato de trabalho quando chegou a faxineira que havia sofrido infarto. Eles fizeram questão que eu divulgasse outro caso. Era de que essa e outras faxineiras estavam sofrendo uma espécie de assédio moral por um vigilante, que estava agindo com excesso de tutela sobre seu trabalho, como se fosse seu patrão. Faz ameaças de entregar elas para o chefe da empresa, “Conquista”, de pedir sua demissão, caso encontrasse alguma sujeira ou qualquer coisa fora do lugar naquele andar. Era uma ação de vigilância sobre trabalho de outros trabalhadores que fazem parte de outra categoria, como um abuso de autoridade, que não cabe naquele lugar. Simplesmente para perseguir e tutelar aquelas funcionárias de forma excessiva. Nisso, eu perguntei se ele tinha essa atitude por receber algum dinheiro informal da empresa Conquista. Um deles respondeu:
“Os caras quando fazem isso, não é por dinheiro não. Eles querem é mostrar serviço pra empresa, pra ver se crescem lá dentro, pra ver se viram chefes.”
Tal postura, deles relatarem contra o abuso que um colega deles faz contra uma funcionária da limpeza, foi uma novidade e a confirmação de um boato que já ouvia por anos. Sempre ouvia entre funcionários da limpeza, que alguns vigilantes assumiam um papel abusivo com eles, de vigilância sobre seu trabalho. Agora eles me relatarem isso poderia ser uma amostra de solidariedade com trabalhadores de outra categoria e de ação não corporativista, agindo contra os abusos cometidos por um colega de trabalho de sua própria categoria, principalmente levando em consideração que eles foram alguns dos primeiros a me dizerem que a empresa deles, a Magna, é agora a mesma que atua na limpeza, a Conquista. E essas já foram envolvidas com graves problemas de corrupção, como já foi citado no começo deste artigo. Isso já provoca um medo nos trabalhadores, dada a incerteza diante de possíveis ilegalidades.
Depois dessa conversa, passando ali outro dia, um deles me chama e me mostra umas fotos e um áudio de WhatsApp, contando que um vigilante da Magna (Conquista) se irritou por estar com atraso no pagamento. Ele simplesmente foi cobrar a empresa na sede sobre os atrasos. Na falta de respostas, ele pegou aquele peso que fica na rua e jogou no carro da empresa. A vigilante fala no áudio que a qualquer momento pode ser um deles. Eu questionei o vigilante: em vez desse cara se arriscar e destruir a sua própria vida, é um momento em que ele podia agir para mobilizar seus colegas para uma paralisação. O vigilante me disse que isso é somente com o sindicato organizando. Mas é preciso organizar as pessoas primeiro, e acha que elas não iriam aderir.
Questão estudantil e a corrupção na UERJ
Falar da corrupção de empresas terceirizadas e em como isso envolve gestores da UERJ, é relembrar que isso recai gravemente sobre os setores mais fragilizados da universidade: os trabalhadores terceirizados. É importante perceber semelhanças e correspondências com estudantes, desde o sentido em que suas bolsas, auxílios e políticas de permanência são vistos como gastos discricionários (não obrigatórios pela administração pública). Sem políticas duradouras de permanência estudantil, o ex-Reitor Ricardo Lodi realizou um esquema de absorver gastos do governo estadual, através da criação de projetos e pagamentos a funcionários fantasmas. De acordo com uma importante investigação do UOL, houve uma quintuplicação dessas verbas.
Já foi citado que nessa leva, como parte dos projetos, o DCE estava na lista beneficiados, que estavam como suspeitos, com nomes de seus membros recebendo 5 mil reais por mês. Isso ficou bastante grotesco quando os estudantes que recebiam auxílio alimentação e permanência, passaram a sofrer com atrasos em seus recebimentos. E os membros da entidade agiam discursando para neutralizar ou impedir protestos cobrando os auxílios. Tal situação provocou a ocupação da sede da entidade no ano passado, porém os ocupantes foram expulsos nessas últimas semanas. Marcando uma manifestação contra as agressões sofridas.
É importante notar que a última reitoria pode ter agido comprando setores de entidades estudantis e sindicais, depois de fazer uma série de acordos partidários que garantiram uma partilha empresarial e de gestores públicos na UERJ. Mesmo que as investigações tenham sido por sindicâncias internas e que não ouviram os funcionários fantasmas como testemunhas, é preciso notar esse processo da universidade como uma forma de não somente satisfazer interesses econômicos, mas também de controlar socialmente suas bases.
Ora, ao invés de construir uma habitação estudantil, que não existe na UERJ, e a expansão de restaurantes universitários, a isolada distribuição de auxílios e renda possui uma função de favorecer a especulação na cidade, desde imóveis até a venda de alimentos. Os estudantes que escolhem ter acesso ao auxílio alimentação, são proibidos de comer no Bandejão por 2 ou 3 reais. Enquanto isso, houve a promessa não cumprida do auxílio habitação. Isso deixa uma massa de estudantes dependentes de decisões momentâneas de gestores, além de manter o suposto inquestionável controle do Bandejão por uma empresa terceirizada (“PRIME”), com uma gestão autoritária de trabalho e precarização de direitos trabalhistas.
No final, os objetivos dos gestores parecem ter sido conquistados. Com o DCE sendo provavelmente pago para defender uma política, que provoca uma tensão que impede que estudantes se unifiquem como classe trabalhadora, percebendo a semelhança de seus problemas com os problemas dos terceirizados, e isola os estudantes em seus nichos sociais, de modo que eles não conseguem sair de pautas que promovam sua dependência. Construir uma luta autônoma passa necessariamente pela solidariedade de classe. A ausência dessa última promove o isolamento e enfraquecimento das lutas.
Terceirizados do restaurante universitário
Como rotina, fui jantar no bandejão Bruno Alves, batizado com esse nome em homenagem a um companheiro falecido em 2017. Durante a ocupação pelo retorno do restaurante universitário, voltando para casa, caiu nos trilhos do trem depois de pular as escadas e escapar da “roleta” para economizar no dinheiro da passagem. Essa situação pode nos lembrar do que significa um modelo excludente e privatista orientando uma universidade pública. Além disso tudo, depois de uma luta pelo retorno de uma política de permanência estudantil, a gestão do bandejão pela terceirizada Prime traz reflexos sociais desastrosos aos trabalhadores desse setor.
Ao conversar com um dos funcionários do bandejão, ele me disse que está recebendo os pagamentos em dia, que a Prime geralmente não atrasa. Mas ele me disse que estão tendo problemas com a chefia.
“Num dia de manhã, quase ninguém veio trabalhar, faltou muita gente. Aí falta as meninas do preparo, as copeiras, aí lá fora afeta na realização. Aí eles erram nas coisas. Não só por falta de funcionário, mas por calcularem errado. Fica faltando coisas pra quem vem comer. Não tá tudo maravilhoso não, apesar da fiscalização, é a parte da empresa com os contratados que tá tendo problema. Não é da UERJ com a empresa. A gerente antiga gerenciava muito mal, não ligava pra nada, deixava acontecer, não orientava a gente direito. Fingia que nem via. Não tomava providência pra reunir, de dizer que falta isso, isso e aquilo. É muito incompetente, não cumpria com o serviço e a gente fica perdido. Tava com poucos funcionários, muita gente faltando e deixava acontecer. A gerente já saiu, foi mandada embora, mas ela deixava isso tudo acontecer, ela não ajudava no serviço. E a gente faz um serviço delicado, precisa de cuidado, de gente ali trabalhando. A gente faz comida e serve pros estudantes e servidores. É muita responsabilidade. Agora, a coisa piorou quando a gente recebeu um desaforo desse aqui, vindo da nutricionista.”
Ele me mostra no celular a conversa de WhatsApp do grupo deles, a resposta da nutricionista da empresa Prime sobre eles poderem jantar no restaurante universitário:
“Pessoal, tem muita gente nova aqui e vou da um recado que os novos ainda não sabem e os antigos estão se fazendo de desentendidos.
NÃO É OBRIGAÇÃO DA EMPRESA FORNECER JANTAR.
Vocês tem direito a ALMOÇO.
Se tiver algum funcionário na rampa se servindo antes do término do jantar sem autorização do Chef de Cozinha da Noite, do Erick ou minha será ADVERTIDO.
Todos aqui sabem muito bem, que tem que perguntar. Quando está mais calmo, não temos problema em liberar antes.
Mas, estão confundindo as coisas e tão achando que isso é uma obrigação e não é.
Quer jantar arroz, feijão, salada beleza. Mas, se quiser proteína TEM QUE PEDIR AUTORIZAÇÃO”
Interessante que quando ele falava que a gerente antiga era pior que a atual, não organizava o trabalho direito, permitia acontecerem muitas faltas e não fiscalizava, parecia que preferia um controle autoritário do trabalho. Mas ele deixou claro que o problema é que ao tolerar faltas de alguns funcionários, outros ficavam sobrecarregados e o trabalho ficava mais difícil. E pior, a nutricionista escreveu uma mensagem ameaçado os funcionários que quiserem jantar. Ou seja, o funcionário pode parecer preferir uma gestão que controle melhor seu trabalho, mas porque ele quer ter alguma margem de participação nesse processo. Uma gestão permissiva, criou situações horríveis para o trabalhador, que entende melhor que um chefe sobre a responsabilidade de produzir refeições em cozinhas industriais. Não é uma manifestação por gestão coletiva ou controle operário, mas é interessante perceber que o que conta é a maior capacidade de participação no processo de trabalho, para ter garantias de direitos. É contra um monopólio de conhecimento e controle, que é exercido por um chefe que, sendo complacente com problemas, só leva a sobrecarga e desgaste de trabalhadores. Esse é um exemplo de relato atento e descritivo sobre seu trabalho e como se sente, normalmente fornecido por trabalhadores dali. Algo assim já trouxe casos de extrema sensibilidade, sobre casos de colegas mortos pela COVID-19 durante a pandemia.
Sobre a empresa poder não garantir a janta aos funcionários, é preciso lembrar que terceirizados não podem comer no Bandejão, segundo regulamento da UERJ. Por outro lado, é importante lembrar que é normal trabalhadores normalmente fazerem refeições em um estabelecimento que produz o mesmo para seus clientes. Então, pelo que dizem os funcionários, eles nunca deixaram de jantar ali. Porém, uma empresa terceirizada lucra pelo custo de seu serviço subtraído pelo custo de produção, que normalmente é pelo salário dos trabalhadores. Portanto, amedrontar trabalhadores com mensagens dizendo que empresa não possui obrigação de fornecer janta, pode ser uma forma de normalizar o momento de negar esse direito, quando ele chegar. Portanto, reduzir custos e garantir seus lucros.
Ascensoristas
Finalizando a situação, uma ascensorista me procura e diz que eu devia conversar com os funcionários da limpeza, pois eles estão com o pagamento atrasado. Eu digo que estava sabendo sim, mas queria saber deles: os ascensoristas. Ela diz que sim, que faz alguns meses que os salários são pagos com atraso. Nesse mesmo momento, estava atrasado e ela diz que os funcionários estavam um pouco conformados com os atrasos.
Os ascensoristas da UERJ são funcionários da empresa CNS, que ficou no lugar da Verde Gestão, que é a atual Conquista, que gerencia os serviços de limpeza e segurança. Alguns dias depois dessa conversa, o pagamento deles ocorreu. Numa conversa depois com eles, disseram que estão irritados com a empresa, por não conseguirem se cadastrar no banco digital Mentorebank, onde os dados sobre o vale alimentação são colocados pela empresa.
Algo muito importante sobre os ascensoristas é que quem frequenta o campus Maracanã esbarra constantemente neles. É quase impossível não ter um momento com eles em que algum comentário seja feito, com grande probabilidade de ser sobre trabalho. Nisso, eu fiz uma pergunta que nunca tinha feito: se eles possuem plano de saúde. Descobri que nem eles, nem funcionários do Bandejão tem. Somente os da limpeza, por um acordo do SIEMACO, seu sindicato, recebem. Os vigilantes possuem caso sejam filiados ao seu sindicato, SINDIVIG. Alguns me relataram não ter, por escolher não pagar contribuição sindical, que é 90 reais por mês.
Conclusões?
É importante perceber como a narração cotidiana do processo de trabalho dos trabalhadores terceirizados pode apontar para conflitos que possam levar a uma mobilização na universidade contra suas mazelas sociais. Mas enquanto setores que passam por conflitos que reduzem em seus nichos sociais, como o caso estudantil, outros processos de trabalhadores podem não apontar para lutas, mas trazem perspectivas importantes de questionamento e indignação diante de sua situação de vida. Novamente, com o risco de ser repetitivo, a análise da UERJ passa pelo entendimento da solidariedade como aliança de cada processo autônomo de seus trabalhadores. Sem isso, é difícil que as lutas consigam avançar.
26 de Abril de 2024
muito boa essa matéria
Sou aluno e , ainda agora em dezembro de 2024, estou reunindo informações sobre esses escandalos da gestão passada, mas que ainda reverberam nos dias atuais