Por Arthur Moura

As duas primeiras décadas dos anos 2000 foram especialmente conflituosas e com conflitos cada vez mais ameaçadores e complexos, com guerras intermitentes e golpes de Estado em boa parte dos países da América Latina o que é nada mais que a expressão material e histórica das lutas de classes. Temos na cultura e na arte, formas de pensar alternativas de superar contradições históricas que ameaçam os seres humanos de uma forma geral. O cinema reflete muito desse contexto social e nos ajuda a pensar a complexa relação da arte com o contexto geral do capitalismo. Sendo assim, buscarei elucidar as questões de forma a relacionar o cinema com o contexto social da cidade do Rio do Janeiro (e o contexto geral das principais potências capitalistas), que econômica e culturalmente falando tem relevância em nosso país.

Compreender e elaborar uma História do cinema político do Rio de Janeiro é possível se nos debruçamos sobre os produtores que, em meio aos múltiplos desafios colocados socialmente, produzem obras cinematográficas a respeito de questões sociais de suma importância. Em outros termos, a necessidade de se pensar e conhecer o cinema político independente está relacionado diretamente com qual leitura podemos construir sobre as contradições do campo social, apontando para uma prática social transformadora e emancipatória, ou seja, que pense a superação do capitalismo.

Desde a prática da produção, organização dessas produções onde estão colocadas as relações de trabalho, a distribuição, o acesso aos meios materiais, etc., tudo de alguma forma está dialogando com problemas gerais da contraditória sociedade moderna. Nesse sentido, o cinema nunca deixa de ser moderno. Ele está em contradição com o campo social; com o capitalismo mais propriamente falando, ao passo que também busca alternativas possíveis, havendo também reproduções inequívocas de valores conservadores. Dentro desse escopo, o que busquei fazer foi em primeiro lugar realizar esse levantamento, que é bastante elucidativo sobre questões que desenvolverei ao longo deste trabalho.

Considero as entrevistas dessa pesquisa uma importante base, sem a qual seria impossível chegarmos aos resultados aqui impressos. O empenho para se registrar 50 entrevistas é compensado pelo largo levantamento de questões colocadas, orientações políticas diversas, dados importantes, leituras de processos marcantes da cena independente, entre outros. Mas, para além de tudo isso, temos a oportunidade de ouvir a história do cinema independente do Rio de Janeiro dessas duas últimas décadas do século XXI a partir dos relatos dos cineastas, produtores e trabalhadores em geral.

O conjunto desse material abre um leque amplo de leituras e possibilidades, caminhos e descaminhos desse cinema que aqui categorizamos como independente. Esse levantamento inicial, ainda que incipiente, é importante para que as próximas pesquisas sobre o tema não partam do zero, tanto no que diz respeito às reflexões como do mapeamento desse cinema. Dado que o debate é público e, consequentemente, coletivo, é mister que mais vozes sejam ouvidas e registradas como forma de apresentar um panorama mais condizente com a realidade. As entrevistas estão organizadas como anexo. São três volumes com 16 entrevistas para que leitores e pesquisadores possam ter acesso ao material na íntegra.

Desde que comecei a trabalhar com documentários, os relatos, depoimentos ou entrevistas me pareceu algo fundamental para que assim houvesse alguma possibilidade de compreender razoavelmente aquela cena documentada. No meu caso pessoal essa cena foi a musical. Fiz pouquíssimos registros da cena do rock, que foi onde comecei, mas o contato com o Hip Hop me gerou a necessidade de registrar os depoimentos dos MC´s, grupos de rap, grafiteiros, improvisadores em geral, pesquisadores, produtores e beatmakers, o que fiz entre os anos de 2005 a 2017. O material acumulado foi de grande proporção somando dezenas de horas de material e dezenas de depoimentos, shows, rodas culturais, etc. O material gerado foi realmente monumental. Desse material produzi dois longas: De Repente: poetas de rua (2009) e O Som do Tempo (2017). Infelizmente perdi o material bruto do poetas; tudo estava gravado em DVD´s e essas mídias se deterioram rapidamente. Todo o acervo d´O Som do Tempo foi disponibilizado de forma organizada no meu canal do youtube, somando mais de 60 depoimentos. Todo esse material resultou no meu TCC “Uma Liberdade Chamada Solidão” e a dissertação de mestrado “O Ciclo dos Rebeldes: processos de mercantilização do rap no Rio de Janeiro”.

Por volta de 2008 comecei a escrever regularmente sobre algumas questões culturais na medida em que ia avançando nos estudos do curso de História na UFF, facilitando o meu processo no mestrado. Nesse longo período de doze anos de filmagens, foi possível produzir uma leitura abrangente do rap no Rio de Janeiro a partir de 2006 até 2017, ano de lançamento do Som do Tempo. Sem contar que a filmografia sobre o tema inclui as obras de Emílio Domingos e Cavi Borges: A Palavra que me Leva Além (2000) e L.A.P.A (2007), o que torna o Rio de Janeiro cidade privilegiada no que diz respeito à preservação da memória da cultura Hip Hop representada em documentários.

As conclusões desse trabalho não vêm ao caso aqui, mas o método de pesquisa ainda permanece o mesmo. É claro que produzir um material de grande envergadura tem o seu custo, sobretudo físico, psicológico e financeiro, já que quando se trata de trabalho independente quem paga os custos é o próprio produtor. No caso da pesquisa de doutorado comecei a organizar o mapeamento desde o início do curso no ano de 2022. No primeiro ano, fiz amplo levantamento dos entrevistados, que a princípio extrapolou muito os limites da pesquisa, passando da casa dos 100… A pesquisa precisa ser realizada em quatro anos, então é necessário organizar esse tempo para que possamos minimamente produzir um material abrangente, amplo, capaz de nos dar base sólida. Coloquei então o limite de 50 entrevistas a serem realizadas com pessoas ligadas ao cinema independente em Niterói, São Gonçalo, Zona Norte, Centro, Baixada, Zona Oeste e Zona Sul. São cineastas que produzem obras autorais, cineclubistas e produtores de festivais, trabalhadores do cinema em geral, atores, produtores ligados a distribuição, entre outros.

Comecei as filmagens em março de 2023, finalizando no segundo semestre de 2024, filmando num ritmo intenso de produção numa média de 5 entrevistas por mês. Para facilitar, quando era possível eu convidava o entrevistado a fazer o registro na minha casa/produtora por conta da questão técnica e financeira. Era mais barato trazer o entrevistado já com o set pronto em casa. Mas quando isso não era possível, fiz o deslocamento diversas vezes e realizei a entrevista na locação da pessoa.

As dificuldades, como não poderia ser diferente, foram grandes. Filmei parte das entrevistas com duas câmeras (às vezes três), gravador de som, microfone e luz. Operar todo esse maquinário sozinho é algo que inclui todos os riscos. Nesse processo, alguma coisa podia se comprometer, mas dei prioridade para a direção da entrevista, em detrimento de uma possível imagem torta ou sem foco (o que aconteceu em alguns casos, infelizmente). O custo financeiro da produção das entrevistas girou algo em torno de R$20.000,00 sem contar com os equipamentos, transcrições (e diversos outros custos) que eleva esse valor consideravelmente. Há mais uma série de custos como montagem de entrevistas, transcrição, pesquisa e custos adicionais que não estão incluídos nessa cifra. Todo esse esforço financeiro e de produção tem a sua vantagem: um mapeamento do cinema político independente do Rio de Janeiro amplo e diverso.

De uma forma geral todos os entrevistados são envolvidos em alguma medida com o cinema e a maioria sendo envolvido com a produção cinematográfica. São produtores autores e algumas vezes distribuidores de suas obras, ora associando-se a outros produtores independentes, ora divulgando de forma alternativa em redes sociais e outras plataformas independentes. As entrevistas concentraram-se sobre o caráter do cinema produzido pelo entrevistado, suas relações de trabalho (remuneradas ou não), redes de atuação, filmografia produzida, financiamento, distribuição, organização e produção dessas obras, questões políticas como leitura conceitual de determinados fenômenos e orientação teórica e política, estética, organização e leitura histórica.

Foi necessário também fazer um corte de gerações para dialogar com os produtores de cinema que começam suas atividades no início dos anos 2000. Por isso o diálogo com Cacá Diegues, Sérgio Santeiro, Ana Maria Magalhães, Eunice Gutman, Rosane Svartman, Lúcia Murat, Silvio Tendler e Malu de Martino. Do ponto de vista acadêmico e histórico foram entrevistados os professores Rafael de Luna Freire (IACS-UFF), Reinaldo Cardenuto (IACS-UFF) e Luís Alberto Rocha Melo (UFJF). As entrevistas, portanto, subsidiam a escrita da presente tese.

A produção filmográfica do cinema independente das várias regiões do Estado são notadamente distintas das produções pautadas pelo clássico modo de produção capitalista dos filmes em geral. Ainda que sua produção esteja intimamente associada aos mercados em suas múltiplas estratificações, essas obras ganham expressão justamente por algum tipo de busca, seja no campo estético, político ou social pautada numa espécie de contravenção de uma série de limites impostos pela estética burguesa das artes. É certo que esse cinema independente é multifacetado, o que implica dizer que também há um setor que apesar de independente, reproduz o clássico modo de produção burguês, almejando para si um lugar mais sólido dentro das relações capitalistas. Ou seja, existe uma parcela desse cinema que está em transição para o mainstream. A rica produção do cinema independente acaba sendo visada, levando parte dessas produções a relações mais estreitas com a indústria cultural, o que produz resultados discutíveis, já que essa relação não é gratuita. Nesse ponto, estamos falando de relações de interesses econômicos e políticos, poder e dominação.

No que diz respeito à produção autoral, a maioria dos produtores de filmes e trabalhadores do audiovisual em geral estão apartados de relações de mercado ao nível da grande indústria, desenvolvendo seus próprios métodos de produção, viabilização dessas obras e distribuição. Esse processo é permeado por disputas de várias ordens colocando o cinema independente à prova na batalha pela emancipação da arte e da sociedade, ainda que muitas vezes mergulhado em sérias contradições; resultando muitas vezes em regressão ao invés de superação e transformação do estado de coisas na arte. Em última instância, a captura significa a neutralização de uma determinada expressão artística como forma de convertê-la ao projeto político econômico hegemônico, ou seja, o modo de produção capitalista e todo o seu sociometabolismo [1].

O capital é uma máquina, ou melhor, um sistema sociometabólico que se autoalimenta indefinidamente num movimento de autoexpansão de caráter predatório, incontrolável e que destina a apenas uma classe o controle da economia e das formas de sociabilidade num suposto movimento de autorregulação do mercado, o que inevitavelmente causa profundos danos a uma imensa maioria pelo fato de haver a superexploração do trabalho gerando lucros apropriados pela classe dominante. O que no final das contas garante os privilégios da burguesia, dos detentores do capital — não confundir com a mera posse de equivalente universal. O fetiche da mercadoria, onde a prática social mais reiterada é a da compra e da venda, é central nesse processo. O fetiche requer a si as vias pelas quais é processado todo um conjunto de alienação capaz de reorganizar as forças produtivas ao objetivo comum do capital, qual seja, a sua reprodução indefinida. É, portanto, um fenômeno complexo, só possível de ser compreendido em sua essência se observado em suas múltiplas faces de acordo com o seu tempo histórico. Como é um sistema em profunda contradição, opera dialeticamente a partir de certas estruturas, organizações e instituições que supostamente prezam pelo bem comum. Essas estruturas de poder tampouco estão alijadas de um contexto social maior e, porque não, global. Toda essa rede de poder se afirma num elemento fundamental: o fetichismo da mercadoria.

Segundo Reinaldo Carcanholo,

O fetichismo é mecanismo regulador das relações sociais na sociedade capitalista, permite o funcionamento e a regulação indireta do processo de produção da distribuição e da apropriação por meio do mercado. Além disso, o fetichismo é um fenômeno indispensável na preservação da ordem capitalista. Por meio dele, o conjunto dos seres humanos, em particular os subalternos, acreditam que o mundo é regido por determinações naturais, por leis naturais e imutáveis, e que, portanto, nada podem fazer contra isso. Acreditando-se dominados por forças naturais, tais seres (e todos eles, mas especialmente os subalternos) convertem-se em escravos: “o mundo sempre foi assim e nada há a fazer.” Sua impotência, autoatribuída, torna-se real, concretiza-se.

O uso que o mercado faz da arte, portanto, diz respeito do quanto cada expressão ou manifestação artística pode render em ganhos financeiros. Somente a partir daí seu valor social é percebido. Até então, essas produções estão no campo do famigerado underground (que é uma incógnita para muitos) ou do amadorismo, que se define por seu eterno estágio de menoridade sem grande valor. Como bem coloca Marshall Berman em Aventuras no Marxismo, “o capitalismo é terrível porque fomenta a energia humana, o sentimento espontâneo e o desenvolvimento humano com o único objetivo de esmagá-los, a não ser nos poucos vencedores que ocupam o topo”.

É claro que a modernidade trouxe uma série de benefícios incomparavelmente superiores às formas de organização social anteriores. No entanto, a dialética de Marx permite pensar que “o mesmo sistema social que tortura os trabalhadores também os ensina e transforma de tal forma que enquanto sofrem, eles começam a transbordar de energia e ideias”. Essas ideias muitas vezes materializam-se naquilo que genericamente denominamos “arte”.

O artista não é só aquele que produz uma determinada expressão, mas o que reflete sobre a condição daquilo que se cria; das contradições em torno da sua criação e de como isso se relaciona com o meio e quais os resultados disso tudo na sua vida prática e social. Pensemos a produção artística no contemporâneo. Essas forças criativas estão relacionadas com o contraditório contexto que as cercam sofrendo e reagindo de acordo com a correlação de forças, atestando a permanência ou extinção de determinada expressão. Se para muitos o termo “artista” parece um tanto quanto banal ou algo genérico tipo um balaio de gatos, para nós deve ser discutido como algo necessário à própria funcionalidade das sociedades. O artista é aquele que cria e oferece ao público e a todo tecido social algo mais que o simples consumo de um determinado produto/mercadoria. A arte produzida expressa a materialidade de um conjunto de elementos praticados e organizados de forma a dar sentido a uma determinada concepção de mundo, que ao ter contato com os demais gera reações diversas produzindo outros comportamentos e subjetividades, o que escapa ao controle até mesmo de quem produz.

A captura se dá de maneira ainda mais fácil se se carece de uma leitura crítica sobre determinadas contradições sociais. A falta (ou a insuficiência) de uma teoria que discorra sobre os pormenores daquilo que todos sentem histórica e cotidianamente, ou seja, as forças invisíveis que faz curvar sobretudo as classes subalternas, faz adaptar a explicação do que nos faz mal em perspectivas místicas ou românticas, distanciando-se de uma mudança radical. Isso, por fim, mantém as coisas como estão.

A título de exemplo, podemos lembrar que no início do século XX, as condições revolucionárias anunciavam-se em várias partes do mundo, favorecendo a organização de setores da classe trabalhadora em crescentes movimentos no sentido da superação do sistema capitalista. A divisão social do trabalho organizou a classe trabalhadora em grandes fábricas gerando os sindicatos em suas mais variadas vertentes. Por fim, o sindicalismo burocratizou-se transformando-se na representação patronal da classe trabalhadora. Antes o que era uma força revolucionária passou a afirmar políticas de Estado. A captura, portanto, se dá em todas as esferas.

A outra forma de neutralizar uma expressão artística insurgente se faz através do cerceamento político dos indivíduos e grupos envolvidos numa determinada produção. Criminaliza-se por meio da jurisdição burguesa todo ato de insurgência que ouse não só questionar, mas organizar-se contra a ordem comprometendo o poder estabelecido.

Nos interessa pensar, portanto, quais são as contradições e resultados dessa tensa relação entre capital e trabalho (produção cinematográfica), sendo o cinema um trabalho (que guarda suas especificidades). Em última instância, esses produtores de cinema colocam-se à prova tentando viabilizar a sua existência material muito antes de pensar qualquer tipo de produção. Há, portanto, um conjunto de contradições (que não se manifesta, obviamente, somente no cinema) na produção cinematográfica de caráter independente, reflexo do modo de produção capitalista, que dificulta empreender método e teoria antagônico ao que está colocado pelas leis da indústria cultural e que não se limite somente ao plano das ideias. Buscarei analisar ao longo desse trabalho como vem se dando determinadas formas alternativas de produção, exibição e distribuição dessas obras independentes.

As contradições, por sua vez, são difíceis de ser superadas e resolvê-las não depende somente das artes, mas sim de lutas sociais mais amplas e avanço na luta contra o capitalismo e o Estado burguês. Isso não quer dizer que as artes não tenham um papel decisivo nessa batalha. Dessa forma, pensaremos criticamente as estruturas de poder do Estado e suas instituições. Para tal, necessitaremos fazer um debate teórico mais profundo. O cinema aqui analisado é o que está pensando a condição histórica, social e política do país e dos territórios que é o cenário dos filmes produzidos, a partir de diferentes pontos de vista e visões de mundo.

Muitas lutas vêm sendo empreendidas e registradas por diversos cineastas, sendo essa pauta (das estruturas de poder) permanente entre setores da militância. Cineastas como Silvio Tendler, Vladimir Seixas, Luis Carlos de Alencar, Patrick Granja, André Sandino, Rosa Miranda, Rafael Silva, Theresa Jessouron, Rodrigo Mac Niven, Malu de Martino, Lúcia Murat, Vito Ribeiro, Luciano Vidigal, Luciana Bezerra, Gustavo Melo, Igor Barradas, Flavia Vieira, Clementino Jr., Eunice Gutman, Higor Cabral, Godot Quincas, Márcio Coutinho, Carlos Pronzato e Cesar de La Plata têm suas produções centradas em temas sociais como a luta histórica da mulher, LGBT, do povo negro e as lutas de diversos setores da classe trabalhadora do Rio de Janeiro; a luta pela moradia, a opressão policial, a cultura periférica, a ditadura civil-militar e os desdobramentos desse período, a favela vista por um olhar de dentro, a luta do povo indígena e as lutas sociais mais amplas como a histórica Jornadas de Junho de 2013 e as crises do capitalismo, resultando na produção de dezenas de filmes ainda pouco conhecidos. Tais obras têm importância social fundamental não só estimulando e prolongando os processos de luta, mas disputando a leitura desses processos a partir de uma história vista de baixo, ainda que algumas vezes desejosos de ocupar determinados espaços de poder.

Por mais que muitos movimentos sejam resultado de associações espontâneas, no caso do cinema independente há, quer queira ou não, sempre uma direção a seguir. A condição sine qua non para a sua existência é a coletividade. Por ser uma arte genuinamente moderna e fortemente atrelada à tecnologia, os grupos acabam se organizando na maioria das vezes de forma corporativista. Devemos, portanto, pensar esse problema a partir da realidade concreta material. O caminho que o capital nos apresenta é um só… por isso, quanto mais esgarçarmos, mais preparados estaremos para enfrentar o desafio colocado.

O desafio para os cineastas que produzem filmes com baixo orçamento é em primeiro lugar poder garantir a sua sobrevivência material imediata e cotidiana, da sua família e dos grupos que trabalham nas produções. Podemos afirmar sem dúvida que os cineastas independentes ainda hoje lutam por essa condição básica, o que pode parecer estranho aos olhos das pessoas, já que o cinema é amplamente consumido pelas massas. No entanto, não podemos ignorar essa questão! A partir dessa premissa básica é que podem produzir suas obras. Por mais dispendioso que seja esse trabalho, há uma insistência na manutenção desse processo produtivo por conta das paixões individuais, sendo sem dúvida o fator de maior peso na luta política. Como veremos na história do cinema da Baixada, o que movia o Mate com Angu era o tesão de fazer. A desvalorização desse trabalho, no entanto, é um paradoxo, haja vista a necessidade social dessas obras e da contribuição direta em diversos processos sociais, seja regional ou a nível nacional. Sabemos que a sociedade de uma forma geral consome o audiovisual de uma forma alucinada. No capitalismo a arte é mais um meio para gerar lucro, instrumentalizando as expressões artísticas descartando-as assim que se perde a possibilidade de vendê-la como produto. Com o cinema independente não poderia ser diferente.

Nota

[1] “O modo de produção capitalista submete a mercadoria, a cultura, o estado, etc., ao conjunto das relações que ele implanta. Portanto, o estado não é exterior ao capitalismo, como propõem alguns, mas sim anterior. As relações de produção capitalistas envolvem e subordinam o estado. Através do processo de mercantilização, o aparato estatal se torna parte do processo de acumulação de capital”. (Nildo Viana, p.52)

As imagens que ilustram este artigo são do filme “Um homem com uma câmera”, do cineasta Dziga Vertov (1896-1954).

A publicação deste artigo foi dividida em 4 partes, com publicação semanal:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4

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