Por M.h.
1.
tenho tentado correr até você mas como eu faço se você está a anos luz de mim?
eu te vejo tão perto mas quando te toco é como fosse nada, você realmente esteve aqui?
sua fumaça que vagou por esse curto período de tempo foi uma ilusão?
quando eu chorei, juro pelos céus que senti seus dedos, mas não aconteceu realmente,
aconteceu?
se eu tivesse pelo menos te tocado completamente, eu teria te segurado e mesmo você
cheio de raios nada bonitos eu ainda sim sentiria essa felicidade incalculável escorrendo
das minhas vísceras.
Mas nada disso aconteceu, você deu rodopios e se desvencilhou dos meus braços.
Nunca senti dor tão grande impregnada no meu seio por alguém que eu nunca sequer senti
de verdade, então eu te vejo, tão longe.
2.
desisti da corrida. ficou longe demais
e a cada passo o chão se tornava
uma cerra que de pouco em pouco
ia me deteriorando, eu fui me deixando
em pedaços pelo caminho e o que adiantaria? se quando eu finalmente chegasse ao
destino final não sobraria nem coração, apenas um fiapo de cabelo que nem lá chegaria,
flutuaria para longe, então todo o esforço não valeria nada.
eu desisti da corrida. Então vou apenas sentar na minha bolha de solidão e esquecer o
barulho do esforço inaudível e aprender a amar cada célula do meu corpo e alma. No fim
todo sangue escorrido seria levado pela chuva e cairia em algum lugar, no esquecimento do
oceano.
não me chamem mais para correr em lugares que vão exigir partes de mim.
3.
acorde de uma vida de paz e deite
no colo de um homem que fura seu
antebraço e deixa que seu sangue
pingue devagarzinho
deixe que te beije com aqueles olhos que nem sao tão bonitos assim, mas que pela
anestesia dessa doença que você fantasiou como amor, você olha e sorri com essa boca
sem cor.
isso até não haver mais sangue.
até você acordar sem nem conseguir ficar de pe, e decidir que vai levantar e rasgar a pele
grudada pelo sangue velho.
vá embora mesmo que sua cabeça esteja aberta e seus últimos minutos estejam voando
para fora
deixe que ele te olhe com aqueles
olhos, não importa, nunca foi tão
importante assim.
4.
quando tudo é perfeito demais que
você nem pensa como tudo é bom
demais para ser verdade. é tão bom
que quando tudo cai é como uma folha
que cansou dos galhos, o chão se torna um abismo. Quando é bom demais, mas quando
você pensa em como foi tão fácil, a mentira se apresenta como o maestro de uma orquestra
e você percebe que na verdade sempre esteve na sua frente, apenas esperando o
espetáculo e você só não percebeu porque estava concentrado demais brincando com seus
dedos e sua imaginação. Abra a porta mesmo que esteja escrito que é proibido durante o
show, entre em uma sessão qualquer e veja que coisas genuinamente perfeitas são na
verdade construídas, nada está aqui dentro, tudo está fora do que o papai e a mamãe te
ensinaram sobre o amor.
caia na areia movediça na esperança de algo lindo acontecer e perceba que você só ficou
sem ar e precisou sair a tempo de não ficar sem ar por completo.
5.
a muito tempo, escrevi sobre você e
apaguei o terror brincando de conto de fadas feito palavras em um quadro branco.
mas alguma coisa sempre me levava de volta, cavei tanto minhas próprias emoções e comi
folhas de papel como se eu fosse aprender alguma coisa que não fosse você.
até um dia finalmente perceber que me esconder do sentimento apenas ia fazer com que eu
ficasse cada vez mais sem ar, então me deixei afogar.
deixei que a água invadisse meus pulmões e tentasse um jardim dentro de mim, deixei que
a bolha de ar se dissipasse e aceitei o medo.
por favor, que eu não seja um disco que você escuta, escuta e escuta até enjoar e que
deixa empoeirado na estante, porque
deixou arranhar.
por favor, não me deixe arranhar.
6.
você acorda todos os dias de manhã e a gritaria incessante te faz querer implorar por
mudança. É insuportável, seu coração aperta, vai até sua garganta ameaçando se jogar
para fora, você engole de volta e sente tudo se machucar por dentro. e o que você poderia
fazer para isso mudar? ele se desafiou ao desrespeito contra si em troca de silêncio, e por
míseros segundos tudo parece calmo e seu coração rodopia de alegria.
até começar de novo.
até você se tapear de novo.
talvez se você tentasse abraçar a si sem esperar por ninguém, algo mude, talvez o barulho
se mude para o próximo disponível o suficiente para não se escolher.
7.
você é feliz mudando de um estágio
para o outro? quando seu coração é tão
gelado que seu habitat se torna a infeliz
de uma geladeira, quando encontra mais alguém que acha que pode descongelar e trazer
calor para esse seu coração perdido você tem alguma esperança? quando tudo acaba você
nem sente nada, né? não sente porque não é possível mais sentir, tudo está paralisado aí
dentro, nada fica mais, tudo escorre para fora, seu coração é um eco como um tronco velho
e esquecido, ninguém mais acredita, ninguém mais senta nas cadeiras do seu grande
teatro, ninguém mais ri, ninguém mais acha lindo, todos estão te olhando, duvidando
ainda existe sol que ilumine essa sua terra suja?
8.
eu fui primeiro que você,
você morreu de saudades?
eu tive a oportunidade de te ver
e você nao parecia você,
eu fiquei tão triste.
mandei um correio do céu para
te dizer que eu cortaria meus
pulsos e transformaria meu sangue
em água para fazer chover se você
estivesse com sede;
eu arrancaria tudo em mim
para colocar em você se fosse
preciso, se você perdesse seu
coração eu partiria um pedaço
do meu para você não ficar sem;
eu atravessaria uma floresta de
espinhos e pisaria em cacos de vidro
se isso salvasse você, eu cairia
daqui e pousaria em você como uma
pluma, faria você sentir que sou eu;
eu faria o que fosse contando
que fosse para você.
9.
nós estávamos com tanta sede
e a areia parecia mais quente que o
normal, completamente isolados
e a única visão a frente era o oceano
esperando o momento para nos
engolir.
quando escureceu vimos um coqueiro
tão bonito, estava escuro mas a ilusão
da fome e sede gritou histérica.
quando se está no escuro e se vê isolado você não se importa com os avisos, sobe, abre a
fruta e percebe que na verdade todos estavam certos sobre a escuridão,
era podre por dentro, e a fome fez pensar que era a coisa mais incrível que você já pegou
em mãos, até te causar dor, você vomita e mesmo assim sobe de novo.
o oceano ainda está à espera.
As ilustrações reproduzem obras de Hokusai (1760-1849).