O MPL, descontando algumas experiências isoladas, é hoje um movimento social de superfície, de pouca ou quase nula profundidade e que não ataca as estruturas profundas da sociedade, as relações de classe, porque se relaciona precariamente com elas. Por Fagner Enrique
A condição fundamental para o avanço de qualquer prática enquanto tal é a sua capacidade de gerar e de se difundir em novas práticas que seguem e, ao mesmo tempo, reforçam o seu próprio modelo, a sua própria estrutura. A dinâmica histórica está associada àquelas práticas que se desenvolvem nos campos da produção econômica e da luta política. Uma prática só sobrevive enquanto tal praticando-se a si contra as demais. A história é, portanto, a sucessão com que determinadas práticas praticam-se a si, dos pontos de vista político e econômico, contra as demais. Nesse sentido, a condição fundamental para o avanço prático da autonomia dos trabalhadores é a sua difusão cada vez mais ampla, através das lutas dos trabalhadores, nos campos da produção econômica e da relação com o Estado. Os trabalhadores, no entanto, não praticam a autonomia a toda hora. Eles oscilam, o que, na verdade, ocorre em todas as classes. No caso dos trabalhadores, oscila-se entre a luta contra o capitalismo no interior do capitalismo, que conserva o controle da burguesia e dos gestores sobre os meios de produção e as decisões políticas, e a luta contra o capitalismo pela ruptura com o capitalismo, a partir do controle direto dos trabalhadores sobre os meios de produção e as decisões políticas. Oscila-se, portanto, entre a autonomia e a heteronomia. Isso significa que a relação contraditória da classe trabalhadora enquanto estrutura social com as classes capitalistas é variante. Todas as instituições resultantes da intervenção ativa de uma classe nas lutas sociais oscilam de modo semelhante.
O MPL (Movimento Passe Livre) é uma instituição resultante da intervenção ativa de uma parcela da classe trabalhadora nas lutas sociais e, nesse sentido, o seu modelo é o modelo da classe trabalhadora. Contudo, o fato é que o MPL, no geral, tem demonstrado uma reduzidíssima capacidade de geração e de difusão crescente da autonomia dos trabalhadores nos campos político e econômico, contribuindo, assim, para a oscilação da classe trabalhadora em direção à heteronomia e à conservação das relações de tipo capitalista: a autonomia gerada e difundida atualmente pelo movimento não adentra o campo da produção econômica, pois o vínculo orgânico do MPL com as práticas de resistência dos trabalhadores do setor dos transportes e de outros setores econômicos é muito fraco ou mesmo inexistente, e se realiza muito limitadamente na relação com o Estado. Nesse último caso, trata-se de um mero ensaio, pois o movimento tem sido, ao mesmo tempo, pouco capaz de sobreviver aos choques com a repressão estatal, do que depende a continuidade das práticas suscitadas pelo movimento, e pouco capaz de expandir a autonomia política do proletariado, massificando a luta horizontal pelo direito à cidade ou impulsionando mais lutas horizontais para além do transporte. E a autonomia diante das instituições capitalistas, através da negação de qualquer relação com os gestores do setor público e com os gestores e empresários do setor privado, limitando-se a um pequeno grupo de coletivos, pouco contribui: trata-se de uma autonomia prática muito limitada e isolada; e hoje totalmente inofensiva.
Na prática, o MPL tem se limitado, no geral, a expressar ideologicamente uma autonomia muito restrita, isolada e inofensiva, ao invés de generalizá-la numa unidade de ação com trabalhadores plenamente inseridos num dos setores mais importantes da economia capitalista (o dos transportes), sendo também pouquíssimo capaz de impulsionar ou de dar origem a novas instituições que, inseridas ou não na estrutura federativa do movimento e relacionadas diretamente ou não à luta pelo transporte, sejam capazes de aplicar a autonomia proletária numa amplitude crescente. Assim, o MPL como federação vive atualmente mais como processo de pensamento que como prática social, mais como sistema mais ou menos ordenado de ideias que como intervenção ativa nas lutas sociais em curso, mais como projeto de movimento social autônomo que como movimento social autônomo em si. E tem sido incapaz de favorecer atos cada vez mais frequentes de negação da ordem da produção vigente (a economia capitalista) e de negação da produção da ordem vigente (o Estado capitalista). Depois de Junho de 2013, o movimento refluiu intensamente e hoje transita cada vez (e cada vez mais rápido) da esfera da prática para a esfera da ideologia. Sai da vida e entra na memória; ou mantém-se vivo como vaga aspiração. A recuperação das Jornadas de Junho de 2013 pelas classes exploradoras é cada vez mais completa. Por quê?
A composição social do movimento, mencionada acima como “parcela da classe trabalhadora”, desempenha aí um papel importante, estabelecendo as condições a priori da luta: a federação do MPL é uma organização majoritariamente composta por estudantes afastados ou precariamente inseridos no processo produtivo, sendo aí politicamente impotentes, visto que precariamente inseridos. Trata-se de pessoas, em grande medida, mais imersas nos conflitos e nos impasses característicos do processo de formação da força de trabalho que em outros conflitos e impasses: um desses impasses é o de como ter acesso a níveis de consumo socialmente aceitáveis sem estar inserido ou estando precariamente inserido no campo da produção; um desses conflitos é o de como conquistar a autonomia no processo de formação acadêmica sendo não produtor mas, na verdade, produto. A maior parte dos integrantes do MPL depende de remunerações precárias, muitas vezes sob a forma de bolsas de estudos, ou vivem mais ou menos às custas da própria família e almejam uma autonomia que não podem construir ao longo de sua rotina porque despojados das engrenagens produtivas dos estabelecimentos educacionais e porque em antagonismo com os trabalhadores que as controlam. Resta-lhes, portanto, relacionar-se com a autonomia quase que somente no plano da abstração, contando aí com a colaboração dos trabalhadores da educação (os professores) que fazem parte do seu universo. Fora da abstração, resta-lhes hoje a autonomia muito limitada, isolada e inofensiva de organizações como o MPL. E, dentro do MPL, o seu afastamento ou relacionamento precário com a produção reforça sobremaneira a sua dificuldade em conquistar aliados nos locais de trabalho, o que explica a pouca ou nenhuma inserção do movimento nesses locais.
É claro que há militantes que estudam e, ao mesmo tempo, trabalham, mas hoje um trabalhador (ou, pelo menos, o tipo de trabalhador que se aproxima de organizações como o MPL) insere-se por completo nas relações capitalistas de produção apenas quando completa seu ciclo de formação acadêmica. Só então pode ele viver totalmente e unicamente do próprio trabalho e experimentar totalmente a condição proletária, além de estabelecer uma relação cotidiana e de longo prazo com os meios de produção e com outros trabalhadores que partilham da mesma condição. A partir de então, as preocupações desse trabalhador (onde quer que ele esteja: em casa, na rua, no trabalho, no transporte coletivo etc.) passam a ser ditadas pela necessidade de garantir a sua própria sobrevivência e a sobrevivência de sua família, sendo este um dos fatores inibidores da transgressão da disciplina capitalista pelos trabalhadores. Mesmo assim, eles muitas vezes tornam-se conscientes de que é essa transgressão a única garantia de melhoria de suas condições de vida e aí a colaboração cotidiana entre trabalhadores, ditada pela divisão social do trabalho, torna-se uma ponte para as relações de solidariedade de classe tecidas no decorrer dos enfrentamentos.
É precisamente isso que falta à maior parte dos militantes do MPL. Os trabalhadores já consolidados como produtores de mais-valia aprendem a necessidade da autonomia no confronto direto com quem os explora e no contato direto com colegas de trabalho que vivenciam o mesmo confronto. Grande parte dos militantes do MPL, no entanto, aprende a necessidade da autonomia em outros ambientes e outras relações. (Uma solução para o MPL é atuar nos locais de moradia, por exemplo, tentando mobilizar a população de um bairro ou de uma região na luta por melhorias no transporte coletivo e por um transporte coletivo controlado diretamente pelos trabalhadores, mas a aliança com os trabalhadores do setor dos transportes é indispensável para que algumas experiências isoladas e ainda muito frágeis tornem-se cada vez mais comuns e difundidas. Outra solução é atuar em escolas e universidades tentando aproximar os estudantes das experiências de luta da classe trabalhadora. Há experiências positivas e promissoras também nesse sentido, mas muito limitadas.) Seja como for, como os conflitos e impasses com que se defronta a maior parte dos militantes do MPL são diversos dos conflitos e impasses com que se defronta a maior parte dos trabalhadores produtivos, o que os motiva é menos um enfrentamento focado nas relações de trabalho e mais um enfrentamento genérico com o “autoritarismo”, com o “estado de exceção”, com qualquer forma de “opressão” etc.
Note-se: não digo que o MPL não é composto por trabalhadores. Pelo contrário, deixei explícito acima que o movimento é composto por uma parcela da classe trabalhadora. São, no entanto, em sua maior parte, trabalhadores totalmente afastados de qualquer relação de trabalho produtivo (no sentido capitalista) ou que produzem mais-valia esporadicamente. Trata-se de uma grave limitação, que condiciona a priori o processo de luta e que, para ser superada, demanda um profundo empenho de aproximação com trabalhadores que produzem mais-valia não esporadicamente mas cotidianamente, trabalhadores sem os quais a economia capitalista não pode funcionar, trabalhadores que comprometem todo o ciclo de reprodução ampliada do capital ao desenvolverem relações de produção anticapitalistas.
No entanto, esse esforço necessário é muitas vezes negligenciado e grande parte dos coletivos e militantes do MPL contenta-se com tais esboços muito limitados, isolados e inofensivos de autonomia e com a sua expressão ideológica; ou então com polêmicas em torno de problemas de organização interna. Tais experiências restritas de autonomia não ultrapassam as fronteiras de um punhado de coletivos de dimensões microscópicas. Tais coletivos e seus militantes (ou parte deles) chegam a produzir frequentemente textos que teorizam a autonomia organizativa dos movimentos sociais e defendem o modelo organizativo do MPL (este autor incluso). E verificam-se reuniões que se sucedem umas às outras com o único propósito de discutir problemas de organização interna. Ao invés de projetar a auto-organização na sociedade, a maior parte do movimento parece preferir realizar a auto-organização ilhada em seu próprio universo, vivendo à margem da sociedade; como, aliás, costuma viver-se nos espaços acadêmicos.
Sendo assim, o MPL define-se como uma instituição atualmente destinada, em grande medida, à materialização ou à encenação da ideologia da autonomia, que é, na verdade, um conjunto heterogêneo de ideologias contraditórias. Essa tendência varia no tempo e no espaço, mas parece ser predominante em boa parte da federação. A materialização desse conjunto de ideologias verifica-se, por exemplo, na publicação dos textos acima mencionados e em pichações que deixam gravados diversos símbolos que remetem ao anarquismo e ao marxismo (expressões ideológicas de uma autonomia que não é apenas limitada mas se autolimita, porque não é compreensível para a maior parte dos trabalhadores). E, no que se refere à encenação da ideologia da autonomia, trata-se da já mencionada sucessão de reuniões com o objetivo único de discutir como organizar-se (ou comportar-se) à maneira libertária e também de manifestações de rua onde são queimadas catracas produzidas pelos próprios manifestantes, por exemplo. Nessas manifestações, o MPL constitui para si um público, mas, como o movimento mais expressa a ideologia da autonomia que a pratica, consolida-se uma barreira entre o público e o movimento: o MPL não consegue, assim, estabelecer uma comunidade prática na luta com esse público e este se mantém, portanto, como espectador. O MPL tornou-se, em suma, em grande medida, uma instituição ritualizadora da autonomia.
E o afastamento da ideologia da autonomia expressa por boa parte do movimento de qualquer prática concreta da autonomia por parte dos trabalhadores produtivos torna essa ideologia expressora, na verdade, do que vier à cabeça: o lema “fogo na catraca”, por exemplo, passa a ser utilizado de modo que “catraca” signifique o que quiserem os militantes. Além do mais, “autonomia” passa também a significar qualquer coisa. Esse conceito que, de início, expressava uma modalidade de luta do proletariado, passou a ser aplicado, por exemplo, aos espaços exclusivos, que supostamente garantiriam a “autonomia” dos oprimidos, e ao punitivismo hoje em voga, supostamente uma modalidade de justiça “autônoma”. E o afastamento do MPL das lutas dos trabalhadores produtivos torna-o grandemente incapaz ainda de apresentar uma alternativa não reativa de resistência ao capitalismo: o movimento atua de acordo com o ritmo ditado pelas classes capitalistas, reagindo às iniciativas do poder público e dos empresários do setor dos transportes (em relação aos anúncios de reajuste na tarifa do transporte coletivo, por exemplo). Uma maior aproximação com os trabalhadores do setor dos transportes, por exemplo, permitiria ao movimento estar melhor informado a respeito dessas iniciativas que prejudicam aos trabalhadores quase que em geral, favorecendo a articulação de lutas mais amplas.
Além do mais, o MPL tende, em certa medida, a apresentar-se como potencial nova burocracia a conciliar pelo alto as demandas vindas de baixo, risco presente em qualquer organização de esquerda. A tendência burocratizante, em qualquer organização, é sempre múltipla. De um lado, pode decorrer do desânimo da maior parte da base e da concentração de tarefas nos militantes mais ativos. De outro, pode decorrer da projeção pública dos militantes mais ativos, que se tornam politicamente destacados. De outro ainda, pode decorrer da tentativa de cooptação dos militantes mais destacados por meio da criação de canais de interlocução entre tais militantes e gestores e empresários (sem contar as tentativas de cooptação vindas de organizações burocráticas de esquerda, partidos e sindicatos). Pode-se decorrer também (e hoje mais do que nunca) da política identitária, que se apresenta como uma atualização do velho nacionalismo: onde antes constava “autodeterminação dos povos” consta agora “auto-organização” ou “empoderamento” das minorias. Trata-se de uma atualização e de uma redução da política nacionalista ao plano das microidentidades e dos micropoderes. E, na luta contra os privilégios, os defensores das políticas identitárias pretendem, na maior parte das vezes, fazer-se novos privilegiados, afirmando-se, portanto, como nova burocracia. O principal risco de burocratização no MPL (e, em grande medida, a burocratização já está em curso) é o resultante da política identitária hoje hegemônica no movimento. Os outros elementos encontram-se nele latentes.
É esse um dos principais obstáculos à massificação do movimento e à unidade de ação com as lutas dos trabalhadores do setor dos transportes e com outras lutas ainda, pois, se os militantes ditos “privilegiados” já encontram restrições à sua participação no interior do MPL, fica patente que a meta dos defensores da política de identidade é, quase sempre, não ter de conviver com quem não se enquadra rigidamente nos padrões comportamentais e discursivos por eles determinados. E há ainda um outro elemento que repele novos militantes, além de afastar os antigos: casos de machismo e racismo são, muitas vezes, instrumentalizados pelas novas burocracias (ou pelas pretensas novas burocracias) para suprimir ou isolar divergências e oposições políticas.
Tudo isso favorece o deslocamento da oscilação em direção à autonomia para a oscilação em direção à heteronomia, pois a solidariedade de classe é indispensável à construção da autonomia e o movimento tem favorecido modalidades não-classistas de solidariedade: ao invés de unificar politicamente todas as pessoas sujeitas à exploração capitalista, o MPL tem fragmentado essas pessoas em posições políticas antagônicas sobretudo pelo critério do sexo e, em menor medida, pelo critério da cor de pele, atribuindo ainda aos indivíduos “privilegiados” uma existência opressiva equivalente ou muito superior à das classes exploradoras. Trata-se de uma tendência predominante. Minando as bases do classismo, boa parte do movimento mina ainda as bases da autonomia, isto é, as bases concretas; as bases imaginárias continuam vigentes e dando origem aos referidos rituais. A meu ver, a composição social do MPL dificulta imensamente a aproximação do movimento com a maior parte da classe trabalhadora e, impossibilitando essa aproximação por completo, vem a política de identidade, que ainda concorre para a intensificação da ritualização da autonomia: a política de identidade vem acabando com qualquer possibilidade, mesmo que remota, de o MPL superar sua composição social original.
O MPL não aproveitou o boom das lutas pelo transporte de 2013 para elevar-se ao nível de movimento social, pois foi logo tomado por divergências relativas às práticas de organização interna do movimento: de um lado, as polêmicas incidiam sobre a necessidade de o MPL resguardar seus princípios libertários frente à massificação do movimento que se vislumbrava: os coletivos que pedissem ingresso na federação seriam submetidos a uma série de reservas por conta de um temor (muito difundido) associado à possibilidade de perda da autonomia original, que, apesar do ascenso das lutas pelo transporte, era ainda muito limitada e isolada (se bem que, para parte considerável do MPL, autonomia é, como já vimos, coisa bem diferente); de outro lado, a possibilidade de colaboração entre os coletivos já federados não se realizou, de modo que mesmo a comunicação entre eles é hoje precária; de outro lado ainda, veio a desestruturação de qualquer estratégia amplamente coordenada de ação, devido à luta fratricida que se estabeleceu dentro do MPL, e que continua hoje a desagregá-lo, por causa de sucessivas tentativas (exitosas, em muitos casos) de imposição de pautas identitárias e de regimentos internos que obstruem a massificação da luta. E a disputa interna, em torno do tema dos privilégios e das opressões, tem intensificado também desconfianças entre as pessoas que já militam no movimento. As coisas poderiam e talvez ainda possam ser diferentes.
Sendo assim, o MPL (descontando algumas experiências isoladas) é hoje um movimento social de superfície, de pouca ou quase nula profundidade e que não ataca as estruturas profundas da sociedade (as relações de classe) porque se relaciona precariamente com elas. Ele não consegue se afirmar como instituição reprodutora e reforçadora da prática da autonomia proletária (ou da oscilação da classe trabalhadora no sentido da luta contra o capitalismo pela criação de novas relações sociais, anticapitalistas). Restringe-se, portanto, à ritualização de uma autonomia que tem sido incapaz de generalizar a toda a sociedade. O MPL tem sido muito autônomo nas palavras e nos gestos, mas muito pouco autônomo na luta social concreta. O MPL tem sido hoje a ex-futura grande referência da esquerda autônoma brasileira.
As fotografias que ilustram o artigo são de Sebastião Salgado.
Bons apontamentos, em mais um bom texto do espaço.
Infelizmente vejo que apesar de saber do esforço de discussão de alguns ( poucos ) coletivos acerca da necessidade de estratégias mais amplas e da mudança necessária da construção organizativa por vinculo de proximidade, confiança ou afinidade, para um modelo federativo local e nacionalmente mais claro e pró-ativo, vejo que bem ao tom de parte do movimento anarquista ( pós-anarquista?) atual impera a informalidade.
Não atoa ou mesmo por isso, pela falta de projeto mais amplo, de panorama estratégico classista e realmente periférico, em sua composição social com todos os “problemas e beneficies” que tal mudança possa acarretar, temos a pauta identitária e estética como central.
O clima punitivista, clubístico decorre e se retroalimenta dai.
Tudo isso está colocado neste e noutros textos acerca do feminismo excludente e outras encruzilhadas organizacionais.
Muitas e muitos estão cientes disso, ocorre que quem hoje terá peito de encarar tais redes, de desorganizar para organizar.
Informações, opiniões e analises são cada vez mais monocromáticas neste ambiente, e a covardia política de quem tem medo de ousar discutir e perder o pouco que construiu tem sido a regra.
É irônicamente ” O Começo do Fim do Mundo”.
O primeiro parágrafo tem 7 vezes a palavra prática ou o verbo praticar – fica duro avançar no texto assim.
salve fagner, firmeza?
legal seu texto, vou fazer uns comentários de quem obviamente tá de fora do MPL e certamente passando ao lado de coisas internas que te motivaram a escrever isso, que definem sua visão. sem querer cagar regra nem ignorar isso, q vc certamente manja mto mais do que tá falando do que eu, só uns comentários, na humilde.
mas cara, fiquei com algumas dúvidas sobre os pressupostos da onde vc parte pra entender melhor suas críticas, que a princípio me pareceram um pouco voluntaristas demais sinceramente, tipo me pareceu q vc analisa os possíveis problemas do MPL como se eles fossem todos frutos de escolhas e decisões que dizem respeito apenas ao MPL ta ligado, fica parecendo o texto do Aldo Sauda, e imagino que vc não é trotskista e não ache que os problemas do mundo se resumam a escolhas de direção, a opções ne, o mundão tá aí pra limitar e muito nossos desejos e sonhos, infelizmente. fiquei com a sensação de q faltou um pouco isso, ou vc acha q uma boa estratégia do MPL ou de quem quer que seja garantiria a “sobrevivência” de junho, um momento histórico que é resultado de zingbilhões de processos sociais, históricos, econômicos, culturais, midiáticos, etc?
mas enfim, as dúvidas que fiquei. em primeiro lugar o que é “autonomia proletária” pra vc? mais adiante vc fala que a “autonomia no começo expressava uma modalidade de luta do proletariado”. como vc define autonomia, como uma forma de se lutar apenas?
eu faço parte do DAR, nos encaixamos perfeitamente na sua descrição de coletivos de dimensões microscópicas que teorizam mais do que praticam a autonomia. ok, nao to aqui pra nos defender das nossas limitações, apesar de eu gostar mto de um texto do guattari chamado somos todos grupelhos. http://escolanomade.org/pensadores-textos-e-videos/guattari-felix/somos-todos-grupelhos mas o lance é que estamos trampando num livro sobre alternativas ao proibicionismo e autonomia, e por isso to estudando esse tema. me permita colocar uma citação de uma definição de autonomia que estamos colocando no nosso texto (aliás esse livro citado é mto foda):
No texto de abertura do livro mexicano Pensar las autonomías, publicado pela editora Bajo Tierra em conjunto com a organização JRA – Jovens em Resistência Alternativa, essa última organização apresenta o que define como “diversas dimensões e níveis da autonomia”. Seriam estes:
a autonomia como forma de fazer política: esta dimensão representa o questionamento da subordinação, do autoritarismo e das hierarquias das formas partido e Estado, “radicalizando a crítica ao próprio poder, às relações de domínio a cotidianidade, na luta política e nos movimentos sociais. Em oposição, se propoõe a autodeterminação e a horizontalidade;
a autonomia como “diversidade, potência e possibilidade”: aqui estamos diante da dimensão da autonomia que questiona a totalidade e a unidade quando são consideradas como homogeneidade e domínio, pensamento atribuído a velhas formas de fazer política. Em troca, propõe a multiplicidade e a diversidade, com unidade ocasional pautada pela luta concreta;
a autonomia como pré-figuração: nesse caso se referem à defesa de uma luta política que prime pelo aqui e agora, não pelo sacrifício do presente e dos princípios em nome de um futuro melhor. Segundo este enfoque o mundo que queremos no futuro começa no presente, com as práticas cotidianas necessitando ser transformadas e não simplesmente naturalizadas.
a autonomia como horizonte emancipatório: essa dimensão seria a que permite discutir e imaginar, a partir das práticas e potências existentes hoje, uma mudança radical nas formas de produção, distribuição e consumo, e também mudanças radicais nas formas de tomada de decisões sobre questões comuns. Esse horizonte seria portanto tanto de um um mundo “de redes coletiva autorreguladas, um tecido de autodeterminações, federações de autonomias livres do capital em relação simbiótica com o mundo não humano” quanto “livre das formas de dominação, opressão, centralização, homogeinização e monopolilização estatais”.
como diria Reinaldo Azevedo, voltei! hehe perceba então mano que a definição de autonomia pode ir muito para além do âmbito da produção, pelo menos em algumas de suas definições. ela diz respeito ao futuro, a uma nova sociedade ou forma de organizar a produção, mas também ao presente, à tal política pré-figurativa, as nossas relações, e o entendimento é que esses âmbitos se retroalimentam, não vivem um sem o outro.
então nesse sentido me parece que o vc critica no MPL como práticas que não são no sentido da autonomia poderiam sim ser vistas assim, não acha? e além disso, elas podem ser complementares (necessariamente) à “autonomia proletária” q vc coloca, se é que eu entendi, ou seja, a luta no campo econômico. o que estou dizendo, mais do que questionar seu argumento, é q vc talvez pudesse ter explicado melhor pq vc acha q a autonomia se deve executar apenas no campo da produção, ou prioritariamente, acho que poderia refinar esse argumento – do jeito que tá não me convenceu mto…
e, conectado a isso, acho que tá frágil no seu texto essa argumentação sobre o “trabalho produtivo” e a prioridade da açao política nessa esfera. primeiro que vc nao explica mto bem, mas pelo que pude entender vc ta partindo da definição marxista de trabalho produtivo como apenas aquele que gera mais valia, certo? sei lá mano, essa discussão me parece tão abstrata quanto as que vc critica, isso é uma discussão a meu ver praticamente acadêmica – e qq discussão q seja só acadêmica é inútil pra fins de mudança, nisso concordamos todos imagino.
xô ver se consigo explicar o q quero dizer. mas é pelo que sei tem toda uma discussão sobre o que gera mais-valia ou não, ou seja o que verdadeiramente é produtivo (posso estar errado, mas pelo que sei há definições mais estritas de que o setor de transporte por exemplo não gera mais valia, assim como o de serviços – mas sei que é uma discussão com vários pontos de vista). então sei lá, pra que entrar nessa de trabalho produtivo ou improdutivo, gera mais valia ou não, como ferramenta pra entender o MPL? a questão da exploração ou dominação já não resolve, ou seja, solidariedade e organização entre os explorados, entre os dominados, entre os debaixo, me parece muito mais útil pensar assim nesses termos do q ficar buscando quem é produtivo ou improdutivo “na classe”, quem é proletário quem não é.
isso somado ao uso de termos como “proletariado” dão a impressão de uma análise do presente com instrumentos do início do século XX, bicho, dão a impressão eu disse hein. me parece que esses conceitos podem ser interessantes de alguma forma pra se entender O Capital, do Marx, e o capital em geral, mas tentar aplicá-los assim, sem maiores explicações e desenvolvimentos, a nossa realidade presente me parece que não deu muito certo, já q vc mesmo por exemplo destaca as boas possibilidades de articulação com movimentos de moradia, e é bem raro que estes sejam compostos por metalúrgicos do setor produtivo, é doméstica, é trafica, é bico, é pedreiro, é motorista, é atendente de loja, é recepcionista, é porteiro, ninguém ta no setor produtivo, vc acha esse espaço de militância menos importante?
não sei mano, apenas comentários, achei que o uso dessa terminologia sem explicar mto acabou prejudicando seus argumentos, mas lógico q isso é só minha opinião.
valeu, mal pelo comentário enorme,
aquele abraço!
Não poderia falar de outros lugares do Brasil, mas eu não sei aonde o MPL-SP é composto por uma parcela da classe trabalhadora. Obviamente existiram indivíduos proletarizados e precários no movimento, mas eles sempre foram, ao meu ver, uma parcela minoritária dentro do rolê. O movimento sempre foi composto por uma maioria de classe média bem alta com enorme capital cultural, viagens para fora do país, escolas caras com métodos alternativos e por ai vai. Não que a condição economica e social desqualifique alguém, longe disso, mas se a dinâmica da informalidade impera – e SEMPRE imperou – no MPL-SP, pequenos fatos do cotidiano complicavam muito a participação das pessoas com condições de vida mais precárias. Acompanhei bem as angustias de jovens da periferia de SP que tentaram participar mais ativamente do movimento e enfrentaram essas barreiras informais do cotidiano, do tipo não ter dinheiro pra o almoço ou um lanche durante a reunião ou até msm para o busão. Coisa que tentou ser solucionada, ninguém é do mal e quer vetar os pobres, querem a participação dessas pessoas, mas isso sempre acarreta uma exposição delicada da condição precária da pessoa, o que SEMPRE é muito complicado. Fora que não ter dinheiro pra cerveja depois da reunião onde MUITA coisa é decidida sempre tem algo de HUMILHANTE (sim, humilhante e não adianta falar que ninguém nunca cobrou ninguém na mesa do bar.) E todas as vezes que isso foi comentado um mal estar ENORME corria solto e o comentador muitas vezes era silenciado, dependendo de quem fosse, claro. Mas isso não é o foco central do comentário.
Bem me lembro, da um atividade, logo depois de Junho, chamada “por dentro do MPL”. Uma atividade similar foi chamada após a luta de 2011 e trouxe militantes que ficaram um tempo no movimento ou próximos dele, ajudando nas tarefas, mas em 2013 sua edição aconteceu em vários pontos da cidade. O MPL-SP se dispôs ao debate com as pessoas que quisessem conhecer o movimento. Em certos lugares o debate teve filas, e teve que ser feito mais de uma vez no mesmo dia, demonstrando o interesse da população para com o movimento.
Bem me lembro da minha alegria na época, mas sabia muito bem que o MPL não tinha porta de entrada a não ser através de amigos (principalmente de certos amigos e certas pessoas). E aqui cabe um adendo:lembro bem de uma estudante secundarista, hj um membro ativo do movimento, que teve contato com o movimento por seu trabalho em escolas, falando o quanto foi difícil entrar no movimento (sempre achei essa fala sintomática). Certamente compartilhava da preocupação com a perda de certos princípios, junto com os outros militantes. Mas na reunião de avaliação, foi tirado que não, que não abriríamos o movimento para aquelas pessoas.
Vejam bem, “aquelas pessoas” eram pessoas que não estavam organizadas em nenhuma grupo, no local onde participei da atividade me lembro que fui largamente questionando sobre “como entrar para o passe livre?”. Minha resposta era que o MPL não criou uma porta de entrada que era um movimento pequeno mas que estudaríamos como. Mas com a avaliação daquela reunião, o medo da entrada dessas pessoas estranhas isso não aconteceu. Aquelas pessoas não eram os universitários legais era os tiozinho e tiazinhas indignados dos bairros que viram o Junho e queriam mais, era mta potência.
Consigo entender o medo, certamente, depois da manifestação pós derrubada do aumento, com as bandeiras verde e amarela e a ameaça coxinha, não tinha como não ter receio. Mas as portas foram fechadas totalmente ficou entreaberta para as pessoas amigas e com padrões culturais, e pq não estéticos, similares a da militância já presente no movimento.
Falhamos pq achamos que o movimento era nosso, não do povo, que nossa gestão seria melhor que uma gestão aberta .. um erro de burocratas e a história nos condenou.
e isso é só um pedacinho da história, só um sintoma a mais do processo que vem sendo descrito não só nesse texto, mas nas angustias dos militantes que saíram sem falar nada, das pessoas que nunca abriram a boca em uma reunião.
fica meu agradecimento ai aos militantes que finalmente estão conseguindo pautar essas importantes questões publicamente.
Não era essa a grande questão daquele fatídico Encontro Nacional do Movimento do Passe Livre, em 2006, na ENFF? Não era esse o recado que diversos companheiros e MPLs dissidentes queriam dar ali, e foram tratorados e depois vilipendiados? Aquilo tudo foi profético… ninguem queria destruir o movimento, mas chamar a atenção exatamente para esses problemas em embrião.
Acho que minha grande discordância com este artigo vem da desconsideração do transporte em si como fator das condições gerais de produção. Essa inserção na estrutura produtiva não se dá apenas por conta dos trabalhadores do transporte, mas por conta dos trabalhadores que utilizam esse transporte. Ao mobilizar esses trabalhadores para subverter a forma que o transporte se organiza se produz uma luta autônoma que entra na esfera econômica. Tanto é assim que quando isso se massificou – seja em 2013, seja antes – serviu de inspiração para a luta autônoma dos trabalhadores em outros setores.
Dito isso, acho fundamental identificarmos as limitações do modelo de atuação que se desenvolveu pelo MPL e acho que o artigo, bem como o comentário do Pedro e o assinado “Des-delegação”, aponta para uma reflexão importante.
Cantinflas,
Que dissidentes? Dissidente? Nunca havia ouvido essa expressão se reportando àquele encontro.
O que havia era uma tentativa de disputa, de grupos que achavam que estavam disputando um DCE, brincando de disputar ‘aparelho’, e com muito pouco trabalho relevante.
E pior, que depois começaram a difamar, atacar, quem tinha enfrentado muita coisa para construir aquilo. Acho que o que vc deve estar chamando de ‘dissidente’ deve incluir gente da pior espécie.
Muito pelo contrário, imagino que os grupos que vc deve estar chamando de “dissidentes” eram anarquistas de alguma espécie que acabaram contribuindo para o caráter anarcóide que prevaleceu, com todos os dogmas, à revelia do que foi escrito numa carta de princípios.
Em primeiro lugar, Pedro Punk, é preciso refletir em torno do que seria a “classe média” no capitalismo. Esse conceito foi elaborado inicialmente para referir-se a estratos sociais que se colocavam entre a burguesia e o proletariado, sobretudo à “pequena burguesia”. Discordo que o MPL tenha se formado e seja composto por elementos da “pequena burguesia” ou algo assim. Ele foi formado e é composto por elementos do proletariado. Hoje as universidades são universidades de massas, o que significa que a maior parte dos estudantes são de origens proletárias. E também pouco importa a origem social desta ou daquela pessoa: o que importa é o tipo de relação social em que elas se inserem. E, além do mais, o que define a classe ou a origem de classe não é um critério de renda ou padrão de consumo. Existem membros da classe trabalhadora que tem um padrão de consumo mais alto que outros. Para mim, o MPL é formado sobretudo por membros da classe trabalhadora que não completaram ainda o seu processo de formação para o trabalho, o que dificulta a inserção nos locais de trabalho. Além do mais, é exatamente a cisão entre trabalhadores da periferia e trabalhadores de classe média que abre espaço para os discursos identitários, pois cria cisões entre os trabalhadores: assim, o professor de classe média, por exemplo, que não vive na favela, é menos qualificado para falar sobre a condição proletária do que o pedreiro, que vive na favela. Esse tipo de discurso combina-se muito bem com o discurso identitário, que cria cisões entre os trabalhadores a partir da vivência de certas opressões por cada um deles: a mulher, negra, lésbica, da favela sabe muito mais o que é opressão do que o homem, branco, heterossexual, que vive no bairro de classe média, mesmo que ambos sejam proletários explorados pelo capital. Trata-se de as diferentes camadas de trabalhadores superarem juntas esses problemas, essas divisões internas, impostos pelos capitalistas.
Veja-se bem: quando eu falo em composição social, eu não estou me referindo a indivíduos, mas às relações sociais que eles trazem para dentro do movimento. A classe trabalhadora não é um grupo de indivíduos, é uma relação social. Logo, se o movimento se compõe essencialmente de estudantes, o problema não são os indivíduos que fazem parte do movimento, são as relações sociais que eles trazem para dentro do movimento, que foi o que eu tentei desenvolver do quarto ao sétimo parágrafo. Eu não estou querendo jogar a culpa por nada em pessoas que gozam de determinados padrões de consumo ou vindas de determinadas origens sociais, porque isso simplesmente não importa. Nem pretendo, quando me refiro à política de identidade, tomar como alvo os indivíduos defensores da política de identidade, mas as relações sociais trazidas por eles para dentro do movimento. A luta não deve ser contra indivíduos, mas contra relações sociais, e o principal erro da política de identidade é que ela mira nos indivíduos: o problema é o indivíduo machista, o indivíduo racista etc. (“fulano de tal é um agressor machista”), além de mirar na origem social dos indivíduos, no seu “lugar de fala” etc.
Eu também não analisei os problemas do MPL como se eles fossem todos fruto de escolhas e decisões internas ao MPL, Júlio: ora, apontar uma condição estrutural que dificulta o trabalho do MPL enquanto movimento social de massas – que, para mim, é a sua composição social, que não foi ampliada – não é levar em conta apenas elementos subjetivos. Levar em conta que o MPL tem tido dificuldades de sobreviver aos choques com a repressão também é levar em conta dados objetivos. Mas as escolhas feitas diante das condições objetivas leva a um rumo ou outro. A autonomia, para mim, é quando os trabalhadores praticam a autogestão das lutas, abrindo espaço para a autogestão da sociedade. Mas não basta que o movimento seja horizontal (o MPL está aí hoje para provar), é preciso participar das lutas contra o capital, de lutas reivindicativas, pois é contra outras práticas que uma prática vai se afirmando. Na verdade, pouco importa se a inspiração ideológica vem do anarquismo ou do marxismo, ou do trotskismo, ou do maoísmo etc. O que importa são as relações sociais que o movimento é capaz de difundir e, para difundi-las, é preciso que a energia do movimento seja direcionada para as lutas dos trabalhadores. E a autonomia só se realiza plenamente quando os trabalhadores que controlam as engrenagens produtivas da economia começam a desafiar a disciplina capitalista, toda e qualquer forma de disciplina capitalista, pois os movimentos burocráticos também reproduzem a disciplina capitalista. E esse desafio passa a ser expresso ideologicamente à sua maneira. O que vemos hoje é uma contradição: no MPL, existe uma ideologia da autonomia que está em contradição com a prática do movimento, tirando raríssimas exceções, de modo que a prática do movimento restringe-se a uma ritualização de um projeto heterogêneo de autonomia, enquanto que o movimento mal sustenta qualquer prática de luta concreta. Note: escrevi no primeiro parágrafo que “a condição fundamental para o avanço de qualquer prática enquanto tal é a sua capacidade de gerar e de se difundir em novas práticas que seguem e, ao mesmo tempo, reforçam o seu próprio modelo, a sua própria estrutura. […] Nesse sentido, a condição fundamental para o avanço prático da autonomia dos trabalhadores é a sua difusão cada vez mais ampla, através das lutas dos trabalhadores, nos campos da produção econômica e da relação com o Estado”. Hoje o MPL não se recuperou ainda do choque com a repressão e também não conseguiu estabelecer uma unidade de ação com movimentos de trabalhadores plenamente inseridos no processo produtivo. E também não estabeleceu, com poucas exceções, uma unidade de ação com outros movimentos que não se dão no interior de empresas mas do lado de fora, nos bairros, por exemplo. Existem limitações objetivas, é claro, mas existem opções sendo feitas também.
Em parte há um refluxo geral das lutas. Mas em parte há também uma redução da luta à busca do melhor modelo de comportamento, do modelo mais adequado aos militantes libertários. Ou a autonomia gerada pelo MPL adentra o campo da produção, ou ela se difunde por lutas reivindicativas exteriores ao campo da produção e adentra o campo da produção num segundo momento, ou o MPL se mantém como está. A autonomia da classe, para ser da classe, deve se massificar, pois é a classe que deve ser autônoma e não o movimento ou coletivo. Podemos vislumbrar lutas autônomas de todos os tipos: por exemplo no âmbito cultural, mesmo porque o âmbito cultural é hoje plenamente inserido nas relações sociais capitalistas (pesquise “Fora do Eixo” no Passa Palavra, por exemplo). Eu não acredito que a ideologia desempenhe alguma influência sobre a prática, a não ser que a ideologia se materialize em relações sociais (práticas, não textos) que aplicam o modelo determinado pela ideologia, mas que as aplicam na luta contra outras práticas (capitalistas); e a criação dessas relações passa, querendo ou não, pela transgressão da disciplina capitalista nos campos político e econômico. Caso contrário, uma instituição perde seu vínculo com as lutas sociais e passa a viver no seu próprio universo: é o caso da maior parte do MPL atualmente. Outra questão: sim, uso o conceito de trabalho produtivo de Marx, mas talvez não exatamente como Marx usou. O trabalho do motorista, por exemplo, é produtivo sim; o trabalho do recepcionista é produtivo sim; o trabalho do atendente é produtivo sim; pois sem esses trabalhos não se realizam os valores produzidos nas fábricas e nas unidades produtivas em geral. Pode não ser produtivo para um capitalista em particular (e uma parte do marxismo os considera não produtivos nesse sentido, porque o foco está nas unidades de produção particulares e não no capitalismo globalmente considerado), mas é produtivo para o capitalismo em geral. A atuação nos locais de moradia é importante, na medida que o movimento se integre nas lutas dos trabalhadores desses locais, mas de trabalhadores que poderão levar a autonomia para os seus locais de trabalho. Enfim, paro por aqui porque as questões que você fez são muitas e, se faltou alguma coisa, respondo em outro comentário.
Legume, sei muito bem que o transporte insere-se nas condições gerais de produção, mas discordo que os usuários do transporte possam subverter o modo como ele se organiza sem uma aliança com os trabalhadores desse setor (podem momentaneamente, de modo limitado). Caso contrário, o que vemos é o que aconteceu em várias cidades. Por um tempo, os usuários conseguiram até paralisar o funcionamento dos serviços e obter concessões importantes dos empresários e dos governos, mas, a partir do momento em que o movimento dos usuários refluiu, sobretudo por conta da repressão, levando em conta que uma aliança não foi firmada entre eles e os trabalhadores que estão ali com as mãos nos instrumentos que controlam o sistema de transporte, o movimento entrou em crise. E os próprios esboços de autonomia por parte dos próprios trabalhadores do setor dos transportes também refluíram. É claro que existem várias particularidades em cada local, mas trata-se de estabelecer essa aliança, pelos meios que estiverem à disposição, para que no futuro as coisas sejam diferentes.
Quanto à pessoa que disse que “fica duro avançar no texto” por causa da abundância da palavra “prática”, não posso ajudar muito.
catraca livre em conflito laboral entre motoristas e empresa de transporte em Buenos Aires, iniciativa dos trabalhadores.
http://izquierdadiario.com.ar/El-duro-conflicto-de-los-trabajadores-de-la-Linea-60
Nossa, camarada Fagner, que texto enorme… sinceramente há tanta coisa que fica difícil dialogar, já que não há um tema no texto. Só acho uma pena o quanto seu escrito passa distante do que aquilo que entendo que importa ao MPL, que é o fazer político.
É uma grande limitação (de uma das teses) do texto o fetichismo com a “classe trabalhadora”, proletária, ou a busca desejada por um vínculo empregatício (formal?) com o mercado de trabalho para se fazer a luta na cidade. Mesmo os dados mais frios e conservadores mostram o quanto o “precariado”é a característica principal da juventude hoje no Brasil e no mundo. Criticar um movimento social por conta da ausência (valeria um survey sobre o assunto) de vínculos empregatícios soa absurdo.
Fora os inúmeros argumentos de autoridade totalmente despropositados, ou mesmo sem sentido, como “A autonomia, para mim, é quando os trabalhadores praticam a autogestão das lutas, abrindo espaço para a autogestão da sociedade” (no comentário), ou “O que importa são as relações sociais que o movimento é capaz de difundir e, para difundi-las, é preciso que a energia do movimento seja direcionada para as lutas dos trabalhadores” [quem são os trabalhadores pelos quais você fala ?], ou “O principal risco de burocratização no MPL (e, em grande medida, a burocratização já está em curso) é o resultante da política identitária hoje hegemônica no movimento” [política identitária no MPL ?].
A crítica à ideia de autonomia no movimento é feita a partir da nostalgia do proletariado (de um único proletariado possível, pelo que se entende do pensamento do autor). Ideias fora de lugar.
Parece que o Igor ignorou por completo o comentário do Pedro Punk ao dizer que soa absurdo criticar um movimento por ausência de vínculos empregatícios. Ninguém está propondo uma “ida às fábricas”, mas simplesmente que os que trabalham possam entrar para o movimento, o que o Pedro Punk mostrou ser praticamente impossível. Isso é sim absurdo.
Igor, é sério mesmo? Bom, se você não conseguiu identificar um tema no artigo, aí o problema já não é meu. A percepção de cada um varia.
Mas vamos lá. Você quer dados? Aqui vão alguns, bem superficiais, só para se ter uma ideia do problema por alto.
Em novembro de 2013, o jornal Valor Econômico noticiava que o emprego formal havia crescido, de 2002 a 2012, em 65,7%, segundo dados do IBGE. “O total de empregados passou de 28,6 milhões para 47,7 milhões no período”. O setor de serviços apresentou uma alta de 78% no período. Já a construção civil teve um avanço de 155%, empregando, em 2012, 2,8 milhões de trabalhadores. Entre 2002 e 2012, a proporção de trabalhadores em empregos formais passou de 45% para 57%. Diz a notícia: “em 2002, havia maior concentração em posições mais precárias como empregados sem carteira, trabalhadores domésticos, por conta própria, na construção e na produção para o próprio uso e não remunerados, que totalizavam 59% da população ocupada. Em 2012 esse percentual caiu para 49%. Dentre os fatores que contribuíram para esse resultado, pode-se citar a retomada do crescimento econômico, o aumento da renda real, a redução do desemprego, a política de valorização do salário mínimo e a política de incentivo à formalização, como, por exemplo, a criação do Simples Nacional […]. Apesar dos avanços, a informalidade ainda apresenta taxas expressivas entre os mais novos e os mais velhos. Nesta situação, encontravam-se 47% das pessoas entre 16 e 24 anos em 2012, ao passo que, dez anos antes, cerca de 62% estavam nessa condição. […] No caso dos mais jovens, a elevada taxa de informalidade pode ser explicada pela busca do primeiro emprego e, em alguns casos, pela necessidade de conciliar o trabalho com o estudo, fazendo com que a posse da carteira assinada ou a contribuição previdenciária não seja um requisito imprescindível” (a referida notícia encontra-se aqui: http://www.valor.com.br/brasil/3357378/empregos-formais-no-pais-crescem-657-em-dez-anos-indica-ibge).
Pois bem, em agosto de 2014, o mesmo jornal noticiava que “o emprego formal cresceu 3,14% no Brasil em 2013, com a geração de 1,490 milhões de postos, de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho […]. O estoque de empregos somava 48,948 milhões em 31 de dezembro de 2013, contra 47,459 milhões no ano anterior. Em 2012, o resultado foi 2,48% maior do que 2011. Houve aumento de 4,85% no contingente de trabalhadores estatutários, com criação de 417,7 mil postos em 2013. Já a geração de empregos celetistas foi de 1,075 milhão de postos, alta de 2,76%. Esse percentual de crescimento foi o mesmo apontado pelo Cadastro Geral de Empregos (Caged), divulgado pelo Ministério do Trabalho apenas com dados das contratações regidas pela CLT”. Além do mais, segundo a notícia, “os rendimentos médios dos trabalhadores formais cresceram 3,18% acima da inflação no ano passado [2013], contra alta anterior de 2,97%. […] Houve alta de 3,34% no salário médio das mulheres e 3,18% no dos homens” (a referida notícia encontra-se aqui: http://www.valor.com.br/brasil/3658162/brasil-criou-1490-milhao-de-empregos-formais-em-2013).
Já em fevereiro deste ano, 2015, o mesmo jornal noticiava um grande número de demissões no comércio varejista, ocorridas em janeiro, com saldo negativo de 97,887 mil postos de trabalho. E no setor de serviços a perda foi de 7,141 mil postos de trabalho, ao passo que na agricultura o saldo foi positivo: 9.428 postos em janeiro de 2015. A indústria também teve saldo positivo: 24,417 mil postos de trabalho. Os dados são novamente do Caged, divulgados pelo Ministério do Trabalho (a referida notícia encontra-se aqui: http://www.valor.com.br/brasil/3930828/emprego-tem-o-pior-janeiro-desde-2009-mostra-caged).
Em março deste ano, o mesmo jornal noticiava novamente a tendência de diminuição de vagas no país. Novamente o responsável foi o comércio, além do setor de construção civil, enquanto que os serviços concentraram as contratações, com 52.261 admissões líquidas, ao mesmo tempo em que a indústria contratou 2.001 trabalhadores com carteira assinada. Diz a notícia: “para o ministro do Trabalho, Manoel Dias, o resultado de fevereiro é uma sinalização de ‘estabilidade’ no mercado de trabalho […]. ‘Foi bom porque estabilizou. Tivemos setores que reagiram e outros estagnaram e outros ainda que precisamos de ações para recuperar’, afirmou Dias. ‘A maior perda [em fevereiro] foi na construção e no comércio, mas nós tivemos recuperação do setor de serviços e indústria que vinha desde março do ano passado com fechamento de vagas’, afirmou. A expectativa do ministro é de que haja retomada da contratação de setores de construção civil devido, por exemplo, à execução de políticas de governo que permitem a construção de moradias para a população de menor renda (a referida notícia encontra-se aqui: http://www.valor.com.br/brasil/3962510/emprego-formal-tem-o-pior-resultado-para-fevereiro-desde-1999)”.
Em abril deste ano, o mesmo jornal noticiava que “depois de três meses, o mercado de trabalho interrompeu a tendência negativa e criou 19.282 vagas em março. […] O saldo positivo [de] empregos em março reflete a demissão de 1,699 milhão de trabalhadores e contratação de outro 1,719 milhão (a referida notícia encontra-se aqui: http://www.valor.com.br/brasil/4018850/brasil-cria-19282-empregos-formais-em-marco-aponta-caged)”.
No mês seguinte, noticiava-se, no mesmo jornal, nova queda: corte de 97.828 empregos formais em abril, causado pela retração na indústria de tranformação, na construção civil, no comércio, nos serviços, na indústria extrativa, mas com saldo positivo na agropecuária (a referida notícia encontra-se aqui: http://www.valor.com.br/brasil/4062786/brasil-tem-corte-de-quase-98-mil-empregos-formais-em-abril).
Em junho deste ano, também no mesmo jornal, noticiava-se nova queda: 1.580.244 demissões contra 1.464.645 admissões. “De janeiro a maio, foram fechados 243.948 empregos formais. Em 12 meses, o saldo negativo correspondeu a 452.835 vagas (a referida notícia encontra-se aqui: http://www.valor.com.br/brasil/4101218/brasil-perde-mais-de-115-mil-empregos-em-maio)”.
Já ontem, o mesmo jornal trazia uma análise mais detalhada do problema, mostrando como a atual recessão tem impactado negativamente na criação de postos formais de trabalho no Brasil. Queda de investimentos, ajuste fiscal e redução dos gastos do governo, dificuldades da economia internacional e queda do preço das commodities… Enfim, um quadro de recessão (o referido artigo pode ser conferido aqui: http://www.valor.com.br/brasil/4119742/deterioracao-do-mercado-de-trabalho-em-2015-e-rapida-e-intensa).
Ora, tais dados mostram como a economia brasileira foi ampliando a quantidade de postos formais de trabalho até 2014, tendência depois revertida por conta do atual cenário de recessão. Pois bem, mesmo diante de tais quedas conjunturais, pois vivemos atualmente uma recessão, é possível perceber uma tendência estrutural de crescimento do trabalho formal no Brasil. Então, nesse sentido, parece que o meu suposto “fetichismo pela ‘classe trabalhadora'” tem alguma razão de ser. Eu não falei que os militantes do MPL precisam estabelecer “um vínculo empregatício […] com o mercado de trabalho para se fazer a luta na cidade”. Eu disse que eles precisam estabelecer uma unidade de ação com os trabalhadores já plenamente inseridos na produção, mesmo que sem estabilidade no emprego, pois a instabilidade no emprego tem sido a tendência do trabalho no Brasil há muito tempo, desde a Ditadura Militar, com a instituição do FGTS em setembro de 1966 (cf., por exemplo, José Paulo Netto, Pequena história da ditadura brasileira (1964-1985), São Paulo, Cortez, 2014, p. 94). O “precariado” é sim, atualmente, a característica principal da juventude no Brasil e no mundo, e é justamente essa a condição a priori que dificulta a aproximação dos militantes do MPL com os trabalhadores por quem eu supostamente nutro algum “fetiche”.
Por outro lado, se você não enxerga uma tendência interna no MPL que promove a política de identidade, também não posso fazer muita coisa. Mas veja-se, por exemplo, só para se ter uma ideia, esta carta de desligamento de dois militantes do MPL, publicada, neste site, ontem: http://passapalavra.info/2015/07/105177.
Quem está, portanto, com ideias fora do lugar?
Independentemente das estratégias, posições e procedimentos do MPL, como poderia o MPL adentrar na luta dos assalariados se os assalariados enquanto luta não existem? Será “culpa” do MPL? E se mesmo assim alguém argumentar que lhe cabe a tarefa sisífica de ressuscitar o proletariado – se repararam só em escassíssimos lugares é que os assalariados se (auto)-organizam e desenvolvem perspectivas anti-capitalistas – como fazê-lo?
O conceito de proletariado mantem sua centralidade hoje, enquanto pra algumas analises mais ortoxodas e rigidas o centro da discussão é sobre o trabalho material(considerado então gerador de valor e consequencia de mais-valia) eu vou na linha do Fagner sobre que geração de valor tem que ser visto do ponto de vista de todo o sistema do capital e não do ponto de vista de burgueses individuais e portanto mil coisas que não são vistas como produtivas na sua relação particularizada, na realidade o são se vistas de um ponto de vista geral.
Mas o que acho central ao manter o proletariado como conceito de analise hoje são as relações sociais em que ele esta submetido (relações sociais que vão se desenvolvendo historicamente em um sentido) em oposição a inserção da pequena burguesia,ou burguesia dentro dessas mesmas relações.
Seria na analise de 3 pontos que acho que as classes tem que ser analisadas, em relação a sua renda, em relação ao tempo de trabalho e em relação ao controle do processo produtivo
O proletariado não é dono do produto de seu trabalho, sua renda é geralmente disassociada do preço do produto, da quantidade de vendas ou de como vão os marcados, se os estoques estão aumentando ou diminuindo, se mercados estão se expandindo ou não, ele ganha salarios por tempo de trabalho, se os produtos aumentam de preço, não significa que seu salario aumentou e seu salario aumentou, não significa que os produtos aumentaram de preço, existe uma associação apenas indireta entre essas coisas, seu salario pode ser qualquer coisa entre a quantidade necessaria para se manter e os rendimentos totais da empresa (completamentamente diferente da pequena burguesia e profissionais liberais ainda existentes que depende do numero de vendas e serviços prestados e aumento de renda se mantem por conseguir as mercadorias de forma mais barata ou aumento de preços, geralmente se mantendo em torno de um mercado mais ou menos estavel, e tambem muito diferente e em contradição direta com a burguesia que alem de procura de barateamento de materia prima, ter uma logica não de manutenção de um mercado estavel mas de expanção de mercados e ter como centro a exploração do valor gerado pelos trabalho, a capacidade de extração de mais-valia tem muitas vezes mais centralidade na contradição da renda da grande burguesia do que da pequena, justamente pelo desenvolvimento da socialização da produção)
Sobre o tempo, os proletarios não controlam seu tempo, se trabalham de manha ou de tarde, vão ganhar seus salarios e vão ganhar em torno de tempo de trabalho, se trabalham horas extras, ganham suas horas extras, se trabalham de madrugada, ganham salarios incluindo adicionais noturnos (tambem muito diferente da pequena burguesia e profissionais liberais, seu tempo de trabalho é ditado pelo mercado, se um professor particular ou um dono de um bar quiserem trabalhar durante pelos primeiros dias da semana, vão ganhar pouquissimo por mais que trabalhem horas e horas nesses horario, assim como existem periodos do ano, da semana e do dia em que a pequena burguesia tem que trabalhar para se manter, a sua relação de tempo de trabalho é diretamente mediada pelo mercado, a do proletariado apenas indiretamente, e a relação da grande burguesia em relação ao tempo é que ela organiza o tempo de outros, a quantidade de tempo do proletariado e os horarios. Enquanto uns não tem controle sobre seu tempo, uns tem controle total mas em uma relação mediada pelo mercado para se manter, outros controlam o tempo alheio)
No terceiro ponto o proletariado não controla o seu processo em produtivo, a tendencia dentro do capitalismo é justamente a expropriação do conhecimento que os trabalhadores detem sobre o processo produtivo, uma especialização desse conhecimento e a sua reintrodução no processo produtivo, agora de forma alienada dos trabalhadores e feita de forma planejada e esquematizada pela grande burguesia. A pequena burguesia tem controle do seu processo produtivo, mas denovo, de uma forma ainda mediada pelo mercado que dita as formas mais produtivas existentes.
Para mim isso claramente não é uma discussão abstrata, nem uma discussão academica, é sobre como setores da sociedade estão inseridos em relações sociais e as respostas dadas por esses setores para lidar com essas relações, o que alguns ortodoxos veem no campesinato como uma posição essencialista reacionaria e sua incapacidade de desenvolver um projeto, enquanto classe, pela socialização da produção claramente não é uma questão de essencia, mas um reflexo da forma que a pequena burguesia esta inserida nas relações sociais de produção e como tentam lidar com as contradições dessas relações dentro do capitalismo
A tendencia historica de apontar para projetos que superam as relações capitalistas pouquissimas vezes aparecem expressas por essa classe, porque a forma geral dessa classe de lidar com as contradições não aponta para a superação das relações capitalistas e geralmente caminha no sentido contrario da socialização da produção, que mostrem as tantas e tantas reformas agrarias que ocorreram pelo mundo, as diversas criações de concorrencia mais igualitarias e mais bem distribuidas dentro do mercado(que é claro, nunca se mantem assim depois de algum tempo percorrido)
Parar de tentar enchergar a historia do ponto de vista das classes é jogar fora a ferramente que nos faz entender o movimento da historia, é tornar ela um conjunto de fatos sem entender seus possiveis movimentos, é fazer a discussão ser uma discussão de mudança mas sem entender as contradições de outros projetos revolucionarios e tambem não revolucionarios pela historia, que representam o unico mapa que temos de o que fazer e para onde ir se militamos pelo fim da exploração.
Enfim, concordo com o Legume que o texto não pontua e da peso para o carater do sistema de transporte como condição geral de produção, pros trabalhadores o tempo no transporte é tempo de trabalho e deslocamento para poder ir trabalhar para uma parte enorme da classe ainda tem que ser pago pelo pelos proprios trabalhadores, é o lugar que consegue reuni um setor enorme da classe todos os dias em conjunto e que geralmente se mantem de como um setor que funciona de forma precarizada e pela mais-valia absoluta(pelo menos em nosso país), não são coincidencias as grandes revoltas pelo transporte mas raramente passando disso, revoltas, não avançando para nenhuma construção organizativa (provavelmente porque os trabalhadores estão no transporte de forma transitoria, não são os mesmos exatamente nos mesmos onibus todos os dias, não se pode criar a solidariedade que se pode criar em um local de trabalho, estudo ou moradia dentro do transporte e que conseguem manter organizações mais solidas, mas essa coletividade de mesma situação ainda sim aponta para revoltas ocasionais), mas discordo da visão do Fagner em que apenas a aliança com os trabalhadores desse sistema que pode transformar ele (embora seja uma aliança importante), que o diga os anos 70 na Italia no que se chamou de autonomia operaria em que luta dos bairros junto com as comissões de fabricas conseguiram seguidas vezes imporem ao Estado a diminuição de preços nos transportes, entre outros serviços, a mudança veio pela organização dos trabalhadores que utilizam o sistema de transporte e não pelos que trabalhavam nele, enfim, defendo que a questão é de correlação de forças e de organização que pode ser construida nos bairros enquanto trabalhadores que utilizam o transporte
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Sobre a questão dos locais de trabalho, ao mesmo tempo que a analise da posição da militancia do MPL dentro da estrutura economica da indicações de tendencias possiveis, ainda sim existe uma questão de carater estrategico que é ou não tomada sobre esses locais, por mais que a maioria militancia esteja em um certo setor da classe e não entenda as contradições da construção em local de trabalho, isso é algo superavel com formações, aliança e militancia conjunta com quem faz essa construção e com uma linha estrategica consequente
Termino relacionando a questão de articular e construir em locais de trabalho com a não massificação depois de 2013, como o Pedro Punk apresenta de forma muito concreta que era uma possibilidade real, em uma frase.
Infelizmente o MPL-SP (que é o lugar que considero que mais avançou) não conseguiu estar a altura da tarefa que estava colocada pra ele, eu incluido.
obs: MPL-SP sendo o lugar que mais avançou dentro da federação de MPLs
O texto é muito bom e necessário no momento. Havendo opiniões diversas sobre, fico curioso sobre sua recepção nos coletivos da federação, pois até o momento alguns compartilhamentos do debate que vi foi por indivíduos no planeta Zuckerberg. Tenho medo de que esse tipo de (auto)crítica passe por alguns tipos de (auto)censura. Quem se preocupa não deveria simplesmente ignorar este texto… e olha que esse site tem acessos e é constantemente “vigiado”, coisa que sabemos bem quando certos tipos de conteúdo são publicados. Também o autor não deve pedir ou esperar por permissão para escrever e publicar onde bem entender.
Assim, a tal ritualização da autonomia parece mesmo ser um autismo extremo, e em algumas situações pode ser pior do que imaginamos. Ou seja, que fique mesmo somente nas palavras: se a prática não extrapola o coletivo para mais setores da classe trabalhadora (sou um desses retrógados que insiste em falar em classe), pode ser que não se dê nem mesmo no coletivo, imperando aí algumas práticas de hierarquia, policiamento e censura disfarçados. Portanto os códigos de etiqueta libertária e horizontal, da “encenação da ideologia da autonomia” que o autor diz, não cumprem nem o que ameaçam.
O que vejo com esse texto e com outros fatos dentro do MPL, é que de tantas “catracas” internas contra as quais se lutam, pelo menos uma está sendo efetivamente mantida e muita gente se nega a aboli-la.
Fagner, um exemplo de burocratização está no fato de que esses movimentos só aceitam intelectuais validados pela academia. Com a exceção de um ou outro, o modelo é esse. Enquanto na internet capitalista existe ampla liberdade para qualquer pessoa apresentar falas e participar de debates, nas revistas, sites e movimentos a coisa é determinada pelo padrão universitário. O Passa Palavra é uma das exceções, mas no resto ou é chefia ou é da academia.
Me parece que o problema da “ritualização” da autonomia (bom termo: autonomia encenada como ritual, não como prática de luta real) não é um mal apenas do MPL, mas de todo um campo de pequenos coletivos que costuma ser identificado como “movimento autônomo”. “Autônomo” de quê, afinal? Autônomo da realidade social? Alguns dos elementos dessa crítica apareciam há já bastante tempo nos balanços de uma experiência anterior: da Ação Global dos Povos no Brasil (lembrei, por exemplo, daquela série do Felipe Corrêa: http://passapalavra.info/2011/08/42780).
Mas nesse meio dos ditos “coletivos autônomos”, talvez o MPL tenha sido uma das experiências que mais conseguiu ir além da simples ritualização da autonomia, construindo importantes lutas coletivas e ativas de trabalhadores – há melhor exemplo recente de ação direta massiva do que a jornada contra os aumentos de junho de 2013?
Entretanto – e aí entram os problemas que este texto trata – o coletivo não conseguiu dar conta dos desafios organizaivos que a massificação da luta colocou ao movimento. O Pedro Punk expressou bem o peso dessa sensação: “Falhamos pq achamos que o movimento era nosso, não do povo, que nossa gestão seria melhor que uma gestão aberta .. um erro de burocratas e a história nos condenou”. Depois o Arabel: “o MPL não conseguiu estar a altura da tarefa que estava colocada pra ele”. Porém, importante essa “falha” não pode ser vista como uma questão moral, nem um simples erro dos militantes, muito menos uma traição no estilo da narrativa trotskista, mas como um limite próprio daquela forma organizacional inicial, o processo histórico que a forjou e as ideologias que o envolveram. Sobre esse limite: http://passapalavra.info/2014/05/95701.
Ao mesmo tempo, no outro sentido, acho que há também uma correspondência entre o refluxo do movimento de massas e a burocratização. Derrubada a tarifa, as próprias mobilizações de rua diminuíram e perderam conteúdo. Abre-se um vazio: sem sentido, as ferramentas desenvolvidas pelo levante tornam-se formas ocas (o que foi, por exemplo, o fenômeno do “black bloc” nos meses seguintes?). Já os coletivos que dirigiram a mobilização voltam-se para dentro, passando a se focar na manutenção de seus símbolos, rituais e identidades, e já não tanto nos conflitos das bases sociais que impulsionaram aquele movimento (outro bom texto: http://passapalavra.info/2014/04/94231).
Poderia ter sido diferente? Não foi. Mas e se o MPL tivesse tentado se abrir naquele momento? O que teria acontecido? E se o MPL não tivesse saído da rua? E se o MPL tivesse ido à TV convocar uma greve geral? A história não é feita de “e se”. Mas levantar esse tipo de suposição é um exercício importante para qualquer balanço. Ainda mais se tratando de junho, que abriu horizontes totalmente novos para a imaginação militante.
Além disso, achei interessante o esforço do artigo em tentar relacionar os problemas organizativos ao setor de trabalhadores ao qual corresponde o MPL. Nesse sentido, parecem importantes alguns apontamentos do recente texto do Aldo (http://passapalavra.info/2015/06/104988), que analisa a composição social do MPL não tanto pelo grupo restrito dos coletivos como faz o texto do Fagner, mas pelo setor da classe que coloca em movimento (que aqui o Fagner considera como sendo o “público dos atos”). Cito: “Se é verdade que o MPL cometeu prováveis erros ao tentar organizar o precariado, tais erros não são nada senão expressões das próprias dificuldades deste setor de classe em se auto-organizar”
Com esses debates hoje sinto mais uma vez, e com atraso, o peso daquela perplexidade que acometeu toda a esquerda na semana do dia 20 de junho de 2013, que no calor do momento tentei por no papel: http://passapalavra.info/2013/06/79837. Dois anos depois, estamos mais perplexos ainda? E me parece que nem as respostas que tentamos formular naquele momento nos servem mais.