Por Um professor universitário
Na instituição de ensino onde leciono foi aprovada a adesão à greve do ensino superior. Foi uma assembleia cheia e, por quase 60% de votos, os/as docentes presentes aprovaram a entrada da categoria na greve. Naturalmente, muitos colegas votaram contra a greve. Os argumentos, em geral, baseiam-se no já exposto e comentado anteriormente [ver aqui]. Alguns que votaram contra a greve aderiram ao movimento — reconhecendo a legitimidade da assembleia e da decisão coletiva. Outro grupo, no entanto, se mobilizou na constituição de um comando local fura-greve. Com postagens nas redes sociais, dão a entender que furar-greve é ato de resistência. Afinal, protegem o governo contra seus pares.
A mobilização do grupo envolve uma pirueta retórica: “as coisas estão começando a melhorar agora. vocês que querem a greve nos jogarão novamente para um novo governo ao estilo Bolsonaro! Por que não houve greve nos últimos seis anos?” “Por que há greve se existe mesa de negociação? “Greve é o último dos instrumentos”.
Há, no discurso, uma mistura: de um lado, um radicalismo retrospectivo e ilusório. De outro, um recuo drástico. A retórica melindrosa, no entanto, não esconde seu objetivo: a preocupação hoje, para esse grupo de professores, está em manter o tímido equilíbrio do governo Lula 03. “E quando Bolsonaro vier a público para falar que as universidades não entraram em greve durante seu governo?”. Essa pergunta serve para pacificar conflitos e impossibilitar reivindicações coletivas.
Fato é: muitos professores estão dispostos a furar greve e pacificar esse conflito. Professores universitários muito dificilmente se reconhecem como classe trabalhadora. Sentados no topo da pirâmide de poder universitária, é fácil compreender o reacionarismo que circula: não há um pingo de solidariedade entre professores, técnicos administrativos do ensino e alunos.
A existência de tantos fura-greves não diz de um ato de resistência, em defesa da democracia, mas revela apenas a disposição de muitos professores em permanecer como um condomínio, isolados. Dessa maneira, podem seguir reproduzindo o seu ethos e seu status e protegendo o poder — pois, quiçá, com alguma esperança, pode sobrar alguma coisa para eles.
As ilustrações reproduzem esculturas de George Segal (1924-2000).
Essa falta de solidariedade não se dá apenas nesse momento de greve. No cotidiano de trabalho é isso: docentes elitistas que abusam de servidores TAE, docentes em cargos de gestão que praticam assédio moral contra TAE, que abusam de terceirizados, que ferram com a vida de estudantes. São esses docentes individualistas, abusadores, verdadeiros delinquentes acadêmicos que fizeram o inferno na minha vida ao ponto de eu planejar um suicídio dentro da instituição de ensino porque tanto docentes quanto os TAE puxa-saco não têm o mínimo de solidariedade. Solidariedade apenas com os chefinhos, compromisso apenas com CD e FG. Fora da greve, nos momentos de normalidade, o assédio moral, perseguições, cortes de ponto e detonação de reputações contra servidores que ousam expor os problemas da instituição e os abusos de gestão acontecem cotidianamente sem sensibilizar grande parte do corpo de funcionários (os puxa-saco sádicos). O ambiente acadêmico com seu doutorismo é um nojo, com certeza o pior lugar em que trabalhei na minha vida. Lá, onde se diz que o pensamento crítico e o debate são livres, na verdade reina o peleguismo e o reacionarismo. Não dá pra se ter qualquer avanço sem questionar as relações sociais de trabalho dentro das instituições acadêmicas.
Caro André,
Assino embaixo e me solidarizo contigo. Passei pela mesma situação por anos, mesmo sendo professor. Registrei aqui algumas reflexões sobre esse problema, caso te interesse. Força e conte com este canal para trazer estas e outras questões.
Saudações,
https://passapalavra.info/2023/11/150801/