Por Três Camaradas

Quem não gosta de greve, não bebe, não fuma, nem xinga o patrão bom sujeito não é! Greve, greve, ai uma greve de arrebentar, daquelas de balançar o coração…

Neste rascunho, totalmente em aberto, tentaremos uma provocação sobre as greves no Brasil. Temos como base os dados do DIEESE que vão até o primeiro semestre de 2024.

Mas, falando em greves, sabemos que nossa amada Rosa diferenciava as greves… as greves de massas (espontâneas, detonadas pelas demandas coletivas da classe trabalhadora – essa sim pode levar a uma situação revolucionária) e a greve geral (organizada pela burocracia sindical, por demandas dentro das arestas estatais). Vamos nos ater as simples greves localizadas, as greves do dia a dia, já que…

[o sistema] precisa ser derrubado. Mas, para isso, o proletariado precisa de um alto grau de educação política, de consciência de classe e de organização. Todas essas condições não podem ser adquiridas em brochuras e panfletos, mas apenas na escola política viva, na luta e pela luta, no andamento progressivo da revolução. [1]

Gráfico 01 [2]
Gráfico 02

Nos gráficos acima observamos 3 picos de greves no Brasil: 1989 a 1990, alguma retomada de 1994 a 1996 e de 2013 a 2016. A grosso modo, em 1989/90 crise cíclica mundial (gráfico 03), 1994 a 1996 no governo FHC (reforma da previdência, privatizações e políticas de austeridade) e 2013 o esgotamento das políticas de conciliação dos governos petistas.

Gráfico 03

Pelo século XXI

No geral, a quantidade das greves no Brasil dos setores público e privado (indústria, serviços, comércio e rural) entre 2004 e 2011 ficou em torno de 300 a 500 greves por ano. Em 2012 tivemos um salto de mais de 50%, com um total de 837 greves, sinalizando um bom momento para a classe trabalhadora.

Em 2013 a coisa explodiu, “a casca quebrou”, ou, melhor dizendo, “a coisa virou!” Patrocinadas pela CIA ou não, tivemos um total magnífico de 2.050 greves, o pico histórico de 1983 a 2024. Desse pico até 2016, a quantidade total de greves foi bastante elevada. Um ótimo termômetro daquele período que foi marcado pela “Ponte para o Futuro” , com o congelamento dos gastos sociais por 20 anos, reforma trabalhista, impedimento da presidenta, ou seja, intensiva ofensiva da classe dominante e seus governos nos locais de trabalho e no parlamento para retirada de direitos. A partir de 2017, a quantidade de greves cai para valores entre 1060 e 1500, sendo o ponto mais baixo o ano de 2020 com 649. Uma coisa interessante desse período é que, mesmo tendo passado a onda principal das greves, os números nunca mais retornam ao patamar de 2004 a 2011, revelando que algo continua a fermentar na classe trabalhadora.

O caráter das greves

De 2004 a 2012/2013, as greves tinham um caráter muito mais propositivo “avançar rumo a novas conquistas”, após 2012/2013, cerca de 80% das greves passaram a ter um caráter defensivo. Na esfera privada a luta contra o descumprimento de direitos básicos: atraso salarial, FGTS e rescisões. Já na esfera pública, a manutenção de direitos e o enfrentamento contra o congelamento de carreira, privatizações e piora nas condições de trabalho são as pautas principais.

Depois da hibernação, a toupeira passeia timidamente.

Agora vamos pegar uma informação que o DIEESE e as centrais sindicais deixam de lado. Enigmaticamente (sic), após 2003, as greves do funcionalismo público ultrapassaram em número as da esfera privada. Não, a burocracia estatal brasileira não virou revolucionária, de forma alguma, houve sim uma queda substancial nas greves da esfera privada e o aumento do número de servidores (gráfico 06) . Aí, a calmaria se instala.

Depois de um período de relativa paz (dos cemitérios, claro) o cerco volta a apertar para os patrões e governos. Em 2012 e, principalmente, em 2013, a casca do ovo se quebra e o trem vira, sim! Saímos às ruas.

Indo mais a fundo e olhando para a quantidade horas paradas, observamos que 2013 marca um ponto de mudança qualitativa das greves: agora elas são numerosas e longas. Sim, as horas paradas saltam de 4.300 horas em 2010 para 17.569 horas em 2013, ocorrendo grandes greves principalmente na metalurgia e na construção civil. No período de baixa, o número de horas paradas cai para valores por volta de 4.000.

Esgotamento das políticas de conciliação dos governos petistas e seus burocratas sindicais, inflação, péssimas condições de trabalho (como de costume), aumento generalizado do ritmo de trabalho, alta rotatividade, empregos precarizados (como de costume), etc. dão gás as greves e lutas sociais. Ou seja, as condições de apaziguamento da classe trabalhadora não funcionam mais e o Capital precisará de outra ferramenta. Sai Dilma, entra o Vampirão e o Pibinho reage (gráfico 03). O gráfico abaixo, junto com o gráfico das greves e horas paradas, mostram que muito além da CIA (sic) a realidade apertou o cerco para o governo de Dilmãe, jogada fora com sorriso no rosto [3].

Nos anos seguintes até 2016, o número de greves se mantém elevado. Após essa fase entramos em um período de baixa que dura até hoje.

Gráfico 04

Da virada até 2024

O relatório do DIEESE de 2024 [4] contempla apenas o primeiro semestre, indicando que estávamos em uma fase de baixa, com 66 greves e 1.713 horas paradas, destacando (gráfico 07) suas conclusões:

  • grande parte das greves passou a ter o orçamento público como campo de disputa
  • Se, de um lado, existe uma maioria de greves promovidas pelos trabalhadores diretos do Estado, de outro lado, mais da metade das greves do setor privado – 56% em 2022 e 56%, novamente, em 2023 – envolveu ou trabalhadores terceirizados que atuam no serviço público
  • Nesse primeiro semestre de 2024, aproximadamente dois terços das greves na esfera privada (116, ou 62%) envolveram trabalhadores que atuam em atividades que, de alguma forma, estão ligadas ao orçamento público – através da concessão de serviços (caso do transporte urbano) ou da contratação terceirizada

Em outra ponta da realidade, relatos de um camarada metalúrgico e até de servidores públicos nos mostram que hoje predomina a indiferença, tanto no chão das fábricas quanto nas repartições.

Do lado deles, como mostrado no texto “Querido ano velho” [5], a economia continua bombando, com números robustos. Desemprego em baixa, mas o mesmo problema de sempre – empregos de merda, custos de vida nas alturas [6], violência das metrópoles até o interior, adoecimento nos locais de trabalho como epidemia, etc.

Problematizações

  • Até agora observamos os totais gerais das greves, sem parâmetro de comparação. Mas o que não indicamos foi a quantidade de trabalhadores que podem fazer greve, ou seja, a população economicamente ativa (o total de trabalhadores que podem brecar o rolê). Em 1989, no primeiro pico de greves do gráfico 01, a população economicamente ativa – PEA – era de 49 milhões e a população total de 135,5. Em 2013, a PEA era de 102 milhões e a população total 198 milhões. Ou seja, é como se dobrássemos o tamanho do pico de greves de 1989.
  • Majoritariamente, os instrumentos de luta criados e cedidos pelo Estado (sindicatos) para a luta embarcaram na pauta democrática (eleições, sindicatos, associações, participação em governos, orçamento, etc.). A crença na institucionalização das lutas, na legalidade, especialmente na representatividade – o voto, a campanha salarial, a PLR, etc., ou seja, terceirização das lutas e participação da democracia são as marcas de nascença carregadas por todo processo pós-redemocratização. E, para constatar a grande merda que estamos, temos certeza que essa prática/consciência não foi quebrada em 2013.
  • Ao contrário do ocorrido pós-redemocratização, não houve um instrumento de luta dos trabalhadores criados no decorrer das lutas de 2013 em diante. Por um lado isto pode ser bom, sem estruturas, sem burocracia, etc., mas por outro a marca das lutas até aqui são a falta de continuidade, como se a roda tivesse que ser reinventada a cada luta. Sabemos que as estruturas criadas no ciclo de lutas pós redemocratização não foram a solução, pois se enrijeceram e se voltaram contra seus criadores (classe trabalhadora). No entanto, e estrutura é igual à burocracia, logo todos têm que decidir tudo o tempo todo, ou seja, um grande Occupy?
  • O crescimento brasileiro vai dar n’água em algum momento próximo. E nós nisso tudo? Se carregamos algum histórico das lutas, fazer o que com isso?
  • Ao primeiro grande pico de greves se seguiu uma longa queda. Mas eles tinham um grande instrumento de apaziguamento a seu favor CUT/PT/sindicatos e partidos de esquerda). Hoje as estruturas estão em descrédito. Se seguirmos a tendência do primeiro grande pico de greves a tendência é a queda, mas, como dissemos acima os instrumentos que atuaram contra as greves e movimentos dos trabalhadores estão em total descrédito pelos trabalhadores (haja vista a queda no número de filiados nos sindicatos, o descrédito nos partidos e a baixa no número de ocupações nas áreas mais populosas do país [7], etc.) Considerando os dados da economia brasileira em alta[8], e que os EUA estão no limiar de uma crise com potencial de arrastar o mundo para uma recessão[9], nossa pergunta é simples, vamos conseguir dar o passo a frente contra o Estado, seus aparelhos de cooptação e coerção?

Certezas temos poucas, uma delas é a que o mestre nos passou: “As manifestações da luta de classes assumem formas inesperadas. Ainda bem que seja assim. Se as coisas fossem mecanicamente previsíveis, o Estado sempre encontraria formas de combater eficientemente e abortar as guerras e revoluções[10].”

“A história segue seu curso indiferente às nossas misérias e heroísmos. Nossa consciência não pode fazer o mesmo. Estamos atados a vida e a sua teia cotidiana, nela colhemos os materiais que compõem nossa consciência e, nem sempre, este cotidiano permite vislumbrar algo além da injustiça e da indignidade que marcam o presente. Temos então, que recolher a revolta e a inquietação de quem não submete-se e ousar dar forma às sementes do futuro, ainda que em tempos onde o futuro parece ter sido abolido.”[11]

Gráfico 05
Gráfico 06

Abaixo está uma tabela com os dados de inflação (IPCA), variação do PIB e taxa de desemprego no Brasil de 1983 a 2024[12]

Ano Inflação (IPCA – %) Variação do PIB (%) Taxa de Desemprego (%)
1983 129,00% -3,20% N/D
1984 223,80% 5,40% N/D
1985 235,40% 8,00% N/D
1986 14,70% 7,50% N/D
1987 415,80% 3,60% N/D
1988 1037,50% -0,10% N/D
1989 1764,80% 3,20% N/D
1990 1620,90% -4,30% N/D
1991 480,20% -0,50% N/D
1992 1108,90% -0,80% N/D
1993 2477,10% 4,90% N/D
1994 916,50% 5,90% N/D
1995 22,40% 2,20% 6,30%
1996 9,30% 2,70% 7,50%
1997 5,20% 3,30% 7,60%
1998 1,70% 0,10% 7,60%
1999 8,90% 0,50% 7,60%
2000 6,00% 4,40% 7,00%
2001 6,80% 1,40% 6,70%
2002 12,50% 3,00% 8,00%
2003 9,30% 1,10% 8,50%
2004 7,10% 5,70% 9,60%
2005 5,70% 3,20% 9,40%
2006 3,10% 4,00% 10,40%
2007 4,50% 6,10% 9,30%
2008 5,90% 5,10% 7,90%
2009 4,30% -0,20% 8,90%
2010 5,90% 7,50% 6,70%
2011 6,50% 2,70% 6,00%
2012 5,80% 1,90% 5,40%
2013 5,90% 3,00% 5,40%
2014 6,40% 0,50% 6,80%
2015 10,70% -3,50% 8,50%
2016 8,80% -3,30% 11,50%
2017 3,00% 1,30% 12,70%
2018 3,80% 1,80% 12,70%
2019 4,30% 1,40% 11,90%
2020 4,50% -3,90% 13,50%
2021 10,10% 4,60% 13,50%
2022 5,80% 2,90% 9,30%
2023 4,60% 3,10% 7,80%
2024 3,70% 3,40% 6,60%

Observações:

* Os dados de inflação (IPCA) são referentes ao acumulado no ano.

* A variação do PIB representa o crescimento anual da economia.

Gráfico 07
Gráfico 08

Notas

[1] Rosa Luxemburgo. Greve de massas, Partido e sindicatos, citação extraída de https://passapalavra.info/2022/05/143829/

[2] https://blogdaboitempo.com.br/2024/06/25/as-greves-os-movimentos-sociais-e-o-estado-no-brasil/

[3] https://extra.globo.com/noticias/brasil/foto-de-dilma-aecio-confraternizando-em-sessao-do-impeachment-vira-piada-nas-redes-20017753.html

[4] DIEESE – Balanço das greves do primeiro semestre de 2024 1. Nº 110 – dezembro de 2024

[5] https://passapalavra.info/2025/01/155689/

[6]  Falando em custo de vida, em 2019, com um salário mínimo era possível comprar duas cestas básicas, em 2024, apenas 1,7 cestas básicas – https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/salario-minimo-tem-alta-real-mas-poder-de-compra-seguira-estagnado-ate-2026-diz-pesquisa/?utm_source=social&utm_medium=facebook-feed&utm_campaign=economia-cnn-economia&utm_content=link

[7]https://www.brasildefato.com.br/2024/06/21/numero-de-trabalhadores-sindicalizados-cai-a-metade-em-11-anos-e-atinge-recorde-negativo/

[8]https://passapalavra.info/2025/01/155689/

[9]https://passapalavra.info/2025/03/156079/

[10]https://criticadaeconomia.com/2018/05/guerra-civil-no-proximo-pedagio/

[11] PROCESSO DE CONSCIÊNCIA,  Mauro Luis Iasi. 1999

[12] Dados do PNAD gerados pela iA Studio do Google em abril de 2025.

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