Por Dois Camaradas

1 – Um mês depois…

Retomamos o registro pouco mais de um mês depois do período em que o trecho acima foi encerrado. Desde então aconteceu um novo processo de luta na cidade que em nossa avaliação fecha o ciclo iniciado exatamente há um ano atrás.

Há alguns meses a empresa iniciou uma série de reuniões regionais com os trabalhadores que participaram daquela reunião nacional no final do ano passado. A intenção supostamente era seguir o processo de escuta das demandas dos trabalhadores para alinhar melhorias. Nessa cidade a reunião está marcada para o mês de maio. Antes disso um dos linha de frente mais atuantes e que tem a linha mais radical entre os membros da Equipe tem sua conta bloqueada. Depois de várias tentativas de desbloqueio via reuniões com a intermediária da empresa responsável pela cidade, fica evidente que se trata de perseguição política e que a conta não seria desbloqueada. A intermediária enrola bastante e por fim diz que o bloqueio é resultado de uma fraude financeira.

Essa manobra enfurece o coletivo, que vai assumindo a análise feita anteriormente pelos militantes de que o suposto espaço de diálogo criado pela empresa através da reunião nacional e dos contatos pessoais com lideranças eram canais de desmobilização da luta. Nesse contexto chegam notícias de outras cidades em que outros linha de frente e vários trabalhadores mais ou menos ativos estão sendo também bloqueados.

Começa-se a articular uma mobilização nacional expondo a farsa da iniciativa de diálogo da empresa e a ausência de resultados do que tinha sido acordado (os bloqueios indevidos eram o primeiro ponto do compromisso). Se articulam principalmente os contatos de cidades fora do eixo central do país que se aproximaram no último período de lutas quando a empresa começou a expandir o esquema de terceirizadas nas cidades.

Mas dessa vez o ataque da empresa não afeta o conjunto da categoria, mas alguns trabalhadores politicamente ativos e uma porção sobrante que de costume a empresa bloqueia de tempos em tempos para equalizar seu esquema. Na articulação nacional algumas cidades logo percebem a dificuldade de mobilização devido a esse contexto e poucas insistem.

Nesta cidade, na semana da mobilização acontece uma reunião de planejamento bastante esvaziada. É evidente que a ação sairá um fiasco. O linha de frente que foi naquela primeira reunião da empresa, e que agora assume cada vez mais o papel de chefe na Equipe, preocupado em demonstrar à empresa sua capacidade de mobilização se articula com um empresário/político local que tem contato com um grupo com trabalho social na periferia da cidade e negocia a participação desse grupo para inflar a manifestação e garante apoio financeiro para bancar um almoço para atrair mais trabalhadores.

O resultado é um ato performático, porém esvaziado, de exibição pela cidade com a condução dessa figura no carro de som. A paralisação da circulação programada não acontece. O mesmo chefe conduz a sequencia do dia de modo a desmobilizar essa possibilidade focando na performance e transformando a ação em confraternização e espaço de construção eleitoral para o político. Já no final da ação uma outra equipe da cidade se retira da concentração e trava o local combinado anteriormente, cumprindo sozinho o objetivo inicial do dia.

Uma repercussão vinculando a ação a uma manifestação lulista e denunciando o vínculo do movimento a politiqueiros (na verdade o candidato que estava apoiando a manifestação era bolsonarista) vem logo no dia seguinte, gerando desconforto no coletivo e provocando um debate duro sobre os métodos válidos e os objetivos do grupo. Se durante o último ano vimos a Equipe se consolidar como grupo de luta, nessa última fase temos visto o pragmatismo se consolidar como linha política do grupo. Se antes esse elemento aparecia como uma tendência no refluxo, agora ela aparece como a posição assumida formalmente pelo coletivo. Devido ao cansaço com um método que supostamente não traz resultados efetivos e rápidos, seria necessário buscar barganhas no Estado e com sujeitos capazes de intervir em favor da categoria, sejam eles quem for. Será essa tendência definitiva?

2 – Sobre a nossa atuação enquanto militantes

Nossa intervenção militante no grupo parece ter chegado a um limite, ao menos por enquanto. Nos últimos embates intervimos tensionando a confiança que a maioria do grupo depositava na empresa e nos oportunistas que tem se aproximado do movimento e defendemos uma linha de ação que garanta a independência e fuja às performances midiáticas bancando o enfrentamento através de métodos que garantem algum poder aos trabalhadores – a interrupção do trabalho e a sabotagem à imagem da empresa. Tem ficado evidente nosso isolamento nessa posição junto com um único linha de frente decidido contra os rumos que as coisas tem tomado.

Se antes avaliávamos que a Equipe não tinha intenção em frear os processos de luta, nesse último episódio foi demonstrado o contrário. Não só a luta quase não aconteceu (exceto pela ação isolada de uma equipe local) como o balanço de nossa movimentação foi abafado pelo chefe com recursos de autoridade para isolar a posição crítica. Esse chefe se tornou um obstáculo, mas que talvez não seria de tão difícil superação se não refletisse o horizonte do vale tudo compartilhado e assumido mais decididamente agora pela maioria do grupo.

Para refletir sobre os limites desse processo que envolvem elementos da nossa atuação militante, elementos externos e da dinâmica do grupo que contribuíram para que não fosse possível consolidar um polo combativo na categoria, levantamos algumas hipóteses:

– Como elementos externos à categoria, principalmente em momentos de divergência não temos legitimidade em nossa intervenção. Se nos momentos de convergência somos considerados membros da Equipe tal como qualquer outro, quando assumimos uma posição que tensiona o pragmatismo, o grupo encara nossa fala como a de quem não entende a demanda real do trabalhador por não viver essa condição. Só temos “lugar de fala” se é pra concordar e operar. Faria diferença se tivéssemos a mesma posição mas fizéssemos parte da categoria?

– O grupo não conseguiu criar uma dinâmica de organização que incluísse pontos básicos como reuniões de planejamento para as ações em que pudéssemos discutir melhor nossas estratégias, pensar outras possibilidades além do que está consolidado no script dessa categoria e distribuir as tarefas para com isso engajar mais membros tornando-os mais ativos. Isso contribuiu muito pra que as demandas se centralizassem nos militantes, que ficaram numa posição de assessoria e em dois dos linhas de frente, entre eles o chefe, que ficou nessa posição ambígua de quem se dedica muito e faz as coisas como quer, alheio ao coletivo.

– Essa posição de assessoria faz com que a dinâmica do trabalho se recoloque internamente no coletivo. Ao ficarmos nessa posição operacional nos tornamos tarefeiros da equipe, com responsabilidade de produção de mídia, faixas, escritas, envio de e-mails, enfim, tudo que acabava sendo solicitado no calor do momento, surgido sempre com muita urgência, com pouca ou nenhuma articulação, e com cada vez menos discussão prévia. E é nessa articulação de “urgências” que o agora chefe da equipe também vai colocando seus interesses e tratorando os acordos coletivos. Por outro lado, um certo basismo dos militantes muitas vezes os levou a simplesmente serem eficientes e não tentarem alterar as dinâmicas de produção que se estabelecia internamente. Houve casos, no entanto, que as contradições dessa relação se mostraram mais claramente, com os militantes simplesmente se negando a realizar atividades que simplesmente surgiam da cabeça do chefe. Estaríamos diante de um caso curioso de greve de militantes?

– Não conseguimos travar debates mais amplos que pudessem contribuir na formação da posição do grupo. Alguns passos foram dados como em uma atividade que discutiu a experiência de um grupo de trabalhadores da mesma categoria em outro país, e ideias surgiram como a de montar um material que discutisse formas de organização como o federalismo e uma conversa sobre métodos históricos de cooptação com alguns convidados. Não conseguimos operacionalizar isso e pensamos que iniciativas nesse sentido talvez sejam essenciais para trazer elementos que permitam ao conjunto do grupo refletir com elementos que estão além do contexto imediato e particular. Quais foram, historicamente, as armadilhas da negociação?

– Não conseguimos conceber estratégias que aumentem o poder de antagonismo dessa categoria. Pela própria dinâmica do trabalho as condições para impor seus interesses é muito frágil, posto que é praticamente impossível uma interrupção total do trabalho que deixe a empresa nas mãos dos trabalhadores. Ações focadas em estabelecimentos importantes e que tem contato direto com a empresa tem se demonstrado efetivas, são um caminho a se investir. Mas ainda é insuficiente para por em cheque a capacidade da empresa em controlar a situação.

– Se a Comissão, no primeiro momento, foi formada a partir de uma estrutura “federalista”, uma “união de equipes” (ou uma “Equipe de equipes”), o seu recuo trouxe uma outra forma organizativa na tentativa de se aproveitar o que restou da sua estrutura. A forma da “equipe de luta” então surge pra ocupar esse espaço. Passamos a investir muito nessa forma, nos reduzindo ao universo desta equipe. Se, por um lado é verdade que a “Equipe de luta” tem vários membros de outras equipes, também é verdade que aquela estrutura federalista não está mais presente. Nesse sentido, ao fortalecermos uma equipe em especial, deixamos de incentivar a generalização da forma, que pode ter um papel mais interessante a longo prazo (como já demonstrado através da formação da Comissão para o ato). No entanto, nos apegamos ao que se apresentava materialmente no momento, e a Comissão era uma forma que estava se esgotando. Será que ainda há espaço para aposta na forma daquela “Comissão de equipes”? Será que, ao contrário de uma estrutura sólida, a qualidade de uma “Comissão de equipes” não é justamente sua capacidade de existir e deixar de existir, a depender dos momentos que se apresentam? Há alguma forma de intervenção nessa direção?

A publicação deste artigo foi dividida em 3 partes, com publicação semanal:
Parte 1
Parte 2
Parte 3

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