Para Pedrosa, além das relações de exploração de uma classe sobre a outra, existem as relações de exploração de uma nação sobre a outra: “nações proletárias” oprimidas, de um lado, e a “Nação Imperial Americana”, de outro. Por Fagner Enrique
As “nações proletárias” e a Aliança para o Progresso
A Aliança para o Progresso ocupa boa parte da reflexão de Mário Pedrosa em A Opção Imperialista [1]. Na verdade, ao que parece, é através de sua reflexão em torno da falência da Aliança para o Progresso que ele chega às suas conclusões decisivas sobre o caráter contra-revolucionário, regressivo e desnaturador da “opção” resoluta do Governo Castelo Branco pela integração do Brasil à órbita imperial americana [2], responsável por manter o país refém do estrangulamento econômico imposto pelos Estados Unidos aos países latino-americanos, desde o segundo pós-guerra.
Vejamos, em primeiro lugar, a questão do estrangulamento econômico da América Latina pelos Estados Unidos.
Nos anos 1940, havia uma interdependência [3] entre os Estados Unidos e os países latino-americanos: os Estados Unidos escoavam seus produtos para a América Latina; os países latino-americanos substituíam o Extremo Oriente como fornecedores de vários produtos primários [4]. Desse modo,
a América Latina se viu diante de uma contingência negativa e uma contingência positiva. Negativa porque passava a depender em tudo quase de um só país. Positiva porque, sendo ainda uma das raríssimas zonas que poderiam suprir os Estados Unidos pela perda das áreas do Extremo Oriente, era levada a esforços intensivos para fazer crescer sua capacidade produtiva até o extremo limite [5].
Como corolário dessa interdependência (na verdade, mais uma “dependência unilateral” [6], da América Latina em relação aos Estados Unidos), verificava-se, por parte dos Estados Unidos, um esforço em adaptar as economias latino-americanas à sua própria, através da instituição, na América Latina, de “um monopólio sem precedentes” (de fontes de matérias-primas, da exploração das mesmas, dos mercados interno e externo etc.) e da mais completa dependência econômica [7]. Resultava, daí, um sério declínio da parte da América Latina no comércio mundial, pois “como consequência natural do monopólio, cresceu a tendência de toda a América Latina ao isolamento” [8] e “toda a política americana desde o fim da guerra tem visado a não perder esse monopólio que, aliás, não se atenuou com o tempo” [9]. Desde 1948, com a 9ª Conferência Internacional dos Países Americanos, a América Latina havia voltado à sua “rotina”: fechou-se o balanço de um negócio que terminou (a cooperação econômica americana), mas foram mantidos os laços políticos que amarravam a América Latina aos Estados Unidos [10].
Além do isolamento geográfico, verificava-se, também, um isolamento ideológico: o “marxismo-leninismo” era declarado ilegal e incompatível com o sistema interamericano [11]. E mais: esses isolamentos não dão origem ao regionalismo mas à regressão. O regionalismo: é esse o projeto de desenvolvimento que o autor defende para a América Latina.
Os regionalismos, ou, por outra, agrupamentos regionais de Estados, podem ser […] uma condição de sobrevivência de pequenas nações e de pequenos Estados nacionais, ou de grandes Estados fracos, economicamente, politicamente. Tais agrupamentos, porém, adaptados às infra-estruturas naturais, visariam a atuar sobre precisos problemas locais de áreas particulares e afins. O regionalismo é uma aproximação conjugada de domínio sobre a natureza comum de Estados que, sozinhos, seriam incapazes ou encontrariam dificuldades para aquele domínio, o que equivale a mobilizar conjuntamente recursos para superar o subdesenvolvimento. Os regionalismos podem ser provincianos, localistas, mesmo paroquiais para barrar do caminho largo os desvios impostos por espúrias pressões externas ou por devaneios fantasistas de mistagogos [12].
Para Pedrosa, além das relações de exploração de uma classe sobre a outra, existem as relações de exploração de uma nação sobre a outra: o autor chega a falar em “nações proletárias” oprimidas, de um lado, e na “Nação Imperial Americana”, de outro [13]. Segundo o autor: “além da velhíssima exploração, cujas raízes descem às profundezas da relação primeira entre o primeiro senhor e o primeiro escravo, a exploração do homem pelo homem […] passamos a conhecer uma forma nova dessa exploração, de ordem coletiva, ou de um Estado que explora outro” [14].
Outrora, dentro de cada Estado nacional, as relações de trabalho se passavam em campo reservado: no pátio da fábrica entre os que vinham procurar trabalho e o que dava ou não dava trabalho. O mercado de trabalho era realmente livre, juridicamente livre, perfeitamente livre. Comprava-se a força de trabalho no mercado, conforme abundasse ou rareasse. Depois esse mercado foi perturbado. Por quem? Pelas próprias forças de trabalho que se juntaram para, no mercado, estabilizar seu preço ou elevá-lo. De qualquer modo, impedi-lo de baixar. Os seus “produtores”, isto é, os trabalhadores, resolveram fazer um cartel e passaram a intervir no mercado contra os consumidores delas. Hoje, esse mercado na maioria dos países ainda existe, mas a concorrência nele é cada vez mais imperfeita. Quando o cartel dos trabalhadores chegar ao poder do monopólio, o mercado de trabalho estará extinto. Tempo virá em que os países produtores de artigos primários se juntarão também, como as forças de trabalho fizeram, e irão ao mercado levar seus produtos, organizados em uma espécie de cartel, que não visa a fins privados de produtores agrupados em liga contra os consumidores, mas a fins coletivos de cartéis de Estados, sindicatos de povos. Os consumidores desses produtos podem recusar-se a comprá-los, a pretexto de o mercado primário ter deixado de ser livre, sujeito que passou a ser de uma conspiração monopolística, de práticas comerciais inconfessáveis. Para tanto, porém, terão de fazer uma revolução interna, no próprio sistema de produção, para boicotar os produtos primários do cartel dos subdesenvolvidos do mundo. Substituí-los por equivalentes sintéticos… a não ser que os Estados Unidos, a única grande potência industrial que até agora faz concorrência aos subdesenvolvidos em mercadorias primárias – os seus excedentes agrícolas – se resolvam a suprir os mercados com os “seus” primários em face do bloqueio dos similares… “cartelizados”, introduzindo em seu território métodos intensivos de produção em massa para a exploração de seus “recursos naturais” ainda em recesso ou até agora inaproveitáveis ou inaproveitados como não economicamente interessantes. A economia mundial nessas condições será compelida a transformar-se rapidamente e talvez que, desta feita, a “transformação rápida” se processe com maior rapidez ainda entre os próprios Estados subdesenvolvidos [15].
Mas, para isso, seria necessário algo que a América Latina não tem: “uma força dinamizadora realmente interessada em promover o intercâmbio [entre os países latino-americanos], em fazê-lo constante e naturalmente progressivo, abrangendo pouco a pouco todos os produtos que cada país esteja em condições de suprir”, não bastando “que a lista dos produtos comuns a serem trocados na base da associação cresça no papel”, sendo preciso, ainda, que haja “vantagens palpáveis para os que vendem e os que compram, com exclusão de produtos similares procedentes de outras zonas não associadas” [16]. Há uma lacuna na América Latina: falta-lhe “uma ‘ação consequente das classes a que está entregue o processo econômico’” [17]. Há, na América Latina, um “alheamento empresarial em relação às questões políticas”, isto é, falta-lhe “uma força atuante consciente, movida por um objetivo permanente, por um ideal mesmo para a coletividade latino-americana” [18]. “Os governos da maioria dos nossos Estados”, escreve Pedrosa,
não estão em condições de compreender ou levar por diante uma política sistemática, de longo alcance, em prol da integração econômica regional dos nossos países, absorvidos que vivem em sair de dificuldades imediatas ou em desatrelar o carro de seu Estado da máquina econômica e política norte-americana que tem sua velocidade própria e sobretudo sua escala com destino marcado. Outros, ao contrário, procuram para salvamento e comodidade burguesa de seus dirigentes, atrelar o carro emperrado de seu Estado à possante máquina americana [19].
“O fundamental é a vontade política, a vontade transformadora dos Estados associados” [20], mas “a classe dos industriais brasileiros, argentinos, colombianos, mexicanos, uruguaios, chilenos não tem a consciência clara de seu destino, a energia moral necessária para carreá-la para dentro de seus próprios países e por ela dar uma verdadeira batalha política” [21].
A Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) poderia, afirma Pedrosa, funcionar como um organismo fechado e auto-regulado, voltado para a promoção do regionalismo ou da integração econômica latino-americana [22], mas o empresariado brasileiro, por exemplo, prefere propor a sua integração à Aliança para o Progresso [23], que é “um empreendimento não regional mas comum dos países latino-americanos, tomados um a um, e os Estados Unidos, que financiam seus projetos quando os acham razoáveis ou abençoam investimentos privados americanos nos países latino-americanos” [24]. Para Pedrosa, “vincular a ALALC à Aliança é precisamente negar o caráter e a necessidade do esforço de integração regional representado pela primeira organização” [25].
A Aliança para o Progresso, tal como a cooperação econômica americana da conjuntura da guerra, obedecia, ademais, às contingências da Guerra Fria e das relações Estados Unidos-América Latina.
Depois de Truman, Eisenhower é a volta direta do big business, ou à tentativa, com os republicanos, de lhe entregar a direção da coisa pública. Os tempos passam. A Europa ocidental reergue-se. Mas não é a paz, pois surge a guerra da Coreia e, com esta, também uma reanimação sui generis no mundo dos negócios, inclusive nas regiões periféricas como o Brasil. O perigo do comunismo transfere-se, como ave de arribação, à Ásia [26]. E a América Latina ficou outra vez isolada, no seu canto, a matutar frustrações que acabam se exteriorizando em graves demonstrações públicas antiamericanas, como em Caracas, por ocasião da visita do Vice-Presidente Nixon, ou, ainda mais grave do que aquele testemunho da neurose popular, na formidável figura de Fidel Castro ao levantar-se sozinho na Sierra Maestra e conquistar Cuba, desfraldando sobre o seu povo a bandeira da Revolução. O Presidente Eisenhower, em pânico, e seu Secretário do Tesouro, o frio homem de negócios que é Douglas Dillon, também em pânico, deliberaram reexaminar a situação em deterioração crescente entre os súditos latinos do Continente. Desse pânico saíram o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e, logo depois, já sob a direção meio rooseveltiana de John Kennedy, a Carta de Punta del Este, onde, pela primeira vez, o Governo americano reconhece a plena legitimidade, em tempo de paz, dos grandes empréstimos públicos, de Estado para Estado, visando expressamente ao desenvolvimento econômico estrutural nos nossos países latinos [27].
O momento da reviravolta se deu entre Maio de 1958, com o incidente envolvendo Nixon, e Janeiro de 1959, com a vitória da Revolução Cubana [28]. O cerne da aliança eram os empréstimos globais ou por programa, mas isso ia de encontro às preferências e aos interesses privatistas, dentro e fora dos Estados Unidos, e eles são logo substituídos por empréstimos para projetos específicos. Somando-se a isso, vem, também, por parte dos Estados Unidos, o excessivo protecionismo à Marinha Mercante e a restrição do financiamento de despesas em moeda local [29]. E, assim, a aliança vai sendo desfeita, até deixar de existir.
Os seus objetivos iniciais eram, segundo Pedrosa, com um “fundo social” de 500 milhões de dólares, o “Fundo do Progresso Social”, constituído pelo governo americano e administrado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, acabar com os déficits de habitação e de saneamento básico e promover a educação, a reforma agrária e o crescimento da produção agrícola etc. para garantir a alimentação das populações latino-americanas mais pobres [30].
Mas, num relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento de 1966, constata-se, por exemplo, segundo Pedrosa, “um déficit de vivendas de 15 a 19 milhões de unidades por ano”, quer dizer, “muito inferior ao aumento da população e que pede, para ser eliminado em trinta anos, com atendimento das necessidades do crescimento populacional, a construção de 2,5 a 3,3 milhões de unidades por ano, em face de um ritmo de construção que é de apenas 400 mil unidades anuais” [31]. Além do mais, “em matéria de saúde, a situação ainda é mais precária, pois no próximo quinquênio são mais de 159 milhões de latino-americanos, entre cidade e campo, necessitados de água e esgoto” [32]. E, quanto ao crescimento da produção agrícola, desde o início da aliança até 1966, a América Latina “registrou […] um aumento de apenas 2 a 3%, quando a reunião de Punta del Este previa, modestamente, um aumento de 4 a 5%, índice atingido por apenas quatro países: México, Venezuela, Bolívia e Nicarágua” [33]. Assim, então, “a América Latina se encontra num círculo vicioso, em que o descontentamento social desestimula o desenvolvimento econômico e a estagnação provoca a tensão social” [34].
No entanto, os milhões de dólares disponibilizados pelo governo americano foram, na verdade, bem aproveitados. Escreve Pedrosa, em tom sarcástico:
Os milhões e milhões de dólares gastos não se perderam: com eles se fizeram excelentes negócios, com pingues lucros para as empresas americanas que forneceram material, equipamentos, transportes, serviços para as obras beneméritas de assistência à América Latina. Sejamos justos: tiveram também sua parte nos negócios, embora parte menor, empresas latino-americanas e atravessadores de ambas as regiões. Os 500 milhões sempre ajudaram a aumentar a renda nacional bruta dos Estados Unidos. Montantes de dinheiro nessa escala nunca se perdem [35].
Já no que se refere às resistências privatistas à aliança, em 1962, numa Conferência sobre Tensões no Hemisfério Ocidental, David Rockefeller, um dos mais destacados representantes do “alto capitalismo”, afirma que, apesar de a aliança pôr ênfase, teoricamente, na primazia do investimento privado, com um terço do capital vindo de áreas externas e dois terços sendo gerados domesticamente, “os programas estimulados se têm ocupado principalmente com a ação governamental” [36]. Além do mais, a “inquietação social” e as “incertezas políticas”, daí decorrentes, “criam condições menos propícias a prover um clima hospitaleiro à poupança e a investimentos”, de modo que “se […] a América Latina não está apta para abraçar doutrinas que dão aos governos centrais autoridade sobre recursos naturais […] e diminuem a liberdade individual, os incentivos devem desempenhar um papel mais importante” [37]. E, por exemplo, em Fevereiro de 1963, “o Time […] aconselhava os Estados Unidos a adotarem o método do carrot and stick approach – ou, em nosso vernáculo popular de subdesenvolvidos, ‘o feixe de capim na ponta de uma vara’ à frente do burro para estimulá-lo a avançar na direção que se quer” [38].
Seja como for, por meio da Aliança para o Progresso, os Estados Unidos pretendem manter o monopólio por eles exercido sobre as economias latino-americanas, quer haja ou não cooperação econômica e por mais que a economia americana seja, na verdade, concorrente em relação às economias latino-americanas, no que se refere à produção de produtos primários: trata-se mais de questões políticas e estratégicas do que de questões econômicas. Chegou-se a ponto de se vislumbrar a possibilidade de a América Latina compor, com os Estados Unidos, um só bloco econômico ou, também, de ela integrar uma união hemisférica ocidental, composta pelo hemisfério ocidental (Estados Unidos e América Latina) e pelo Império Britânico [39].
Havendo ou não cooperação econômica, os “homens de negócios” americanos estão convencidos de que, “contra a experiência histórica”, “contra as estatísticas”, “contra as expectativas e os prognósticos”, eles “terminarão por melhorar as condições de vida dos povos subdesenvolvidos periféricos assim como num sistema de vasos comunicantes, o líquido circulante acabará atingindo nível igual em todos eles” [40].
O superimperialismo e a coexistência pacífica
O que Pedrosa vai demonstrando, paulatinamente, é que a tendência dominante é a da mundialização do “neocapitalismo liberal” americano, o que se explica, para o autor, em parte, pela força da ideologia liberal nos Estados Unidos. Ele reproduz este trecho, de um texto publicado no Herald Tribune em Maio de 1961:
Numa proporção muito maior do que pretendem admitir, nossos amigos americanos são presas de uma ideologia quase tão estreita quanto a dos comunistas e também tão fervorosamente acreditada. A ideologia iguala o capitalismo não só à liberdade como quase que à virtude… Para quase todos os americanos, o comunismo é um mal tão absoluto como o nazismo ou o assassínio e qualquer um que investigue esse dogma já deve estar infectado pelo contágio. Desistem de notar qualquer diferença entre a Rússia de Stalin e a Rússia de Kruchev, ignoram o caso da Iugoslávia, onde os comunistas criaram uma sociedade independente da Rússia e que aos democratas menos apaixonados parece não ser moralmente pior do que as sociedades capitalistas da Espanha de Franco, do Portugal de Salazar e da África do Sul de Varwoerd [41].
Contudo, outros elementos devem ser considerados. Na verdade, a mundialização do “neocapitalismo liberal” americano está associada ao “objetivo nacional permanente” dos Estados Unidos: o de ser uma “potência exclusiva” e o de aniquilar “qualquer poder que, direta ou indiretamente, possa ferir ou ameaçar por sua existência mesma o regime de capitalismo privado que se identifica com a razão de ser dos Estados Unidos” [42]. E os programas de ajuda econômica americanos servem, nesse sentido, para impedir a ligação dos países que constituem a órbita imperial americana a outras potências, não adeptas do capitalismo privado (caso da União Soviética, no pós-Segunda Guerra) ou concorrentes em relação aos Estados Unidos (caso do Terceiro Reich, nos anos 1930 e 1940). Mas, tão logo a ameaça é neutralizada, esses programas tornam-se desnecessários ou, até mesmo, indesejáveis.
Assim,
a política americana de apoio ou não à defesa dos produtos primários dos países subdesenvolvidos durará enquanto durarem as exigências da guerra fria. Mas tudo indica estar a mesma tendendo a esvair-se, pelo menos no plano estratégico da Europa Ocidental, incoercivelmente atraída para renovar seus laços, velhos laços, econômicos, sociais, culturais com a outra banda da também velha Europa. Por ora, o General De Gaulle é o pioneiro dessa tendência. Cedo, outros, na Europa, o seguirão [43].
Na verdade, para Pedrosa, os Estados Unidos se interessam por manter os países latino-americanos no subdesenvolvimento, pois “o subdesenvolvimento ainda é a chance americana de manter sobrevivente uma forma de colonização que consiste em traçar para esses países as vias, dir-se-ia eternas, da livre empresa” [44]. E conclui: “assim o superimperialismo americano [45] exercerá sobre eles um controle que poderá ser ameno, razoável e até alegre, mas saberá distinguir os seus e os interesses crioulos” [46].
“O capitalismo americano”, afirma,
não pode mais viver […] senão em antagonismo cada vez maior com o mundo exterior. É-lhe difícil, senão impossível manter relações econômicas com os outros países, sem crescentes choques de interesses. Sua posição hegemônica é de tal ordem que tende involuntária ou espontaneamente, por si mesmo, a envolver as outras economias em seu contexto, para subjugá-las senão combatê-las [47].
O Estado americano precisa, portanto, recorrer a uma intensa política externa intervencionista para defender a livre-empresa capitalista [48]. É isso que significa a Guerra Fria, do lado americano, de acordo com Pedrosa. Do lado soviético, por sua vez, ela se caracteriza pela chamada coexistência pacífica. Na verdade, a União Soviética não está interessada, de forma alguma, em qualquer conflito: na União Soviética, a primazia do desenvolvimento econômico interno, a despeito de qualquer pretensão de dominação externa, constituirá, afirma Pedrosa, “a essência da estratégia soviética até, talvez, o fim do século” [49].
Os governantes atuais soviéticos são de uma geração que não fez a revolução, nem sequer tomou parte ativa ou determinante nas lutas fracionais internas após a conquista do poder e a morte de Lenin; foram formados como técnicos, como burocratas – dentro e fora da política do poder – com as conotações más e boas desses conceitos. Estão interessados sobretudo no fazer e não no agir, na eficiência da gigantesca máquina econômica e social que os seus maiores e eles mesmos ajudaram a construir e montar. Sua posição no contexto social russo, suas tarefas são outras que as dos fundadores revolucionários do Estado soviético. Para eles ou os que os sucederem, os “princípios” do socialismo não estão nos textos sagrados de Marx ou de Lenin, nem mesmo nas imagens gloriosas da meninice, de outubro de 1917: operários e soldados famintos mas iluminados pela esperança, a bandeira vermelha ondulando sobre as cabeças, assaltando o Palácio de Inverno, em Petrogrado etc. E muito menos estão na montagem da deificação de um paranoico na fase mais sombria da história moderna, quando em face desse processo outro semelhante era montado na culta e civilizada Alemanha, sem falar na Itália e outras tentativas afins em países menores. Para os dirigentes atuais esses “princípios” estão antes nas correias de transmissão ou nos volantes de suas máquinas, na força de seus geradores de energia, na precisão de suas linhas de comunicação à distância, na exatidão e minúcia de seus operadores estatísticos, de seus computadores eletrônicos, na flexibilidade e eficácia de seus planejamentos, na coordenação ótima de seus grandes trustes econômicos entre si, no acoplamento perfeito do complexo industrial e do complexo agrícola e do todo produtivo com o todo consumidor, no aproveitamento ao máximo das energias intelectuais da mocidade, num esforço final para alcançar a produção em massa, já madura nos Estados Unidos. Façamos preces, porém, para que esse esforço não seja para o consumo em massa à americana, quer dizer, de acordo com uma filosofia neocapitalista privada, em obediência a tendências sócio-produtivas exógenas, que viriam com o tempo privilegiar camadas burocráticas dirigentes e centros individualizados de acumulação na agricultura industrializada […]; mas que vise – para que a grande experiência da revolução russa possa afinal vingar – a serviços para o povo, quer dizer, de acordo com a filosofia socialista coletiva, à satisfação comunitária cada vez mais flexível, mais fácil, cada vez mais automática, numa perspectiva que se deve aproximar cada vez mais das necessidades de cada um, isto é, numa perspectiva ilimitada [50].
Se a União Soviética quisesse, conclui o autor, fazer frente à ofensiva do Estado americano pela mundialização do seu “neocapitalismo liberal”, seria necessário “refazer a frente russo-chinesa” e “arriscar uma guerra contra os Estados Unidos, aliando-se à china de Mao Tsé-Tung em defesa do Vietnã do Norte” e seria necessária, ademais, “uma verdadeira reviravolta política em Moscou” [51]. Que resistências, pergunta o autor, terão de ser superadas, dentro da União Soviética, para que isso ocorra? Além do mais,
Moscou, para o fazer, terá de recorrer, não necessariamente à sua arma absoluta – esta se acha bem guardada dos dois lados – mas às armas, estas sim, bem arquivadas, do velho arsenal revolucionário e logo também ideológicas. (Ainda terão “uso” nos dias realistas de hoje? De qualquer forma, o conflito tomará inevitável caráter e guerra civil revolucionária) [52].
“Ora”, escreve Pedrosa, mencionando um trecho da Resolução do XXI Congresso do Partido Comunista Russo, “um dos objetivos mais imediatos e mais importantes da política soviética é demonstrar que esse perigo é uma balela sem o menor sentido no plano mesmo de sua estratégia indireta, fundada hoje na ‘coexistência pacífica levada ao mais longo prazo possível’” [53].
No fundo,
o Poder Nacional russo está hoje tão amarrado a seus interesses vitais internos e externos que não há lugar dentro dele para qualquer aventura de caráter ideológico ou militar. As suas fronteiras de defesa estão protegidas pelo que os franceses chamam de glacis soviético. Empenhados numa competição tecnológica com os Estados Unidos, todas as suas energias estão concentradas nesse esforço competitivo e num outro para aumentar a produtividade de suas indústrias e unidades agrícolas, dando maior autonomia às suas empresas, para passar à produção em massa de bens duráveis e de consumo, elevando o nível de vida de sua população, ainda sensivelmente inferior aos dos povos vizinhos da Europa. E vamos e venhamos: fora de interesses puramente ideológicos que outros motivos há para esperar-se uma invasão da Europa por parte do Poder russo-soviético? A economia soviética não é movida pela necessidade incessante de conquistar novos mercados para o escoamento de suas mercadorias, nem pela premência de investir capitais disponíveis no exterior, nem de monopolizar zonas de matérias-primas localizadas em vários pontos do globo. A União Soviética não tem colônias, não tem interesses investidos no exterior, como os Estados Unidos, a Grã Bretanha, a França, a Bélgica etc. Quase tudo o que precisa tem ela, dentro de sua área territorial ou na que controla militarmente. O pouco que não tem pode obter pela via do comércio externo. Não há, assim, interesses vitais econômicos ou políticos de segurança que justifiquem uma política belicosa de sua parte. No entanto, se Washington admitisse essa hipótese, sua estratégia global ficaria balouçando no ar, sem consistência. A atmosfera de cruzada anticomunista tem de ser mantida para conservar a tensão mundial, a ponto de conter os aliados disciplinados e os Brasis, sob sua tutela [54].
Notas
[1] Mário Pedrosa, A Opção Imperialista, [S.l.], Civilização Brasileira, 1966.
[2] Escreve Pedrosa: “hoje, pela primeira vez no Brasil, desde 1930, o movimento vitorioso de 1 de abril de 1964, que se diz ‘revolucionário’, iniciou uma política deliberada de retrocesso antinacionalista, no sentido da reprivatização, da desnacionalização, da reintegração da política econômica e financeira do País no sistema financeiro internacional, quer dizer, americano. É uma volta, no plano jurídico, ao regime liberal econômico e financeiro da primeira Constituição republicana de 1891. O curioso é que a mesma UDN, que liderou a restauração democrática de 1945 e foi a principal responsável pela estatização da Petrobrás no parlamento, foi o grupo que liderou no Congresso essa política de retrocesso desnacionalizador e reprivatizador. Que se passou? O clima ideológico de 45 para cá mudou. Ao invés das reformas sociais e anticapitalistas que se esperavam, o status quo, a cruzada da chamada ‘livre-empresa’, em nome do anticomunismo e de um neocapitalismo liberal. […] só recentemente, com o movimento triunfante em primeiro de abril de 1964 é que conseguiu aquele imperialismo instalar no Brasil um governo inteiramente a seu gosto, às suas ordens e à sua imagem e que faz depender, conscientemente, deliberadamente, a sua sorte e a sorte do País da boa vontade de Washington e dos olímpicos oligarcas das grandes corporações financeiras e não financeiras americanas. No ideário de circulação oficial, adotado no Brasil desde o advento do Marechal Castelo ao Palácio da Alvorada e em outros países dos nossos, obrigados todos a cantar loas interamericanas, esses ‘complexos nacionalistas’ de 1940 […] não são mal congênito ou endêmico que passa de uma geração para outra, mas, conforme as resoluções e resoluções votadas oficialmente na OEA [Organização dos Estados Americanos] e sua múltiplas organizações, são de origem reticente, extrínseca, alienígena, mal de doutrinas exóticas, como o comunismo russo, ou sua variante chinesa ou mesmo cubana (id., ibid., pp. 63-64)”.
[3] Id., ibid., p. 241.
[4] Id., ibid., p. 242.
[5] Id., ibid., p. 242.
[6] Id., ibid., p. 241.
[7] Pedrosa cita, aqui, o economista François Perroux, que afirma que “um grande drama entre a América Latina e os Estados Unidos se joga em virtude de uma desigualdade e em uma atmosfera de conflito cultural. Um business gigantesco trata como seus negócios os de vinte nações de que não fala a língua e não mede bem a grandeza. O comércio exterior dos Estados Unidos forma em 1938 33% das exportações e 32% das importações de toda a América Latina – percentagens que passam, respectivamente, a 55% e 52% em 1952. As exportações desses países são concentradas e concernem [a um] número pequeno de produtos; são o objeto de companhias exportadoras que, por seus grupos econômicos e financeiros, ‘influenciam’ os preços mundiais. Tomadas uma a uma, cada nação da América Latina é ainda mais dependente: a parte dos Estados Unidos nas exportações em 1956 ultrapassa 70% nas exportações do Panamá, da Guatemala e do México; só é inferior a 30% nas exportações da Argentina, Paraguai e Uruguai. Para esses países é mais urgente exportarem seus produtos para os Estados Unidos do que para estes importá-los. Na ordem de investimentos de capitais a América Latina é dominada mais severamente ainda. O capital que lhe é outorgado cobra um preço muito alto; prefere retornar ao país de origem em lugar de favorecer o desenvolvimento local. O investimento direto implanta firmas econômicas grandes e poderosas em nações economicamente pequenas e fracas. A ‘empresa privada ilimitada’, como já se disse com finura, tenta sujeitar os ministérios e administrações; faz e desfaz os governos; já aconteceu pretender decidir da paz ou da guerra. Por trás desse liberalismo de fachada, produz-se uma política de estrangulamento. Tão acusadas são as disparidades das estruturas entre os Estados Unidos da América do Norte e os Estados desunidos da América Latina que o comércio, a produção e o empréstimo se tornam ocasiões para o mais forte abusar do mais fraco se ainda lhe deixa sua parte do despojo (id., ibid., pp. 243-244)”.
[8] Pedrosa apresenta, aqui, uma série de dados: durante o período 1953-1960, as exportações mundiais aumentaram sensivelmente (nos Estados Unidos, elas tiveram um crescimento de 30%; na Europa, o crescimento foi de 82%; na África e no Oriente Médio, respectivamente, o crescimento foi de 32% e 82%), mas a América Latina permaneceu fora da evolução geral do comércio mundial (o crescimento das exportações latino-americanas foi de apenas 13%). Em 1953, a participação latino-americana nas exportações mundiais foi de 10%. Em 1957, ela foi de 8,7%. Em 1961, ela foi de 7,3%. Outros dados, fornecidos por Perroux, apresentam “o mesmo quadro desolador de retraimento”: de 1953-1955 a 1962, as exportações latino-americanas tiveram um crescimento de pouco menos de 17% (descontando a expansão obtida graças às exportações de petróleo venezuelanas, a taxa de crescimento cai para pouco mais de 6%, correspondente a um crescimento anual cumulativo de 0,7%); e, no que se refere às suas importações, a América Latina observou um crescimento de 26%, enquanto o Sudeste Asiático e a África observaram, respectivamente, crescimentos de 46% e 28% e os países do Oriente Próximo observaram um crescimento de 77% (id., ibid., pp. 244-245).
[9] Id., ibid., p. 243.
[10] Id., ibid., p. 263.
[11] Cf. id., ibid., p. 245. Pedrosa faz menção, também, por exemplo, a uma resolução oficial “aprovada em Punta del Este, embora com abstenções do Brasil (Governo deposto), Argentina (Governo deposto), Bolívia, Equador (Governo deposto) e Chile e México, em que se declara: ‘a adesão de um membro da Organização dos Estados Americanos ao marxismo-leninismo […] é incomparável com o sistema interamericano’ (id., ibid., p. 240)”.
[12] Id., ibid., p. 241.
[13] Id., ibid., pp. 312-313.
[14] Id., ibid., p. 312.
[15] Id., ibid., pp. 310-311. Pedrosa reproduz, novamente, um trecho de uma obra de François Perroux, no qual este exclama: “formai grupos de nações apresentando, por exemplo, a aplicação do Tratado de Montevidéu! Alargai vossos mercados para vos estabilizar e vos industrializar! Livrai-nos, por um esforço combinado, do predomínio do Norte: criai uma Agência de Notícias que vos pertença, Centros Científicos comuns, uma União Postal, um organismo que prepare e anuncie um banco federal de reserva! Metei-vos a trabalhar por uma integração em benefício de vossas próprias populações (id., ibid., p. 246)”. Só assim a América Latina pode se desvencilhar da OEA, “a máquina de refrigério com que os Estados Unidos conservam a América Latina incomunicável, impermeável, alienada do mundo (id., ibid., p. 246)”. Em outro trecho ainda, é Pedrosa quem exclama: “países subdesenvolvidos do mundo, uni-vos! Não tendes a perder senão vossas cadeias! (id., ibid., p. 309)”. A outra opção é o esquema “oeasiano” (referente à OEA): “no plano econômico, as leis do capitalismo privado, a livre concorrência, o comércio internacional livre, sem defesa nem partes isoladas ou protegidas e aqui e acolá, em alguma contingência, uma ajudazinha do Estado – e tudo se resolverá a contento. No plano político, a ação comum, a solidariedade ‘hemisférica’, as sanções para os desrespeitadores… e tudo será perfeito, num mundo de ordem, de liberdade, de paz. Nesse mundo abstrato, perfeito juridicamente, os governos latino-americanos têm cada vez menos espaço para reclamar ou mesmo manobrar. Enquadrados nesse esquema ‘oeasiano’, não podem opor-se a seus predicamentos e seus ‘princípios’, porque eles mesmos se fundam na mesma ordem privada capitalista. Qualquer gesto de impaciência ou de inconformismo na defesa dos mais comezinhos direitos de seus povos cada vez mais necessitados pode ser qualificado de ‘totalitário’, de perigosa inortodoxia, de inclinações ainda mais perigosas para o comunismo e o fim está à vista para quem o teve – Jânio Quadros, Carlos Arosemena, do Equador, e, last but not least, João Goulart (id., ibid., p. 264)”.
[16] Id., ibid., p. 248.
[17] Id., ibid., p. 249.
[18] Id., ibid., p. 249.
[19] Id., ibid., p. 249.
[20] Id., ibid., p. 248.
[21] Id., ibid., p. 250.
[22] Id., ibid., p. 253. Além do mais, escreve Pedrosa: “entre a Aliança para o Progresso, a ALALC e a Organização dos Estados Americanos a única instituição que não é produto de uma circunstância extraordinária – a de estar no poder, em Cuba, um homem como Fidel Castro e, nos Estados Unidos, um homem como John F. Kennedy, no caso da Aliança para o Progresso, ou a de uma situação política peculiar, um bloco de nações débeis vizinhas de uma nação mais rica e mais poderosa, caso da OEA – é a Associação Latino-Americana de Livre Comércio. A Aliança é uma operação passageira e já em processo de definhamento. A OEA é uma organização mantida, sustentada, pelos Estados Unidos, como instrumento de um monopólio político e econômico que lhe convém. Quanto à ALALC, é um sinal de amadurecimento na dura experiência de subdesenvolvidos por que tem passado a América Latina desde o começo deste século (id., ibid., p. 254)”. Pedrosa rejeita a denominação da OEA como um “organismo regional”: “é, pois, um falso regionalismo; sobretudo um anacronismo geopolítico, uma ficção ideológica, um híbrido sócio-econômico. O regionalismo é, em sua essência, uma primeira divisão internacional do trabalho ou supranacional, mas que principalmente não é, nem pode ser, uma relação de dependência (id., ibid., p. 264)”.
[23] Id., ibid., p. 252.
[24] Id., ibid., p. 253.
[25] Id., ibid., p. 253.
[26] Os Estados Unidos, por causa da Doutrina Truman, acabam institucionalizando o Plano Marshall, isto é, a ajuda econômica temporária aos governos que adotam o modelo do “neocapitalismo liberal” americano: “iniciativa que parecia extemporânea, só para atender a conjunturas excepcionais, se prolonga de ano para ano, de orçamento a orçamento, isto é, acaba institucionalizada. Na ausência de uma guerra mesmo contra as fontes do mal comunista – a única saída lógica para a cruzada lançada por Truman pela sobrevivência do sistema da empresa privada, à americana – se viram os Estados Unidos arrastados a responsabilizar-se financeiramente por todo regime que, pela periferia da Europa, pelas fímbrias da Rússia ou da China, se declarasse em luta contra o comunismo ou por este ameaçado (id., ibid., p. 120)”.
[27] Id., ibid., pp. 54-55.
[28] Pedrosa cita, aqui, Roberto Campos, que afirma que “até 1958 não houve na política econômica americana de pós-guerra nenhuma mudança no tratamento residual adscrito aos países da América Latina. A era do perigoso entorpecimento foi rudemente quebrada por dois choques: o incidente Nixon em maio de 1958 e a Revolução Cubana de 1959 (id., ibid., p. 188)”. E prossegue Pedrosa: “o incidente da cusparada em maio de 1958 provocou, segundo ele [Campos], ‘acontecimentos em cadeia’: o Presidente Kubitschek aproveitou-se do choque e lançou a ideia da Operação Pan-americana, ou o primeiro convite para os americanos reverem sua atitude na política externa para com a América Latina. Em agosto do mesmo ano, o Sub-secretário Douglas Dillon anuncia a súbita intenção dos Estados Unidos em aquiescerem na criação do Banco [Interamericano] de Desenvolvimento, aspiração latino-americana, pendente há meio século nas conferências econômicas interamericanas. A 18 de novembro ainda, em reunião da OEA, como que de repente, o Secretário assistente do Tesouro em Washington fala uma linguagem que os latino-americanos passam a entender. Descobre a verdade, bem velha, entretanto, para os subdesenvolvidos: ‘Como as economias da América Latina são pesadamente dependentes (conclusão de um grupo de estudos para o algodão, lã, cacau, chumbo, zinco e café) da exportação de uma ou de algumas mercadorias primárias, podem ser postas em sérias dificuldades por forte declínio nos preços desses produtos no mercado mundial. Os Estados Unidos reconhecem a importância do problema. Compreendem e compartilham as preocupações expressas pelos países da América Latina a esse respeito. Estamos prontos a nos juntar (a eles) no estudo dos problemas de cada mercadoria por si, que estão criando dificuldades, para ver se soluções em cooperação podem ser achadas’ (id., ibid., pp. 188-189)”. Por fim, eis, aqui, uma síntese dos acontecimentos de Caracas, de Maio de 1958: “manifestantes em Caracas, Venezuela, interromperam deliberadamente a cerimônia de boas-vindas no aeroporto, gritando, apitando, acenando cartazes depreciativos, e regando os Nixons com saliva humana e fumo de mascar. Essa recepção foi apenas um prelúdio de um dia cada vez mais volátil. Uma série de bloqueios de estrada interrompeu a carreata do Vice-Presidente, enquanto manifestantes empunhando porretes e canos danificaram os veículos. […] As cerimônias restantes agendadas para aquele dia foram canceladas. Foi mais tarde descoberto um esconderijo de coquetéis Molotov num prédio adjacente ao local onde o Vice-Presidente participaria de uma cerimônia de colocação de coroa de flores. A comitiva Vice-Presidencial deixou Caracas no dia seguinte (cf. mais informações, em inglês, aqui: http://nsarchive.wordpress.com/2012/05/11/document-friday-the-stoning-of-nixons-motorcade-in-caracas/)”.
[29] Id., ibid., p. 7.
[30] Id., ibid., p. 4.
[31] Id., ibid., p. 4.
[32] Id., ibid., p. 4.
[33] Id., ibid., p. 4.
[34] Id., ibid., p. 4.
[35] Id., ibid., p. 5.
[36] Id., ibid., p. 64. “Talvez por lembranças antigas”, afirma Pedrosa, “geralmente penosas, ou por espírito e mentalidade, o fato é que a América Latina em seu conjunto é muito mais propensa aos programas de intervencionismo econômico estatal que os Estados Unidos. Aqui já se sabe que sem a mão do Estado as forças capitalistas nativas e também, já agora, as internacionais não serão suficientes para arrancar os nossos países do seu grau de primarismo econômico (id., ibid., p. 211)”.
[37] Id., ibid., p. 65.
[38] Id., ibid., p. 66. “Assim”, conclui Pedrosa, “o projeto da Aliança se transforma de uma ‘revolução’ nas estruturas econômicas da América Latina num instrumento de coação aos países que não se adaptem à vontade das grandes corporações e trustes americanos (id., ibid., p. 66)”.
[39] “Como sempre acontece”, escreve Pedrosa, “precedendo ou seguindo-se a necessidades econômicas ou políticas ao nível das chancelarias, dos Estados-Maiores e dos altos conselhos das finanças e da economia, surgem os ideólogos para formular teoricamente aquelas necessidades, lhes dando avisos de universalidade e de eternidade. Foi esse o momento do sonho de integração econômica e política de todo o setor latino do Continente ao sistema imperial norte-americano. Por essa mesma época, o problema das transformações sociais e políticas do pós-guerra empolgava os melhores espíritos e os cientistas sociais mais sérios. Discutia-se a redivisão do mundo em continentes ou regiões de âmbito mundial, nas quais os Estados nacionais isolados seriam absorvidos. […] O crescimento do protecionismo, dos sistemas imperiais preferenciais, dos blocos econômicos e Estados totalitários (dominando continentes inteiros) proclamava a condenação das pequenas nações. As últimas são inevitavelmente arrastadas para dentro da órbita dos gigantes do jogo de forças de penetração política, das relações comerciais e da estratégica militar (id., ibid., pp. 77-78)”.
[40] Id., ibid., p. 68.
[41] Id., ibid., pp. 219-220. Pedrosa fica, aqui, refém da sua própria lógica, exposta anteriormente. Classificar umas nações como “proletárias” e outras como “capitalistas” leva o crítico social a atribuir às populações das “nações capitalistas” uma mentalidade essencialmente “capitalista”, ao passo que as populações das “nações proletárias” seriam, pelo contrário, caracterizadas por uma mentalidade essencialmente “proletária”: da mesma forma que há os trabalhadores que lutam contra o capital e outros que pelegam, há os cidadãos da “nações proletárias” que lutam contra as “nações capitalistas” e outros que pelegam, embora eles sejam, todos, explorados pelas “nações capitalistas”. Quando o autor atribui aos dirigentes latino-americanos que optam pela adesão à órbita imperial americana uma mentalidade “capitulacionista” e “colonial”, me parece que ele está sugerindo que certos cidadãos de certas nações, quando assumem o controle do Estado e a condução da economia, preferem pelegar.
[42] Id., ibid., p. 239.
[43] Id., ibid., p. 202.
[44] Id., ibid., p. 202.
[45] Isto é, um imperialismo que aspira pairar por sobre os demais.
[46] Id., ibid., p. 202.
[47] Id., ibid., p. 202.
[48] Id., ibid., p. 203.
[49] Id., ibid., p. 200.
[50] Id., ibid., pp. 200-201.
[51] Id., ibid., p. 228.
[52] Id., ibid., p. 228.
[53] Id., ibid., p. 229.
[54] Id., ibid., p. 236.
As fotos que ilustram o artigo referem-se à passagem de Richard Nixon por Caracas, em 1958.
Esta série reúne os seguintes artigos:
1) a aurora do imperialismo americano
2) um imperialismo de novo tipo
3) a América Latina diante da guerra
4) o contexto da Guerra Fria
5) a América Latina em xeque
6) as reformas contrarrevolucionárias
ERRATUM: sai “incomparável”; entra “incompatível”.
[11] Cf. id., ibid., p. 245. Pedrosa faz menção, também, por exemplo, a uma resolução oficial “aprovada em Punta del Este, embora com abstenções do Brasil (Governo deposto), Argentina (Governo deposto), Bolívia, Equador (Governo deposto) e Chile e México, em que se declara: ‘a adesão de um membro da Organização dos Estados Americanos ao marxismo-leninismo […] é incomparável com o sistema interamericano’ (id., ibid., p. 240)”.
Caro ulisses, tenho o livro do Mário Pedrosa em mãos neste momento. Na página 240 está escrito “incomparável” mesmo. Trata-se de um lapso do próprio Pedrosa.
Caro Fagner
Tens razão, na página 240. Mas, no último parágrafo da página 245, pode-se ler: […] (o “marxismo-leninismo” declarado ilegal, incompatível com o “sistema interamericano”) […].
Inadvertidamente, Pedrosa corrigiu Pedrosa.
Parece-me, então, que o ‘erratum’ se justifica.
Meu exemplar é de 1966, da Editora Civilização Brasileira.