Como encorajar, ouvir, acolher, compreender e fortalecer o protagonismo direto das vítimas, exatamente contra a lógica disseminada por este Estado Penal ao mesmo tempo sem recairmos em concepções práticas de “justiça” supostamente novas, porém derivadas da mesma lógica seletiva-punitivista que insiste em nos violentar. Por Fran e Dan
A recente polêmica em torno do caso Idelber Avelar trouxe à tona uma série de questões importantes para toda a esquerda, e para as lutas feministas em especial. E talvez ninguém tenha sintetizado mais precisa e serenamente as suas implicações do que o historiador André Godinho. Segundo ele:
“A exposição do assédio pelas duas mulheres se coloca numa esfera que não é nem a judicial nem a moral, mas de natureza ética e política. Sendo que a questão colocada nos relatos é, sobretudo, a da consensualidade, que no meio da treta muitas vezes é reduzida à opção dessas mulheres em continuar ou não conversando com ele – uma das muitas variantes da culpabilização da vítima. Só que consensualidade não é só isso. Para não serem opressivas e abusivas, as práticas sexuais podem escapar a normas morais estabelecidas, mas não podem ignorar questões éticas, o que é bem diferente. Os relatos indicam se tratar de jogos recorrentes nos quais as regras não são claras para as mulheres envolvidas, que são abordadas de forma abusiva e que são manipuladas por alguém que usa privilégios sociais [e credenciais de esquerda feminista e libertária] para explorar suas fragilidades. Se fosse apenas conversa suja, mesmo que muito suja, entre duas pessoas adultas, cada qual buscando seu prazer, daria pra falar em tribunal moral. Mas não é o caso, o caso é de autodefesa das mulheres e de necessidade de autocrítica para todos nós. Nenhuma dessas questões se esgotam neste caso e espero que ele sirva para o aprendizado de todos.” [1]
Ocorre que a mesma polêmica suscita também a nós outra reflexão política mais profunda, para além destes pontos já levantados pelo André: sobre a condição e o papel das vítimas diante de uma situação de opressão ou violência – visando nossa própria autodefesa, a reparação dos danos causados aos indivíduos vitimados [dimensão particular], e a elaboração da situação de conflito buscando a construção horizontal de (novo) convívio [tendo sempre em vista a totalidade]. Em suma: a superação efetiva das situações concretas de opressão ou violência por parte diretamente das vítimas, a partir de uma perspectiva feminista mais ampla, autônoma e anticapitalista.
O presente texto pretende, a partir desta polêmica, por um lado, contrapor-se àqueles que estão buscando deslegitimar o papel das vítimas (silenciando sobre elas; culpabilizando-as novamente; acusando-as de vitimização; e, pior, de “punitivistas” ou “misândricas” pura e simplesmente) – para os quais nós procuraremos mostrar que o punitivismo capitalista moderno nasce exatamente da negação à autonomia das vítimas poderem construir suas próprias formas de elaboração dos conflitos, autodefesa e proposição coletiva de novas formas horizontais/igualitárias de liberdade [confiscadas pelo Sistema Penal]. Por outro lado, pretendemos também problematizar a ênfase demasiada na denúncia do algoz machista (e seu possível escracho ou linchamento, mesmo que virtual), que pode ser parente da lógica de “estereotipia e extermínio do inimigo” – tão cara ao Estado Penal Patriarcal que se busca criticar.
Conforme alertou recentemente Suellen: “Nesse sentido, uma parte da militância feminista que não atenta para a totalidade do sistema que combatem em algumas de suas especificidades acaba por se valer da prática do inimigo e, desta forma, reproduz internamente o sistema: não só se submete ao Estado capitalista e ao sistema enquanto um todo integrado, mas pior, se integra nele. A luta acaba, então, [consciente ou inconscientemente] sendo assimilada, e passa a cumprir funções de legitimação do sistema causador das demandas que a luta inicialmente buscava ver atendidas.” [2]. Uma estratégia cuja lógica pode, portanto, ser muito facilmente recuperada pelo sistema patriarcal-capitalista, voltando-se novamente contra as próprias vítimas históricas.
O Sistema Penal Capitalista Histórico
Antes de falarmos propriamente sobre a condição e o papel das vítimas em contextos atuais afins é preciso, porém, ter-se em vista o avanço histórico do Sistema Penal-Punitivo no qual estamos metidxs até o último fio de cabelo, que é correlato à própria evolução do capitalismo moderno. Um desenvolvimento histórico que fez com que sua violência heterônoma (material, simbólica, penal e militar) se disseminasse, constantemente atualizada, para todas as esferas (e corpos administrados) da vida social – por meio de diversos dispositivos biopolíticos [3]. Essa estrutura sócio-penal moderna, marcada pela constante ameaça de punição, funde a exploração de classe com a dominação racial e de gênero, inter-relacionando-as de forma desigual e combinada entre as distintas sociedades capitalistas conectadas entre si (sob a égide da gestão dos corpos trabalhadores e sob a constante violência punitiva contra o dominado/explorado que ousa subvertê-las).
Um processo que não ocorreu de forma diferente no Brasil – país em que a questão racial, por conta do escravismo, tem ainda mais peso relativamente a outros países: a formação histórica de nosso Sistema Penal é marcada pelo constante incremento do controle total sobre os corpos – negros em especial, tendo como pano de fundo o genocídio (via sistema carcerário e/ou extermínio policial), conforme já bem analisou Ana Flauzina [4]. De modo que não é de hoje (remonta ao tempo dos Pelourinhos em praças públicas), nem é por acaso, que a ideia de “justiça”, por exemplo, também por aqui a cada dia mais tem se confundido imediatamente, seja à direita ou à esquerda, com a ideia de “punição”. A razão de todas prementes questões (sociais, raciais, de gênero, sexuais etc) seria “a impunidade”… “Justiça”, então, seria igual a + Leis, + Tribunais (Reais ou Virtuais) e + Mecanismos Punitivos.
Esse punitivismo generalizado no Brasil e no mundo, no entanto, tem tudo a ver com a própria lógica histórica do Estado Penal (Capitalista) e a sua progressiva priorização da heteronomia disciplinar-repressiva em detrimento do protagonismo autônomo das vítimas para (re)construírem outras formas possíveis de elaboração dos conflitos (construção horizontal do convívio; socialização igualitária da produção; justiça restaurativa, por exemplos). “A história da criminologia está […] intimamente ligada à história do desenvolvimento do capitalismo. […] A invenção da pena pública supõe o confisco do conflito da vítima, que se torna apenas uma figura secundária na reconfiguração do poder punitivo”, sintetiza Vera Malaguti. [5]
Os punitivismos do Estado de Direito
Por isso soa mais do que patético, diante da reação legítima de vítimas que conseguem se levantar e denunciar agressões físicas, simbólicas ou ético-políticas, em nossa sociedade – como no caso dos abusos e da predação sexual público/privada em série do Idelber Avelar, recorrer à suposta “legalidade” daquilo que está sendo denunciado publicamente. “O quê o sujeito fez está ou não está prescrito no Código Penal?”, questionam supostos militantes de esquerda – inclusive feministas (como fizeram respectivamente Túlio Vianna e Cynthia Semíramis). Estando ou não dentro da legalidade – para estes cúmplices do Estado de Direito realmente existente: literalmente foda-se o testemunho, a condição e o papel das vítimas – atuais e potenciais! Como disse Godinho, “mais uma das muitas variantes da culpabilização (e silenciamento) das vítimas”, confiscando-as novamente a palavra – neste caso apoiado na suposta ilegalidade ou ilegitimidade de suas denúncias.
Da mesma forma que dizer, pura e simplesmente, que “essas feministas estão sendo punitivistas” (e até misândricas), ignora o fato de que a origem deste punitivismo moderno denunciado reside justamente na negação [o confisco por parte do Estado Penal] do protagonismo autônomo das vítimas, no caso mulheres que se sentem violentadas, para elaborar sua própria autodefesa, a reparação dos danos causados e a elaboração pública da situação de violência visando à construção horizontal de (novo) convívio – entre mulheres e homens. “Por todos os meios possíveis e necessários” (e legítimos).
De modo que é impensável construir uma verdadeira luta autônoma contra o Estado Penal e o punitivismo histórico (incluindo sua forma “Democrática”) que não passe, de alguma maneira, pela reparação e re-empoderamento autônomo das vítimas históricas no processo de construção direta de novas formas de justiça – entendendo “justiça” aqui como elaboração e superação autônoma das opressões, buscando a construção horizontal de um (novo) convívio, como já foi dito.
Dilemas atuais
Ocorre que hoje vivemos uma situação-limite, que leva este desafio ao paroxismo: essa lógica histórica do Estado Penal sofisticou-se e espraiou-se a tal ponto (por meio de uma quantidade infinita de dispositivos sociais e tecnológicos – do aparato policial-prisional à TV, internet e às redes sociais, passando pelo trabalho disciplinando integralmente nossos corpos), que praticamente todos indivíduos, (de)formados por esta sociedade, somos altamente punitivistas e, no limite, linchadores em potencial (ou em real time). A lógica mais perversa do Sistema Penal – o extermínio do inimigo e a invisibilidade da vítima – introjetou-se perfeitamente em cada indivíduo de nossa sociedade atual, tornando inclusive muitas vezes desnecessária a presença externa dos braços armados do Estado para se garantir a realização de sua violência (já internalizada em nós mesmxs). Introjetou-se, portanto, inclusive na postura das vítimas históricas. Somos todxs punitivistas voluntárixs. [6]
Não é à toa que assistimos à multiplicação de “justiceiros” populares – de bairros nobres ou mesmo em comunidades periféricas (sob diversas facetas), em situações que chegam, muitas vezes, à mobilização para o linchamento/execução real. Qualquer semelhança com as estruturas da lógica policial de “encarceramento em massa dos bandidos” ou “extermínio sumário dos suspeitos” não é mera coincidência. As Sheherazades e os Datenas da vida não trabalham gratuitamente (nem desprovidos de interesses raciais, classistas e sexistas por trás das suas escalações) durante todas as longas tardes das semanas fazendo trabalho de base real nos lares e sobre os corpos de brasileirxs…
Daí o dilema redobrado: como encorajar, ouvir, acolher, compreender e fortalecer o protagonismo direto das vítimas (do nosso luto à nossa luta), exatamente contra a lógica disseminada por este Estado Penal (Capitalista, Racista e Patriarcal) – que sempre culpabiliza a vítima já violentada a priori, praticamente relegando-a ao desaparecimento subjetivo ou objetivo (e, no limite, ao genocídio); ao mesmo tempo sem recairmos em concepções práticas de “justiça” supostamente novas, porém derivadas da mesma lógica seletiva-punitivista que insiste em nos violentar (até porque está arraigada em nossos próprios corpos). Afinal, o talhão (o seletivismo; o punitivismo; o escracho; o linchamento; o extermínio) sempre retorna às vítimas históricas. Aliás, como dito anteriormente, o talhão não deixa de ser uma espécie de solidariedade velada com o opressor – ao priorizar desproporcionalmente a sua figura individual na “resolução” de conflitos sociais, ao preço da secundarização (do todo social) e o esquecimento da própria condição específica da vítima a ser reparada (ela que acaba tendo reconfiscada sua autonomia para escolher, organizar e concretizar suas próprias formas de autodefesa e superação concreta da violência). Satisfeita a “sede de justiça” com a aniquilação do agressor, qual lugar efetivo sobrará para as suas vítimas específicas – virada a página do espetáculo para o próximo alvo?
Exemplos concretos
O movimento de familiares de vítimas da violência policial, por exemplo, uma vertente importante de certo feminismo negro e popular que tem ganhado destacado protagonismo nos últimos tempos, vive e é plenamente consciente deste tipo de impasse há anos. Isto se explicita numa situação concreta recorrente: o movimento exige os devidos julgamentos e mais punições aos policiais assassinos dos filhos, sabendo que mais procedimentos punitivos (ainda mais neste Estado de Direito Penal), no final das contas, só reforçam um sistema penal-carcerário cuja maior vítima é a mesma das execuções policiais: jovens negros, pobres e periféricos (e nossas famílias, vítimas conexas). Exige-se mais direitos aos familiares, mesmo sabendo que + Leis significam legitimar e fortalecer um Estado Democrático de Direito estabelecido contra nós. Como garantir avanços concretos sem ser cooptado/recuperado pelo Sistema que combatemos? Como sair desta armadilha? Não há ninguém que viva mais este dilema do que as famílias de vítimas negras, pobres e periféricas deste Estado Penal no Brasil, enquanto convivem com um sofrimento profundo (não-reparado) e totalmente invisibilizado pelas burocracias; que apenas se torna visível quando se exige espetacularmente mais punição (e não mais reparação substantiva, muito menos qualquer superação coletiva autônoma efetiva). Afinal, a sociedade só tem olhos (obsessivos) para o próximo suspeito-inimigo. O Estado Penal Capitalista promove um rol de alvos em série e massifica este olhar – e esta agenda prática genocida sem fim.
Mas este dilema não é privilégio da luta dos familiares de vítimas da violência policial. Todo e qualquer movimento que lide com opressões, violências ou – como tem se costumado dizer desde fins dos anos 1970 no admirável mundo nomeado pelas leis democráticas – “violações de direitos humanos”, está sujeito em maior ou menor grau a este dilema. Ou a criação da Lei Maria da Penha e a multiplicação de Delegacias da Mulher podem ser consideradas objetivo-final de uma luta pela emancipação da mulher? Ou a criminalização efetiva do racismo e da homofobia (por meio desta Polícia e deste Sistema Judiciário) significará a superação plena da histórica opressão racial e sexista que constituem também a exploração capitalista?
Cada grupo ativista um novo dispositivo de controle?
O fato é que esta batalha está sendo definitivamente perdida por nós. E o que temos assistido, de maneira aparentemente incontornável, é a multiplicação entre nós de práticas de controle, seletivas, hierarquizantes e punitivas (inclusive contra nós mesmxs), tornando cada pequeno grupo de militantes num novo dispositivo disciplinar, competitivo e violento, a serviço do sistema que dizemos combater. Não há mais “companheiros e companheiras”, por exemplo, mas no máximo “aliados” táticos-conjunturais – de quem todo mundo sabe que apenas se aguarda o momento para romper, atualizando-o como inimigo. Estamos todxs, portanto, altamente mobilizadxs em “modo de espera” (pela iminente próxima violência) – totalmente reativxs, sem maiores perspectivas. Como vem dizendo o professor Paulo Arantes: “o novo tempo [emergencial] do mundo” está marcado pelo encurtamento radical de nossos horizontes emancipatórios. Não há, portanto, estratégia; é o reino da conjuntura e das táticas defensivas/reativas perenes [7]. Cada tendência política, cada grupo de ativistas, cada ONG, cada indivíduo-militante (ou cada microblog; twitter ou perfil de facebook) pode virar, a qualquer momento, um Órgão de Vigilância, uma Delegacia de Costumes ou um Tribunal Sumário em potencial – na verdade já o são, como sabemos, sobretudo para as corporações que controlam privadamente estas “redes nada sociais”. “Causas” e “Perfis” é o quê não faltam à disposição no mercado. As Corporações Transnacionais e o seu Estado Penal Globalizado (Capitalista, Racista e Patriarcal) ri de nós mesmxs, e agradece pelos ótimos serviços prestados.
Mesmo diante de casos legítimos de denúncia pública de violência para a nossa própria autodefesa, nos casos de abusos (inclusive de menor) feito por Idelber de onde partimos para esta reflexão, como não temos autonomia sobre as formas, processos e dispositivos por meio dos quais disseminamos estas denúncias, a iniciativa pode ser facilmente recuperada pelo Sistema Penal e voltar-se novamente contra nós. Isso não significa condenar as denúncias, mas encarar todas as suas possíveis consequências (boas e também ruins).
Exemplo concreto de como a violência pode retornar? Ao terem sido obrigadas a expor massivamente conversas íntimas para se autodefenderem (e prevenirem outras mulheres) sobre os riscos reais de predação sexual implicados na postura privada de Avelar (em total oposição à sua também massificada imagem pública – que era um dos recursos manipulados por ele para sua predação em série), as vítimas necessariamente tiveram que vigiar e violar a intimidade não só dele, mas também delas próprias – algo caro a todo mundo, de esquerda inclusive, colocando-as juntas a outras mulheres sob novos riscos de vigilância/exposição massiva, e de retaliações afins por parte deste ou daquele outro agressor. Já se tornaram célebres casos de homens de esquerda escrachados que, ao sentirem que foram liquidados política e moralmente, voltam-se ainda mais violentos contra suas vítimas e contra toda a esquerda (inclusive às vezes passando a trabalhar diretamente para a Inteligência Policial do Estado). [8] Mas não só os agressores escrachados voltam-se contra a esquerda – o quê no final das contas poderia ser o menor dos problemas, pois personalizado. Tem sido recorrente nos últimos dias, por conta desta famigerada polêmica, manifestar-se entre feministas de esquerda uma série de comentários neste sentido, deslegitimando (e punindo preventivamente?) homens de esquerda por causa deste caso específico: “não dá para confiar mesmo em ‘homens feministas’, de esquerda então…”; “não dá para confiar em homens de forma geral…”. Mais uma vez a parte [o indivíduo agressor] pelo todo [a esquerda e os homens]. No caso dos comentários acima, aí sim, flertando com o biologismo e a misandria (existem feministas que flertam com essas concepções, devemos ser francxs e admitir). Homens não teriam legitimidade, sequer, para se manifestar sobre o assunto…
E outro saldo indiscutível desta polêmica, para o bem e para o mal: todxs aumentaremos a vigilância e o controle mútuo (pessoal e social) sobre nossas conversas íntimas em redes sociais. As vítimas talvez não pudessem encontrar, neste caso em questão, outra maneira de prevenir outras mulheres (vítimas em potencial) – demonstrando, assim, solidariedade prática de gênero – sem recorrer massivamente a este sempre perigoso e questionável recurso: a quebra do acordo tácito de confidencialidade (que a violenta abordagem de Idelber e sua ‘falsa simetria’, ademais, já havia feito implodir, tornando as mulheres reféns de um novo silêncio imposto só por ele). Para fazer este novo omelete julgaram ter sido necessária a quebra desses sagrados ovos (sem trocadilhos) para todxs nós, o quê ao mesmo tempo produziu novas consequências – repressivas e/ou emancipatórias?
Contexto ambivalente e necessidade de autocrítica permanente para a esquerda
Neste contexto ambivalente, como então valorizar a palavra direta das vítimas e o nosso protagonismo, (re)empoderando-nos contra a histórica lógica negacionista e punitivista deste Estado Penal, agora turbinado ciberneticamente [9], sem reproduzir nas nossas tão necessárias novas formas de autodefesa (de elaboração de conflitos, reparação e construção horizontal de novos convívios), os atuais padrões de disciplinarização, vigilância e violência punitiva – contra o outro, que pode ser inclusive nós mesmxs?
Sairemos mais fortes ou mais fracxs após cada fratura – e cada agressor/opressor – que conseguirmos expor, por nós mesmxs, deste Sistema Capitalista, Racista e Machista? Com quem (grupo, gênero, raça ou classe) e de que forma podemos nos organizar horizontal e efetivamente para forçar essas fraturas – analisando-as caso a caso? Este esgarçamento fortalece a nossa Autonomia e propõe novas formas efetivas de Elaboração dos Conflitos e Construção Coletiva da Liberdade, ou pode acabar criando outras armadilhas para nós mesmxs – estruturas opressivas similares, nos jogando, fragmentadxs, deformadxs e desconfiadxs entre si (beirando à paranóia), totalmente integradxs ao sistema que buscávamos destruir: nós contra nós mesmxs?
Por enquanto o Sistema Penal, direta (com seus próprios braços civis e militares) ou indiretamente (com nosso ativismo retro-punitivista), tem conseguido nos manter cada vez mais desagregadxs e fragilizadxs: plenamente capturadxs pela gramática que pretendíamos combater. Há uma competição frenética entre nós mesmxs para demarcar (frente ao outro-inimigo) quem é verdadeiramente mais de esquerda (via de regra, pelo discurso), quem é a feminista mais radical (às vezes inclusive pelo grau de misandria, deve-se admitir), quem é mais autenticamente negro (às vezes sob a medição dos níveis de melanina), quem é a periferia mais original (o CEP mais alto?), quem é o anarquista mais libertário (às vezes pela disposição sexual), quem é o autônomo mais combativo, quem… ?
A consciência de trabalhadores e trabalhadoras que um dia pudesse ter nos unido (enquanto classe, enquanto comum) ficara para trás com o ciclo político que se fechou com a triunfante farsa da “esquerda” lulo-petista – gestores de partidos e sindicatos ossificados e movimentos sociais totalmente cooptados à frente. Sintomático que a célebre saudação, feita pelo ex-torneiro-ainda-representante-mor deste finado ciclo, “companheiros e companheiras”, fora com o tempo substituída sem maiores resistências, no discurso e na prática, por “meus amigos e minhas amigas” (enquanto Ele-trabalhador se transformava no principal gestor do capitalismo no Brasil)… Não deveria surpreender que alguns militantes de esquerda estejam silenciando sobre ou até justificando a postura de Idelber Avelar sob o mesmo critério – da amizade com ele. Nem que algumxs governistas estejam aproveitando esta tragédia para tirar uma casquinha do caso contra as boas críticas que Idelber costumava fazer à gestão neodesenvolvimentista do capitalismo feita pela mulher Dilma – estaria tudo explicado pela questão de gênero…
A marcha fúnebre promovida pelo Estado e a (auto)predação social – com esta “esquerda” à frente – prosseguem, porém, mais fortes do que nunca. “O inimigo é um só, mas a luta insiste em se [des]organizar aos fragmentos”, como disse recentemente a Suellen em artigo já citado neste texto.
Teremos classe para encarar esta reflexão autocrítica e este desafio permanente pelos quais passa fundamentalmente a atual construção anticapitalista prática, coletiva e autônoma, de mulheres e homens realmente novxs por aqui no Brasil?
NOTAS
[1] Ler o texto completo de André Godinho aqui.
[2] Ler o texto completo da Suellen aqui.
[3] Sobre isso ler sob uma perspectiva anticapitalista os livros de Michel Foucault: Segurança, Território, População. Curso no Collège de France (1977-1978) [São Paulo: Martins Fontes, 2008] e Nascimento da Biopolítica. Curso no Collège de France (1978-1979) [São Paulo: Martins Fontes, 2008].
[4] Sobre isso ler a tese “Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado Brasileiro”, de Ana Luíza Pinheiro Flauzina (Disponível aqui: http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_arquivos/44/TDE-2006-12-01T170601Z-520/Publico/2006_AnaLuizaPinheiroFlauzina.pdf)
[5] Ver Introdução Crítica à Criminologia Brasileira de Vera Malaguti Batista (Rio de Janeiro: Revan, 2011 – p.23/24).
[6] Ver Guy Debord, em Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo: “O governo do espetáculo, que presentemente detém todos os meios de falsificar o conjunto da produção assim como da percepção, é senhor absoluto das recordações tal como é senhor incontrolado dos projetos que modelam o mais longínquo futuro. Ele reina só em todo o lado; ele executa os seus julgamentos sumários (…) Os rumores mediático-policiais adquirem num instante, ou no pior dos casos depois de terem sido repetidos três ou quatro vezes, o peso indiscutível de provas históricas seculares. Segundo a autoridade lendária do espetáculo do dia, estranhos personagens eliminados no silêncio reaparecem como sobreviventes fictícios, cujo retorno poderá sempre ser evocado ou calculado, e provado pela mais simples diz-se dos especialistas. Algures entre Aqueronte e Letes estão estes mortos que não foram regularmente enterrados pelo espetáculo; é suposto estarem adormecidos, esperando que se queira acordá-los, todos, o terrorista descido de novo das colinas, e o pirata regressado do mar, e o ladrão que já não tem necessidade de roubar” [Disponível aqui: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/comentariosse.html].
[7] Ver o livro de Paulo Arantes, O novo tempo do mundo (São Paulo, Boitempo, 2014). Em especial o primeiro e último ensaio: “O novo tempo do mundo” e “Depois de Junho a Paz será Total”.
[8] Ler, por exemplo, esta crônica de Dokonal que deve ter se inspirado num caso real recente no Rio de Janeiro (pós-Junho de 2013).
[9] Ler aqui texto de Julian Assange (Wikileaks) sobre as relações umbilicais entre a Google e o Departamento de Estado Norte-Americano.
ARTIGOS E LIVROS CITADOS
Ana Luíza Pinheiro Flauzina – Tese de Doutorado: “Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado Brasileiro” (Disponível em http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_arquivos/44/TDE-2006-12-01T170601Z-520/Publico/2006_AnaLuizaPinheiroFlauzina.pdf ).
André Godinho – Postagem de Facebook: “Sobre o caso do Idelber, tenho a dizer apenas que não se trata de uma questão judiciária ou moral, mas ética e política” (Disponível em https://www.facebook.com/andree.godinho/posts/951490284878269).
Dokonal – Artigo: “Sobre escrachos, extrema-esquerda e suas próprias novelas: o conto que pensei em escrever” (Disponível aqui)
Guy Debord – Livro: Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo (Disponível aqui).
Julian Assange – Trecho de livro: “Google não é o quê parece” (Disponível aqui)
Michel Foucault – Livros: Segurança, Território, População. Curso no Collège de France (1977-1978) [São Paulo: Martins Fontes, 2008] e Nascimento da Biopolítica. Curso no Collège de France (1978-1979) [São Paulo: Martins Fontes, 2008].
Paulo Arantes – Livro: O novo tempo do mundo (São Paulo, Boitempo, 2014). Em especial o primeiro e último ensaio: “O novo tempo do mundo” e “Depois de Junho a Paz será Total”.
Suellen – Artigo: “Reflexões acerca de nossas lutas pelo feminismo” (Disponível aqui).
Vera Malaguti Batista – Livro: Introdução Crítica à Criminologia Brasileira (Rio de Janeiro: Revan, 2011)
Eis o fim primordial desta sociedade capitalista: a “guerra de todos contra todos”.
Enquanto fumamos nossos Malboros, bebemos nossas Brahmas, nos alimentamos com a Monsanto, somos forçados (ou conduzidos?) a criar constantemente formas de autodefesa, notadamente, através de Ipeds, Ipods e afins… A carnificina acontece aqui no chão e ao nosso lado e conosco mesmo, enquanto lá em cima vão se contabilizando os lucros, cada vez maiores e mais intensos…
O estado nada mais é que o espelho do capital. Feito para receber pedradas e quanto mais pedras recebidas, mas fortalece o capital.
A chibata não está mais nas mãos do feitor… se encontra na mão do próprio escravo, de todas as cores, de todos os gêneros, de todas as classes… E com as chibatas em riste clamam por justiça e, não devemos nos esquecer, por “tripalium”!
Mas, diante de nossa impotência, quantas não são as vezes que buscamos o socorro nas milhares “pílulas azuis” das diversas “Pfizer” por aí existentes? É tão mais prático e conveniente, não?
Somos, no fundo, um tanto quanto “neofóbicos”, e esse no misoneísmo é a arma do capital a nos fragmentar e controlar.
Excelente texto. Parabéns!
É estarrecedor que algumas pessoas saiam por aí afirmando que este site não é um “espaço de diálogo” e “não seguro”. Mas o que reconhecem como legítimo em seu lugar? O Facebook! Aquele de Mark Zuckerberg que retém, censura e vende os dados privados para corporações[1], coopera com as agências de inteligência norte-americanas e governos[2], monitora e vigia sua navegação mesmo fora dele[3], faz experimentos psicológicos[4] e sabe até mesmo coisas que você se autocensurou[5]. Tudo isso aí é aceito. É seguro. O que não é seguro é ter divergência política, opinião contrária. A própria esquerda criou o seu index prohibitorum.
Outro ponto central paralelo a isso é sobre a esquerda que assumiu o assassinato de reputação (difamação e calúnia) como método político. Há vários anos isso tem se disseminado a níveis cancerígenos. E não só nos “escândalos sexuais”. Acusa-se sem prova. Disseminam boatos em ataques direcionados contra uma pessoa até ela ceder a sua posição e desistir de se pronunciar ou repetir o que o atacante quer. Não se discute ideias e argumentos, mas o comportamento de pessoas e a pessoa (o tom de voz, a expressão, como fala, o olhar, com quem ela saiu, aonde ela foi, aonde mora, aonde estudou, a ausência de linguagem “inclusiva” e por aí vai). Isso vem agora embalado na roupagem de multiculturalismo enquanto expressão política (e não apenas de método de pesquisa) que transformou o “quem fala” numa interdição de se falar. A priori, se for branco e homem é culpado. Masmorra nele! Waterboarding nele! Apenas ignoram a História em que nos mostra os vários exemplos em que os oprimidos também podem vir a ser opressores[6].
Da ausência da linha centralizadora do partido, a esquerda virou uma agência reguladora de padrão comportamental através das mídias sociais. Chegamos ao fim da linha de ouvir companheiros dizendo:”eu vi você dando like no comentário do fulano”. Travestido de “cobrança ética”, se isso não é utilizar do método de vigilância capilarizado e introjetado nas próprias pessoas, o que é então? Depois do Levy Fidelix, o fiscal de cu, agora temos o fiscal de curtidas? A que fim chegou o movimento libertário expandido agora para a esquerda toda? Das mobilizações em junho para se chegar aqui?
http://www.malvados.com.br/tirinha1699.jpg
[1] “Europe vs Facebook”: http://europe-v-facebook.org/EN/en.html
[2] PRISM: http://www.theguardian.com/world/2013/aug/23/nsa-prism-costs-tech-companies-paid
[3] “Facebook Tracks and Traces Everyone: Like This!” http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1717563
[4] http://www.theguardian.com/technology/2014/jul/02/facebook-apologises-psychological-experiments-on-users
[5] http://www.wired.co.uk/news/archive/2013-12/17/facebook-is-tracking-what-you-dont-do
[6] “De perseguidos a perseguidores: a lição do sionismo” http://passapalavra.info/2010/06/24723
Aguardarei um pouco mais para responder os primeiros comentários, e também comentar a patética resposta oficial do Idelber Avelar (que foi tornada pública depois deste nosso texto já finalizado e enviado para o PP).
Por ora apenas recomendo outro texto de uma mulher feminista, que vai numa linha semelhante à seguida por mim e pelo Dan.
Leiam o texto dela aqui: “Sobre punitivismo, moralismo e assédio” – http://www.twitlonger.com/show/n_1sivc0f?new_post=true [escrito por Sistah ;) · @meninanaopode]
E sigamos a prosa entre companheirxs!
Bjos,
Fran
SARTRE, JEAN-PAUL: “Tu és metade vítima, metade cúmplice, como todos os outros” – As Mãos Sujas, 1948.
Nos últimos dias parece ter ocorrido um violento caso de escracho interno no site Blogueiras Negras (http://blogueirasnegras.org/). E parece que houve injustiça contra a militante, uma senhora negra, escrachada em um dos grupos de discussão do site, em alguns perfis de blogueiras mais jovens, no seu próprio perfil de facebook etc…
A militante negra escrachada pelas outras mulheres negras chegou a escrever, no dia do seu aniversário, palavras muito fortes:
em 05/12/2014, às 9:09 – “Amanhã será meu aniversário, não me desejem nada..
Queria preparar uma defesa pra mim, mas venho aqui e não consigo escrever, mesmo tendo provas de minha inocência. Como me defender de acusações infundadas se a gente é inocente? Eu não tenho postado nada porque se não existe uma doença chamada Síndrome do Pânico de Redes Sociais, eu estou começando com essa doença agora… Eu tenho vindo ver as mensagens, mas não tenho forças de responder, como se tudo que eu tenha feito até agora, não tivesse sentido. Quem eu sou, não tem sentido. Eu sinto-me envergonhada diante do brancos por fazer o que estão fazendo para mim.
Me perdoem se eu não puder voltar mais. Já suportei muito bem agressões de nazistas convictos, de racistas, mas não posso suportar as acusações horríveis que venho sofrendo de mulheres. Mulheres negras. Preferiria morrer a ter de viver isso, preferiria ser morta nas ruas por ser preta, preferiria ser arrastada no carro da polícia. Preferiria sofrer todos os racismos que todos os negros do mundo viveram, preferiria ter sido escravizada.”
*
No dia seguinte, possivelmente depois de ter sido comprovada a inocência da militante escrachada, ela publicou um post público:
CARTA ABERTA E PEDIDO DE RETRATAÇÃO PÚBLICA –
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1151980544827806&set=a.271961182829751.86758.100000476151450&type=1
“Espero, exijo, e acima de tudo porque eu mereço, um pedido de retratação pública, assinado por todas as envolvidas no linchamento virtual a que me expuseram gratuitamente, no site, no grupo, e no novo grupo acabaram de abrir cuja exigência é que para ser membro do grupo é necessário que as mulheres não sejam minhas amigas, numa clara, e evidente, coação ditatorial e psicológica de mulheres sedentas pelo saber e aprendizado, que sequer me conhecem ou podem vir a me conhecer. Cada pessoa tem sua própria vida independente da minha e isso não é justo com elas. Um trabalho tão lindo de empoderamento para as mulheres negras como um todo, que sempre respeitei e honrei, que sempre respeitarei e honrarei, nunca falando em lugar algum algo depreciativo sobre as irmãs, muito pelo contrário, compartilhei e estive sempre a postos para qualquer empreitada a que fosse convocada.
Exijo que devolvam-me a minha dignidade, minha honra e meu caráter diante da minha família, minha filha, meus companheiros de trabalho, meus amigos, conhecidos e pessoas que jamais tinham ouvido falar sobre mim por esse mundo afora. Devolvo a todas vocês o título de uma das 25 mais (http://blogueirasnegras.org/2013/12/31/25-negras-mais-influentes-da-internet/), e vocês me restituam a mulher que eu lutei a vida inteira pra ser, sem a ajuda de vocês. Não lhes devo absolutamente nada e quero a voltar a ser a simples mulher que sempre fui.
Em momento algum, assinei quaisquer documentos propondo trocar a minha trajetória de vida, iniciada quando muitas de vocês ainda estavam no ensino primário, por um título de nobreza na internet.
Por todas as calúnias e difamações levantadas contra mim, me declarei e me declaro inocente até o final da minha vida.
Devolvam-me a minha trajetória, por favor!
Luh Souza (Luzia Souza) ”
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Ao que parece, mais uma triste história – dentro da esquerda – bastante sintomática do que este artigo aqui “Sobre as vítimas e nossos desafios” procurou tratar.
Histórias que se multiplicam instantaneamente como postagens, curtidas e compartilhamentos, ao infinito, dentro e fora da esquerda 2.0. E a nossa fragmentação auto-destrutiva só faz crescer…
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Conforme comentou Maycon Bezerra de Almeida, a partir de alguma dessas polêmicas recentes:
“Nenhum branco, pardo ou indígena tem legitimidade para opinar sobre a questão do negro? Nenhum negro, pardo ou branco tem legitimidade para opinar sobre a questão do indígena? Nenhum homem tem legitimidade para opinar sobre a questão da mulher? Nenhuma mulher heterossexual tem legitimidade para opinar sobre a questão do homem homossexual? Nenhum intelectual pequeno-burguês tem legitimidade para opinar sobre a questão do trabalhador assalariado? Nenhum trabalhador assalariado tem legitimidade para opinar sobre a questão do camponês? Tá errado, o nome disso é fundamentalismo essencialista, filhote do identitarismo pós-moderno pequeno-burguês.
Sou marxista, não tenho nada a ver com essa visão de mundo. Sou pela unidade dos oprimidos contra a opressão, não pelo seu fechamento em guetos identitários.”
…
E o irmão entregará à morte o irmão, e o pai o filho; e os filhos se levantarão contra os pais, e os matarão (Mateus 10:21)
Pois bem, mais uma vez a guerra de todos contra todos nas “horizontalidades”… enquanto isso, as “verticalidades”, além de se manterem inabaláveis, se acumulam, se produzem e se reproduzem.
Quantas não são as vezes em que irmãos iguais são mais iguais que os próprios irmãos? E nesta luta por igualdade vão surgindo desigualdades cada vez mais fragmentárias, inconciliáveis e totalitárias. Enquanto as lutas dos de baixo se atrapalham (satisfazendo, no final das contas, o interesses dos de cima…), o tripalium trabalha! Nos tornamos cada vez mais “especialidades” sociais de nós mesmos, cada vez mais distantes do todo. Todo negro é trabalhador. Toda mulher é trabalhadora. Todo homoafetivo é trabalhador. Todo heteroafetivo é trabalhador. Todo mundo aqui em baixo é trabalhador. Todo mundo aqui em baixo sofre com e pelo tripalium…
E nesta guerra de todos contra todos, nos tornamos nós mesmos os “santos inquisidores”, através dos tribunais de exceção e de julgamentos sumários… poupamos da burguesia seu papel de carrasco e invocamos para nós mesmo esta vilania…
Nossa condição maior é, e sempre será, de trabalhadores, ainda que existam outras especifidades que precisamos atentar e buscar soluções, especialmente as especificidades onde existam conflitos, mas sem nunca perder de vista a luta de classes:
“Trabalhadores do mundo, uni-vos!”
Tendo a concordar com o Padaqui. Abaixo um comentário antigo mas ainda bastante pertinente:
“Tenho muitas críticas em relação à idéia de luta fora da esfera da produção. Qualquer coisa que se dê fora da produção é uma coisa que não veio a ser, isto é, que não se produz, que é como uma forma eterna platônica, uma coisa dada de uma vez para sempre – em suma é a velha reificação. Logo, toda luta que supõe defender algo fora da produção é, por esta razão, reificante – e este é o caso de todas as lutas identitárias (mulheres, negros, consumidores, nação, etnia…). Considerar tudo em sua produção foi realmente a grande sacada de Marx, em radical contraposição a marxistas e anarquistas, que se agarram a suas identidades “puro-sangue”, suas panelinhas vanguardistas e suas doutrinas.
Assim, por exemplo, a opressão das mulheres só pode ser mesmo combatida na esfera da produção, transformando as condições de existência materiais em que as mulheres são praticamente constrangidas a se sujeitar. A opressão das mulheres jamais terminará enquanto a mulher for afirmada como uma identidade contra outra(s) identidade(s) (isso só leva ao punitivismo, ou seja, à pura irracionalidade, à adesão à violência do poder), mas apenas se elas se libertam dessa reificação, ao transformarem (junto com todo nós) suas condições de existência de modo a produzirem a si mesmas livremente, o que evidentemente envolve uma luta geral para produzir as condições de existência de uma livre associação universal na qual a individualidade livre possa se desenvolver, forever. (O proletariado é definido como aquele a quem a produção é privada – desse modo, quando ele toma a produção, dissolve todas as identidades, inclusive a dele mesmo).”
PARA [RE]LER:
http://libcom.org/library/rackets-f-palinorc
KLINAMEN
Hipervoluntarismo (vertical) e ultraespontaneísmo (horizontal), orgânica & discursivamente intromisturados, não suprassumem – nem, muito menos, substituem – a necessária interversão praxisteoría da espirodiagonal caósmica.
Excelente texto Passa Palavra!
Estão aí bem descritos vários de nossos desafios práticos.
E enquanto “militantes” faladores ficam bradando pelos quatro cantos por aí que são os mais pá – mais isso mais aquilo (em detrimento do militante-inimigo ao lado), nós fazemos o combate efetivo, cotidiano e incansável, Contra o Genocídio do Povo Preto, Pobre e Periférico!
Sigamos a reflexão, a troca de ideia e a construção prática entre verdadeir@s companheir@s!
Movimento Independente Mães de Maio
#Respeito
#Picadilha
#NóisPorNóis
#EsquerdaUnida
#ContraSistemaPenal
#ContraDesagregadores
#MenosFalaçãoMaisLutaEfetiva
Outra distinção que pode ser bastante útil para este debate – e para as nossas práticas:
VITIMAÇÃO x VITIMIZAÇÃO
Vamos diferenciar vitimação de vitimização?
(1) Vitimização é se colocar inapropriadamente no lugar de vítima. Por exemplo, a classe alta e a sua lógica narcísica de que o outro é sempre uma ameaça. Portanto, ela é sempre vítima;
(2) Do outro lado, temos a vitimação, que é ação de tornar alguém ou algo vítima. É subjugar. É matar. É destruir. Algo que ocorre com muita frequência em relação às “minorias” [que na verdade são a maioria]: negras e negros, gays, lésbicas, transexuais, mulheres, populações pobres;
(3) O mais curioso é que essa vitimação das “minorias” [certas maiorias] está diretamente ligada ao medo e a vitimização da classe alta, que provoca uma demanda por segurança pública. E segurança, muitas vezes, se reduz ao extermínio do outro que “ameaça”;
(4) Outra forma de vitimar as “minorias” (sic): impedir que elas se tornem agentes políticos. Garantir a hegemonia do discurso para que aquilo que se diz ganhe contorno de Verdade;
(5) A desqualificação e invalidação do lugar de fala das “minorias” (sic) tem origem no medo da classe alta, mas é reproduzido por toda sociedade – e até por intelectuais;
(6) Podemos dividir essa desqualificação/invalidação da seguinte maneira: (i) intelectuais que se acham qualificados para assumir o lugar de “consciência das minorias” e falar por elas (ii) a invalidação da experiência de sofrimento do outro;
(7) Essa invalidação da singularidade da experiência passa pela utilização de recursos argumentativos, que costumamos chamar de “senso comum”. Por exemplo, dizer que o outro está se vitimizando, quando estabelece algum tipo de narrativa sobre a sua exclusão social (“sou gay e nordestino”);
(8) Não achem que o senso comum é inofensivo e que desarmamos com facilidade alguém que chama o outro de vitimista por se dizer gay e nordestino;
(9) O discurso preconceituoso e perverso do senso comum está em tudo. Sobretudo, onde o poder se instala – inclusive, o poder intelectual, não se enganem! Desconstruir isso é uma tarefa militante que não termina. Não por acaso, dizem que saberemos que houve uma revolução, quando mudarmos o senso comum.
por Daniela Lima, do Coletivo Jandira (https://www.facebook.com/coletivojandira)
Fran e Dan, boa noite.
Primeiramente lhes parabenizo pelo texto, embora não a e o conheça, e espero que vejam minha mensagem (apesar de fazer quase um ano da publicação). Sempre me identifiquei com a esquerda, mas sou homem, hetero, branco, cis, jovem e magro (conto porque não me conhecem ou me vêem). Ou seja, desfruto de vários privilégios e por anos fui incapaz de enxergar vários deles, mesmo me identificando com a esquerda. Nos últimos dias acabei cometendo atrocidades que sou incapaz de descrever aqui em detalhes (machismo e misoginia são capazes de descrever sucintamente), e também não o faria pela exposição, mas a resposta daquelas e daqueles que me cercam em muito parece se encaixar com aquilo que vcs descrevem aqui.
Eu já havia passado por situações semelhantes, mas não na figura do escrachado, porém fui capaz de perceber que as reações dos (ex) companheiros denunciados foi muito semelhante à desse senhor que eu desconhecia, o Idelber Avelar. Se vitimizaram, colocaram as denunciantes enquanto intolerantes (pois alguns apanharam, assim como eu), e distribuíram rótulos de feminazi e misândricas (dando a mão à direita, na minha opinião). Ao contrário deles, me retirei, estou há quase 4 dias em profunda introspecção e numa tentativa de autocrítica para entender a gravidade das coisas que produzi e reproduzi e passar por essa experiência com um novo fôlego para recomeçar e não repetir mais os erros, mas decididamente continuar no campo da esquerda e não prestar esse tipo de desserviço que foi prestado por alguns.
Sou universitário e desempregado no momento, e antes de decidir abandonar o curso e me mudar de cidade (coisa que não tenho como fazer no momento, devido ao desemprego) gostaria que se possível pudessem me indicar leituras ou entrar em contato comigo para que eu possa entender mais sobre “Elaboração dos Conflitos e Construção Coletiva da Liberdade”.
Atenciosamente.
God save The Queen!
Eis que pelos punhos da própria esquerda inocenta-se toda realeza britânica ou portuguesa, a Companhia das Índias Ocidentais ou Orientais, por toda a “atividade empresarial” do tráfico de escravos.
Esta autodenominada esquerda inocenta todos os estados, todas as corporações, todas as estruturas capitalistas criadas, operacionalizadas e efetivadas por capitalistas, através de imposições das mais variadas formas de divisão do trabalho, e reduzem a origem de todos os males humanos à aspectos biológicos, como sexo e fenótipos. Também vítima de um sistema cruel e desumano, o trabalhador, que por aparentar o “FENÓTIPO” branco, é igualado ao verdadeiro opressor, que de sua Wall Street, assiste a tudo incólume e extasiado, por ver que o próprio “FENÓTIPO” branco assume a culpa das vilanias que são suas. Toda Wall Street se deleita ao ver que a carnificina se ocorre não pela luta de classes, mas pela luta intraclasse…
O racismo, o machismo, a homofobia existem e precisam ser superadas, mas não existem por si mesmo, não são a causa de si mesmo, mas consequência direta do motor da história, a luta de classes.