Por Jan Cenek

 

O progresso é incontrolável. Quando o governo federal construiu a ponte da Esperança sobre o rio Jaraqui, em Nova Brasília, o porto fluvial Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) caiu no ostracismo. Carros, caminhões e motos começaram a passar direto pela região. O FHC virou um porto fantasma. O comércio local desapareceu. Comerciantes e vendedores perderam o emprego. Foram fechadas todas as pequenas lojas que vendiam peixes, bolos, bebidas, redes e artesanatos no porto. A borracharia e a oficina mecânica também baixaram as portas. Até as putas que atendiam na região do porto precisaram se deslocar para outros pontos.

Não se ouviu mais a buzina da Deus Proverá em nenhuma das margens do Jaraqui. A velha balsa ficou encostada na beira do rio. Quem passava pelo porto Presidente Fernando Henrique Cardoso nos bons tempos da Deus Proverá se recordava com saudade da buzina do comandante Acácio. Era o sinal da partida. As pessoas ouviam a buzina e sabiam que tinham pouco tempo para embarcar e atravessar o Jaraqui. Era preciso engolir o café, acelerar as compras e concluir os papos. O comandante Acácio era milimetricamente pontual. Mais de uma vez aconteceu de motoristas serem separados dos seus caminhões porque se distraíram e a Deus Proverá partiu para o outro lado do rio. Quem ficava sem o veículo não precisava pagar duas viagens. Mas perdia tempo e levava esporro do comandante Acácio, que garantia que, da próxima vez, jogaria o veículo no rio. O que nunca aconteceu. Era exagero. O comandante Acácio tinha o coração do tamanho da Amazônia.

Com a construção da ponte da Esperança, a Deus Proverá ficou atracada e passou a ser frequentada pelos meninos que empinavam pipas e pelos pescadores da região. Quem visitava a Deus Proverá eram os saudosistas, que aproveitavam o espaço para fumar e lembrar dos bons tempos do porto: cafezinho, cachorro quente, causos contados pelas putas que captavam clientes no local. Quem também visitava o porto era o comandante Acácio, apesar da aposentadoria, que conquistou no tempo da construção da ponte da Esperança. Havia comandado a Deus Proverá por décadas. Ganhou a vida na velha balsa. Tudo que tinha devia à Deus Proverá. Naquele tempo já não precisava se preocupar em ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Mas cada veículo que passava sobre a ponte da Esperança era uma pontada no peito do ex-comandante, que nos sonhos se via pilotando a velha balsa, no rio Jaraqui.

Comandante Acácio carregava no peito a nostalgia dos bons tempos da Deus Proverá, mas, pelo menos, era um dos poucos moradores da região com a vida ganha. Não havia fome em Nova Brasília porque a Amazônia oferece peixes e frutas com fartura, mas, por outro lado, não havia renda. O dinheiro dos motoristas e caminhoneiros, que antes circulava por ali, passou a atravessar direto sobre o rio Jaraqui. Homens e mulheres que ganhavam a vida no porto Presidente FHC precisaram se virar após a construção da ponte da Esperança.

Na Amazônia há poucas possibilidades de emprego. É possível trabalhar nos portos fluviais, limpando os barcos ou carregando mercadorias. É possível partir para as grandes cidades e ocupar os piores empregos. São possibilidades limitadas e pouco atraentes. Quem quer ganhar dinheiro na Amazônia vai para os garimpos ou outras atividades ilegais. É verdade que, nos garimpos, os maiores ganhos ficam para os proprietários, que abocanham parcelas da produção e ainda vendem mercadorias aos garimpeiros. Mas também lucram os profissionais especializados, como os pilotos, que transportam mercadorias das regiões mais afastadas para as cidades, aterrissando e decolando em pistas improvisadas. Os garimpos também oferecem possibilidades para os homens e as mulheres sem capital e sem conhecimento especializado, mas com vontade e disposição para lucrar. Eles podem ganhar dinheiro cavoucando leitos, barrancas e beiras de rio. Elas podem ganhar dinheiro se prostituindo. Quanto maior o posto do cliente, maiores os lucros delas. No garimpo a pirâmide social vai dos garimpeiros aos donos do garimpo, passando pelos pilotos de avião e pelas putas mais requisitadas. Uma profissional do amor que arrebata um dono de garimpo ganha mais dinheiro. Mas os lucros com pilotos e garimpeiros também são altos. No caso dos últimos, especialmente se acabaram de bamburrar; que é um verbo intransitivo que significa enriquecer, fazer fortuna. Mas não é raro um garimpeiro bamburrar e torrar todo o ouro com prostitutas e bebidas importadas.

Quando a região do porto Presidente Fernando Henrique Cardoso caiu no ostracismo, após a construção da ponte da Esperança, não poucos trabalhadores migraram para os garimpos da Amazônia. Especialmente um recém criado, a não muitos quilômetros dali, o Novo Livramento. Nova Brasília não produziu nenhum dono de garimpo, nem sequer um piloto de avião especializado nas precárias pistas da Amazônia, mas garimpeiros e putas a cidade produziu dezenas. Especialmente após a construção da ponte da Esperança e do ostracismo do porto Presidente FHC. Comerciantes, carregadores e putas de Nova Brasília se reencontraram no Novo Livramento.

A história das putas da região do porto Fernando Henrique Cardoso é tema a ser explorado. Não apenas as histórias delas, também as que elas contavam. Havia quem se deliciava com os causos contados pelas mulheres nos intervalos de trabalho, quando o porto estava vazio e não havia clientes a captar. Elas conheciam cada canto da região, incluindo igarapés, cachoeiras, imóveis abandonados, motéis improvisados e outros logradouros utilizados para o ato amoroso. Algumas partiam com os caminhoneiros e voltavam só no final do dia, ou depois de semanas, quando conseguiam caronas e clientes para o retorno. Outras, mais apressadas e com mais tino comercial, trepavam na beira da estrada, para voltar rápido e captar mais clientes. Mas na balsa Deus Proverá ninguém transava, nem em caminhão com vidro escuro e cabine dupla. Se o comandante Acácio pegava puta atravessando o Jaraqui na boleia de caminhão, buzinava e dava esporro, não deixava mais viajar na balsa.

Como podiam conversar, trepar e até viajar pelo país com clientes, que eram quase companheiros, dá para dizer que as putas gostavam do ofício. Algumas visitaram até cidades do sul do Brasil. Muitas conheceram a capital do país, a Brasília original, de Lúcio Costa e Oscar Niemayer. Iam com um, voltavam com outro. Tinham várias famílias, muitos filhos e vários parceiros. Ganhavam dinheiro que gastavam com roupas, sapatos, perfumes e mercadorias desconhecidas na bacia do Jaraqui. A prostituição era o recurso disponível para ampliar horizontes em Nova Brasília e outras cidades ribeirinhas. Mas as putas sempre voltavam e se reencontravam na região do porto Fernando Henrique Cardoso. Quem é do Jaraqui sempre volta aqui – brincavam.

Lindalva foi a puta mais famosa da bacia do Jaraqui e, quiçá, de toda a Amazônia. Ela vinha de uma família com história no ofício. Sabe-se que a mãe e a avó de Lindalva, ambas Lindalvas, foram profissionais do amor. Elas teriam ensinado os segredos do ofício para a menina. A avó de Lindalva foi tão famosa que chegou a ser citada nas memórias do poeta Thiago de Mello. Não há comprovação de que o bardo tenha utilizado os serviços da avó de Lindalva, mas a técnica desenvolvida por ela para lucrar nos garimpos ficou tão famosa que correu de boca em boca, sendo, posteriormente, registrada no livro do poeta intitulado Amazônia – a menina dos olhos. Lindalva – a neta – chegou a receber clientes do Peru, da Colômbia e até dos Estados Unidos. Os estrangeiros iam para a Amazônia atrás dela, todo o resto era só um detalhe. O encontro das águas do Solimões com Negro era só um detalhe. O encontro das águas do Amazonas com o Tapajós era só um detalhe. A biodiversidade amazônica era só um detalhe. Os povos isolados na mata eram só um detalhe. Lindalva é que importava, em todos os sentidos. Lindalva foi uma legítima filha da terra, uma potência tropical, um fruto raro da Amazônia. Tinha os cabelos pretos, como se tivessem sido pintados com tinta de jenipapo. Tinha a pele morena, no tom do cupuaçu. Tinha as coxas roliças e a bunda boleada, que se destacavam porque ela usava salto alto, apesar da lama e das estradas de terra. Conta-se que Lindalva atendia de salto alto, que tirava tudo, menos os sapatos. Os peitos eram firmes como dois punhos cerrados. Ela tinha a voz deliciosamente feminina e um gingado sinuoso, como bote de cobra peçonhenta. Reza a lenda que as partes íntimas de Lindalva eram fortemente avermelhadas – como se pintadas com tinta de urucum – e que se ela realmente gostasse do cliente, o sexo dela brilhava: como os rios da Amazônia, nas primeiras horas da manhã.

Lindalva foi umas das primeiras a partir para o garimpo Novo Livramento. Sempre tinha ouvido a mãe e a avó falarem que lugar de puta é no garimpo, que é onde se ganha dinheiro para valer. Lindalva deixou a região do porto Fernando Henrique Cardoso assim que recebeu notícias vindas do Novo Livramento. Acostumada a faturar com caminhoneiros e viajantes pobretões, que pechinchavam antes de fechar negócio, lucrou alto no garimpo Novo Livramento. Ganhava infinitamente mais, trabalhando bem menos. Atendia um cliente por noite, não mais que isso. Havia semanas que nem aparecia no trabalho, preferia passar o tempo assistindo novelas. Mas quando ela surgia de salto alto era um alvoroço. Todos queriam Lindalva. Sabiam que ela não atendia mais de um cliente por noite. Quem realmente quisesse deitar com Lindalva devia estar disposto a gastar. Ela adaptou uma técnica que havia aprendido com a mãe e a avó: pagamentos só em ouro. Houve garimpeiros que ficaram ricos de dia e perderam tudo à noite. A técnica de Lindalva consistia em excitar o homem a ponto dele trocar toda a vida por uma noite. Ela dançava e bebia com o escolhido. Se o eleito realmente estivesse disposto a ter uma noite de amor como se fosse a última, iam para o quarto. O homem precisava portar uma boa quantidade de ouro. Se não, trocavam algumas palavras e ela dispensava o sujeito. Quem chegou a ir para a cama com Lindalva não esquece jamais. Ela não tinha a pressa das profissionais que ganham por produção. Tudo no seu tempo – dizia Lindalva. Tempo do uísque importado. Tempo de carícias ajustadas. Tempo de se despir delicadamente. A técnica dela consistia em só negociar valores no momento em que os clientes estavam excitados a ponto de trocar tudo por uma noite. Era quando ela terminava de tirar as roupas do homem e colocava o preservativo no membro ereto, lubrificava e mandava o macho besuntar com ouro.  Era isso ou nada. Lindalva deitava o homem na cama e montava sobre ele. Não havia posição que ela não conhecesse e dominasse. Lindalva gostava de concluir o trabalho por baixo, para testar o vigor do macho. Consumado o ato, o homem podia levar a camisinha, se quisesse e se lembrasse. O ouro que ficasse no preservativo era do cliente. O ouro que ficasse dentro de Lindalva era dela. Quando o macho se retirava, ela se posicionava de cócoras sobre uma bacia, lavava-se com um jato de água e recolhia o ouro que descia de dentro dela. Lindalva gostava de homens decididos, bem dotados e vigorosos. Em Nova Brasília e na Amazônia dizem que com Lindalva nenhum homem broxou.

Quando o ouro do Novo Livramento começou escassear, apenas os mais otimistas continuaram na região, movidos por dourados sonhos de enriquecimento. Lindalva voltou para Nova Brasília. Outra lição que aprendeu com a mãe e a avó: saber o momento certo para abandonar o barco. Há quem diga que Lindalva ficou com cerca de cinquenta por cento do ouro do Novo Livramento. Metade da riqueza da região teria passado por dentro dela. É possível. Lindalva comprou terrenos, imóveis e boa parte do comércio de Nova Brasília, inclusive as lojas abandonadas no porto Presidente Fernando Henrique Cardoso. Dizem que ela tentou comprar até a ponte da Esperança, mas o negócio não avançou. Lindalva perdeu dinheiro empreendendo em Nova Brasília. Da Europa ela trazia ideias e produtos que não vingavam na Amazônia. A loja especializada em sapatos femininos fechou em poucos meses. Mesmo destino teve a relojoaria inaugurada no centro da cidade. Mas dinheiro não era problema para Lindalva. Até uma cafeteria ela abriu e manteve funcionando, apesar do negócio não se sustentar financeiramente. Lindalva dizia que Nova Brasília merecia contar com tertúlias literárias, como havia em Paris e Buenos Aires. Ela organizou saraus e lançamentos de livros na cafeteria.

Sem saber o que fazer com as lojas abandonadas no antigo porto Presidente Fernando Henrique Cardoso, Lindalva ouviu suas colegas de profissão e acatou as sugestões. Reformou todo o espaço. Criou uma grande sala de espetáculos com isolamento acústico. Transformou a antiga lanchonete num bar sofisticado, que oferecia drinks caribenhos. As lojas que vendiam peixes, bolos, bebidas, redes e artesanatos da Amazônia foram transformadas em quartos confortáveis. Até aparelhos de ar-condicionado ela mandou comprar e instalar. Não havia quarto sem refrigeração, porque o calor amazônico é inclemente. A única coisa que Lindalva não mudou foi o nome do lugar, que continuou se chamando porto Presidente Fernando Henrique Cardoso: para não despertar a atenção das autoridades e dos moralistas; para não contrariar os saudosistas e os nostálgicos; e, principalmente, porque daquele dia em diante nenhum “politiquinho” – o termo é da própria Lindalva – mudaria o nome do lugar para se promover. Aos poucos as pessoas começaram a chamar o lugar de novo porto, ou novo FHC, ou novo porto Fernando Henrique Cardoso. Ali se apresentaram bandas de música caribenha e amazônica. Lindalva fazia questão de pagar as diárias, as passagens e as acomodações dos artistas. As putas da região – que atendiam em garimpos, igarapés, cachoeiras, imóveis abandonados, motéis improvisados e na boleia dos caminhões – ganharam um espaço nobre para trabalhar. O novo porto Fernando Henrique Cardoso recebeu gente da América do Sul, do Caribe, da Europa, de todos os cantos do Brasil e até dos Estados Unidos. Os clientes vinham pelos rios e pela única estrada da região. Chegaram ser registrados engarrafamentos na ponte da Esperança. Foi preciso ampliar o estacionamento do porto.

Quando o novo porto Fernando Henrique Cardoso começou a fazer dinheiro, Lindalva dobrou a aposta e os investimentos. Ela tinha tino comercial e era ousada. Negociou, adquiriu e reformou a velha balsa, que estava estacionada na margem do rio Jaraqui. Importou profissionais e peças da China para fazer a Deus Proverá funcionar novamente. Não foi um negócio da China para os chineses. Eles trabalhavam de dia na balsa e se divertiam à noite com as garotas do novo porto Fernando Henrique Cardoso. Lindalva teve superávit nas relações comerciais com a China, feito raro inclusive para países imperialistas como os Estados Unidos e blocos econômicos como a União Europeia.  Alguns chineses constituíram família e ficaram em Nova Brasília e região. O dinheiro que ganhavam de dia, gastavam à noite. A Deus Proverá ganhou bancos confortáveis nas laterais e na parte posterior, como se fosse uma espécie de arquibancada com dois andares. Lindalva mandou construir um palco virado para os bancos e doze suítes, sendo uma delas presidencial: com espelhos, mármore de primeira, banheira de hidromassagem e vista para o rio Jaraqui. A altura da cabine foi elevada para ampliar a visão do comandante. Banheiros foram reformados. Até uma cobertura móvel foi instalada sobre a balsa, para os dias de chuva. Lindalva exigiu a restauração – não era substituição, era restauração – da buzina da Deus Proverá. O som tinha que ser o mesmo dos tempos do comandante Acácio. Os chineses sozinhos não conseguiram restaurar a buzina da velha balsa, a tarefa era especializada demais para homens desgastados pelas noites amazônicas. Lindalva importou peças e profissionais do Japão e da Coreia para restaurar a buzina da Deus Proverá. Não foi fácil administrar chineses, japoneses e coreanos trabalhando no mesmo projeto e se divertindo com as mesmas garotas. Mas tudo saiu conforme o planejado. Ela pagava bem e em dia. Trabalho bem feito devia ser bem remunerado.

Ninguém imaginava o que Lindalva pretendia reformando a Deus Proverá. Havia quem dissesse que ela queria entrar no ramo de transportes fluviais, desbancando as empresas de Manaus e de Belém. Havia quem dissesse que ela pretendia interligar comunidades ribeirinhas, para depois construir pontes e estradas. Talvez porque chineses, japoneses e coreanos mantiveram segredo. Talvez porque eles não conseguiam se comunicar em português. Ninguém conheceu os planos para a Deus Proverá antes da hora. A última e mais difícil etapa do projeto precisou ser encabeçada diretamente por Lindalva, porque ninguém conseguiu convencer o comandante Acácio a voltar ao trabalho. Estava aposentado e desaprovava o novo porto Fernando Henrique Cardoso.  Lindalva precisou procurar o comandante Acácio e explicar que ninguém conhecia a Deus Proverá e o rio Jaraqui tanto quanto ele; que o empreendimento traria turistas e divisas para Nova Brasília; que se eles não tomassem a frente, algum europeu ou chinês dominaria o negócio. Além de tudo, Acácio só trabalharia um dia por semana, apenas aos sábados. Até a buzina da Deus Proverá havia sido restaurada para que ficasse perfeita para o comandante, como nos velhos tempos.

As boas lembranças e a saudade derrotaram a resistência moral do comandante Acácio. Ele aceitou pilotar a embarcação. Lindalva venceu, mais uma vez. Quando faltava pouco para concluir a reforma da Deus Proverá, quando os profissionais que trabalhariam embarcados estavam contratados, apareceram cartazes em Nova Brasília e região anunciando a grande festa caribenha: com drinks e música ao vivo, porções e lanches, queima de fogos e sorteio de prêmios, tudo sobre as águas do rio Jaraqui. Reformada, a Deus Proverá se transformou numa arena da luxúria, com pista de dança, bar, restaurante, palco, arquibancada, suítes e cobertura móvel.

A cabine de comando se destacava sobre a estrutura flutuante. Foi de lá que o comandante Acácio apertou a buzina anunciado a partida quando toda a tripulação estava devidamente embarcada. O pequeno atraso no embarque não prejudicou a noite de festa, apesar de incomodar o comandante. A música ao vivo começou na sequência. Os drinks de cortesia foram servidos. Quem era de dança foi para pista. Os mais contidos se acomodaram nos bancos. Quando a banda fez o primeiro intervalo, Lindalva subiu no palco e, como estava combinado, o comandante Acácio apertou a buzina da Deus Proverá. Lindalva apresentou os músicos e a tripulação. Agradeceu ao comandante por ter aceitado o novo desafio profissional. Comentou o empreendimento. Explicou que a Deus Proverá contava com bar, restaurante, funcionários treinados, equipe de segurança e suítes para os casais apaixonados, que poderiam reservar os quartos previamente com a equipe responsável. Ninguém pagou em ouro para fazer amor nas suítes da Deus Proverá, como nos tempos em que Lindalva atendeu no garimpo Novo Livramento, mas ela faturou alto com o negócio, mesmo sem atender diretamente os clientes. Demanda Lindalva tinha de sobra, mas recusava alegando que o tempo dela tinha passado, que os desafios eram outros, que deixaria espaço para a nova geração.

A Deus Proverá partia do novo porto Fernando Henrique Cardoso todo sábado, às 22h00 – após o másculo fonfom da buzina –, voltando no dia seguinte, quando os primeiros raios de sol surgiam no horizonte e as águas do rio Jaraqui brilhavam. Os nostálgicos garantiam que, quando Lindalva atendia e realmente gostava de um cliente: o sexo dela brilhava como as águas do Jaraqui nas primeiras horas da manhã. A Deus Proverá voltou a movimentar Nova Brasília. Músicos, garçons, seguranças, salva-vidas, socorristas e, principalmente, as putas ganharam um bom dinheiro. Algumas compraram carros, outras viajaram e conheceram a Europa. Houve até quem abriu negócios próprios. O grande exemplo a ser seguido era Lindalva, indiscutivelmente.

O novo Fernando Henrique Cardoso gerou renda e progresso. As bandas se apresentavam na sala de espetáculos, o bar vendia drinks e as profissionais atendiam nos quartos com ar-condicionado, sete dias por semana, de segunda a segunda. Mas bom mesmo eram os sábados na Deus Proverá. Os corações batiam mais forte quando a buzina do comandante Acácio apitava anunciando a partida. Vieram turistas do Peru e da Colômbia, do Rio de Janeiro e de São Paulo, da Argentina, da Europa e até dos Estados Unidos. Músicos locais e estrangeiros se apresentaram na Deus Proverá. Mulheres embarcavam sem outras intenções que não fosse dançar sobre as águas do rio Jaraqui. Os homens eram cavalheiros o suficiente para diferenciar as garotas de programa das turistas e outras mulheres embarcadas. Não houve problemas nem desencontros. Até casamentos foram celebrados na Deus Proverá, com direito a banda escolhida pelos noivos, cerimônia religiosa, refeições, sobremesas, drinks, dança e, principalmente: noite de núpcias na suíte presidencial, com visão para as águas do rio Jaraqui – que brilham nas primeiras horas da manhã.

3 COMENTÁRIOS

  1. Adotei o conto e o formato de contação. A sua fluidez é própria de um literato e não poderia ser diferente tendo a alma poeta e analítica que os grandes autores possuem. Obrigada pela excelente leitura que acabo de fazer.

  2. Gostei Jan Cenek. Parabéns. Não tenho talento para crítico literário, portanto, só posso lhe dizer “sentimentos” sobre o texto. Apenas para incentivar.
    Então, lembrei-me do “Bruna Surfistinha”, mas não notei influência no seu conto. Milton Hartoun, “Órfãos do Eldorado”, do seu último “Clube de Leitura”, está presente. Ficou legal. Aprende-se muito sobre a Amazônia. Obrigado.
    Para você não achar que deixei de ser chato (kkkk), notei uma certa repetição de nomes, lugares e situações. Talvez você possa me orientar sobre a intenção dessa técnica literária. Quero aprender, você sabe, sou novato nessa área. Escrever um texto por mês não é fácil. Cumprimento-o por isto também.
    Grande abraço, até o próximo.

  3. Lembrei de Zé Sobrinho, Chico Osório e do Índio. Grandes mestres em matéria de gastança, farra com as primas, casamentos… Umas lendas… Índio foi o maior de todos eles, não?
    Valeu, Jan!!

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