Mas os representantes do big business não se preocupam, apenas, com a dinâmica imperialista, isto é, com os problemas da política externa; preocupam-se, também, com a dinâmica social interna do próprio capitalismo americano. Por Fagner Enrique
A ofensiva privatista
A partir de 1944, as múltiplas agências, comissões e reuniões interamericanas, sob influência do big business, vão se concentrando, pouco a pouco, nos problemas da “reconversão para a paz” [1], isto é, para “fazer intervir a participação direta dos negócios privados no progresso econômico do hemisfério” e para “instaurar um quadro de trabalho interamericano no interior do qual todo homem de negócios tenha possibilidade de operar com estabilidade, segurança e confiança” [2]. Quer dizer, elas se voltam para o desmantelamento, na América Latina, do imperialismo de Estado americano e, por outro lado, para a recuperação do protagonismo do imperialismo americano privado, para que os “homens de negócios” pudessem “retomar a bola” da dinâmica imperialista americana [3].
Em Maio de 1944, realiza-se, em Nova Iorque, uma grande conferência, reunindo uma rede de comissões nacionais “ditas de desenvolvimento, uma por Estado americano e coroadas por uma Comissão Interamericana de Desenvolvimento” [4]. Na ata da conferência, recomenda-se a criação de “condições de base econômica e política que estimulem a iniciativa individual e a empresa privada em livre concorrência na indústria e no comércio” [5].
Mas os representantes do big business não se preocupam, apenas, com a dinâmica imperialista, isto é, com os problemas da política externa; preocupam-se, também, com a dinâmica social interna do próprio capitalismo americano. Um deles, um certo Leo Welch, tesoureiro da Standard Oil of New Jersey, dizia sobre o Governo Harry Truman:
o dirigente sindical, o político liberal, o propagandista de esquerda substituíram o homem de negócios e sua influência no avanço das coisas, aqui, no plano local, do mesmo modo que no exterior… Em nossa busca de soluções para o capital norte-americano no exterior, comecemos no plano interno e elejamos como primeiro passo a reorientação da mentalidade e dos objetivos do homem de negócios norte-americano para que reassuma o lugar que lhe corresponde por direito na vida social e política, assim como na vida econômica de nosso país [6].
Chega-se à altura em que parece não ser mais suficiente que os negócios sejam deixados com a iniciativa privada e a administração com o governo. Parece ser preciso ainda mais, ou seja, colocar os “homens de negócios” no governo e a administração sob seu controle:
em outros tempos, os homens de negócios ficavam, de preferência, fora do governo e do aparelho estatal. Assim, de fora, dominavam melhor a política do país; bastava-lhes se fazerem representar por políticos, advogados, deputados e senadores. Tratava-se, na verdade, com poucas exceções, de fazer com que os negócios não fossem perturbados, pois o mercado, regulado perfeitamente pelo padrão ouro, decidia de tudo. Era a época em que a “democracia representativa” estava no apogeu. À medida, porém, que os monopólios se espalhavam nos principais ramos de produção; que, sob pressão da classe trabalhadora, o Estado intervém tentando arbitrar o mercado de trabalho; nessa medida a simples “representação” parlamentar, quer dizer, por terceiros ou pela via indireta, perde terreno. É importante, também, ter os homens necessários, não mais apenas no parlamento (ou no seu apêndice, o lobby) onde se tomam decisões políticas, se fazem leis e se votam favores e proteções, mas no próprio corpo da Administração: esta vai deixando de ser apenas o velho aparelho burocrático de estampilhar ou carimbar papéis, para compor-se também de estabelecimentos autônomos, empreendimentos industriais, sobretudo no domínio das infraestruturas. A era “representativa” para os homens de negócios passou; agora é a era, digamos, da “democracia direta” ou, como quer Welch, num verdadeiro slogan político: “os homens (de negócios) no governo!” O controle do Estado deve ser direto, pois que esse controle é disputado por grupos rivais cada vez mais numerosos, inclusive pelos trabalhadores organizados, pelo próprio aparelho técnico-burocrático tendendo a crescente autonomização, com o seu lado civil e seu lado militar, nem sempre unidos mas, ao contrário, frequentemente em desavença, às turras. Durante o apogeu do capitalismo liberal, esse poder não era disputado senão, de modo cada vez mais débil, pela velha aristocracia territorial que, ou se fundia na nova burguesia liberal industrial (Inglaterra) ou com ela se compunha num modus vivendi que acabava funcionando, sob as bênçãos da monarquia imperial, como na Alemanha até o começo do século, ou fora liquidada como na França napoleônica ou nos Estados Unidos após a guerra de secessão. Na época moderna, quando o imperialismo surge, sob a hegemonia do capital financeiro, o mundo entra em guerra, em crise, em revolução, em contra-revolução, revolução até a hora presente, no terceiro quartel do século. E terá acabado esse processo convulsivo? A oligarquia dos grandes homens de negócios passou a disputar o Estado a outros grupos, sobretudo os da alta burocracia. O Estado é deles, lhes deve lealdade e não por meios indiretos, representativos, mas diretos, quase pessoais. Senão o Estado será uma abstração em face da realidade deles, concreta, dinâmica [7].
Os homens de negócios,
todos temiam que a estatização se agravasse, a coletivização se instalasse nos Estados Unidos. Mais previdentes, mais precavidos e provavelmente mais temerosos que outros grupos sociais menos afetados por essas ameaças ou perspectivas de mudança, os capitalistas americanos, tão despreocupados antes, foram como que assaltados por violenta “consciência de classe”. Passaram então, com efeito, a agir, na calada ou publicamente, como grupo: por vezes uma maçonaria – dir-se-ia seus membros ligados por uma jura secreta ou tácita, em uma visada comum para o futuro. Movia-os sem dúvida um egoísmo grupal, em face da ameaça que sentiam pairar sobre o seu regime social, esse mesmo regime que havia até então – é verdade – trazido o progresso, a riqueza e o poder aos Estados Unidos […] [8].
A Doutrina Truman, o Plano Marshall e a América Latina
Nesse contexto, o Presidente Harry Truman “vinha desde o fim da guerra sob crescente pressão do Big Business para soltar as rédeas da economia nacional às mãos deles” [9]. Ele não era considerado confiável: “viam nele um remanescente da época reformista do New Deal e mesmo do War Deal rooseveltiano que se fazia necessário acabar: havia pelos gabinetes e repartições da Casa Branca muitos ‘dirigentes sindicais, políticos liberais e propagandistas de esquerda’” [10]. O presidente tentava acalmar-lhes os ânimos: em 1947, numa declaração a estudantes de uma universidade do Texas, ele lança a Doutrina Truman, mediante a qual se definia uma nova política externa americana. Os fundamentos dessa política eram, em suma, as noções de que o sistema americano da iniciativa privada corria perigo; de que esse perigo resultava, em parte, da concorrência com economias estrangeiras controladas por governos; e de que todo o mundo deveria adotar o sistema americano, o qual só poderia sobreviver nos Estados Unidos se se tornasse mundial [11].
Contudo, havia, aí, uma contradição: apesar de a política externa de Truman deflagrar uma cruzada “da livre empresa e do capitalismo privado” e uma “obsessão anticomunista” [12], sua política econômica interna era “toda ainda fundada na instrumentalidade do Estado para repor as forças econômicas e produtivas em pane em funcionamento” [13]. Além do mais, a própria política externa americana sob Truman, voltada para a defesa da livre-empresa e do livre-mercado, não deixava, na verdade, de empregar o capitalismo e o imperialismo de Estado americanos, para alcançar esse objetivo. “Havia”, escreve Pedrosa, “ainda muitas voltas a dar e, sobretudo, muitas violações a fazer ao sagrado princípio da iniciativa privada capitalista. […] Washington tinha ainda algumas operações inortodoxas a executar” [14]. A maior de todas foi o Plano Marshall, “o maior e o melhor investimento, a longo prazo, que já se conheceu na história mundial do capitalismo” [15].
Através do Plano Marshall, “Truman inaugurava para a Europa uma nova política econômica [16], à procura de salvar o capitalismo europeu em pane, em face de um mundo arruinado, uma Europa sem meios próprios de recuperação”, pois “o jogo capitalista não podia funcionar quando só um parceiro estava à mesa, dono de todas as fichas da roleta” [17]. Desse modo, a perspectiva estratégica dos dirigentes do Estado americano relega, de novo, os interesses imediatos dos “homens de negócios” americanos para o segundo plano, por mais que Truman afirmasse, por exemplo, em Junho de 1946, desejar “ardentemente […] a volta de nosso comércio exterior e de nossos investimentos à iniciativa privada” [18]: “a iniciativa governamental não era ditada por interesses econômico-financeiros mas por motivos de alta política de defesa da ordem social no âmbito do Ocidente” [19].
Assim, os grandes monopólios privados se mobilizam contra a reeleição do presidente, ao passo que este, em compensação, adota um discurso demagógico contra “o poder econômico concentrado” dos “homens de negócios”, sendo “entusiasticamente sustentado pelo movimento sindical” [20]. No fim, “a confraria dos Welch perdeu o round contra Truman” [21], quer dizer, a bola da dinâmica imperialista, bem como da dinâmica econômica interna dos Estados Unidos, não foi retomada pelas grandes corporações industriais e financeiras do setor privado. Reproduziam-se, então, as tradicionais queixas:
os grandes homens de negócios estavam impacientes e não queriam mais esperar. Dias depois da declaração conciliatória de Truman [de Junho de 1946], o Presidente do Chase National Bank de então, […] Sr. Winthrop W. Aldrich, declarava à imprensa: “Se os empréstimos do Governo aos países eram necessários durante ou imediatamente depois da guerra, deviam ter por complemento o financiamento internacional privado e deviam finalmente ser substituídos por este último” […]. Era evidente uma resposta a Truman [22].
Por outro lado, os dirigentes latino-americanos engajados em projetos de modernização e desenvolvimento industrial veem-se, eles também, frustrados, pois “tudo o que fizera [o governo americano] na América Latina, nos idos de 40-41, parecia mesquinho e aleatório, diante das maciças transferências de capitais, por cima das fronteiras, de Governo a Governos [durante o Plano Marshall]” [23]. O fluxo de capitais vai ser direcionado, agora, à Europa. A América Latina deixaria de ser o centro das atenções dos Estados Unidos e só voltaria a sê-lo episodicamente, em resposta a conjunturas determinadas. O próprio Truman, numa conferência no Rio de Janeiro, diz:
na medida em que estão em causa os problemas econômicos comuns, as nações da América do Norte e da América do Sul, estamos perfeitamente conscientes desde muito tempo que ainda resta muito a fazer… Fomos obrigados, no exame das questões, a diferenciar entre a necessidade urgente de reabilitação das zonas devastadas pela guerra e os problemas de desenvolvimento alhures [24].
E conclui Pedrosa:
assim, a América Latina fica aí classificada num vago alhures. […] A escala de prioridades havia sido estabelecida em Washington; agora, pela nova prioridade, a América Latina, com Brasil e tudo, fora rebaixada de vários pontos: nem no segundo, nem no terceiro lugar, pois depois da Europa ocidental (por um triz a Central e Parte da Oriental não entrava também no plano) [25], havia ainda o Oriente Médio, e o Extremo Oriente, e a Coreia do Sul, e o Sudeste da Ásia, conforme as reverberações da política internacional americana para barrar a Rússia e a China, mas também para impor o “sistema americano da empresa privada”, sob pena de não “sobreviver” nem mesmo nos Estados Unidos. Nem ao menos “uma colaboração a longo prazo”, fórmula do Senador Simonsen [26], foi concedida. A América Latina que ficasse para trás. E em Bogotá, na Nona Conferência Internacional dos Estados Americanos […] o General Marshall, do alto de sua autoridade de Secretário de Estado, rude, franco, cortante, mandou a América Latina aprender a esperar; se contentasse com um acréscimo na capacidade de créditos do Banco Internacional; tratasse, porém, de tirar partido das compras que Plano Marshall ia provocar nos seus países. Mas, ainda depois, os latinos continuaram a expressar suas preferências por créditos e financiamentos por vias governamentais, já que eram as únicas possíveis e suscetíveis de atender a obras de fôlego, no sentido efetivamente desenvolvimentista, sobre que tanto insistiam [27].
Além do mais, as coisas se agravavam ainda mais, devido à convicção dos governos latino-americanos de que “só capitais públicos, iniciativas públicas, a que por vezes se associam capitais privados, podem romper o subdesenvolvimento e instalar a grande indústria pesada na América Latina” [28]: havia uma opção clara e privilegiada pelo Estado, enquanto mecanismo do desenvolvimento industrial. Esses governos não viam, por conseguinte, com bons olhos a proposta americana de um desenvolvimento dos países subdesenvolvidos centrado, sobretudo, em investimentos privados nacionais e estrangeiros, além de não verem com bons olhos a indisposição dos Estados Unidos em prosseguirem com a cooperação econômica, de governo a governo, da conjuntura da guerra. Para os governos latino-americanos, a cooperação do Estado americano com os nacionalismos desenvolvimentistas latino-americanos tinha de ser mantida, mas os Estados Unidos voltavam-se, agora, para o perigo do comunismo na Europa.
Por meio do Plano Marshall, que tinha por objetivo principal garantir o alinhamento da Europa Ocidental aos Estados Unidos, em detrimento da União Soviética, o Estado americano fazia investimentos maciços no exterior [29], só que, agora, fora da América Latina: o imperialismo de Estado, ao invés de estar sendo desmantelado, ganhava, pelo contrário, novo fôlego e chegava a uma dimensão inédita. Isso não significa, no entanto, que a iniciativa privada estivesse sendo excluída do processo, pois os capitalistas americanos, a partir dos primeiros êxitos do Plano Marshall, “viram chegar o tão esperado momento de investir seus próprios capitais na cobiçada península eurásica e se apoderaram de quanta indústria de produção em massa pudessem”, de modo que “agora […] os capitalistas europeus temem ser desalojados de seus próprios mercados pela força expansiva do capitalismo americano” [30].
A tradicional divisão de trabalho entre empresa privada e Estado, que já mencionei em artigos anteriores, se mantinha. Pedrosa chega ao nível de falar em “vassalização da economia europeia ocidental”, com corporações privadas americanas controlando diversos setores das economias europeias [31]. Contudo, o Estado continua a desempenhar funções que, para os “homens de negócios” americanos mais afinados com a ideologia liberal, não são suas. O governo continuaria a substituir os investidores privados no mercado de capitais, a subsidiar exportações de países estrangeiros, a sustentar excedentes de preços alheios (só que, agora, tendo a Europa como beneficiário): isso tinha de mudar, o big business americano não reconhecia aquele governo como o seu governo [32].
Truman conseguiu se reeleger, mas, nas eleições seguintes, os “homens de negócios” americanos conquistam posições no governo, desalojando os tais “sindicalistas”, “políticos liberais” e “propagandistas de esquerda” (o reformismo keynesiano da Era Roosevelt vai encontrando os seus limites): fizeram do Partido Republicano o seu escudo e de Dwight Eisenhower “o seu porta-bandeira” [33]. A partir daí, a dimensão excessiva do capitalismo e do imperialismo de Estado vai ser combatida pelo próprio governo, de dentro do próprio governo, em prol do reconhecimento da necessidade de um crescente protagonismo para as grandes corporações privadas, da necessidade de os grandes monopólios privados “retomarem a bola” da política econômica interna e externa (curiosa é, por exemplo, a trajetória de certos “homens de negócios”, como Nelson Rockefeller, que participou tanto das administrações Roosevelt e Truman quanto da Administração Eisenhower, tanto de governos que deram amplitude à ação econômica do Estado quanto de um governo que pretendia reduzi-la). Talvez não seja prudente presumir que se deu, a partir daí, uma verdadeira revolução privatista, pois, tomando o exemplo brasileiro, a orientação neoliberal inicial do Governo Castelo Branco foi logo substituída por uma política econômica com grande protagonismo do Estado [34].
Ao mesmo tempo, as preocupações estratégicas dos dirigentes do Estado, sejam eles adeptos do estatismo ou do privatismo, vão se deslocando para longe do continente americano, o que já vinha ocorrendo desde Truman: é a Ásia (a Coreia e, depois, o Vietnã) que preocupa, agora, os Estados Unidos. A obsessão anticomunista do governo anterior se mantém e, mais ainda, se intensifica: na verdade, de acordo com Pedrosa, foi Foster Dulles, Secretário de Estado do Presidente Eisenhower, quem “encarnou verdadeiramente [a Doutrina Truman] com a fidelidade e o destemor quase que de um cruzado místico da Idade Média” [35].
Apesar de tudo, por um breve período, o legado de Roosevelt encontra novo fôlego: Fidel Castro chega ao poder em Cuba e, depois de encarar grande desconfiança e, em seguida, forte oposição do governo americano, alia-se à União Soviética [36], cabendo ao novo e jovem presidente, John Kennedy, a proposição de um programa de ajuda econômica para a América Latina, com o objetivo de combater a ameaça comunista na América Latina: trata-se da Aliança para o Progresso. Mas, na verdade, o susto com a evolução da Revolução Cubana passa logo, o que, junto com a resistência privatista imposta à aliança, nos Estados Unidos e fora deles, e com a opção dos dirigentes soviéticos pela “coexistência pacífica”, leva à sua falência progressiva. O “neocapitalismo liberal” vai encontrando cada vez menos obstáculos.
Notas
[1] Mário Pedrosa, A Opção Imperialista, [S.l.], Civilização Brasileira, p. 102.
[2] Palavras de Nelson Rockefeller, um dos representantes mais destacados dos “negócios privados”, citadas por Pedrosa (id., ibid., p. 103).
[3] Id., ibid., p. 103.
[4] Id., ibid., p. 102.
[5] Os grifos são do próprio Pedrosa (id., ibid., p. 104). Entre as tais condições, que a empresa privada seja encorajada a empreender e continuar o desenvolvimento econômico dos países do hemisfério ocidental; que os governos não entrem em concorrência direta ou indireta com a empresa privada; que os governos abandonem as operações comerciais dos tempos de guerra e os controles; que eles animem uma política de assistência mútua e cooperação no desenvolvimento dos depósitos de petróleo do hemisfério ocidental; que, para isso, haja fornecimento de capital, colaboração técnica, maquinaria e equipamentos, para que se façam explorações em campo, perfurações e para que os poços de petróleo possam ser explorados comercialmente; que, no que se refere à energia hidrelétrica, seja encorajada a iniciativa privada, proporcionando-lhe concessões, as facilidades adequadas e regularizando taxas, com o fito de proteger o consumidor e permitir uma renda satisfatória ao capital privado; que, no que se refere aos métodos de investimento, haja participação conjunta do capital estrangeiro e do capital doméstico no desenvolvimento de todos os tipos de empresas; que se endosse o princípio da igualdade de tratamento dos investimentos estrangeiros e domésticos em cada país; que haja uma política fiscal que conduza à manutenção da estabilidade econômica e monetária e à eliminação de barreiras comerciais e discriminações contra o capital estrangeiro etc. (cf. id., ibid., pp. 104-107). No que se refere ao estabelecimento de um clima mais hospitaleiro ao investimento privado no Brasil, Pedrosa faz menção, por exemplo, a uma medida concreta do Governo Castelo Branco: a revisão da lei de remessas de lucros (cf. id., ibid., p. 66). E, mais à frente, comenta: “verifica-se a continuidade da ação pública e privada, aberta e velada, do mundo dos negócios, a preocupação constante que o atazana desde o começo da guerra, em particular, até a hora de pensar na transição da guerra para a paz e assegurar a volta ao velho regime capitalista sem controle, sem dirigismos, sobretudo sem intervenção do Estado e com liberdade franca dos capitais estrangeiros investidos no petróleo e minerais metálicos, em geral, e nos outros ramos de produção monopolizáveis (id., ibid., p. 109)”.
[6] Os grifos são do próprio Pedrosa (id., ibid., p. 110).
[7] Id., ibid., pp. 111-113. Se a representação parlamentar já não serve – e há muito tempo – aos propósitos dos grandes capitalistas, por que será que certa esquerda insiste em defender que os trabalhadores devem apostar, tendo em vista a realização dos seus propósitos, na eleição de representantes parlamentares?
[8] Id., ibid., p. 98. “Na guerra”, escreve Pedrosa, “os problemas econômicos – não se pode dizer que desapareçam – mas deixam de ser preponderantes como tais. A economia é politizada. Sendo politizada ou, sobretudo, ‘política’, deixa de ser privada. As grandes guerras modernas fizeram mais para politizar as economias privadas nacionais, fizeram mais danos à expressão máxima da economia privada, que é o capitalismo, que todas as manobras, propagandas socialistas e comunistas reunidas (id., ibid., p. 95)”.
[9] Id., ibid., p. 115.
[10] Id., ibid., p. 115.
[11] Cf. id., ibid., p. 116. “Não há alternativa”, escreve Pedrosa, “a política externa americana tem de passar ao ataque para ‘salvar a empresa privada’ em perigo de desaparecer. A luta […] é no plano internacional, pois lá é que há Governos tão malignos que ‘gerem e controlam as economias de seus países’. Sem esse pano de fundo não se pode compreender o que foi e o que é a guerra fria. O sistema interamericano da empresa privada será a norma para o mundo. Terá que ser imposto. E logo aqui na nossa América sentimos os efeitos dessa nova linha (id., ibid., pp. 116-117)”.
[12] Na verdade, a obsessão anticomunista americana vigorava já há algum tempo. “O primeiro e mais intenso surto de alarme nacional veio em 1919. O nacionalismo exacerbado da Primeira Grande Guerra encontrou novo objetivo no bolchevismo. A Revolução Russa e o crescimento do comunismo na América assustou muitos americanos. Embora o número de comunistas americanos nunca tenha sido grande, ele se localizavam nas cidades e sua influência parecia ser ampliada pelo surgimento da crescente insatisfação operária. Um greve geral em Seattle, uma greve da polícia de Boston e uma greve violenta na indústria de ferro e aço, alarmaram o povo americano na primavera e no verão de 1919. Uma série de atentados à bomba levou ao pânico. No dia 2 de junho, uma bomba despedaçou a fachada da casa do ministro da Justiça, A. Mitchell Palmer. Embora o homem que a jogou tenha também explodido em pedaços, as autoridades rapidamente identificaram-no como um anarquista italiano de Filadélfia. No clamor público que se seguiu, o Ministro Palmer liderou o ataque contra a ameaça estrangeira. Numa série de diligências que começaram no dia 7 de novembro, agentes federais prenderam suspeitos de anarquia e de comunismo e os prepararam para a deportação sem observar os procedimentos legais. Em dezembro, 249 estrangeiros foram embarcados para a Rússia. Quase todos eram inocentes das acusações contra eles. Um mês depois, Palmer arrebanhou quatro mil suspeitos de serem comunistas numa única noite. Os estrangeiros presos foram deportados sem audiência ou julgamento. Por algum tempo, parecia que o Perigo Vermelho refletia a visão preponderante do povo americano. Em vez de condenar a ação do seu governo, cidadãos expressavam o seu apoio e até pediam medidas mais drásticas. Num episódio particularmente revoltante, um grupo de veteranos de guerra em Centralia, Washington, arrancaram um radical da cadeia local, castraram-no e o enforcaram numa ponte ferroviária. O relatório do perito declarou que a vítima ‘saltou com uma corda no pescoço e depois atirou contra si mesmo’. O próprio extremismo do Perigo Vermelho levou à sua destruição. Funcionários corajosos no governo protestaram contra as violações das garantias constitucionais e os atos de terror. Finalmente, o próprio Palmer, com evidentes ambições presidenciais, foi longe demais. Em abril de 1920, avisou que ocorreria uma ampla revolução no dia 1º de maio. Ao verificar que não houve bombas nem violência naquele dia, o público começou a reagir contra a histeria de Palmer, tentando duramente esquecer a sua própria falta temporária de equilíbrio. Entretanto, o Perigo Vermelho continuou a exercer sua influência sobre a sociedade americana na década de 1920. Os nascidos no estrangeiro viviam com a ideia desagradável de que eram vistos com hostilidade e suspeição. Dois italianos, Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, foram presos em maio de 1920, sob suspeita de roubo de caixa em dia de pagamento de salários e assassinato. Enfrentaram um promotor e um júri que os condenaram mais pelas suas ideias do que por qualquer prova de crime, e um juiz que se referia aos acusados como ‘esses anarquistas bastardos’. Apesar de um movimento mundial que tornou-se a grande causa liberal da década, os dois morreram na cadeira elétrica em 23 de agosto de 1927. Seu destino simboliza o fanatismo e a intolerância que perduraram por todos os anos vinte e que fizeram da década uma das menos atraentes na história americana (Robert A. Divine et al, América: passado e presente, Rio de Janeiro, Nordica, 1992, pp. 556-557)”.
[13] Mário Pedrosa, A Opção Imperialista, [S.l.], Civilização Brasileira, p. 54.
[14] Id., ibid., p. 119.
[15] Id., ibid., p. 124.
[16] Pedrosa faz, aqui, uma comparação com a Nova Política Econômica (NEP) soviética: trata-se, de acordo com o autor, de “algo analógico […] embora as duas políticas com sinais contrários (id., ibid., p. 121)”.
[17] Id., ibid., p. 121.
[18] Id., ibid., p. 115.
[19] Id., ibid., p. 121. Em outro trecho, escreve o autor: “considerações de ordem estratégica dominavam outra vez considerações puramente financeiras ou econômicas (id., ibid., p. 122)”.
[20] Id., ibid., p. 121-122.
[21] Id., ibid., p. 122.
[22] Id., ibid., p. 115.
[23] Id., ibid., pp. 119-120.
[24] Id., ibid., p. 117.
[25] Pedrosa cita, aqui, em nota de rodapé, um trecho da biografia de Stalin escrita por Louis Fischer: “em 4 de julho de 1947, o gabinete tchecoslovaco decidiu unanimemente aceitar o convite a comparecer à conferência preliminar do Plano Marshall em Paris. Cinco dias depois, convocado por Stalin a ir vê-lo em Moscou, o ministro das Relações Exteriores tcheco, Jan Masaryk, então membro do governo tcheco, obedeceu às ordens do ditador e recusou o convite (id., ibid., p. 117)”. A imposição de Stalin esteve, provavelmente, relacionada com o fato de os Estados Unidos negarem ajuda econômica ao governo soviético depois da guerra: “a Segunda Guerra Mundial infligira enormes prejuízos à Rússia, em termos de vidas perdidas, fábricas desmanteladas e ferrovias reviradas. A industrialização que Stalin havia conseguido com grandes sacrifícios na década de 1930 sofrera um forte revés. Até a produção agrícola havia caído mais de 50 por cento durante a guerra. A ajuda e a assistência externas eram vitais para a reconstrução da União Soviética. Os líderes americanos conheciam as agruras da Rússia e esperavam usá-las a seu favor. Truman estava convencido de que ‘economicamente nós (os americanos) temos os trunfos e os russos têm que vir a nós’. Havia duas formas possíveis de ajuda pós-guerra: empréstimos e contratos de Aluguel-Arrendamento. Em janeiro de 1945, os soviéticos solicitaram US$6 milhões de empréstimo para financiar a sua reconstrução. Apesar do encorajamento inicial americano, FDR [Franklin Delano Roosevelt] adiou a decisão sobre este pedido. À medida que as relações com a Rússia esfriavam, as chances de aprovação diminuíam. No final da guerra, o pedido de empréstimo estava esquecido, embora nunca tenha sido formalmente recusado. Os contratos de Aluguel-Arrendamento mostraram ter mais sucesso. Em 11 de maio de 1945, Truman encerrou todos os Aluguéis-Arrendamentos para a Rússia, incluindo os que se referiam a mercadorias que já estavam embarcadas. O Departamento de Estado viu a ação como ‘uma pressão sobre a União Soviética’. Stalin classificou-a de ‘brutal’. Atendendo aos protestos russos, Truman recomeçou os embarques de Aluguel-Arrendamento, mas somente até que a guerra terminou, em fins de agosto. Depois disso, todos os contratos daquele tipo foram cancelados. Privados da assistência americana, os russos se viram forçados a reconstruir sua economia através de reparações de guerra, que eles cobraram de sua zona de ocupação na Alemanha, Europa Oriental e Manchúria. A economia russa recuperou-se lentamente da guerra, mas o descontentamento sobre a recusa da América de conceder ajuda convenceu Stalin da hostilidade ocidental, aprofundando assim o crescente antagonismo (Robert A. Divine et al, América: passado e presente, Rio de Janeiro, Nordica, 1992, pp. 614-615)”.
[26] De acordo com Pedrosa, Simonsen foi chamado por Xavier de Chamisso de “o mais célebre dos campeões de um Plano Marshall para a América Latina (Mário Pedrosa, A Opção Imperialista, [S.l.], Civilização Brasileira, p. 117)”.
[27] Id., ibid., pp. 117-118.
[28] Id., ibid., p. 134.
[29] Id., ibid., p. 123.
[30] Id., ibid., p. 123.
[31] Id., ibid., p. 124.
[32] Id., ibid., p. 121.
[33] Id., ibid., p. 122.
[34] “Entre os homens políticos e na sociedade em geral, é comum a percepção de que tudo é possível a partir do poder, sobretudo de um poder ditatorial. Na história, muitos líderes, de distinta orientação, aprenderam à própria custa que não é bem assim. Se houvesse necessidade, a trajetória do governo Castello Branco seria uma boa ilustração sobre os limites de um poder aparentemente incontrastável. O novo governo tinha um perfil e um programa. O seu internacionalismo pretendia rompeu com as ambições autonomistas do nacional-estatismo, propondo um alinhamento estratégico com os Estados Unidos. […] Ao mesmo tempo, o seu liberalismo queria promover uma redução drástica do Estado e uma abertura radical aos fluxos do capital internacional, revogando as limitações políticas e econômicas formuladas pelo governo deposto.[…] Em certa medida, […] a política econômica não apresentou resultados convincentes. […] Do ponto de vista do ideário liberal-democrático, em nome do qual o golpe fora desferido, o governo ia muito mal das pernas. Não foi possível revogar as tradições controladoras e intervencionistas do Estado brasileiro, ao contrário, nem se abandonou a concepção do planejamento. Na prática, novas instituições eram criadas […] (Daniel Aarão Reis, Ditadura e democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Zahar, 2014, pp. 54-57)”.
[35] Mário Pedrosa, A Opção Imperialista, [S.l.], Civilização Brasileira, p. 199.
[36] Sobre a aproximação de Cuba com a União Soviética, escreve um autor: “o poder caiu nas mãos de Fidel Castro, que não soube bem o que fazer com ele. O vazio político era imenso e as demandas da população exigiam uma rápida resposta. Num primeiro momento, criou-se um Executivo colegiado, com um presidente da república, Manuel Urrutia, um primeiro ministro, José Miró Cardona, e um chefe das forças armadas, Fidel Castro. Quando as execuções sumárias deterioravam a imagem do novo regime, Fidel Castro viajou aos Estados Unidos para dar garantias à administração Eisenhower sobre suas intenções. Fez várias declarações anticomunistas, como quando se perguntou: ‘Porque vocês se inquietam com os comunistas? Não há comunistas em meu governo’ e quando frisou que o partido comunista cubano, o Partido Socialista Popular (PSP), era legal sob a ditadura e havia condenado a tentativa de insurreição de 1953 [trata-se do famoso assalto ao Quartel de Moncada, em 26 de Julho de 1953]. […] Não teve, no entanto, muito êxito e iniciou-se uma grande incompreensão mútua. Em 17 de maio de 1959, Castro proclamou uma das reformas mais radicais da revolução: a reforma agrária. Ao proibir a posse de terras cubanas por estrangeiros, essa reforma prejudicava, de saída, os interesses norte-americanos e, em particular, o das grandes companhias que exploravam a cana de açúcar. As críticas se tornaram mais fortes nos Estados Unidos e foram retomadas, em Cuba, pelo presidente Urrutia. A resposta de Castro às acusações de procedência comunista fez com que o país ingressasse numa via autoritária. Em julho, denunciou os inimigos da revolução e, seguro de sua popularidade, demitiu-se. Impressionantes manifestações reclamaram de imediato seu retorno e, quando Urrutia se retirou, Castro retornou triunfalmente seus trabalhos de governo. […] Nos últimos meses de 1959 houve ameaças mais ou menos sérias de intervenção norte-americana para restabelecer Batista. Em 1960, a revolução cubana adotou uma direção mais firme. Na política externa, aproximou-se da União Soviética, ao mesmo tempo em que rompia com os Estados Unidos. No interior, as estatizações e a política social lhe outorgavam sua especificidade econômica, enquanto que o autoritarismo foi sua fachada política. Estes diferentes aspectos, estreitamente vinculados entre si, fizeram aparecer uma lógica de conjunto, que representou a identidade desta revolução. Assim, o nacionalismo dos revolucionários não podia senão provocar um enfrentamento com a potência que dominava tão claramente a economia da ilha. Castro quis, ademais, tirar proveito dos vínculos privilegiados entre Cuba e Estados Unidos, e reclamou destes uma assistência econômica de 30.000 milhões de dólares, petição que foi evidentemente recusada. Castro se dirigiu, então, à União Soviética, que, em fevereiro de 1960, forneceu uma ajuda de 100 milhões de dólares e a promessa de compra [de] quatro milhões de toneladas de açúcar anualmente. Três meses mais tarde, restabeleceram-se as relações diplomáticas entre os dois países (Olivier Dabène, América Latina no século XX, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2003, pp. 160-161)”.
Esta série reúne os seguintes artigos:
1) a aurora do imperialismo americano
2) um imperialismo de novo tipo
3) a América Latina diante da guerra
4) o contexto da Guerra Fria
5) a América Latina em xeque
6) as reformas contrarrevolucionárias