Por Marcos Alves Lopes
Não é de hoje que professores e administrativos fazem greve, reivindicando direitos diversos (ou pelo menos tentam fazê-la!). Também não começou exatamente ontem, a luta da categoria contra o sindicato dito oficial para que as greves fossem levadas adiante. Se por um lado, o tempo é o ‘senhor de tudo’, e nele cabem as nossas (tantas!) contradições, por outro, o mesmo ‘senhor de tudo’, digo o tempo, também é responsável por apagar ou, pelo menos, camuflar os atos ocorridos em tempos remotos, ou não tão longínquos assim…
Retorno à minha entrada na Rede Municipal de Educação, como docente de Língua Portuguesa, recém-formado, aos vinte e poucos anos… Naqueles idos, há mais de quinze anos, o nosso vencimento não ultrapassava os míseros dois salários-mínimos. Os colegas, educadores ou não, enquanto leem essas reflexões, podem mentalmente refletir sobre o vencimento atual e dos idos de 2008 – a conclusão é um tanto óbvia: houve ganhos reais de remuneração nas últimas décadas. Mas, o tempo… Ele brinca de esconde-esconde, e às vezes deixa as respostas tão bem escondidas, bem detrás do nosso nariz, que parece mesmo impossível reconhecer como tivemos tais ganhos.
Sim, ganhamos com GREVES! Cutucando o nariz, lembro-me da greve de 2010. Até então, não recebíamos mais que dois salários, deflagramos uma grande luta social. À época, o sindicato oficial era explícito, quando não queria greve – ou seja, quase sempre! Naquele ano, a categoria, ao limite de sua existência, e, atropelando a direção sindical, iniciou um processo longo de luta. E luta. E mais luta. Após meses de greve, numa assembleia feita na Câmara dos Vereadores, a então porta-voz do sindicato dito oficial, simplesmente decretou o final da greve – mais uma vez sem o consentimento da categoria. Lembro como numa fotografia a cores: a assembleia toda de pé, em contraste visual, exigindo a continuidade na greve, mas, (pasme – ou não pasme tanto assim!), a direção sindical simplesmente finaliza o movimento gigantesco de 2010.
‘Ah, mas vocês são radicais!’, diria a turma do ‘deixa disso’. ‘Deixa a líder decidir pela categoria’, ‘ela sabe o que é bom’… Naqueles idos, ouvíamos de tudo, inclusive, uma parte da categoria retornou ao posto de trabalho, diante das manobras sindicais, bem como da intentona de muitos diretores (que ameaçavam isso, aquilo e aquil’outro). No entanto, uma parcela significativa permaneceu em greve SEM o SINTEGO. Ah, eu imagino o riso largo das duas líderes sindicais, pensando: ‘esses meninos não vão longe!’.
Torceram tanto para que não fossem adiante as nossas reinvindicações, que o ‘senhor de tudo’ resolveu levantar do seu berço esplêndido, e inverter as posições – a categoria rompeu com o SINTEGO e caminhou a passos largos sem a burocracia sindical por mais de uma década.
É claro que as estratégias de lutas modificaram. A forma e o conteúdo das assembleias também. Era o nascimento do Comando de greve, o que posteriormente, viria a ser o SIMSED – o oposto do SINTEGO estava nascendo. E aí, você, leitor, pode se perguntar: por que, então, hoje, 2025, retornamos ao sindicalismo burocrático do SINTEGO? Depois de tantas conquistas, em uma década de organização popular, por quê? Uma pergunta que cutuca o tempo!
Ela é tão importante que, ao respondê-la, não é possível cutucar mais uma vez o nariz, e não lembrar das conquistas advindas das nossas paralisações e greves. Não vou aqui mencionar quanto ganhamos economicamente, porque ao leitor, basta fazer um comparativo entre os dois salários-mínimos de 2008, e o vencimento atual. Só queria cutucar pouco mais a lembrança dos senhores, nós todos, ‘senhores do tempo’. Sim, as conquistas vieram, e acompanhada delas, muita luta. Cutuco aqui até sangrar: foram duas ocupações da Câmara Municipal e uma da Secretaria Municipal de Educação, em 2017. Mas a pergunta insiste: se houve mesmo tantas conquistas econômicas, por qual razão retornamos aos sanguessugas? Por quê? Renunciamos à nossa liberdade? Talvez, uma pausa na greve de 2017 nos esclareça bem mais, deixando até o sangue nas mãos. Nas mãos dos políticos de então, e de seus comparsas, sim, o sangue nas mãos é a síntese da nossa paralisia.
Ali, em 2017, após muitos dias em luta, e nenhuma proposta, uma parcela da categoria ocupou a Secretaria Municipal de Educação. Ao passo que a ocupação trouxe o pagamento do piso salarial docente, houve também a nossa paralisia por muito tempo (até hoje?!). A mando de Iris, a Guarda-Municipal atacou os professores que estavam onde é de seu direito estar, a saber, na Secretaria Municipal de Educação, em Goiânia. O ataque foi tão covarde que até hoje há alguns colegas com sequelas daquela intervenção. Tiros, prisões. “Pisões” no pescoço. Tortura. Tortura. Tortura.
Após essa cena lamentável da política goianiense, o prefeito, como um bom hipócrita, resolveu pagar o piso. Pisou no pescoço da categoria e pagou o piso com muito sangue. Mas, ele não estava satisfeito. Além das torturas, houve corte de pontos da categoria, o que sangrou ainda mais a nossa classe. Após essa cena, negociações com o SIMSED deixaram de ocorrer. Corte de ponto passou a ser mais comum do que antes. Cada paralisação, um dia sem receber. Paulatinamente, o ‘senhor do tempo’ foi escondendo as lutas para mais além do que se pode imaginar…
E chegamos a 2025, um salto longo, porque o tempo não passa em segundos, minutos, horas e dias. Na verdade, ele se esconde aí. Lá onde enxergamos o ‘senhor de tudo’ é justamente onde ele brinca de esconde-esconde. E, hoje, no dia quinze de maio de 2025, nos encontramos cutucando nariz em busca do tempo perdido. Mas, onde, Proust? Em uma assembleia convocada pelo SINTEGO. Sim, aquele sindicato, que em 2010, decretou o fim de greve à revelia da classe trabalhadora. Cutucando mais: hoje, nos encontramos com a mesma líder sindical de décadas. Ela que desafia o tempo, e reivindica a onipresença, ocupa cargos no mínimo conflitantes: deputada? Líder sindical? E a ética, escondeu-se onde nesses tempos?! Sim, a onipresente, a onisciente (porque sabe quando começar e terminar greve, sabe tudo!), ela simplesmente manobra mais uma vez. Uma manobra que vale a pena ser cutucada – lembrada.
Ela, no altar do carro de som, joga (sem muita habilidade) com as palavras. Ela joga mais com a ausência de ética na condução de assembleia! Antes da manipulação explícita, a líder sindical e deputada defendeu abertamente que não era hora de greve – ela sabe tudo, viu! Após alguns minutos utilizando de sua sapiência absurda, então, passou à segunda etapa do plano. Como em um salto de 2025 a 2010, colocou-se a dizer de ações, que poderiam ocorrer em greve ou não, e, logo, sem citar a palavra tenebrosa GREVE, colocou a assembleia em regime de votação. Mas, votar o quê? Manifestação, paralisação, o que exatamente? Nessa confusão premeditada, muitos, inclusive eu, não entendeu inicialmente a manobra. Talvez, porque não tenhamos, nós a categoria, nos tornado seres onipresentes, onisciente, enfim. É provável que a nossa condição humana ainda insista em nos cutucar: e aí, até vamos tolerar?
A ‘senhoria do tempo’ brinca… Salta de 2025 a 2010, sem nenhuma vergonha na cara. Na cara mesmo, são as provinhas da Secretaria, a superlotação das salas de aula, o fechamento da EJA, o tal suposto parcelamento do piso salarial, as condições de trabalho… Na cara mesmo, o adoecimento da categoria. Na cara, detrás do nosso nariz, a nossa própria hipocrisia ao aceitar (mais uma vez!) a manobra do tempo. E nós, vamos cutucá-la?
Ilustramos este artigo com obras de El Lissitzky (1890-1941).
É difícil lutar contra administração municipal e essa direção do Sintego! A gestão do Sintego reproduz o anti sindicalismo! Curioso é que a lei do Piso Nacional do Magistério que por anos a categoria lutou em congressos, paralisações e greves, desde a reabertura da democracia no país, a partir de 1984, o governo que atendeu a reivindicação e assinou a lei foi o presidente Lula. E o Sintego não corresponde à luta para manter essa conquista histórica, trai a categoria e trai a lei! Repúdio total a essa gestão entreguista do Sintego!
Análise necessária e atual.
Excelente texto sobre essa situação lastimável. Triste quando a luta dos professores, grupo de trabalhadores que forma epistemológica e intelectualmente todos os outros trabalhadores, é abandonada e até sabotada por aqueles que deveriam representar os interesses da classe docente. Além de triste, é revoltante.