Hoje em dia eu sou curdo. Eu penso curdo, eu falo curdo, eu canto curdo, eu choro curdo. Por Charb*
“Eu não sou curdo, eu não sei uma palavra curda, eu seria incapaz de citar um nome de um autor curdo. A cultura curda é totalmente estranha para mim. Ah, sim! Até cheguei a provar a comida curda… Seguimos adiante. Hoje em dia eu sou curdo. Eu penso curdo, eu falo curdo, eu canto curdo, eu choro curdo. Os curdos sitiados na Síria não são só os curdos, são a humanidade resistindo às trevas. Eles defendem suas vidas, suas famílias, seu país, mas queiram ou não, eles são o único baluarte contra o avanço do “Estado islâmico”. Eles defendem a todos nós, não contra um Islã fantasmagórico, que não representa mais os terroristas de Daech, mas contra o gangsterismo mais bárbaro. Como a pretendida coalizão contra os degoladores chegaria a ser possível, muito embora, por razões distintas, alguns de seus membros tenham compartilhado com eles (e alguns ainda compartilhem) interesses estratégicos, políticos, econômicos? Contra o cinismo e a morte, hoje há o povo curdo”.
22 de outubro de 2014
[*] Diretor do jornal Charlie Hebdo, Stéphane Charbonnier, é uma das vítimas do ataque a tiros que resultou em 12 mortos, em Paris, França.
Henrique Carneiro: “Ação do fascismo islâmico só fortalece o fascismo europeu” (http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/39072/acao+do+fascismo+islamico+so+fortalece+o+fascismo+europeu.shtml)
Pra ver que autoritarismo e extrema-direita se desenvolve em qualquer lugar, não importa a latitude e longitude, não importa a cor, não importa o jeito que reza, não importa o gênero…
Enquanto isso, uns militantes que acreditam ser de esquerda, num gesto multiculturalismo suicida, se solidarizam com as vítimas da islamofobia e evitam criticar o atentado – “quem somos nós para falar da cultura do outro, se se sentiram desrespeitados?”
Pois é, quem somos nós para nos posicionar na luta revolucionária curda?
Lendo o perfil dos dois irmãos suspeitos que estão sendo buscados pela polícia nesse momento, me vem à cabeça um texto aqui do PP que analisa o avanço do poder político e social evangélico a um fracasso material da esquerda, de construir alternativas de solidariedade a esse proletariado.
Pois os suspeitos possuem um perfil proletário que em outros tempos encontrariam vazão a suas angústias e revolta em organizações e lutas de esquerda.
“(…)Não indicar os assassinatos de Paris como um atentado à extrema-esquerda – e simplesmente contra a sociedade ocidental e a liberdade de expressão no abstrato – abre espaço para fortalecer aquilo que os jornalistas do Charlie Hebdo mais repudiavam: a extrema-direita. E, como dizia Charb, “a Frente Nacional e o fascismo islâmico são da mesma seara e contra eles não economizamos nossa arte”.”
http://blogdaboitempo.com.br/2015/01/07/atentado-contra-a-extrema-esquerda-na-franca/
O artigo de João Alexandre, linkado acima, é excelente. Obrigado pela referência. O parágrafo final é excepcional:
“A sátira ao Islã nas páginas do Charlie Hebdo dava-se a partir de uma leitura progressista, de rejeição ao conservadorismo clerical, diretamente alinhada a posições tradicionais do semanal contra o sionismo, o fascismo, o imperialismo e o capitalismo. Entender o atentado de 7 de janeiro, um dos mais graves já ocorridos na França, apenas como um ataque à liberdade de expressão é uma meia verdade e envolve um grande risco político de interpretação. A liberdade de expressão de Charb, Cabu, Wolinski e a equipe do Charlie Hebdo era um meio para um posicionamento político radicalmente democrático e profundamente progressista, na tradição da extrema-esquerda francesa.[…]”
Agora deu curto circuito na cabecinha do multiculturalistas: como poderia haver identidade oprimidas, porém, de direita?
Enquanto isso, Antonio Martins & CIA deliram na teoria de “inside job” (trabalho interno):
“Mas a pergunta clássica – cui profit, a quem beneficia o crime – sugere não ficar apenas nesta hipótese. Quase quinze anos após os atentados de 11 de Setembro, não foram respondidas as teorias segundo as quais a derrubada das Torres Gêmeas não poderia ocorrer sem algum tipo de participação das agências de inteligência dos Estados Unidos, nem as crônicas sobre o estranho comportamento do presidente George W. Bush ao ser informado de sua derrubada.”
http://outraspalavras.net/capa/morte-em-paris/
É, tem muito idiota nesse mundo.
Lucas, o pior é isso:
“Fundado em 1992, o atual Charlie Hebdo (que resgata o nome de uma publicação anterior) não é um jornal de extrema-esquerda, ao contrário do que se afirmou no Brasil. Parte de sua equipe esteve presente em revistas humorísticas ligadas à revolta de 1968. Mas seu foco central não são os grandes temas políticos franceses ou mundiais – mas a crítica às instituições religiosas e à ultradireita.”
Se a crítica às instituições religiosas e à ultradireita não é mais um programa da esquerda não sei mais o que essa palavra signifique.
Excelente artigo de Oswaldo Coggiola sobre o imbróglio:
http://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2015/01/11/ser-ou-nao-ser-charlie/