Por Leo Vinicius

Após a campanha de limpeza étnica e genocídio em Gaza iniciada por Israel em 8 de outubro de 2023, inúmeras ações envolvendo ativistas e trabalhadores portuários ocorreram pelo mundo, conseguindo interromper e atrasar o fluxo de armamento para Israel. Com os Houthis bloqueando os navios em direção a Israel no Mar Vermelho, a impossibilidade de armamentos passarem pelo Mediterrâneo bloquearia o transporte de armas a Israel por via marítima.

A Federação Sindical Palestina e a Coalizão Sindical Palestina pelo Boicote, Desinvestimento e Sanções têm sido atores importantes no fomento dessas ações. Elas buscam convencer e apoiar os sindicatos e os portuários de outros países a bloquearem o fluxo de armamento para Israel. O sindicato de portuários da Suécia decidiu bloquear armas de e para Israel. A federação dos trabalhadores de transporte marítimo da Índia, que representa trabalhadores em 11 portos, também anunciou a recusa de lidar com armas destinadas Israel. Sindicatos de trabalhadores de transporte da Bélgica convocaram seus membros a recusarem o transporte de armas para Israel. Sindicatos de transporte da Itália, Grécia e Turquia realizaram um chamado em conjunto para que não fossem carregados nem descarregados armamentos para Israel. Na Grécia os portuários bloquearam armamentos que iam para Israel. Portuários de Barcelona fizeram o mesmo. No mês de abril de 2025, ativistas e portuários em Marselha, França, obstruíram o fluxo de componentes de F-15 que iriam para Israel, assim como os portuários de Marrocos. Em Marrocos, a posição de não carregar e não descarregar suprimentos militares para Israel foi tomada não apenas pelo sindicato de portuários, mas também pela União Nacional do Trabalho e pela Confederação Democrática do Trabalho.

Ao menos no Reino Unido, há indícios de que o lobby pro-Israel passou a visar também as políticas sindicais e os dirigentes sindicais, para além das políticas de Estado e de políticos e gestores do Estado [1]. Quanto aos políticos do Partido Trabalhista, como se sabe, uma das artimanhas principais usadas para afastar o esquerdista Jeremy Corbyn da liderança do partido foi rotulá-lo, sem qualquer base factual, de “antissemita”. Keir Starmer, atual Primeiro-Ministro, por sua vez recebeu 50 mil libras de um lobista pro-Israel na sua campanha para se tornar líder do Partido Trabalhista [2].

No mês de abril de 2025, a eleição de Matt Wrack como Secretário-Geral do maior sindicato dos professores do Reino Unido, o NASUWT, foi impugnada judicialmente. Wrack tem uma posição à esquerda no espectro político, e pela sua proximidade com Jeremy Corbyn, é alvo também do rótulo de “antissemita”. Sua eleição foi recebida com desgosto pelos apoiadores do sionismo, devido a sua visão de esquerda e a seu antissionismo [3]. Pelo tipo de campanha lançada contra a eleição de Wrack, suspeitas surgem de que o lobby pro-Israel possa estar atuando nesse caso: pagando, por exemplo, os custos da ação judicial. O escritório advocatício Mishcon de Reya teria sido contratado para o caso. O mesmo escritório no qual Keir Starmer não conseguiu obter um segundo emprego porque Jeremy Corbyn impediu, quando era líder do Partido Trabalhista [4].

Nascido em 2007 da fusão de dois sindicatos, sendo um deles o TGWU (sindicato do transporte e de trabalhadores em geral), o Unite é um dos maiores sindicatos do Reino Unido. Sua Secretária-Geral atualmente é Sharom Graham. Sua política de minar a solidariedade internacional, principalmente em relação aos palestinos, leva a suspeitas ainda maiores de atuação do lobby pro-Israel. Na conferência do Unite a ser realizada em julho próximo, uma moção foi incluída que visa obstruir a solidariedade internacional do sindicato. A moção restringe a “solidariedade” internacional a casos em que estejam diretamente ligados a empregos no Reino Unido, o que exclui, por exemplo, o apartheid e genocídio palestinos. Os princípios de internacionalismo e de solidariedade são assim suprimidos. Para Damien Willey, um militante e membro do Unite, trata-se de uma proposta racista e imperialista, como na pior tradição da burocracia sindical da direita britânica [5].

Sharom Graham, enquanto Secretária-Geral do Unite, suspendeu a participação do sindicato na coalizão Stop the War, que tem sido uma ferramenta de protesto contra o genocídio em Gaza. O grupo Unite for Palestine, formado por membros do sindicato, tem denunciado Graham por atacar a democracia interna do sindicato, com o intuito de suprimir o ativismo pro-palestino e a dissidência de uma forma geral. Tudo isso leva a crer que o lobby pro-Israel esteja avançando sobre os sindicatos britânicos, do mesmo modo como sabidamente atuam sobre partidos políticos e governos [6]. Estaria em jogo um combo de política sindical que protege, ao mesmo tempo, o colonialismo de Israel e os patrões, obstruindo a solidariedade internacional e impedindo posições mais combativas e de esquerda na direção dos sindicatos.

Parece ser uma amostra de que a solidariedade internacional dos trabalhadores é uma ameaça à barbárie colonial e ao poder do capital. Também seria uma amostra de que as burocracias sindicais seriam tratadas pelo lobby como gestores que são, equivalentes aos políticos profissionais. Passíveis, portanto, de serem comprados.

É verdade também que se a ação de solidariedade internacional dos trabalhadores conseguir se sustentar de forma totalmente independente das burocracias sindicais, esse lobby, na forma provável que estaria atuando, não conseguiria impedir essa ação. Para isso o lobby teria que atuar de outra forma: fomentar a repressão aberta de empresas, do Estado e de milícias digitais e presenciais, como tem ocorrido com movimentos contra o apartheid e o genocídio palestino, principalmente nos Estados Unidos. Quando já não é mais possível conquistar corações e mentes, e quando numa organização não existem dirigentes/gestores profissionais para serem comprados, resta a supressão pela força pura e simples.

Parece que, mais uma vez na história, está ficando explícito o antagonismo e a antinomia entre a barbárie e a solidariedade internacional da classe trabalhadora.

Notas

[1] How Israel funds UK parliamentary staff https://www.jewishvoiceforlabour.org.uk/article/how-israel-funds-uk-parliamentary-staff/

[2] Keir Starmer received £50,000 donation from pro-Israel lobbyist in leadership bid https://www.thecanary.co/uk/2020/04/17/keir-starmer-received-50000-donation-from-pro-israel-lobbyist-in-leadership-bid/

[3] Jewish members of moderate teaching union alarmed as far-left figure named leader https://www.jewishnews.co.uk/jewish-members-of-moderate-teaching-union-express-alarm-as-far-left-wrack-appointed-leader/

[4] Is The Israel Lobby Coming For Your Rights At Work? https://www.youtube.com/watch?v=FL3raL1KKKo

[5] idem.

[6] idem.

2 COMENTÁRIOS

  1. Olá Leo, obrigado pelo texto. Quando leio sobre sindicatos da Europa e outros lugares anunciarem boicotes a Israel, por exemplo com as federações de portuários dizendo que não vão embarcar armas, fico com uma pulga atrás da orelha, me perguntando o quanto isso efetivamente ocorre nos portos e o quanto não é mero discurso. Digo, aqui no Brasil estamos acostumados com burocracias sindicais que fazem discursos combativos, anunciam greves, mas na prática a greve é só de fachada (ou “faixada”, como escreveu um bancário aqui no site: poe uma faixa na frente da empresa e deixa os funcionários importantes à empresa entrarem). Enfim, será que de fato esses anúncios anti Israel dos sindicatos conseguem alterar o processo de trabalho a ponto dos portuários escolherem embarcar um navio e não outro? Isso que fico me perguntando. Parece que incomodam Israel, mesmo que seja só discursivamente, a ponto de rolar esse contra ataque lobista. Mas qualquer ação de boicote pra rolar de fato precisaria ser autônoma em algumas medida mesmo.

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