Por Marcelo Tavares de Santana [1]
As redes sociais têm influenciado a geopolítica internacional de tal modo que nos força a considerar as relações internacionais nas nossas discussões tecnológicas, de modo quase obrigatório. Além da segurança técnica de dados, como fazer backup, até questões jurídicas locais como a Lei Geral de Proteção de Dados, precisamos considerar as tentativas de interferência internacional como as sanções a Ministros do Supremo Tribunal Federal e aplicação de tarifas por questões políticas arbitrárias e unilaterais que visam ferir a soberania do Brasil. Na atual configuração tecnológica mundial, o Brasil também não tem soberania tecnológica pois muitos dos serviços em nuvem computacional estão com os dados armazenados em outros países, e para saber como isso nos afeta é só lembrar um ou outro dia que houve problemas em servidores de nomes DNS quando muitos serviços, como os do Google, ficaram indisponíveis por questões puramente técnicas.
A possibilidade de um boicote digital por outros países é baixíssima mas não nula, e se torna preocupante quando percebemos um líder de um único país prejudicar outras nações somente com uma caneta na mão. Na prática, nenhuma empresa quer ter seus serviços interrompidos em qualquer país pois uma interrupção arbitrária afetaria a confiança no uso de serviços digitais em empresas estrangeiras, o quê pode representar uma perda de clientes e capital em longo prazo, ou seja, na prática o interesse de lucro também protege o funcionamento desses serviços digitais e não precisamos entrar em paranóia por conta disso. Mesmo assim, é sempre importante buscar modos de vida digital alternativa para que num eventual abuso de poder não sejamos prejudicados nem por um dia.
Tudo isso é também uma questão de retenção de dados pessoais nesses serviços, incluindo as redes sociais, que já conseguem ter toda nossa vida privada guardada em seus servidores (muitas vezes somente neles) – e esses serviços são feitos para serem assim. É evidente que serviços em nuvem proporcionam muita comodidade em segurança de dados, mas gera um ponto de falha muito importante que é a possibilidade de proibição de acesso por ser tecnicamente centralizado. Aqui vale retomar a discussão feita no artigo “A importância das redes federadas públicas” [2] e relembrar que redes descentralizadas nas mãos de cidadãos, com as do Fediverso, são uma forma de diminuir problemas com possíveis interrupções arbitrárias porque desestimulam qualquer ação negativa pela complexidade da descentralização.
Os serviços digitais contam com diversas técnicas computacionais para continuarem funcionando independente do problema, podendo até ser um ataque cibernético. No entanto, há um tipo de problema que pode parar qualquer serviço, chamado de ordem executiva ou judicial quando esta é abrangente demais. Isso nem de longe é o quê acontece no Brasil, pois existe um processo histórico de ordens do STF para conteúdos específicos que foram desrespeitadas, caracterizando o desrespeito de empresas à Lei brasileira, portanto, totalmente legítimo. O quê vemos nesse momento da história é o poder executivo estadunidense aplicar tarifas arbitrárias baseada em mentiras que lhe são convenientes e atacar também uma tecnologia brasileira, o PIX, como se o Brasil não tivesse soberania para desenvolver suas próprias tecnologias. Esse exemplo sugere que é muito fácil uma única pessoa atacar tecnologias e desconectar países alegando, por exemplo, questões de segurança. No meu trabalho utilizamos ambientes em nuvem que estão hospedados fora do Brasil, uma atitude dessa poderia prejudicar a Educação brasileira, e como vimos também a perseguição a estudantes nos Estados Unidos por exercerem sua liberdade de expressão em redes sociais, não há mais porque desconsiderar que haveria algum escrúpulo em se tentar uma manobra dessa, por mais remoto que parece ser.
Nesse contexto, as redes federadas tornam esses atos unilaterais mais difíceis pois seria necessário muito esforço para fechar serviços em diversos países, e mesmo que um ou outro fique isolado ainda será possível que a rede funcione internamente, desde que os dados necessários ao funcionamento também estejam no país. Serviços como o Signal, apesar de serem confiáveis, têm na centralização de servidores um grave ponto de falha na geopolítica atual, e por isso precisamos refletir e começar a usar mais serviços como XMPP, por ser um serviço de mensagens rápidas descentralizado. Faz tempo que não uso esse serviço e pode até que o Signal seja mais prático de usar, mas é necessário que tenhamos serviços que funcionam como redundância de comunicação quando for necessário, mesmo que deem um pouquinho mais de trabalho para configurar ou usar. Aumentar o uso de redes federadas e diminuir o de redes sociais empresariais pode inclusive funcionar como um recado da sociedade civil dizendo que não está gostando do que está acontecendo, que não é tonta e que quer respeito. Particularmente, acredito que o Fediverso seja um caminho inevitável para uma humanidade mais justa pois as empresas sempre criarão novas técnicas para atender seus interesses de concentração de dados e riqueza dela e de seus acionistas, e toda hora governos sérios terão que criar novas legislações numa eterna e muito cansativa corrida pelo cumprimento das leis; a não ser que milagrosamente as empresas assumam sua responsabilidade como grandes publicadoras de conteúdo e que aceitem leis com esse teor.
O tema é extenso e o momento é para ação. Como forma de ampliarmos o uso do Fediverso, vamos focar no XMPP nas tarefas sugeridas para as próximas semanas:
- semana 1: pesquise sobre sobre o XMPP na Wikipedia e outros locais;
- semana 2: pesquise e instale programas, veja <https://xmpp.org/getting-started/>;
- semana 3: pesquise e crie conta em algum provedor XMPP, veja <https://providers.xmpp.net/>;
- semana 4: utilize criptografia ponta-a-ponta no aplicativo escolhido, o recurso OTR é um dos protocolos mais tradicionais para isso.
Também vou retomar o uso do XMPP, e voltaremos a falar sobre ele.
Bora pro Fediverso!
Notas
[1] Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de São Paulo.
