Por Felipe Corrêa

 

Leia a primeira, a segunda, a quarta, a quinta e a sexta partes desta série.

A CONSTRUÇÃO FORMULADA SOBRE A CRÍTICA

Entre a cultura, a identidade e a política

A esquerda clássica deu sempre pouco espaço às questões culturais e identitárias. Na realidade, muito por razão de uma visão marxista que reflete um exclusivismo da esfera econômica — diversas vezes fundamentado em uma leitura mecanicista do determinismo da infra-estrutura em relação à superestrutura –, deu-se uma quase exclusividade aos aspectos de classe, suprimindo-se questões que dizem respeito à cultura e à identidade. Priorizou-se o objetivo, o racional; negou-se o subjetivo, o emocional. Paixões, desejos, sentimentos, nunca foram bem aceitos pela esquerda clássica, salvo algumas exceções. O fato é que mesmo nos movimentos de base classista, como foi, por exemplo, o sindicalismo revolucionário no Brasil da Primeira República, sempre houve a construção de uma cultura (ainda que nesse caso fosse uma cultura de base classista) e de identidades coletivas, que constituíram os elementos que foram responsáveis por dar uma liga fundamental ao movimento. O mesmo se poderia dizer, por exemplo, da Revolução Chinesa, que fundamentou suas diretrizes na cultura — muitas vezes até nas próprias emoções — e na formação de identidades coletivas para o movimento revolucionário. Defender o classismo, nesse sentido, de maneira alguma significa negar cultura e identidade. Mas, infelizmente, para grande parte da esquerda, esses aspectos não passavam de “desvios pequeno-burgueses”.

Levando em conta, corretamente, as demandas de cultura e identidade, no entanto, o novo movimento impulsionado pela AGP terminou, como a maioria dos novos movimentos sociais, enfatizando essas questões em detrimento da participação política. A questão era a seguinte: a principal bandeira do movimento era a luta contra a “globalização”, sendo esta entendida, para o movimento, como o avanço do neoliberalismo em escala mundial e consolidando-se como modelo único para o mundo, principalmente a partir da política Thatcher-Reagan e do fim do “socialismo real”.

Portanto, independente das bandeiras culturais e identitárias levantadas, deveriam ser prioridade as avaliações das forças em jogo, que terminavam por caracterizar o poder do neoliberalismo no mundo, e, fundamentalmente, no Brasil. Deveria também ser prioridade, a partir dessa leitura, a busca de incidência na realidade, tendo como perspectiva a mudança dessa correlação de forças. Essa intervenção real no jogo de forças é o que estou chamando de participação política. Ou seja, havia a necessidade de constituir uma força com o nosso movimento e, por meio de ações, combater a escalada do neoliberalismo. Era em torno disso que se davam os principais objetivos políticos, de curto e médio prazo, do movimento.

No entanto, na construção do movimento havia um problema. As demandas culturais e identitárias deixavam pouco espaço para as questões políticas. O perfil dos “ativistas” — jovens, na maioria dos setores médios da sociedade, ligados à contracultura, muitos vegetarianos, estudantes de universidades públicas, escolas particulares alternativas etc. — facilitava a criação dessa cultura militante e de uma identidade coletiva que se refletiam em um determinado estilo de vida. Os assuntos de interesse, no que ia para além da política, aproximavam os ativistas, a idade, a classe de origem, o local de estudo, tudo isso naturalmente criava um perfil do movimento no país [1]. Obviamente, não quero generalizar; havia exceções (militantes mais velhos, não ligados à contracultura, da classe trabalhadora etc.), mas o fato é que a cultura militante e a identidade coletiva geradas terminaram por refletir esse perfil que era o da maior parte, ou pelo menos da parte mais influente, que hegemonizava o movimento.

A consequência disso foi o crescente afastamento da incidência real na realidade e das preocupações políticas, que aos poucos foram sendo incorporadas como um elemento estético que fazia parte do “kit ativista”. Muito mais interessados no “grupo-fechado-em-si” do que na atuação política coletiva, os ativistas, muito frequentemente, substituíram a política pela cultura e pela identidade. Ou seja, a preocupação de constituir uma força para incidir na realidade passou para segundo plano. Esse “grupismo”, a cultura do grupo fechado em si mesmo, foi estimulado também pela cultura e a identidade criadas: ficava difícil para pessoas “diferentes” se aproximarem. Afinal de contas, tentar se aproximar de um grupo em que os assuntos eram os mesmos, que os interesses eram semelhantes e que o perfil dos participantes era parecido, era um fator complicador. Adultos trabalhadores tentaram por vezes se aproximar, mas se afastaram. Para mim, diversos desses afastamentos ocorreram por falta de identificação pessoal com a certa homogeneidade que preponderava no movimento [2].

Com a priorização da cultura e da identidade em detrimento da política — algo que, a meu ver, nunca foi proposital, mas “simplesmente aconteceu” — o movimento diminuía sua capacidade de intervenção na realidade, na mesma medida em que forjava e definia uma cultura comum e uma identidade coletiva. O movimento aos poucos foi tendo mais a função de transformar a própria militância, do que de transformar aquilo que estava fora do movimento — a realidade social.

O pessoal e o político

Outro problema da esquerda clássica era, ainda no campo das relações humanas, o desdém para com os vínculos pessoais e as amizades que se criavam dentro das lutas. Política era uma coisa, relações sociais, outra.

O novo movimento que surgia evidenciava os limites dessa prioridade essencialmente política em detrimento das relações sociais, pessoais. Acreditava-se que elas eram relevantes, senão fundamentais, no processo de luta. No entanto, surge o problema, junto com a própria noção de “grupo de afinidade”, endossada por muitos da geração AGP. De que afinidade se falava afinal? Política? Pessoal? A soma da premissa da necessidade da construção de novas relações sociais e pessoais com a idéia de grupo de afinidade teve como resultado grupos que tinham mais afinidades pessoais do que políticas.

O problema é que o critério para pertencimento ao coletivo não se dava mais em relação aos objetivos e métodos políticos de atuação, mas se a pessoa se dava bem com os outros, se nutria os mesmos interesses etc. O critério de união não era programático, ou seja, não se buscava agregar em torno de uma proposta política; as pessoas iam chamando seus conhecidos, buscando interessados que apareciam naturalmente. Surgia daí uma tendência de reforçar a mesma cultura e a mesma identidade que vinha sendo criada, num ato de auto-alimentação do próprio movimento. O discurso da diversidade era substituído, na prática, por uma homogeneização sem precedentes. Permitia-se ou não o ingresso coletivo pela afinidade pessoal e não pela convivência política; conflitos pessoais dentro dos grupos impediam a participação política coletiva. Não se separava o que era pessoal do que era político. Se na teoria se defendia que pessoal e político deveriam constituir um todo coerente, na prática o pessoal se sobrepunha ao político.

O mesmo valia para o critério de alianças. Sem posições programáticas bem definidas e com o pessoal sobrepondo-se ao político, não é difícil prever que as alianças, em grande medida, obedeciam à mesma regra. Não havia análise da realidade e priorização de setores, movimentos, grupos etc. que deveriam nortear as alianças. Juntava-se quem aparecia. E como era natural, um grupo com um determinado perfil tendia a atrair pessoas com o mesmo perfil. Sem um esforço para romper esse círculo, ele se auto-alimenta indefinidamente, fato que se tornou realidade.

Outro fator que se evidenciou em detrimento do político, priorizando o individual, foi a substituição do conteúdo pela forma. Prática bastante evidente hoje em dia, persuadiu parte significativa dos ativistas do movimento que, utilizando a máxima do “fazer da sua vida algo próximo de seus ideais” — um princípio bastante razoável, é verdade — passavam no campo pessoal à forma do “politicamente correto”, na mesma medida em que se afastavam do conteúdo político. Explico.

É uma característica relativamente comum incorporar elementos do âmbito pessoal, em vez de levá-los para fora, para o campo da mudança social. Exemplos disso são infindáveis, mas só para exemplificar, posso citar: passar a chamar os negros de afro-americanos e acreditar que o problema do racismo está resolvido; utilizar linguagem inclusiva e pensar que o problema de gênero está solucionado; consumir alimentos sem agrotóxicos e acreditar que o problema do agronegócio está resolvido etc. É fato que, também inconscientemente — nunca ouvi ninguém falar “vou priorizar o individual em detrimento do político” ou defender essa posição abertamente –, isso “simplesmente aconteceu”, tornou-se verdade prática sem uma reflexão teórica que lhe desse sustentação. Puxados por aquilo que na realidade é mais simples, ou seja, uma mudança no comportamento individual, os ativistas afastavam-se das atividades no campo social, evidentemente mais complexas, visto que elas implicavam conviver com o diferente, discutir, ter argumentos, persuadir — em suma, tudo o que implica a luta.

Durante o crescimento da AGP no Brasil evidenciaram-se diversos fatos nesse sentido. A cultura do “politicamente correto” era promovida, incentivando-se, ainda que tacitamente: utilizar linguagem inclusiva [3], ler somente mídia alternativa, ser vegetariano ou vegano, andar de bicicleta, optar pela vida coletiva (morar com amigos etc.), ter relacionamento aberto e/ou bissexual, não consumir produtos de grandes marcas ou de marcas que produziam em sweatshops, utilizar software livre, evitar os debates mais acirrados na forma etc. O ativista tinha de ser uma pessoa quase perfeita, sem todos os vícios da sociedade presente e buscar não se “contaminar” com tudo de errado que nela havia — fato que não deixava de herdar da contracultura certo costume de um vigiar o comportamento do outro. Apesar disso, nossa geração realizou poucas lutas contra a opressão de gênero, a grande imprensa, os matadouros, a discriminação sexual, a exploração dos trabalhadores da indústria automobilística, das corporações e dos sweatshops etc. Há diversos exemplos, mas quero insistir num ponto central: com o passar do tempo, o comportamento individual foi substituindo a política coletiva e a mudança do indivíduo passou constantemente a sobrepor a luta — a busca pelo modelo do “ativista perfeito e coerente” afastava-os da realidade e complicava ainda mais a interação com pessoas “normais”, diferentes portanto.

O fim da política classista

A esquerda clássica, com influência determinante do marxismo ortodoxo, que assumia o citado mecanicismo determinista em relação à economia, colocava o proletariado urbano industrial como um sujeito revolucionário determinado a priori. A luta de classes definia-se a partir do critério da exploração e a linha que dividia as classes era traçada com base nos meios de produção. De um lado, a burguesia, proprietária dos meios de produção, de outro, o proletariado, trabalhadores que só possuíam sua própria força de trabalho. Havia, também, muitas vezes, um outro mecanicismo teleológico de acreditar que a mudança no modo de produção traria, inevitavelmente, a solução de outras questões políticas (abolição do Estado) e sociais/culturais (problemas de gênero etc.).

Estava claro para o nosso movimento que havia sérios problemas nessa teoria. Por um lado, sabia-se que o proletariado industrial poderia ter tido papel de destaque em diversas lutas, mas era evidente que o campesinato (evidenciado pelo levante zapatista, por exemplo), setores precarizados e excluídos, por outro, também haviam sido responsáveis por mobilizações e episódios de luta significativos. Parecia-nos que o sujeito revolucionário não poderia ser concebido a priori, fora de um processo concreto de luta, e que o critério puro e simples da exploração do trabalho assalariado parecia insuficiente para demarcar as classes sociais. Parecia também evidente que a luta econômica não resolveria automaticamente problemas políticos, culturais e ideológicos.

Essas negações e dúvidas, rapidamente, converteram-se em uma posição, para muitos, de que o próprio conceito de classe estava em xeque; defendia-se, com frequência, que não se podia mais analisar a sociedade com base no critério de classe. Entretanto, não se buscou teorizar sobre outras possibilidades de utilizar o conceito de classe e não se questionou o fato de as mobilizações não possuírem base e nem terem conteúdo classista. A própria luta de classes, ainda que expressa no movimento por meio do princípio anticapitalista, era abandonada como elemento de leitura da sociedade, ou mesmo como perspectiva. Dava-se a todas as lutas específicas (negros, feminismo, movimento LGBT, etc.) a mesma relevância, senão mais, que as lutas de base classista.

Não que elas não tivessem (e que ainda não tenham) relevância; muito ao contrário. Mas elas não poderiam, nunca, ser desvinculadas de uma perspectiva classista e anticapitalista. Ou seja, a inclusão de parte desses setores no mercado capitalista, como forma de inserção e compensação, deveria ser rechaçada; não poderia ser sustentada como bandeira do movimento. Afinal, não faria sentido gays ricos, mulheres ricas etc. poderem gozar dos benefícios do capitalismo ao passo que os gays e mulheres pobres não poderiam… Aspectos que não foram levados em conta para além do discurso. Afinal, inserir a questão de classe no debate implicaria uma autocrítica que a autocomplacência e a auto-exaltação do movimento não permitia. Pareceria um ortodoxo, “velho e empoeirado”, querendo trazer questões que “já haviam sido superadas”.

No entanto, havia algo mal resolvido. Ainda que o conceito clássico de classe pudesse ser questionado, não havia dúvidas de que a sociedade continuava extremamente desigual. Fossem essas diferenças em termos de distribuição de renda (riqueza/pobreza), propriedade dos meios de produção (incluindo a terra), gestão das empresas, poder político, acesso à educação, saúde etc. Se a principal bandeira do movimento era a luta contra o neoliberalismo e se o neoliberalismo tinha consequências nefastas para a maior parte da população, ou seja, a base dessa pirâmide de desigualdade, querer fazer um movimento que representasse somente os níveis medianos dessa pirâmide, desconsiderando, no caso do Brasil, entre 70% e 80% do país, não poderia significar outra coisa senão um elitismo contrário à ação direta que era defendida. Só poderia significar uma parcela pequena da sociedade, relativamente inserida no capitalismo (pelo menos no que diz respeito à renda familiar, relacionamento, acesso à educação e outros serviços), que lutava em nome de outros, para os outros, em seu lugar.

Um elitismo que, ainda que na teoria sustentasse o envolvimento popular amplo nas lutas, contentava-se, de certa maneira, com a participação extremamente restrita em termos de classe. De novo, sem enfatizar isso abertamente — ninguém nunca disse “acho que os setores de trabalhadores mais precarizados, menos inseridos no capitalismo, não devem participar das mobilizações” –, fazia-se implicitamente uma opção de classe, distinta de um posicionamento classista, que seria o de buscar um envolvimento maior dos setores que, de fato, eram os que sofreriam as maiores consequências com o avanço do neoliberalismo. Mesmo que “sem querer”, o movimento abandonava o classismo em nome de uma prática de setores médios da sociedade.

Novo versus velho

Se a esquerda clássica vinha caracterizada por aquela imagem tradicional do militante chato, velho, barbudo e barrigudo, sempre mal-humorado, com aquele mesmo discurso, que não atraía mais ninguém, havia uma necessidade de se contrapor a isso. Essa imagem da esquerda não atrairia, de fato, a juventude que estava disposta a lutar. Eram necessárias novas fórmulas e adotou-se uma delas — muito em evidência no setor estudantil do Maio de 68 francês –, do discurso do “novo” contra o “velho”. Era, no fundo, uma tentativa de pautar uma nova imagem para uma nova esquerda que surgia e que queria superar os velhos problemas.

Os novos militantes deveriam ser bem-humorados, modernizar o discurso, reformular o material de propaganda etc. Essas novas propostas faziam com que parte significativa do movimento acreditasse, de fato, estar criando algo novo. O espírito parecia esse: criar algo novo, ainda que não se entendesse direito o que estava sendo criado. E não havia problemas nisso, visto que o próprio zapatismo era assim. Afirmava-se de esquerda e, com o tempo, ficava cada vez mais libertário; estava armado, constituía um exército, mas defendia os processos horizontais de tomada de decisão… Havia uma onda na qual emergiam novas experiências, novas idéias, e parecia que elas possuíam pouca relação com a velha esquerda.

Essa sensação de “estar criando o novo” afastava, de certa maneira, os envolvidos de um estudo teórico mais aprofundado [4] e gerava certa arrogância por parte dos ativistas que acreditavam, de fato, estar reinventando a roda. Uma arrogância que era estimulada pelo espírito jovem e pela sensação de estar fazendo algo que nunca havia sido feito.

Esses fatos impediram as aproximações com movimentos de bases sociais mais amplas, já que o universo deles parecia fazer parte do velho mundo, que estávamos em vias de superar. Afinal, eram movimentos da esquerda clássica, com velhos burocratas, com idéias e práticas antigas que não “combinavam” com o nosso movimento. Tais fatos também complicaram a expansão do movimento e criaram dogmatismos e sectarismos característicos da velha esquerda. Novamente, o movimento impulsionava as razões de seus próprios limites.

Disciplina, compromisso e regularidade

A velha esquerda valorizava aspectos como o espírito de sacrifício, a disciplina, a necessidade do trabalho permanente, a organização, as cobranças por problemas de responsabilidade etc. Evidentemente tudo isso permeado completamente de autoritarismo.

O novo movimento acreditava que isso poderia ser um fator impeditivo para os interessados e oferecia o oposto como solução. Para resolver esses problemas de autoritarismo, certo espírito “libertário” fornecia as bases para afirmações opostas: espírito de sacrifício era coisa da Igreja; disciplina e cobrança, dos militares; trabalho permanente e organização, dos marxistas ortodoxos. Todos os valores que haviam sido criados pela esquerda anteriormente eram jogados no lixo, sem qualquer avaliação.

A dedicação e o espírito de sacrifício eram substituídos por uma cultura contrária ao compromisso, à disciplina e à regularidade no trabalho, que atingiu níveis doentios [5]. Postura que conforme ia sendo permitida — já que não se falava no assunto com medo de incorrer em autoritarismos — criava precedentes para outros que, no futuro, consciente ou inconscientemente, se baseariam nisso para também não cumprir com aquilo que haviam se comprometido. Assumir e não fazer não só foi aceito como, com frequência, virou a regra no movimento.

O trabalho permanente era substituído pela participação ocasional. Não era mais como outrora, que a vida se adaptava à militância; agora, a militância adaptava-se à vida; seria feita quando desse e se desse. A internet facilitava essa participação esporádica e irregular; a pessoa tocava sua vida com diversas outras prioridades e uma ou duas vezes por dia mandava seus e-mails e estava resolvido.

Essa cultura da irregularidade da militância evidenciava-se nos atos que, quando aconteciam — e para isso havia certo trabalho de divulgação, propaganda etc. — juntavam muita gente, não sem, imediatamente após, desmobilizar todos, inclusive parte da militância que ocupava o centro da organização do movimento. O trabalho só seria retomado na próxima manifestação. Enquanto isso, reuniões, discussões e algo mais; mas trabalho, de fato, havia muito pouco.

Esse foi um dos motivos da cultura do trabalho de base nunca ter se desenvolvido na AGP. Por um lado, uma ligação desse tipo de trabalho com a velha esquerda, e por outro, algo incômodo e, por vezes, “trabalhoso demais” para merecer atenção. Um trabalho de formiga que tinha de ser desenvolvido pouco a pouco, e que não proporcionava o glamour, a adrenalina etc. dos atos de rua. Em todas as experiências com as quais tive contato falou-se pouquíssimo de trabalho de base, da sua necessidade, de seu método etc.

Outro elemento da nova esquerda era a ênfase nas festas como forma de luta, buscando, como nos outros casos, fugir do esquema “mobilização classista e combativa” da esquerda clássica. Nessa tentativa, havia muita influência dos carnavais politizados de outros países, fundamentalmente dos EUA e da Europa. As mobilizações de rua tomavam um espírito lúdico, muito mais atrativo na visão dos ativistas, e acreditava-se com isso que teríamos como aumentar a mobilização, inovando na forma [6].

Um pouco no espírito da TAZ de Hakim Bey, buscava-se festejar e protestar. Entretanto, o meio-termo tornava-se cada vez mais difícil e terminamos por encorajar muito mais a festa do que a luta. Não porque defendêssemos isso abertamente, como sempre, mas, na realidade, o espírito de grupo, a convivência, a diversão com música, bebida etc. eram muito mais interessantes que as lutas em si. Dada a “permissão” de abrir mão da disciplina, do compromisso e da regularidade, era natural que o “curso natural das coisas” impulsionasse o conjunto rumo àquilo que era mais agradável — a festa. Não me lembro de ter havido, de nossa parte, autocrítica séria nesse sentido.

Notas:

[1] Como qualquer movimento de maioria jovem, houve uma dificuldade de superar o fim da “fase Che Guevara”, que se encerra pelos vinte e tantos anos. Dando legitimidade à máxima “comunista aos 20, liberal aos 30 e conservador aos 40”, muito da juventude presente no movimento, com o tempo, foi abandonando a luta em favor de posições mais institucionalizadas, mais conservadoras, ou mesmo abandonando a política.

[2] Recordo de uma reunião da AGP no antigo Instituto de Cultura e Ação Libertária (ICAL) em que conversávamos alguns membros antes de uma reunião e chegou uma mulher. Perfil diferente dos presentes; mais velha, aparentava ser uma pessoa simples, menos instruída que a maioria no local, “cara” de trabalhadora. Tive a nítida impressão de que ao ouvir as conversas que aconteciam antes da reunião e ver o perfil dos presentes, a mulher sentiu-se como peixe fora d’água. Em vez de darmos atenção a ela, continuamos conversando sobre as “internas” do movimento, falando de fulano e cicrano, sobre o show não sei de quem etc. Depois de algum tempo, a mulher saiu. Nunca mais apareceu.

[3] Num determinado momento, no CMI, tivemos uma discussão sobre a questão da linguagem inclusiva. Sem negar o fato de que, de fato, o machismo se reflete na linguagem, minha preocupação era que as propostas para solução do problema pareciam estranhas demais. Quem afinal entenderia as arrobas ou os asteriscos: “companheir@s”, “companheir*s”? Não estaríamos fechando ainda mais o nosso círculo de relações? Outras soluções vieram de outras localidades, como, por exemplo, abolir nas palavras que envolviam gênero as letras “o” e “a”, trocando-as por “i”, uma letra neutra em termos de gênero. Não se utilizaria companheir@s, ou companheir*s, mas “companheiris” — uma maneira particular de conceber a linguagem inclusiva que não me tira da cabeça o velho e bom Mussum… Independente dos resultados, é um fato que os próprios termos em que se dava a discussão evidenciavam uma característica “grupista”, do falar para dentro, e uma despreocupação em atingir uma pessoa “normal”, fora dos círculos ativistas.

[4] Eu mesmo pensava que diversos daqueles assuntos vinham sendo trazidos pelos novos movimentos. Depois descobri que todos eles estavam discutidos, com profundidade, na literatura histórica das lutas sociais.

[5] Em 2001, havia um protesto marcado contra o FMI e o BM, cujo encontro havia sido cancelado por razão dos ataques de 11 de Setembro. Estávamos com tudo encaminhado e decidimos, como foi o caso em vários outros países, mudar o tema da mobilização. Em vez de protestar contra as instituições multilaterais, nos manifestaríamos contra a guerra que estourava no Afeganistão. Os presentes na reunião da AGP se animaram. Pensamos em fazer um teatro de rua, com centenas, talvez alguns milhares de pessoas, enfrentando-se mutuamente em plena Av. Paulista e, no final, todos cairiam no chão mortos, representando ludicamente os efeitos da guerra. O coletivo topou e, no meio daquela empolgação, um companheiro sugeriu: “- Quando todos estiverem no chão, poderíamos tocar Thriller, do Michael Jackson, e todos se levantarem e saírem dançando!” A assembléia aprovou e dividiram-se as responsabilidades: um companheiro gravaria a música numa fita cassete, um outro levaria o som e finalmente um outro arrumaria algo como um carrinho de supermercado para empurrar o som. No dia da manifestação, nem fita, nem som, nem carrinho, nem Thriller; todos caíram no chão e foi o fim o teatro. Pensei: “- Na reunião de avaliação vai sobrar para o pessoal que se comprometeu a fazer isso e não fez”. Na assembléia seguinte, de avaliação do ato, nem uma palavra foi mencionada em relação aos problemas de compromisso. “Fazia parte” combinar, se comprometer e não cumprir.

[6] Tanto assim que quando organizamos o A20, colocamos no cartaz de divulgação que haveria uma “festa contra a ALCA na Av. Paulista”. De fato, o cartaz atraiu alguns desavisados que acharam que não se tratava de um protesto de rua, mas, de fato, de uma festa. Ainda que com o fim da “festa” nada festivo, com uma surra da polícia, feridos e presos aos montes, alguns desses curiosos chegaram a permanecer no movimento por algum tempo, abandonando-o em seguida.

(Continua)

A Bibliografia virá no final desta série.

9 COMENTÁRIOS

  1. Boas lembranças… e muita saudades de alguns compas, o pessoal do Paraná do Jubileu 2000!

    As vésperas dos meses do plebiscito contra a ALCA foi louco…

  2. Infelizmente a crítica mais apurada só pode acontecer depois que tudo já se passou. O que no nosso caso significa (e isso vale pra todos os anticapitalistas) que a crítica vem, na maior parte das vezes, após grandes derrotas. Quantos coletivos de ativistas, das mais diversas causas, dos mais diversos lugares deste país ou fora dele, se encontraram diante das mesmas questões e, por falta de referência e por muita arrogância, acharam que estavam diante da maior novidade da história? Quantos questionaram a esquerda clássica e ortodoxa da mesma forma, usando inclusive da mesma linguagem e das mesmas referências, durante toda a década de 1990 e também de 2000, e cometeram os mesmos equívocos? E terminaram todos da mesma forma. derrotados por si mesmo. Ou por não saberem pra onde ir ou por terem substituído a política pela amizade. E por vergonha uns dos outros, talvez nem mais a amizade, que era algo forte e bonito nisso, deva ter durado. Agora, quando vivemos um cenário mais triste, onde ou esse mesmo segmento de classe que outrora formava estes coletivos está optando por alternativas abertamente empresarias, tipo o “Fora do Eixo”; ou voltando-se para organizações ortodoxas travestidas de libertárias (pelo menos na linguagem), como estes novos partidos que nem coragem de se assumir enquanto tal têm; o que já podemos fazer? E essa não é uma pergunta retórica. Quem viveu um pouco disso que esta série de textos sobre a AGP tenta retratar, com uma honestidade muito rara diga-se de passagem, tinha uma certeza que era a maior de todas: o que estávamos fazendo era irreversível, e a esquerda jamais voltaria a ser velha. E nós estamos ficando velhos para ver a velha esquerda persistir, enquanto nós não vamos nada bem (eles também não, mas ainda estão aí, enquanto nossas redes, coletivos e tudo o mais foram pro beleléu); e os capitalistas, por outro lado e ainda mais espertos que eles ainda são, assimilando as nossas bandeiras, entendendo-as antes mesmo da gente. O lado bom é que essa vontade de fazer as coisas de outra forma, essa vontade de errar de uma forma diferente, não se esgotou. Entretanto, aliado a todos estes equívocos que cometemos desde lá, há agora uma apologia ao obscurantismo: uma negação dos estudos, da pesquisa, da história. E assim, ao invés de aproveitarem reflexões como esta, que ainda são raras, começam a fazer tudo novamente, só que de forma ainda mais caricatural. E por mais que cada dia mais gente deste segmento que construiu mobilizações como as que são descritas aqui se interesse pelas lutas sociais, seu ativismo/militância dura cada vez menos tempo. Eu só não perco o meu otimismo porque ele é fundamental para que eu consiga me sintonizar e participar das próximas novidades. Mas é só por isso.

  3. Antes de elogiar o texto, eu que também fui formado no meio desses processos, me permito a elogiar também o comentário subsequente do companheiro acima que merece boas reflexões.

    Este aponta corretamente, que “(…) ao invés de aproveitarem reflexões como esta, que ainda são raras, começam a fazer tudo novamente, só que de forma ainda mais caricatural.”

    Isto de certo modo é entristecedor. O que há de trintões que foram criados nesta cultura “AGP”, que chamo de viúvas da AGP, que continuam a reproduzir a MESMA militância, sem tirar ou pôr uma linha também é impressionante… É como se fosse possível resgatar uma nostálgica fase de militância dentro dos quadros dos novos tempos sem passar por maiores reflexões.

    Junto aos “velhos” quadros da AGP, surgem novos quadros dessa cultura militante, que reproduzem como bem indicou o comentarista acima tudo o que a AGP representou de forma mais caricatural e limitada.

    A autocomplacência infinita com os erros próprios e alheios é uma boa ferramenta para reintroduzir os mesmos equívocos da AGP. Sem autocrítica nenhum movimento avança.

    O que mais me preocupa, é que quando estas análises são feitas, os participantes dos processos citados preferem “defender-se” das limitações das estratégias daqueles movimentos, do que avançar numa autocrítica mais franca.

    Falei um pouco disso aqui:

    http://www.anarkismo.net/article/20240

    Reavaliar determinadas estratégias é fundamental num processo de transformação social. Ninguém tem de se sentir “atacado”, pois retomando alguns argumentos centrais do texto, falamos de transformação social ampla, não de defesa de um grupo identitário.

  4. Acabo de enviar um comentário a parte dois que talvez deveria estar aqui, mas…
    Definitivamente a falta de autocritica foi uma limitação. Outra vez essa questão entre o publico e o privado não é simples. E o privado não seria político? E o privado mesmo sendo politico, deve ser levado a publico com essa justificava? A pouco tempo um lamentavel e complexo episódio sobre gênero com o Movimento Passe Livre de São Paulo(diretamente influenciado pela AGP) viveu algo nesse sentido… Como bem sinalizado no texto o “ativista perfeito” e seu politicamente correto foi uma marca. E as vezes um dogma. Acontece que erramos enquanto pessoas, também podemos ser bem egoistas, autoritarios e confusos no dia a dia. E como lidar com isso? Apesar de toda contradição que possa existir ai, foi importante sim notar posturas cotidianas questionarem o que faziam de seu mundo. E não penso que apenas a AGP viveu isso. Faltou critica no que diz respeito as lutas de reconhecimento também. A postura “classica” sempre negligenciou os debates sobre racismo, homofobia, etc, alegando ser isso algo de um segundo plano. Acontece, volto a repetir, que havia um enorme desejo de pertencimento em algo que reconhecesse essas caracteristicas e identidades, e se por um lado priorizavam a amizade e as afinidades em detrimento de um projeto mais coletivo e amplo, por outro, como bem dito, se reconhecia aspectos identitarios e culturais bastante inéditos. Nunca se harmonizou isso e a coisa acabou por se limitar. O espetaculo em muitos casos reunia as pessoas e não um projeto politico comum profundamente debatido. Acho que foram poucas pessoas capazes de fazer e reconhecer isso. também concordo com o comentario anterior, não é avaliar o sucesso ou fracasso do movimento, mas dar um outro passo no proprio processo de entendimento dessa organização social e politica.

  5. Olá. Também participei da AGP. Minha militância começou em 1998, mas não nos grupos que estiveram presentes desde o início da AGP. Começamos a participar da Ação Global em 2000 ou 2001, não tenho certeza. Hoje sou um trintinha também, e é engraçado ouvir falar nas coisas que minha geração fez e deixou de fazer. Na verdade é meio estranho, pelo menos para mim. O fato é que a minha militância continua e isso me alegra.

    A AGP fez coisas interessantes, penso na estética das máscaras, no batuque e por aí vai. Lembro-me que o nosso bloco, o libertário, conseguia inserir uma coluna independente da esquerda institucional nos atos. Isso foi bom.

    Por outro lado, a regra se manteve, ou seja, as pessoas envelheceram e foram cuidar das suas vidas, dos seus negócios, das suas carreiras acadêmicas e por aí vai. O que estava errado?

    Fico pensando nessa questão da velha esquerda, do “novo versus o velho”. A questão é: o que a negação do velho expressa? Que há toneladas de vícios a eliminar é fato. Mas será que não havia mais do que isso? Ao negar o velho não se estava também negando o próprio socialismo? Que é uma velha idéia e que se associa à velha esquerda?

    Penso que a agenda restrita da AGP expressa isso. Negava-se o neoliberalismo, não o capitalismo. É isso que na minha opinião explica o que virou a AGP. Se tentasse aprofundar algo a coalizão de grupos e indivíduos explodiria, não aprofundamos nada, e a coalizão se enterrou sozinha.

    Quem nega algo afirma algo. Não existe negação absoluta. A AGP negava a esquerda institucional, mas afirmava o quê? Essa é a questão. A nota 5 do texto nos diz muito. O autor queria cobrar quem não levou o k7 do Michael Jackson etc., mas que bom que os responsáveis furaram. Que tragédia seria uma manifestação se encerrar com Michael Jackson e Thriller. Ou seja, o objetivo era negar a política imperialista, aí a juventude radical encerra seu protesto com um símbolo da cultura enlatada, fast-food. Libertários ao som do rei do pop não dá.

    Essa, na minha opinião, foi a maior fragilidade da AGP, a colonização cultural. Todas as referências eram européias ou estadunidenses. E mais do que isso, eram referências meio pop e meio kitsch. Negava-se a velha esquerda da época da guerra fria afirmando a pós-modernidade. Os exemplos podem ser multiplicados. As festas de rua com música eletrônica; o batukação, que apesar de inovador, lembrava uma bandinha militar… O samba, o maracatu, o coco, o chorinho etc., deviam ser considerados velhos também; thriller era o novo.

    Enfim, gostei do texto e da coragem do autor. Os mortos se enterraram sozinhos nas suas vidas acadêmicas e negócios pessoais. O desafio fica para os que continuam na luta, e para isso esses balanços são fundamentais. Fundamental é o debate fraterno e sincero.

  6. Olá. Eu não participei da AGP, sou um pouco mais nova, e me envolvi com coletivos libertários quando a AGP já não existia, imagino, apesar de não ficar muito claro em que momento ela efetivamente “desapareceu”. Neste trajeto, tenho encontrado algumas pessoas que estiveram envolvidas e tiveram contato com pessoas e ações da AGP, e considero que esta é uma referência muito importante para vários coletivos que continuam funcionando. Por isso me chama um pouco a atenção o tom em alguns momentos no texto, mas principalmente nos comentários, como se estivessem falando de coisas muito distantes e terminadas ou “derrotadas”.

    Inclusive, no início do texto se menciona que um estímulo pra escrever foram as marchas recentes autodenominadas “marchas da liberdade”. Então queria retomar um pouquinho mais numa perspectiva do que este texto pode contribuir pra estas pessoas e grupos que seguimos (como imagino que seja o caso de vcs também). Principalmente porque a autocrítica é extremamente importante, e achei muito interessante o texto, mas um dos riscos é que a autocrítica seja paralisante também.

    Considero que muitos dos pontos aqui trazidos são recorrentes, e realmente dedicamos muito pouco tempo para a autoreflexão do que fazemos. Mas acho que em muitas situações, nossas ações não são tão inconscientes assim. Como se diz no início do texto, nós constumamos conversar muitas vezes sobre tudo isto, e nem por isso mudamos os pontos fŕageis que identificamos. Mas ligamos o automático, a vida vai nos levando, o pragmatismo impera, muitas vezes as frustrações também, e já era… E também, quando começamos a refletir demais, nos paralisamos por perceber o difícil que é realmente fazer alguma diferença neste mundo que tem uma capacidade tão enorme de nos engolir.

    Acho que esse elemento poderia ser incorporado no fato de querer abraçar todos os temas e não acabar abraçando nenhum. Os impactos negativos disso não são só o pouco que fazemos e o quanto não conseguimos traduzir isso para quem está fora da luta, mas também os níveis de frustrações que temos que encarar ao perceber o quão pouco realmente podemos fazer.

    Apesar disso, ainda acho que podemos fazer muito. Por isso senti falta de uma perspectiva de “o que fazer com todos esses aprendizados da AGP”? Porque outro risco que se corre é que essas mobilizações massivas sigam agora, por exemplo, a tendência do 15M espanhol, que particularmente considero muito espetacular e reformista. É isso que queremos?

    Enfim, haveria muito pra dizer. E mais ainda pra fazer. Mas por ora, só queria acrescentar que, como a autocrítica geralmente nos leva a dar muita ênfase pra parte negativa, é importante também pensar nos acréscimos importantes que esse movimento teve no meio ativista libertário recente. Os pontos levantados como questionamento à velha esquerda seguem sendo extremamente pertinentes, e podemos seguir tentando des ou re construir maneiras de atuar e nos relacionarmos. Já erramos bastante, podemos começar a tentar acertar mais, né

  7. Bigode

    Considero o 15M reformista porque tenho a impressao que as exigencias sao (ou foram, nao sei em que pé anda isso) muito voltadas a uma reforma do Estado, uma construcao de um sistema político menos pior, mas ainda assim representativo-parlamentar e nao radicalmente diferente. E o questionamento ao mercado também foi no sentido de melhores condicoes de trabalho, mas de um jeito meio morno, e apesar de apontar a arbitrariedade da atuacao das grandes corporacoes transnacionais, nao vi um questionamento profundo do capitalismo, no sentido de propor, por exemplo, uma ampliacao de empreendimentos autogeridos, e uma lógica de descrescimento. Ou, por exemplo, nao se questionou a monarquia, nem, pelo que vi, se propos uma maior descentralizacao administrativa pra aumentar a autonomia e poder dos municípios.

    Sei que foi um movimento massivo, e que houve muita diversidade entre seus participantes, portanto acredito que tinha gente lá preocupada com todas essas questoes. Mas houveram reivindicacoes formais e um discurso predominante que considero reformistas. Apesar disso, acho que provavelmente muitissima coisa interessante aconteceu nesse meio tempo-espaco, e espero que tenha servido de confluencia para outras propostas mais radicais.

    Mas já que a organizacao do próprio movimento foi eminentemente autogestionaria, assambleísta, etc, tenho a sensacao de que se perdeu a oportuniade de dar mais visibilidade a esses valores e formas de atuar do que ás reivindicacoes formais.

    Como se pode perceber, tudo isso sao impressoes de alguém que nao esteve lá: “acho”, “parece”, “tenho a imperssao”…

    Mas sei lá, pelo menos uma amiga de sevilha, anarquista, me comentou que os coletivos nos quais ela participava tinham cansado logo no início de participar, pela frustracao de nao conseguir estabelecer um diálogo no sentido de radicalizar mais a proposta… Imagino algo como querer radicalizar o fórum social mundial… é dar murro em ponta de faca, e mesmo que seja faca de manteiga, cansa.

    Provavelmente se estivesse lá, tinha me somado. Mas vai saber por quanto tempo… Além do mais deve ter sido também um festival destes “erros” da nova e da velha esquerda, tao amplamente tratados neste texto. Mas errar é humano, né?

    Finalmente, considero que essas manifestacoes tem seu valor, e constroem muitas coisas bacanas no micro. Mas no macro, no cenário político espanhol, acabam sendo um tiro no pé e só fortalecendo insitucionalmente partidos de ultra direita. É uma pena.

  8. Parabéns pelo texto. Há muito venho refletindo nesse sentido e seu texto ajuda a encaixar várias lacunas.
    Boa parte da esquerda (partidária e não partidária) que luta pela auto-organização dos povos se depara, hoje, com os mesmos problemas, no entanto, com algumas dificuldades a mais: 1) o Brasil vive um momento de desenvolvimento econômico o que diminui o sentimento de revolta e reforça a busca por saídas individuais, 2) o nosso “novo” já não é tão “novo”, 3) o PT no governo (que, por sinal, veio do novo sindicalismo) reforça a cooptação de movimentos sociais originalmente classistas mas também reforça ideia de que a política não é nas ruas, é o espaço do “possível” delegado, ao menos pior, via parlamento.

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