Um site só tem sentido enquanto expressão de setores em luta. São as lutas concretas da classe trabalhadora que deverão apontar quais reflexões e polêmicas devem ser levadas adiante por esse veículo. Por Passa Palavra
O Passa Palavra sempre defendeu a publicização das deficiências, dos problemas e das críticas das lutas sociais, uma vez que essas lutas não pertencem a este ou àquele grupo, mas à classe trabalhadora como um todo e, por isso, devem ser discutidas em conjunto com militantes e trabalhadores em geral. Caso contrário, por um lado, corremos o risco de perpetuar burocracias, já que o conhecimento íntimo dos problemas internos das organizações passa a ser controlado por um pequeno grupo nos bastidores; e por outro, corremos o risco de castrar a inventividade dos trabalhadores e militantes anticapitalistas, que não se podem aproveitar de críticas e análises burocratizadas na busca de soluções para os impasses da luta de classes.
Entendemos que o mesmo deve ser feito conosco, então resolvemos explicitar a crise interna que temos vivido, que para os leitores mais atentos evidencia-se na queda do volume de publicações e no hiato de produções assinadas pelo coletivo nos últimos meses. A perda de dinamicidade do site reflete a realidade interna do coletivo, caracterizada atualmente por um grande declínio em termos de organização e produção coletiva: os debates internos escassearam, as tarefas têm sido cumpridas por poucas pessoas e com certo descuido, mesmo tarefas de rotina e manutenção do site têm sido relegadas. Na análise geral do coletivo, temos passado por uma situação de apatia generalizada, que evidentemente não se pode explicar pelos problemas individuais deste ou daquele companheiro.
Não nos parece que a crise seja causada por uma discordância programática com relação aos nossos Pontos de Partida, que continuam sendo fundamentais para sintetizar a maneira como compreendemos a sociedade. Também parece-nos que o lema do site continua fazendo muito sentido: noticiar as lutas, apoiá-las, pensar sobre elas. Entretanto, a prática possível destes princípios norteadores parece ter encontrado alguns obstáculos.
Por que razões o site praticamente deixou de fazer coberturas? Nossos leitores mais antigos hão de lembrar que era comum produzirmos uma grande quantidade de relatos e análises sobre greves, manifestações, ocupações. Escrevíamos tanto sobre mobilizações com as quais nos envolvíamos diretamente quanto sobre aquelas em que comparecíamos apenas nos atos. Será porque tais lutas perderam o potencial que lhes atribuíamos, será porque percebemos limitações antes ocultas ou ainda porque também entraram em crise? Além do mais, em que medida a proliferação de relatos e análises nas redes sociais (ver aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) tomaram o lugar de um site como este? Mesmo que tais relatos e análises, pela maneira como são estruturadas essas mesmas redes, tenham como característica fundamental a efemeridade, devemos realmente nos esforçar para retomar nosso antigo ritmo de produção? E mais: é crescente a proliferação de transmissões online de manifestações, que aliás pouco contribuem para uma análise crítica e bem fundamentada dos processos de luta. Teriam tais transmissões – e os lugares comuns das postagens nas redes sociais – tornado nossas coberturas irrelevantes?
O Passa Palavra sempre buscou apoiar às lutas, tanto diretamente quanto pela divulgação das atividades realizadas pelos movimentos. Entretanto, esse apoio nunca se confundiu com apoiar todas as lutas, tampouco impediu-nos de fazer as críticas que considerávamos necessárias. Essa inserção prática nas lutas sociais servia como combustível para as reflexões que fazíamos. De fato nos afastamos de muitas dessas lutas. A redução de nossa inserção prática nas lutas sociais restringiu também nossa capacidade de analisar mais acuradamente sua dinâmica. Pensar sobre as lutas tornou-se certamente mais difícil: temos um menor acesso a discussões e informações, menos contradições práticas nos chamam a atenção. Mas por quê? Perdemos a disposição para buscar novos espaços de militância? Ficamos confinados às lutas com que nos familiarizamos? O descenso e burocratização de nossas principais apostas deixaram poucas alternativas de luta combativa e ao mesmo tempo crítica?
O afastamento de membros do Passa Palavra dos espaços de militância em que estiveram inseridos nos últimos sete anos é algo a ser considerado. Em parte, isto pode ser atribuído à maneira como as críticas feitas aqui ou em outros espaços foram recebidas nos espaços de militância. Ainda assim, o site parece continuar a ser uma referência para discussões mais aprofundadas e mais críticas sobre as lutas contemporâneas, como demonstram os vários artigos que publicamos analisando a reorganização escolar e o movimento de ocupação das escolas, tanto em São Paulo quanto em Goiás.
Outro fator a considerar é a estagnação da seção portuguesa do site. Os membros portugueses do Passa Palavra estão completamente afastados. Esta seção, outrora muito importante, tanto pelas valiosas análises que produzia quanto pela possibilidade que trazia de articulação por sobre as fronteiras nacionais das lutas e das reflexões sobre as lutas, não é atualizada desde outubro de 2014. Sempre defendemos – por vezes arduamente e sofrendo golpes de todas as direções – o internacionalismo proletário, mas agora nos vemos confinados em fronteiras nacionais e dentro delas transitando pelas vias mais estreitas do labirinto, com muitos becos sem saída.
As duras críticas que publicamos podem sem dúvida explicar por que algumas pessoas deixaram de nos ler ou passaram a organizar campanhas informais de boicote ao site, mas seriam também capazes de explicar por que deixamos em grande medida de levantar novos problemas e enfrentar novas polêmicas? Será que nos cansamos de nos indispor com nossos colegas militantes? Certamente várias polêmicas externas tornaram-se também por vezes internas, gerando desgastes e eventuais desligamentos e afastamentos. A falta de espaço para uma discussão de autocrítica sincera da esquerda (seja a autônoma, a anarquista ou a partidária) não parece afetar apenas os membros do coletivo. Será que nossos leitores cansaram-se também das polêmicas ou das inimizades decorrentes dos debates mais ousados? Estará interditado o debate no campo autônomo tal qual o era no stalinismo? Estamos condenados às discussões ao pé do ouvido, à boca pequena? Será que tememos represálias ou gostaríamos de ver certas discussões enterradas?
Para nós está claro que existe uma dimensão externa decorrente da aceleração do tempo presente marcada por 2013. Ao mesmo tempo em que estabeleceu uma inflexão nas lutas sociais, levando ao limite certas formas de organização autônoma, 2013 assinalou também a crise dos movimentos sociais tradicionais ou do campo democrático popular, que vinham sendo criticados há anos pelo Passa Palavra. O junho de 2013 rompeu o tecido social que fora costurado pelo PT há mais de uma década ao pôr fim à eficácia das várias organizações que tinham a função de controlar a classe trabalhadora. O pacto entre o Estado e os movimentos sociais, esse mecanismo de controle que largamente analisamos (ver aqui e aqui) foi definitivamente posto em causa. Conseguimos avançar com a crítica teórica e prática aos grupos tradicionais, inseridos que estávamos naquelas lutas de junho, e antevimos tanto a ascensão das primeiras mobilizações conservadoras quanto a burocratização e a invasão do multiculturalismo no próprio seio dos movimentos (ver aqui, aqui, aqui e aqui). Mas de junho de 2013 para cá os movimentos que surgiram da crítica teórica e prática aos grupos tradicionais não conseguiram avançar como organizações autônomas da classe trabalhadora. Será que também nós naufragamos com eles?
Se o junho de 2013 acabou politicamente com o governo Dilma, a disputa geopolítica e econômica em torno do petróleo afundou parte dos sonhos grandiosos do PT para o país. Na articulação desses dois acontecimentos criou-se o cenário de terra arrasada atual, inaugurando uma conjuntura caracterizada fundamentalmente pela austeridade. Para o Passa Palavra, intervir nesse novo cenário requer novas formulações, novas reflexões e um esforço de seus membros e colaboradores externos no sentido de uma síntese teórica sobre o momento em que vivemos. E uma vez que não nos baseamos em dogmas ou cartilhas, esse esforço tem de partir de experiências práticas, de experiências de luta.
A superação dessa crise não depende somente dos membros do coletivo, mas também de um esforço conjunto daqueles que pretendem manter o espírito crítico, a combatividade, a radicalidade e a autonomia das lutas. Um site, um jornal ou qualquer veículo de comunicação só tem sentido enquanto expressão de setores em luta. São as lutas concretas da classe trabalhadora que deverão apontar quais reflexões e polêmicas devem ser levadas adiante por este veículo.
Leio um tanto apreensivo o texto dos companheiros. Acompanho o site talvez há um ou dois anos, não é tanto tempo assim, mas penso que é um espaço muito importante de autocrítica da esquerda. Ao longo do texto vocês levantaram bem discussões muito formadoras que vocês postaram, algumas ainda são tabus dentro da esquerda, o que é só reforça a importância delas.
Muita força a todos nos momentos de crise, e paciência, que a espera também é importante no desenvolvimento das nossas análises e críticas.
LONGA VIDA AO PASSA PALAVRA
Todo dia é D. Toda hora é H.
Chegar ao limite não é o mesmo que esgotar a(s) possibilidade(s).
Hic Rhodus, hic Salta!
Camaradas,
No espaço de mais ou menos um ano, esta é a quarta vez em que venho encontrar no Passa Palavra uma crítica na contracorrente da chamada esquerda sobre uma contradição que me parece particularmente angustiante naquele exato momento da publicação.
Paradoxalmente, é com agradável surpresa que li o texto de vocês. Parabéns, camaradas, pela radicalidade e pela autenticidade! É um conforto em tempos de tanta opacidade e bravata. Já desmentiram o seu diagnóstico, já deram o primeiro passo para resistir ao mal!
Justamente porque o Passa Palavra é sem a menor sombra de dúvida um espaço privilegiado e vital de reflexão crítica da esquerda, quando o debate por aqui começou a me parecer problemático fiquei especialmente preocupada. Não saberia opinar sobre várias das causas que vocês apontam — até porque muitas delas são em grande medida internas ao grupo –, eu particularmente, senti uma tendência das polêmicas a girarem em falso que parecia indicar um decidido desgaste. Por isso, em boa parte me pareceu um problema, talvez até muito difícil de ser enfrentado, mas antes de tudo devido ao próprio contexto social específico em que o site se insere, e talvez mais especificamente ainda, à sua própria natureza. Seria fatal se o coletivo não se desse conta disso. Mas não foi em absoluto o que aconteceu. Acho que isso é evidência de que vocês têm força para enfrentar o problema e, muito mais, confirmação de uma radicalidade imprescindível no cenário de resistência anêmica em que vivemos.
Gostaria muito que este comentário já levasse a necessária contribuição para a reflexão proposta a todos. Não é o caso, infelizmente, até o início de março não tenho tempo, mas estou me comprometendo desde já a procurar,na sequência, certas referências históricas que tenho em mente para formular e trazer a minha contribuição.
Tamo junto,
LONGA VIDA AO PASSA PALAVRA!
LONGA VIDA AO PASSA PALAVRA? Sim, mas…
Sem escamotear, posto que indispensável e prioritária, a crítica das formas (sindicato, partido, união operária, soviete…) de organização que proletariado tem utilizado, historicamente, na luta contra o capital[ismo].
Consequentemente, revolucionários proletários não se permitem o luxo de ignorar que uma forma de organização – por muito útil que tenha sido num dado momento – poderá se tornar um obstáculo às lutas autônomas, se fetichizada e convertida em paradigma organizativo.
A organização e, a fortiori, sua forma são meios. Tão importantes quanto se queira, mas meios. O que realmente importa, o que não se deve perder de vista, é a comunidade humana mundial e a multifacética práxis – Hic Rhodus, hic salta! – que a efetiva e concretiza.
O limite é um ponto nodal.
Acompanho o Passa Palavra desde 2012 e, desde então, procurei me inteirar das publicações presentes e pretéritas, ou seja, a partir de 2009. Para mim foi marcante a capacidade deste coletivo de articular a prática com um embasamento teórico crítico e profundo. Mas, posso estar enganado, com a saída da ala portuguesa, essa versatilidade parece ter se enfraquecido. Ao meu ver, o Passa Palavra passou a enfocar mais questões pontuais, que embora sejam muito importantes, ficaram sem a devida articulação com uma crítica mais teórica. Não sou Leninista, mas acho que uma das máximas de Lenin é válida para explicar esta atual conjuntura: “A teoria sem a prática de nada vale, a prática sem a teoria é cega”.
As análises deixaram de ser vista predominantemente a partir da ótica de classe. Outros tem sido os referenciais predominantes de orientação das discussões no Passa Palavra, o que, ao meu modo de ver, abrem brechas para equívocos e a história tem ensinametos trágicos quando se abre mão ou se secundariza a perspectiva da luta de classes. Aliás, após presenciar e vivenciar atitudes minimamente questionáveis de grupos ditos libertários, autonômos, “anti-capitalistas”, etc – todos eles com pouca ou nenhuma discussão ou ação a partir da luta de classes – tenho percebido certas semelhanças no presente de comportamentos do passado… grupos que, normalmente bastam por si mesmos…
Acho que, sem percebermos, temos pautado nossas discussões e lutas justamente pelos caminhos que recusamos e, assim, nossas pautas e lutas acabam sendo, na verdade, pautadas pelo inimigo, o capital, apoiado não só na imprensa, na academia e nos meios políticos e sindicais, mas, também, nos diversos grupos ditos de esquerda: “No capitalismo a classe explorada não se limita a sustentar o peso dos exploradores, mas recebe deles o quadro e as modalidades em que se organiza. […] Na sociedade actual uma classe domina na medida em que dita a organização interna da classe dominada”. BERNARDO, João (2003) – Labirintos do fascismo.
Como sugestão, acho que o Passa Palavra deveria incentivar, de fato, a elaboração de artigos e notícias fora do círculo interno ou mais próximo do coletivo. Também poderia convidar pensadores de outros coletivos para contribuir com o site. Poderia, também, reaproximar-se da ala portuguesa do coletivo, pois, para mim, ela faz falta, reduzindo o potencial de internaciolismo de nossos debates e lutas.
Saudações
Padaqui.
Vim ler o texto e achei que veria uma auto-crítica, mas “a falta de espaço para uma discussão de autocrítica sincera da esquerda” evidentemente se faz presente aqui.
Ao invés de tal autocrítica sincera, o que se vê além da afirmação óbvia de que a reflexão teórica é produto da luta concreta é a responsabilização de tal redução de textos a suposta incapacidade da esquerda autônoma em lidar com crítica e a burocratização das lutas que fizeram membros do PP se afastar dela, é porque os leitores cansaram das polêmicas, porque as discussões no campo da esquerda autônoma se encerraram e de autocritica no máximo a possibilidade de terem se afastado por terem se familiarizado com elas. A autocrítica ainda estou a procurar.
Nunca vi nenhum texto do PP tão reflexivo e questionador como esse, todos os outros são cheios de certezas e duras críticas. Tais certezas e críticas passam longe deste texto aqui.
Ao que me parece um ponto fundamental da atual situação do PP é justamente a incapacidade de autocrítica. Tal como a incapacidade de lidar com as contradições na luta com apontamentos puristas que não abarcam as contradições e dificuldades na luta e acabam somente por deslegitimá-las. Tais incapacidades provavelmente contribuem para uma certa hostilidade aos passa palavristas e contribuem para se afastarem das lutas. Com isso se afastam das lutas, mas a arrogância é tanta que afirmam que se afastam não por algum problema próprio, mas por problema da própria luta. O suposto problema é que as lutas estão burocratizadas, esta é a resposta pronta para tudo.
A partir disto acabam por vezes por fazerem análises descoladas da realidade, tal como a parte da análise da luta no único texto sobre a situação em Goiás existente – não diversos como o PP afirma – em que afirma uma suposta ausência de base do movimento das OSs e ausência de secundaristas na luta, tal afirmação só seria possível pelo distanciamento da mesma. E de resto faz críticas óbvias que em nada acrescenta, tal como a necessidade de massificação do movimento e da necessidade da autogestão social para uma luta revolucionária. O que certamente se dá pelo distanciamento dos membros do PP da luta em Goiás, exceto aquele que nunca se limitou a questão teórica.
A colocação de críticas distantes da luta, tal como colocações óbvias, a ausência de autocrítica, a presença sempre da crítica sem o acompanhamento de novas perspectivas, a certeza das críticas sem apontar o contraditório, certamente contribuiu para a situação que o PP se encontra hoje.
To no aguardo da coerência do PP e de ver aqui um texto real de autocrítica, pesando a mão tal como sempre pesou para as lutas e os grupos.
Ulisses,
Não sei se entendi: no nosso caso, o que seria escamotear?
O inferno são os outros?
Comecei a ler o texto esperando ver realmente uma auto-crítica e tentando entender de fato porque o Passa Palavra diminuiu suas publicações. O que vi durante o texto foi mais uma mea-culpa (com informes de como internamente há desarticulação) e um ataque aos leitores (que não souberam lidar com as duras criticas do site) do que propriamente um texto que se auto-criticasse.
Mas atentando sobre a justificativa do afastamento de militantes do PP que atuam há 7 anos aponta-se que em parte deve-se ao modo como foram recebidas as críticas que fizeram, em seguida afirma-se que o site parece continuar a ser uma referência para discussões mais aprofundadas e mais críticas sobre as lutas contemporâneas como demonstram “vários artigos” que publicaram sobre o movimento de ocupações em SP e Goiás. Me atenho a Goiás: o Passa Palavra não fez absolutamente nenhum texto sobre as ocupações em Goiás, publicou apenas um artigo do Fagner Enrique (http://www.passapalavra.info/2016/01/107294) que apesar de fazer uma discussão aprofundada sobre Organizações Sociais, quando parte para a análise do movimento em si apresenta mais um tom de conselho bastante afastado, equivocado e com obviedades da luta. Cito uma parte:
“Tem sido notável a desmobilização dos secundaristas. Muitas escolas têm sofrido um esvaziamento considerável de sua principal base social. Mais notável ainda é a baixa participação dos professores e suas organizações de luta, pois no fundo quem tem mais a perder, quem vai ter de se enquadrar nos novos padrões de produtividade, perdendo ainda a estabilidade no emprego e o controle sobre o processo de trabalho, são os professores. Seja como for, os chamados “apoiadores” têm tentado preencher o vácuo deixado pelos secundaristas. Diante disso, abre-se espaço não apenas para a burocratização da luta como também para as disputas interelites: disputas entre vanguardas para a direção do movimento.”
O trecho acima aponta para um suposto esvaziamento de base social em um movimento que ocupou 26 escolas, que tem estado na luta a quase 3 meses (com as mais diversas tentativas de aproximação com os professores – que não podem se separar do que o texto chama de apoiadores), com atos, debates, convivências cotidianas nas ocupações, persgeguições, intimidações das mais diversas, conflitos internos, ataques da Secretaria de Educação que usaram a comunidade escolar para desocupar escolas e, contradições de um novo modelo de luta que exige um desgaste diário e, por último, inúmeras prisões (o movimento segue). Seria possível um movimento sem base conseguir fazer tudo isso? É esse o texto publicado pelo PP que podemos considerar como texto crítico e profundo? Ou um texto distante da realidade da luta com alguns parágrafos com apontamentos óbvios? (Exemplo: “O movimento precisa, pelo contrário, de se massificar. Como alcançar a massificação do movimento, cabe à militância descobrir.”)
Aproveitando a questão de base social, pensemos: quando um movimento se isola perdendo sua base social e/ou se burocratizando, restando apenas uma vanguarda distante da base, o problema é somente a passividade da base ou a forma como se constituiu o próprio movimento? Mesmo não sendo uma leitora assídua, me parece que os textos do PP em geral apontam para a crítica no sentido dos equívocos do próprio movimento que se isola, se burocratiza e com isso fortalelece o distanciamento da base. Exceto este. Se o PP está se distanciando dos leitores, reduzindo sua atuação e se isolando, o problema se encontra mais nos leitores?
O peso da crítica do texto citado, assim como muitos já assinalados pelo PP poderiam servir de exemplo para que haja uma “sincera autocrítica na esquerda”. Estar distante de um movimento – não só fisicamente, como distante da realidade dele – e fazer textos com críticas precisas e em tons de certeza do caminho que o movimento deve tomar é arrogante, não porque o movimento não possa lidar com elas – mas porque algumas análises provavelmente serão cheias de equívocos – tal como me parece ser o caso do texto citado.
Ao que parece, para o Passa Palavra, o inferno são sempre os outros.
Não sei por que aproveitaram a oportunidade para me atacar agora e num debate que não tem nada a ver com o texto que publiquei. Parece que meu texto incomodou. Sei que as pessoas o leram, mas só o comentaram em privado. Com todas as suas limitações, constitui uma tentativa séria de reflexão sobre as Organizações Sociais e o processo de luta. O Passa Palavra sempre foi aberto a colaborações. Se eu sou supostamente alheio à luta, mesmo tendo participado de diversas atividades, inclusive propondo algumas, por que as companheiras, supostamente mais inteiradas da realidade do movimento, não escreveram seus textos para participar do debate? Talvez porque o debate público seja considerado desnecessário ou mesmo nocivo. O movimento vai supostamente muito bem, tudo muito lindo, muita combatividade, então não há o que analisar e criticar. Ou talvez seja interditada a análise e o debate para quem não participa das ocupações 24 horas por dia e 7 dias por semana. Me acusam também de ser um arrogante aconselhador de obviedades. O curioso é que o verdadeiro perigo está em afirmar publicamente certas obviedades: não é segredo para ninguém que os secundaristas, a grande maioria dos secundaristas, estava e está desmobilizada. Quantos secundaristas existem em Goiás e quantos participavam das ocupações? Não é segredo para ninguém que os “apoiadores” têm buscado preencher o vácuo. Todos no movimento de ocupação das escolas sabem disso, reconhecem isso, mas não publicamente. A meu ver, uma grande desonestidade. Meu grande pecado foi apresentar publicamente essa obviedade, porque parece que afirmar publicamente uma fragilidade de um movimento é atuar contra esse movimento. E é o Passa Palavra que precisa fazer uma autocrítica “verdadeira”? Quanto à questão da desmobilização da base como causa da burocratização dos movimentos, vários textos que defendem essa tese já foram publicados neste site. Quem sabe se inteirar dos debates que o Passa Palavra vem animando não seja uma boa ideia? Essa tese incomoda muito as pessoas que se dizem antiburocráticas mas se pretendem aptas para preencher as lacunas deixada pelas bases dos movimentos: supostamente as pessoas de “perspectiva autônoma” são melhores para preencher tais lacunas do que os leninistas e afins.
Acompanho os debates do Passa Palavra desde 2010. O site para mim sempre foi o único espaço são e lúcido da esquerda anticapitalista no Brasil, e se eu estiver enganado por favor me contem. É verdade que surgem por vezes análises interessantes em outros espaços de debate, como o blogconvergência e outros sites, mas um espaço onde via de regra se apoia e se coloca questões que nos levam a pensar criticamente sobre as lutas, só o Passa Palavra. Esse texto constitui a primeira, pelo menos que eu conheça, análise autocrítica publicizada por um coletivo, e se ela de fato não se aprofunda e “pesa a mão” contra si mesma tal como sempre fez quando o alvo era outro, ao menos coloca o debate de modo franco e permite assim que pessoas de fora do coletivo pensem junto os dilemas e soluções da crise deste Coletivo. Talvez por isso o texto tenha tantas perguntas e seja em alguma medida evasivo quanto a alguns dos conteúdos reais que trata apenas indiretamente ou nas entre-linhas. Fora isso, como um Coletivo em crise poderia elaborar um texto coerente e que levasse contra si a autocrítica até o limite? A maioria das lutas e organizações que morrem morrem sem nunca chegar a entender por quê morreram, quanto menos os militantes da organização defunta têm estrutura mental para sentar e produzir uma reflexão sobre os erros e acertos da luta, que era parte da vida deles. Por isso este texto tem um valor ímpar, e mostra a força que este Coletivo (ainda) tem.
Curiosamente algumas das críticas acima se utilizam de elementos do texto do Passa Palavra para criticar o Passa Palavra, e o fazem como se estivessem apresentando a crítica pela primeira vez, como se fosse algo que o coletivo não havia se atentado, e se julgam, do alto de sua posição autoatribuída de juízes, no direito de avaliar se a autocrítica foi bem feita, insinuando que existem erros graves de posicionamento político e de atuação prática dos camaradas, só não se sabe ainda exatamente de quais se está a falar. Claro que não estou também insinuando que o Passa Palavra não erra, pois erra e erra muitas vezes, em análises, prognósticos e até, ó que horror, na forma de fazer a crítica. A questão é se o Passa Palavra erra com os trabalhadores ou “no lugar deles”, pois é de erros que se nutre a prática e quando se erra se “ganha uma derrota”.
Afora os apontamentos construtivos de Ulisses sobre o coletivo desapaixonar-se por si mesmo e de Padaqui sobre a linha tática dos debates, salvo engano, até agora o único argumento crítico duramente dirigido ao Passa Palavra foi tirado do próprio texto do Passa Palavra: o afastamento das lutas e a consequente perda de potência e precisão nas análises. Se se concorde ou não com isso, e se há análises tão melhores sendo produzidas nalgum lugar pelos que estão dentro das lutas de verdade verdade mesmo, não sei. O fato é que nesse movimento oportunista de desqualificação em abstrato quem faz essa crítica se esquece, convenientemente, de que por exemplo o afastamento dos camaradas do Passa Palavra de algumas lutas não se deu porque os camaradas pelegaram e sim porque passaram a ser alvo de trashing e de várias formas de perseguição, de modo a inviabilizar a atuação dos camaradas nas organizações. Fora que depois da crise do MPL, a maior aposta do Coletivo nos últimos anos, não há muita luta interessante para se aproximar, mas apenas muitas a se construir quase do zero, enquanto se tenta entender o que deu errado e por que deu errado antes. E se nem todos os casos de distanciamento do que temos para hoje em termos de luta radical ocorreram por causa “dos outros”, mas por puro desânimo dos camaradas, não os culpo, porque é preciso um espírito muito elevado para não surtar diante do predomínio do senso-comum cartilhesco e tarefista da grande maioria das organizações da esquerda, e que levam a que os membros de um coletivo crítico sejam vistos com desconfiança, para dizer o mínimo. Mesmo o João Bernardo, militante de longa data que sempre contribuiu com este site, a certo ponto desistiu de travar a batalha de Sísifo contra a ignorância no seio da esquerda, e se afastou dos debates e mesmo da elaboração de textos. Não tenho dúvidas de que essa desistência é opção e por isso responsabilidade do próprio João Bernardo e de outros que se afastaram das lutas e dos debates, mas convenhamos que justificativa para tal é que não falta, e na ausência de espírito cristão de autosacrifício é melhor se afastar e garantir para si um mínimo de serenidade ao invés de se deixar destruir aos poucos pelo senso-comum da militância em geral e suas certezas inabaláveis, em tempos onde, por exemplo, dizer isso é ser “arrogante”. É um palpite de um leitor, mas me parece que há algo de certo nessas hipóteses que estou aventando sobre a crise do Passa Palavra. Ainda assim, temos que lembrar que as lutas que precisavam de apoio e de análises críticas tiveram aqui apoio e análises críticas, mesmo que por colaboradores externos, e pelo que entendi isso se deu em meio a uma crise interna do próprio coletivo, o que o torna ainda mais admirável, e mostra que o que foi construído coletivamente desde 2009 o legitimou como espaço de referência obrigatório para quem quer noticiar, apoiar e pensar sobre as lutas.
Em suma, o Passa Palavra pode até ter chegado a algum limite e pode até acabar, mas quando isso acontecer nós vamos ter de tomar providências urgentes para criar um espaço similar. Quem acha que não, ainda não compreendeu o quanto a reflexão e os debates feitos aqui são importantes para as lutas e são parte das próprias lutas, travadas no fogo frio do debate estratégico. Falei acima dos erros do Passa Palavra, porque penso que os acertos são de amplo conhecimento – daí a legitimidade deste espaço – mas para os que talvez estejam chegando agora vale lembrar que as elaborações do Passa Palavra foram decisivas na desmistificação de inúmeras lutas e organizações que tentavam engambelar a classe ou que apresentavam problemas graves, como por exemplo o Fora do Eixo, o MST, o MTST e mesmo o MPL, quase num fratricídio. Mas antes de bater um orgulhozinho pelo legado, não se enganem camaradas, o Passa Palavra não é de vocês, é nosso. E há muito ainda a fazer.
Cristina,
Vejamos o que diz o Caldas Aulete:
escamotear (es.ca.mo.te.ar)
v.
1. Dar sumiço a, ocultar, fazer desaparecer de vista sem que se perceba como [td. : No carteado, o jogador escamoteou o rei de copas.]
2. Encobrir, esconder (um fato etc.) com rodeios [td. : Mentiu e escamoteou informações]
3. Furtar, roubar [td. : O punguista escamoteou-lhe a carteira]
4. Escapar de modo sorrateiro [int. : Aproveitou a confusão para escamotear -se]
Usei o termo escamotear na segunda acepção – “Encobrir, esconder (um fato etc.) com rodeios [td. : Mentiu e escamoteou informações]” – sem acrescer-lhe juízo de valor.
Minha vez de perguntar. O que significa “no nosso caso”; ou, ainda melhor, quem é esse ‘nós’?
Saúde&Alegria.
Fagner, eu citei o seu texto repito novamente o porquê: o texto do PP afirma que tem feito discussões aprofundadas sobre as ocupações em Goiás e SP, de Goiás foi o único que li, para além da pesquisa sobre Organizações Sociais, que foi aprofundada – embora eu não ache que tenhamos errado nas palavras de ordem – a parte de analise da luta é rasa e irrelevante. Para começar, não podemos comparar o processo de luta de SP com o de Goiânia totalmente, tenho afirmado isso inclusive quando pessoal de SP esteve aqui. O que você chama de apoiadores e que preenchem o vácuo não faz sentido. A luta aqui começou com o que você chama de “apoiadores”, com três atos, com maioria de universitários e professores. Os secundaristas ocuparam as escolas num movimento totalmente ligado à esta articulação que estava se formando no grupo contra a terceirização do ensino público. E assim permanece até hoje, cheios de erros, contradições, discussões e resistência. Não nego de forma alguma que é preciso e foi preciso e será preciso trazer mais secundaristas pra luta, o que tem sido pensado e repensado de diversas formas por professores, universitários (os apoiadores) e pelos próprios secundaristas – mas que não cabe colocar aqui por segurança. Mas não é irrelevante que na última semana tivemos um número grande de secundaristas presos, nem que muitos deles tenham sido maioria na porta da DRACO prestando solidariedade aos demais. Nem que depois de todas as escolas terem sido desocupadas (exceto o JCA) a maioria deles que permaneceram nas ocupações de seus colégios permaneçam ainda hoje na luta. Ao contrário de SP, os secundaristas não estavam debatendo OS meses antes e hoje, vários deles, estão inseridos nesse debate que foi colocado pelo próprio movimento aqui em Goiânia. Para fazer uma análise realmente profunda, e uma crítica também, é preciso levar em consideração esses vários fatores. Mas cê perguntou isso mesmo? “Quantos secundaristas estão na luta e quantos existem?” rs. Vamos fazer a contagem de quantos usuários de transporte existem nas cidades, quantos trabalhadores existem no mundo, e ai a gente mata a discussão sobre ter base social né? rs.
Quanto a estar de fora e fazer análises, problema nenhum. Quanto a estar de fora e fazer análises equivocadas, talvez seja o ponto da auto-crítica que valha a pena pensar.
Alguns esclarecimentos são necessários.
1. O Passa Palavra publicou vários textos sobre a luta em Goiás, alguns produzidos pelo próprio movimento. Vamos listar alguns links?
Na seção Movimentos em Luta (28 jul. 2015): “28 JULHO 2015 (BR-GO) O Waldemar é nosso: contra a militarização das escolas” (aqui: http://www.passapalavra.info/2015/07/105521).
Um dia depois, na seção Brasil, um texto de autoria do Passa Palavra (29 jul. 2015): “Goiás: comunidade se mobiliza contra militarização de escola” (aqui: http://www.passapalavra.info/2015/07/105524).
Uma entrevista feita pelo Passa Palavra com um professor anônimo, também publicada na seção Brasil (1 dez. 2015): “Goiás: os efeitos da terceirização nas condições de trabalho do professor” (aqui: http://www.passapalavra.info/2015/12/107022).
Outro texto na seção Movimentos em Luta (9 dez. 2015): “09 DEZ 2015 (BR-GO) Secundaristas em luta: Ocupação do Colégio José Carlos de Almeida” (aqui: http://www.passapalavra.info/2015/12/107101).
O meu artigo, publicado na seção Brasil (16 jan. 2016): “Goiás: sobre ocupações e Organizações Sociais” (aqui: http://www.passapalavra.info/2016/01/107294).
Outro texto de autoria do Passa Palavra, publicado na seção Brasil (25 jan. 2016): “Goiás: invasão de escolas pela polícia e detenção de apoiadores” (aqui: http://www.passapalavra.info/2016/01/107409).
Bem, os fatos falam por si mesmos.
2. Se a minha análise é equivocada, quem acha que ela é equivocada e que esse tipo de análise é importante para o processo de luta deve fazer as suas próprias análises, ao invés de se aproveitar deste texto do Passa Palavra para me atacar e para acusar o Passa Palavra de não fazer uma autocrítica verdadeira.
3. Nunca neguei que o movimento de ocupação das escolas em Goiás tinha ou tem uma base social. Afirmei que não tinha ou tem uma base ampla de estudantes secundaristas e que a maior parte das pessoas ocupando as escolas em Goiás era constituída pelos chamados “apoiadores”, um fato conhecido por todos e reconhecido em privado por muitos. Eu escrevi que “Tem sido notável a desmobilização dos secundaristas. Muitas escolas têm sofrido um esvaziamento considerável de sua principal base social. Mais notável ainda é a baixa participação dos professores e suas organizações de luta”. Para mim, a principal base social do movimento teria de ser os secundaristas e os professores das escolas ocupadas. Se para outras pessoas eles podem ser substituídos por quem quer que seja, aí já é outra história.
Fagner, não é um ataque. Utilizei alguns pontos específicos do seu texto por ser o único sobre as ocupações em Goiânia. Peguei um ponto específico para elucidar a crítica que estava fazendo ao PP. Crítica, que diferentemente do K. diz ai em cima não é oportunista e tampouco abstrata, foram questões claras sobre alguns pontos que considero presente em muitos textos do PP e acho negativo. Se considerasse o site irrelevante ou fosse contrária ao debate público não estaria aqui comentando.
Sobre a situação de Goiás,que acho que aqui não é o espaço ideal de discussão uma vez que o texto não é sobre isso e tal texto só foi criticado por ser citado neste e para exemplificar as críticas que estavam sendo feitas, a quantidade de secundaristas é boa. Fizeram um Comando, organizaram vários atos e ocupações sozinhos, escreveram documentos por si só, mobilizaram muito. Se de fato a quantidade de secundaristas que ficavam cotidianamente em algumas escolas era pequena, a base do movimento nunca se restringiu a quem estava diariamente na escola, vindo dai inclusive a força do movimento.
É a relação da base com o movimento e vice-versa. Num dá pra ser unilateral na análise.
Enfim, as questões específicas sobre o texto já foram postas. De fato como postaram ai em cima a autocrítica é difícil, sobretudo publicamente e no momento de crise. Mas sem uma autocrítica profunda que abarque os erros do próprio grupo é impossível superar tal crise.
Lendo os comentários, acabei com vontade de fazer este comentário.
Independente da concordância com as posições do Passa Palavra ao longo dos anos, que são muitas e fundamentais:
1) Concordo com alguns comentaristas que apontam que este não é um texto de autocrítica. É um texto de análise e avaliação de uma situação ou conjuntura de um coletivo.
2) Se o PP acha que esse texto contém alguma autocritica isso é realmente um problema, pois mostra que um coletivo que preza tanto que movimentos tenham autocrítica tem enorme dificuldade de fazer autocrítica. Ou simplesmente acha que não há nada autocriticável, o que é outra questão.
3)Membros de um coletivo que sempre foi muito contundente e sem meias palavras na crítica a movimentos e práticas na esquerda deveria por princípio encarar críticas e discordâncias não como “ataque”. Coerência é sempre bom.
Esse trecho do comentário de K conseguiu expressar o que é fundamental:
“Em suma, o Passa Palavra pode até ter chegado a algum limite e pode até acabar, mas quando isso acontecer nós vamos ter de tomar providências urgentes para criar um espaço similar. Quem acha que não, ainda não compreendeu o quanto a reflexão e os debates feitos aqui são importantes para as lutas e são parte das próprias lutas, travadas no fogo frio do debate estratégico. Falei acima dos erros do Passa Palavra, porque penso que os acertos são de amplo conhecimento – daí a legitimidade deste espaço – mas para os que talvez estejam chegando agora vale lembrar que as elaborações do Passa Palavra foram decisivas na desmistificação de inúmeras lutas e organizações que tentavam engambelar a classe ou que apresentavam problemas graves, como por exemplo o Fora do Eixo, o MST, o MTST e mesmo o MPL, quase num fratricídio. Mas antes de bater um orgulhozinho pelo legado, não se enganem camaradas, o Passa Palavra não é de vocês, é nosso. E há muito ainda a fazer.”
Sobre as redes sociais, elas estão sugando todo mundo. Como todo mundo praticamente só é acessível e só se comunica por elas (facebook, whatsapp…), cada proletário ficaria isolado e incomunicável se não se tornasse também usuário delas. Não é mais possível à quase ninguém existir socialmente se não aceitar se deixar chafurdar “full time” numa “timeline” frenética e interminável de exibicionismos pessoais e familiares infinitamente descartáveis a cada segundo. Quase toda internet universalista e livremente acessível (por buscadores) e feita autonomamente (homepages, grupos de discussão…) foi abandonada e esvaziada. Nessas condições, dá-se uma redução brutal da capacidade dos indivíduos de se expressarem, se associarem e pensarem fora da burrice da dimensão pessoal, familiar, amiguista e identitária (trashinguista, dedodurista…, ou seja, neofascista). Ocorre uma infantilização geral. Então, sites como passapalavra são fundamentais por serem uma escape, uma linha de fuga (ao menos como link nas redes sociais para fora delas) desse buraco negro. Um lugar que ainda dá para respirar.
Leo Vinicius,
A meu ver, as críticas das camaradas acima constituem sim um ataque, já que ao invés de debaterem o meu texto na página em que ele foi publicado, ao invés de apresentarem os seus argumentos e discordâncias, ambas insinuam que não participei de forma alguma do movimento de ocupação: uma delas chega ao ponto de insinuar que eu me limito a questões teóricas. É portanto uma tentativa de desqualificar meu texto colocando em dúvida a minha militância.
Assino em baixo o comentário de K e de Leo V. Só ponderaria que o texto tem elementos de autocrítica, mas só embrionários, de fato bem diferente da crítica “pingos no is” que o Passa Palavra sempre faz com todos. Por um lado concordo com o que K falou, se o coletivo está em crise dá para entender o texto não ser tão pé no peito quanto poderia, contra si mesmo. Por outro lado, que tipo de crítica pé no peito se espera que esse coletivo faça, tão a mais assim do que esse texto? é preciso que as pessoas digam qual é, até para o coletivo se posicionar e para nós leitores entendermos oque está nas entrelinhas das críticas. Minha impressão é que algumas pessoas que avaliaram este texto negativamente (aqui e noutros espaços) não esperam algum tipo de autocrítica, mas de retratação pública.
SEM AUTOCRÍTICA NEM MEA-CULPA
Dizem que o cão retorna ao vômito, quando não está perseguindo a própria cauda. Noves fora o asco e a vertigem, ambos caninos e humanos (demasiado humanos), essa discussão chegou ao limite que não é um ponto nodal.
É um nó górdio. Nosso bom e velho João Bernardo, abdicando do ostracismo que se impôs, tem muito a dizer. Cortando o nó e rasgando publicamente o abscesso.
VERUM INDEX SUI ET FALSI.
“Um site, um jornal ou qualquer veículo de comunicação só tem sentido enquanto expressão de setores em luta.”
Expressar o que? Para quem? Com que intenção?
O coletiva acredita que a ferramenta PassaPalavra está tendo êxito naquilo a que se propôs?
Existe alguma maneira de baixar os critérios abstratos para alguma referência terrenal? Número de acessos? Inserção em diferentes frentes de luta? Número de colaboradores? Número de integrantes? Textos bons para poucos? Poucos textos mas bons? Massificação de leitores? Massificação da produção intelectual? Número de inimigos declarados? Número de polêmicas abertas? Número de brigas compradas com acerto?
Entendo que uma crise do corpo editorial pode ter mil causas não diretamente relacionadas à ferramenta. A questão é, a ferramenta serve? Para quê? “Expressar” setores em luta soa estranho. Que raios é “expressar” algo? Para que serve isso?
TER A CORAGEM DE FAZER A PERGUNTA CORRETA
Uma comparação: um empresário cria uma empresa, ela funciona com sucesso por dado período, bons cinco anos, depois começa a declinar. O empresário fecha a empresa e cria outra. Na esquerda, um coletivo ou organização é criado. Dá bons frutos em 4 ou 5 anos. Declina. Mas ninguém consegue fechar o grupo, a organização, reconhecer que houve um fim. Apesar de tudo o que se fala sobre dialética, o que existe é uma enorme fetichização das organizações. Ficam todos querendo carregar peso morto pra toda a eternidade, por conta dos apegos sentimentais, do orgulho, da vaidade.
Minha resposta é sim. No ótimo comentário de K, ficou ali posto o papel que o Passa Palavra teve em fazer uma crítica de esquerda ao PT quando toda a esquerda era governista e ainda desmascarar Fora do Eixo, MST, MTST, problemas na universidade, problemas no MPL. Com o desgaste dos militantes, um ciclo se fechou.
O problema grave no caso é que o Passa Palavra não está conseguindo fazer auto-crítica. Fica evidente que houve problemas internos. Mas estes não são explicitados. E assim nunca se aprende. Toda organização de esquerda morre das próprias fraquezas e problemas. De um lado é ataque vindo da própria esquerda e do outro problemas dentro dos próprios coletivos. Só que nunca são explicitados. Os grupos desaparecem sem fazer um balanço, autocrítica.
Bem, dentre todos os grupos, ao menos o Passa Palavra teve a coragem de anunciar que está em declínio e que passou por problemas internos. Um ar de honestidade e transparência rara numa esquerda que nunca é capaz de assumir as próprias falhas e os próprios erros.
Foi eterno enquanto durou!
Para quem acompanha há mais tempo, é certo que o site já não tem a mesma vida que teve outrora. Há vários fatores para entender o porquê disso, e acho que o texto trouxe os principais deles – de um lado, a mudança que a generalização das redes sociais trouxe ao uso da internet; de outro, o desenvolvimento real das críticas e experiências em que site apostou inaugurou um cenário novo.
Quando os camaradas escrevem que “intervir nesse novo cenário requer novas formulações, novas reflexões no sentido de uma síntese teórica sobre o momento em que vivemos”, entendo que não se trata de um desafio simplesmente do site, mas do conjunto da militância crítica de horizonte revolucionário; nem se trata de uma tarefa apenas teórica, mas prática e organizativa.
Nesse sentido, os problemas que traz o Passa Palavra são problemas de todo um campo. Neste momento, talvez as funções mais “jornalísticas” do site tenham perdido o lugar que antes tiveram. Mas a existência de um espaço aberto de crítica e debate público sobre estratégia e as lutas continua imprescindível. Se não for este, aí precisaremos criar outro.
Caro Ulisses,
Durante vários anos uniu-nos um verdadeiro diálogo, como ele deve ser, não um coro mas uma polifonia. Por isso a sua solicitação moveu-me. Como recusá-la? Digo-lhe então o que penso deste artigo e de alguns comentários.
Antes de mais, é uma futilidade confundir autocrítica com relato de tricas e fofocas. Será que esperavam encontrar no Passa Palavra uma espécie de revista Caras, ou Gente, do esquerdismo? Ou será que os informadores procuram, por este meio, obter informações?
Autocrítica é exactamente aquilo que o colectivo do Passa Palavra fez neste artigo, analisar criticamente a sua actuação e os seus limites. Foi nesta acepção que a noção de autocrítica surgiu no movimento comunista, embora alguns anos mais tarde tomasse uma acepção muito diferente, a do mea culpa e da penitência pública. O stalinismo empregou a autocrítica como penitência ou suicídio moral e o maoísmo herdou essa prática. Ora, é preocupante que alguns leitores deste site, que possivelmente se incluem na esquerda libertária, entendam a autocrítica como penitência pública. Isto parece indicar que as tragédias do stalinismo não se limitam ao stalinismo. A situação é tanto mais grave quanto certos comentadores, neste texto e em centenas de outros textos que acompanhei ao longo de anos, reclamam pelo facto simples de não estarem de acordo com um artigo. Será que a esquerda nunca conseguirá desembaraçar-se do monolitismo de pensamento? Quando entenderá que o debate é feito de posições diferentes e de troca de críticas? O cúmulo da miséria intelectual é não conseguir encontrar nada de útil em textos de que se discorda. Dou uma receita a essas pessoas. Forrem o quarto com espelhos e ponham-se lá dentro. E se em vez de quatro paredes houver seis ou oito, tanto melhor. Cubram tudo de espelhos e na vossa imagem infinitamente reflectida encontrarão a unanimidade que procuram. Mas correm um enorme risco. Querem saber qual? Vejam A Dama de Shangai, de Orson Welles.
Todavia, se me parece que a autocrítica elaborada pelo Passa Palavra é realmente uma autocrítica, outra coisa é saber se ela aponta no rumo certo. Ora, não me parece correcto explicar os aspectos reputadamente negativos da evolução deste site com o argumento de que, havendo uma crise generalizada nos movimentos sociais e nas lutas de maior envergadura, os colaboradores do site deixam de ter um meio social activo onde possam militar. Parece-me haver aqui uma confusão. Pode lutar-se em qualquer lugar e em todos os contextos. Um bom romancista francês, Roger Vailland, que foi também um comunista, afirmou que o homem de esquerda é aquele que encontra oportunidades de luta em todos os lugares, mesmo nas paragens de autocarro, como se diz em Portugal, ou nos pontos de ônibus, como se diz no Brasil. As grandes lutas são — peço desculpa da metáfora estafada — pontas de icebergs, que não existiriam se não as sustentassem enormes massas de gelo, cujos cristais são essas pequenas lutas. Se não há neste momento grandes lutas visíveis, por que não começa o Passa Palavra a interessar-se pelos pequeninos espaços quotidianos, aqueles onde cada um trabalha e vive, e pelas contradições que neles surgem? É claro que é muito mais entusiasmante participar em movimentos que movem centenas, milhares, muitos milhares de pessoas. É mais fácil lutar nessas condições. Mas quem disse que a luta contra o capitalismo tem obrigatoriamente de ser fácil?
Poderia até ser esta a oportunidade para desenvolver a necessária crítica ao multiculturalismo. A crítica ao multiculturalismo iniciou-se com a crítica ao feminismo excludente, que constituiu um dos aspectos mais brilhantes da actividade deste site. Relativamente ao feminismo excludente, ao emprego dos escrachos e à confusão entre acusado e culpado o Passa Palavra disse o que havia a dizer e com as palavras certas. Explicou-se com toda a clareza e não deixou lugar para dúvidas, o que incomodou muitas pessoas que gostariam de estar com um pé num lado e o outro pé no outro. Mas a função da crítica é, entre outras coisas, desfazer essas ambiguidades. Parece-me que não se deveria parar aqui e que a mesma perspectiva que se empregou na crítica ao feminismo excludente devia ser empregue na crítica às demais facetas do multiculturalismo.
É que, tanto quanto me é dado ver de longe, ocorre actualmente no Brasil um novo fenómeno nocivo, o de militantes desempregados se converterem em profissionais da militância. O Passa Palavra analisou há bastantes anos a burocratização dos movimentos sociais. Talvez fosse a altura de se analisar o processo que leva elementos dessas burocracias, caídos no desemprego político, a pretenderem articular-se de modo a constituir uma nova camada de dirigentes sem bases, prontos a dirigirem quaisquer bases que no futuro venham a aparecer. Parece-me haver um sério risco de que esta autocrítica do Passa Palavra, insistindo no desaparecimento das grandes lutas e esquecendo a miríade de pequenas oportunidades de luta, acabe por servir os interesses desses burocratas desempregados em busca de ocupação.
Após ler os comentários de Caio Martins e João Bernardo, retifico minha posição e concordo com eles que ai possa haver ainda um papel para o Passa Palavra como espaço de debates. Mas para tal, o coletivo teria que mirar em outros alvos,pescar em outros lagos. O site corre um sério risco de virar apenas depósito ou prateleira de textos de estudantes universitários que não são comprometidos com luta nenhuma, apenas fazem as suas carreiras e, por acaso, pesquisam esquerda ou lutas sociais. No Brasil é comum confundirem objeto de estudo com vida prática e acham que quem apenas pesquisa teoria crítica, movimentos sociais, esquerda, se torna por ato de mágica em um revolucionário, um militante, como gostamos de dizer no Brasil. Nada mais equivocado.
O debate deve existir mas tem que ser um debate feito pelas pessoas reais, as pessoas do ponto de ônibus, como exemplificou o João Bernardo, e não a publicação do centésimo texto do mesmo aluno da USP ou professor da universidade X.
Vou transformar a ótima indicação do João Bernardo em exemplos práticos e indicações. Por que, diante da crise e do refluxo, o site não se esforça para conseguir relatos e publicações de pessoas que vivem essa crise e esse refluxo? Que tal buscar textos dos alunos que ocuparam as escolas? Que repressão e punição estão sofrendo hoje? Como se mobilizaram para construir as lutas? Como os professores enfrentam o assédio moral e a repressão dentro das escolas? Que tal um texto de algum trabalhador por ai explicando como enfrenta os chefe no dia a dia? Texto de pessoas dizendo como estão enfrentando a crise econômica? Relatos de sobreviventes de chacinas, de gente que mora nos locais mais afastados e violentos, gente que enfrenta problemas nos hospitais…A grande luta da vida cotidiana.
Junto a indicação do Caio, de que há um espaço para debates, com a indicação do João Bernardo, de que é preciso retomar as pequenas lutas, o cotidiano, as pessoas comuns. Mas como levar para as pessoas comuns um site que nasceu muito ligado a estudantes de faculdade e intelectuais da esquerda? Que cometeu a gafe de ter uma série dirigida pelo Paulo Arantes, como se ter o carimbo Paulo Arantes de qualidade fosse uma espécie de grife do pensar…Ai retomo minha posição: há auto-crítica a ser feita sim. Acredito que uma delas esteja na grande aproximação e dependência do Passa Palavra dos meios universitários, em alguns momentos algumas coisas ficaram emboladas, fazendo a confusão entre pesquisador e militante. Num país cheio de empresários marxistas, é bastante perigoso.
Caro João Bernardo:
Percuciente e sagaz, teu comentário – radical, na acepção de Marx – foi direto ao ponto cego (escotoma). Sem fazer caso do aparente nó górdio (limite ou barreira?), suprassumiu o ponto nodal, formulou corretamente o problema e sugeriu possíveis respostas. Sem humildade, mea-culpa e outras velha(ca)rias espetaculosas.
Spinoza (“Verum index sui et falsi”) teria gostado.
Saúde & Alegria
Certeiro como sempre João Bernardo! Bom vê lo falar em momentos crucias como estes em que vivemos. Pra quem diz estar vendo de longe, anda mto bem informado (sorte a nossa).
Saudações a todos
As palavras também têm história. Quando exigem que o Passa Palavra faça uma autocrítica e que esta autocrítica seja publicada, qual tipo de autocrítica estão solicitando ao coletivo? Não é esta autocrítica das origens dos meios comunistas (pontuada pelo JB). Sequer é a autocrítica estalinista, a de livrar o Estado da tarefa de punir um companheiro, forçando que o mesmo aplique a si a punição que o Estado quer. Não é a estalinista porque hoje o Estado está dentro de cada um da esquerda e cada um aplica a punição sem mediações. No máximo se junta à horda linchadora, mas nem precisa dela para elaborar sua sentença. Assim, o Passa Palavra não precisa se autopunir em público ou resgatar o sentido original do termo como acabou de fazer para satisfazer o público. A autocrítica que querem do Passa Palavra é muito mais próxima das práticas maoístas (convertidas em identitárias): querem reeducar o Passa Palavra através da autoflagelação pública. O Passa Palavra deve identificar o próprio erro, assumi-lo e aplicar uma punição. Hoje essa forma de autocrítica assumiu outro termo, agora é “desconstrução”. Um eufemismo para autodestruição. O que querem é que o Passa Palavra destrua a si. Por isso quando alguns pedem a autocrítica do Passa Palavra de forma honesta (os que querem que de alguma forma o site/coletivo continue a existir, que consiga novamente se conectar às lutas, que volte a ter sentido para os seus colaboradores internos e externos e para os leitores), estes têm que deixar claro que tipo de autocrítica querem, para não fazer coro com aqueles que só desejam se livrar de um incômodo.
O que querem outros tantos, e vamos todos admitir isso, é um pedido de desculpas. A quem e por quê? Quais seriam as consequências práticas disso para além de massagear o ego de meia dúzia (ok, o número é bem maior) ou acabar com a credibilidade do site/coletivo? O que isso somaria às demais lutas? O que o Passa Palavra fez com este texto – longe do sentido estalinista ou da prática maoísta-identitária da autocrítica – foi expor seus problemas internos e mostrar a sua incapacidade no momento de superá-los. Apontou que hoje reina a “apatia generalizada” – o motivo principal pelo qual as organizações se burocratizam – e aplicou em si a crítica mais dura que direcionou aos demais. Ingênuos foram aquelas que pensaram que isso seria suficiente para recolocar o site/coletivo no lugar que um dia já esteve (não de público, mas de produtividade).
Dizer que o Passa Palavra cometeu erros é afirmar obviedades. Mas quais foram de fato os erros? Por que não aproveitar o momento para apontá-los? Por que novos textos não são enviados ao coletivo para aprofundar este debate? Apontando, por exemplo, o que nos Pontos de Partida precisaria ser repensado nesta nova conjuntura. Ou como poderia usar melhor as redes sociais. Talvez de dentro do coletivo não saia esta crítica, talvez seus colaboradores não tenham esta capacidade. Por que é necessário que o próprio Passa Palavra faça o inventário completo dos seus limites? Qual nível de contorcionismo o Passa Palavra teria que se submeter para “meter o pé no peito” de si? Será que não entendem o limite disso? Ou será que querem mais alguma coisa, algo mais dramático, algo mais redentor?
A mensagem de JB foi certeira. De alguma forma o Passa Palavra se apaixonou por si. Quando o Passa Palavra surgiu não tinha importância nenhuma e, por isso, tinha toda a liberdade. Poderia falar das lutas da esquina ou do MPL (que naquele momento tinham a mesma escala). Quem lembra dos erros de 2009 ou de 2010? Entretanto estão aqui publicados textos fraquíssimos. Os equívocos do Passa Palavra começaram a incomodar alguns dos leitores assíduos desse site somente de 2013 para frente. Antes disto, a forma e a linguagem, o referencial teórico e o metodológico, era tudo elogiado por este mesmo meio ressentido, vide o duro embate que o site travou com o Fora do Eixo. Por que temos este marco? Onde foi que começou a virada? Por que alguns temas puderam ser dissecados até o final, alguns debates puderam ser levados às últimas consequências, enquanto outros descambaram numa caça aos membros do coletivo?
O Passa Palavra, na verdade, não consegue mais viver sem ter relevância e, portanto, não consegue mais ser livre. Se o Passa Palavra percebesse que foi esta liberdade que o fez ajudar a construir as lutas de 2013 – essa liberdade que tinha tanto o Passa Palavra quanto o MPL, entre outros tantos – talvez estivesse menos em crise, mais tranquilo com o papel pouco relevante que tem agora. O Passa Palavra não pode ficar como o MPL está: esperando o próximo aumento de ônibus para realizar um espetáculo ou o surgimento de novas lutas para reivindicar a paternidade.
Outra questão: o Passa Palavra não fala por ninguém além dele mesmo e se os autonomistas não têm outros meios de comunicação e espaços de elaboração teórica (melhores ou piores, mas outros) isso é culpa de todos, menos do Passa Palavra. Por que os movimentos do meio autonomista, por exemplo, não fazem uma autocrítica publicando as consequências de terem deixado para o Passa Palavra a função de expor os nossos limites? Acho que cabe ao Passa Palavra se perguntar de forma inversa: por que aceitou de certa forma esse papel e quais as implicações disso?
Há críticas aos montes a serem feitas. Mas lembrem todos que o meio autonomista virou um covil de punitivistas à espera da próxima cabeça a ser cortada e de demagogos à procura de “likes”. Em nada se diferem dos linchadores que pululam no Facebook à procura de algum desvio opressor para acabar com a vida de um qualquer. Se tornou, portanto, um ambiente tóxico. Não é um ambiente de debates, muito menos de produção do comum. Quem está disposto a acabar com a própria reputação (se submetendo ao “trashing”), abandonar seu círculo de amizades e seus relacionamentos pessoais para prosseguir em uma batalha perdida? O Passa Palavra é feito por mulheres e homens de carne e osso. Elas e eles, portanto, têm medo e se desanimam, têm filhos, contas a pagar, projetos pessoais e um dia de 24 horas como o de qualquer outro ser humano. Se continuarem olhando para e convivendo com os mesmos de antes, inclusive para/com os mesmos movimentos, o destino será idêntico: apenas mais uma página no Facebook mantida por um grupo de amigos. É impossível buscar inspiração aí.
O Passa Palavra hoje é um nada no mar de informações que é a internet. Se as críticas forem recusadas pelo próprio site/coletivo, vai ter alguém que as publiquem. Com certeza seria isso que o Passa Palavra faria caso alguma polêmica nos meios de esquerda não encontrasse espaço de existir. E se o Passa Palavra se recusar a fazer o debate, aí sim pode mandar fechar as portas.
Causa indignação Breno, e outros-outras, insinuarem que os membros e colaboradores do PP não participam das lutas. Mas o PP é, sim formado por militantes, que participam, sim das lutas. Aliás, aqui em São Paulo, não apenas cobriram as lutas do Passe Livre, participaram das lutas. E o mesmo em Goiás e outros lugares. Não são “estudantes universitários que não são comprometidos com luta nenhuma, apenas fazem as suas carreiras”. Quem participa dessas lutas, e tem o mínimo de honestidade, sabe que o PP participa, mesmo porque é daí que eles tiram reflexões pra fazer as críticas que vocês tanto odeiam.
O comentário de Breno mostra que ele não está nas lutas, e por isso não só desconhece os panos de fundo dos debates e textos do site, como ainda deduz sem base alguma a composição do coletivo e de seus colaboradores. Mesmo quanto ao Paulo Arantes, que há muito tempo não se envolve com o Passa Palavra, a acusação é sem pé nem cabeça, pois Breno não entende o vínculo desde “acadêmico” com as lutas, muito embora seja verdade, talvez, que não o encontraremos com máscara de gás e coquetel molotov na mão, e isso não por falta de vontade dele. A acusação de academicismo é velha, a tática de deslegitimação do Passa Palavra com esse argumento também. No debate do texto Dois feminismos, um que inclui e outro que exclui, o primeiro de uma sequência de textos que incomodaram e ainda são intragáveis para a esquerda multiculturalista até o João Bernardo teve seu currículo militante questionado. E há malucos que até hoje questionam isso, os mesmos que acham que morar na quebrada e ser negro e mulher perfaz uma tríade da genética revolucionária. A questão é que a esquerda multiculturalista e identitária é teoricamente débil, assenta em teorias que beiram o bizarro e em práticas que beiram o fascismo, e por isso precisa legitimar os absurdos que diz e que faz por meio de fatores biológicos e geográficos pretensamente inquestionáveis. É aí que nos vemos diante do absurdo: sobre feminismo têm razão o que dizem as mulheres, independente do que seja. Sobre racismo têm razão o que dizem os negros. Sobre homofobia têm razão o lgbt. Se vc questiona o argumento, ou vc não sabe l que diz porque não vive na pele, argumento biológico, ou vc diz o que diz porque foi ideologicamente cooptado e sucumbiu ao machismo racismo e homofobia, argumento cultural. O antiintelectualismo sempre foi o refúgio da esquerda praticista, que se nega a pensar criticamente e por isso desqualifica quem o faz. Os membros do Passa Palavra estão nas lutas, desde as grandes até as pequenas, e mesmo que não estivessem essa desqualificação do site ainda seria injusta e perniciosa, típica de uma esquerda identitária, que quer ter o “protagonismo” (hegemonia) das lutas e de tudo que as envolva desde a prática à teoria. Por fim, ótimas as ideias de matérias e reflexões de Breno. Por sorte o site está aberto às colaborações externas e ele poderá ir enviando os textos e entrevistas conforme for fazendo.
Em termos de análise, acredito que faltou o passapalavra avançar na análise do totalitarismo estado-empresarial-comunista que avança em nossos dias. Minha posição:
A SOCIEDADE URBANA E INDUSTRIAL É INERENTEMENTE TOTALITÁRIA
Contrariamente ao que pensaram todos os autores, o totalitarismo não é uma característica deste ou daquele regime, nem privilégio do fascismo, nem do socialismo. A humanidade viveu toda a história no mundo rural. As sociedades urbanas e industriais, com apenas 200 anos de existência, são em sua essência totalitárias. Até então, no entanto, era nos regimes democráticos que um campo de liberdade individual mais fortemente foi defendido. A liberdade era capitalista e democrática.
Os avanços tecnológicos dos últimos anos e a possibilidade, por meio da eletrônica, de fiscalizar toda a vida social – bairros, trabalho, residência, espaços de lazer – jogaram por terra o caráter democrático das sociedades de mercado. As empresas reforçaram, junto com os governos, a capacidade de fiscalização e controle sobre toda a vida. Por meio da internet e dos vastos meios de comunicação, toda a sociedade está sendo convidada a fiscalizar. Estamos sendo constantemente convidados a fiscalizar, desqualificar e denunciar uns aos outros. Fotografe, filme, relate, desqualifique, denuncie!
O mundo no qual vivemos hoje, todos nós, foi magistralmente descrito por Kafka, no seu livro O Processo. A eletrônica, a rede e as vastas possibilidades fiscalização transformaram todos em vigias, fiscais e julgadores de todos. O enquadramento ideológico, a nova moral, é dada pelo multiculturalismo. E ele vai se consolidando com a máxima lei geral, nova moral, sob a qual todos são medidos, avaliados e julgados.
O mundo atual é um cruzamento das distopias de Orwell e de Huxley. De um lado, fiscalização, denúncia e repressão. De outro, manipulação e produção artificial da felicidade, condicionamento. Os dois autores acertaram e os dois erraram. Juntando os dois, chegamos no quadro exato.
Neste mundo, já todo dando de antemão e com mil requisitos que todos devem cumprir, reprime-se os não aproveitáveis e manipula-se os produtivos. A felicidade via Google ou Facebook é exatamente o outro lado do encarceramento em massa e da matança contínua.
A fuga trágica, via suicídio ou autodestruição paulatina mediante o consumo pesado de drogas, tornou-se a realidade de muitos. A cracolândia é o novo campo de concentração, como o são as clínicas, os calmantes e antidepressivos. São o apêndice das cadeias e das taxas de suicídio, que aumentam continuamente.
Para deixar claro.
Não vejo sentido em alguém afirmar a outro que existe “autocrítica a ser feita”, querendo dizer com isso que o outro deve fazer autocrítica. A autocrítica só pode partir da própria pessoa, naquilo que ela própria enxerga como erro ou insuficiência sua. Se alguém pede para o outro fazer autocrítica é porque tem uma crítica mas não a diz e gostaria que o outro assumisse para si essa crítica.
Diferentemente de alguns comentaristas não li esse texto procurando alguma autocrítica. Mas conversando com um ou outro percebi que havia quem enxergasse autocrítica nesse texto. O problema não é não fazer autocrítica, mas achar que fez quando não fez. Na minha concepção autocrítica significa fazer a crítica de si mesmo, ou seja, criticar decisões, ações, práticas, omissões, concepções, insuficiências etc. de si próprio no passado e no presente.
Acho que o Caribé colocou algumas questões importantes. Por que alguns debates puderam ser levados até o final e outros não, descambando numa caça às bruxas?
Agora aparece Breno Fontes para dizer que faltou ao Passa Palavra fazer o que o Passa Palavra faria se Passa Palavra e Breno Fontes fossem a mesma pessoa. Mas por que Breno Fontes não produz seus textos e envia para o Passa Palavra? Ou melhor, por que não os enviou no passado, quando no Passa Palavra foi travado um extenso debate sobre a ecologia? Foi até elaborado um dossiê com as publicações do site sobre o tema, que pode ser conferido neste link: http://www.passapalavra.info/2014/08/98742. Por que Breno Fontes não ressuscita o debate? Não, Breno Fontes quer que o Passa Palavra encarne Breno Fontes e avance uma análise que é a sua, que saiu de sua cabeça. Mas então nos deparamos com um problema aqui, compartilhado por Breno Fontes e outros comentadores: parecem querer que o Passa Palavra seja um espelho onde possam ver uma imagem perfeita de si (ou a imagem que desenharam para si na cabeça). Aí está um dos efeitos do pensamento monolítico criticado por João Bernardo acima: querer que o outro seja um reflexo perfeito de si (ou um reflexo da imagem que se tem de si). Ou melhor, não admitir que o outro nos mostre uma imagem que não aquela que gostaríamos. Me parece que o grande erro do Passa Palavra foi não “pesar a mão” o suficiente contra essas pessoas. Mas ainda está em tempo.
Brontes Feno é só mais um narcísico megafone de obviedades. O narcisista fenobrontossauro exubera no autoplágio [sic] e escreve como quem come as próprias fezes.
A respeito da acusação de que estou fora das lutas e que não as conheço, só posso gargalhar. Isso não me importa. Morri de rir. Somente isso. Ler isso de uma pessoa que nasceu na claustrofobia universitária e que nunca botou o pé na rua, vivendo no mundinho de bem estar social da universidade pública é motivo de riso pra mim. Mas prossigo…
A propósito do lúcido apontamento do João Bernardo sobre militantes desempregados que estão hoje procurando se arvorar em todos de todas as lutas é importante dar nota do que fez o MPL-SP nos últimos tempos:
A primeira escola ocupada em São Paulo foi a E.E Diadema. Por trás de toda a mobilização esteve o sempre e eterno revolucionário professor Tonhão, um dos professores exonerados em 2000 pelo governo de São Paulo. Houve um forte trabalho dele e da sua turma e foi por isso que uma escola de periferia, de Diadema, foi a primeira a ser ocupada e deu início ao glorioso movimento de ocupação.
No entanto, nestas terras, sempre se tenta colocar que os lutadores do mundo são os Paulo Arantes, os Chico Buarques, os Suplicys e ai ocorreu uma convergência entre mídia e MPL num objetivo nefasto. Assim que uma escola do bairro de Pinheiros, bairro rico de São Paulo, foi também ocupada, todos os focos, matérias atenções, artistas, começaram a convergir para lá. A mídia e todos os demais tentaram apagar que a ocupação começou numa escola da periferia e empurraram o mais possível a escola do bairro chic como comando geral das ocupações.
O MPL- noticiava o máximo todos os passos da luta, se esforçando claramente para assumir como sua uma luta que foi única e apenas dos estudantes. Todos os partidos abutres de esquerda tentaram brilhar e sugar energia dos alunos, todos tentaram se aproveitar da luta que eles não fizeram, e o MPL-SP seguiu do mesmo modo que seguem os partidos abutres que vivem a botar bandeiras suas nas lutas alheias.
Então foi um duplo processo. Primeiro, se apagou da memória que a primeira escola ocupada, a vanguarda, a que iniciou tudo, foi uma escola de periferia e que teve como base o trabalho de um professor demitido. Segundo, além dos partidos de sempre, o MPL-SP tentou capitalizar a luta, arvorar-se em dono dela. Juro pelo bondoso que Deus que se passassem mais uns dias eu veria a Mayara Vivian dando entrevista em nome dos alunos.
O professor Tonhão, que aparece em matéria do Passa Palavra, foi professor da E.E Diadema. E a E.E Diadema foi a primeira escola a ser ocupada. Brecht dizia: há os que lutam uns likes, há os que lutam toda a vida!
http://www.passapalavra.info/2009/07/7955
A imprescindibilidade dos debates se revela justamente na diversidade dos comentários, a partir dos quais é possível esboçar um retrato, precário e provisório, do momento atual pelo qual passamos e que, por consequência, não deixa de refletir no Passa palavra.
Se por um lado, as clássicas intervenções personalíssimas desprovidas de quaisquer reflexões pertinentes – reverberações do pensamento midiático, ainda que de inspiração esquerdista – por outro, trazem propostas verdadeiramente interessantes, como a feita pelo João Bernardo: “Poderia até ser esta a oportunidade para desenvolver a necessária crítica ao multiculturalismo”.
O multiculturalismo, em minha opinião, tem “vitimado” não só os mais incautos. Companheiros valorosos têm se deixado levar ou mesmo sido forçados a submeter-se às “forças multiculturalistas”. Alguns trabalhadores combativos que não encontram nas instituições oficiais como sindicatos ou partidos legitimidade para sua organização e luta(por serem órgãos fundamentais do capitalismo), e na ausência de outras organizações ou coletivos anticapitalistas, tendem a se vincular àqueles que lhes parece mais “combativos”. Interessante lembrar o mesmo João Bernardo: “O fascismo não formou organizações delineadas e bem marcadas, mas movimentos fluidos e renováveis. Esta foi a sua originalidade – e o seu perigo” (Labirintos do Fascismo). Muitos dos grupos multiculturalistas prestam, “fluida e renovadamente” enorme culto à verborragia, onde o ódio e a vingança para o “empoderamento” desta ou daquela “multicultura”, contra esta ou aquela outra “multicultura”, ocupa lugar central. Neste caso, o genocídio não se opera mais apenas entre as nações, mas, e talvez principalmente, entre os “multiculturalistas”, escamoteando a real causa dos conflitos, a luta de classes.
Esta pressão multiculturalista, tão interessante e intensamente apoiada pelas mídias e pelo Estado, quando não “vitimiza”, cria obstáculos ou receios naqueles que se lhe opõe, afinal, se nem Vinícius de Moraes escapa os tribunais das santas inquisições multiculturais, o que dizer de nós. Hoje o politicamente correto (o politicamente correto com o sentido de Marx: “as ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante”) permeia e policia nosso cotidiano, e talvez por isso devêssemos nos perguntar: será que não estamos nos sentindo intimidados e por isso não nos auto-limitamos?
A questão se complica ainda mais quando a parte passa a referenciar o todo. Há a tendência de certos movimentos de se colocarem no centro do mundo e como se tudo mais girasse ao seu redor, o tal “apaixonar-se por si mesmo”. Embora até seja um comportamento recorrente, ele precisa ser enfrentado, para que não se afogue no encantamento de si mesmo.
Creio que o Passa Palavra está no caminho certo. Penso que se há dificuldades, elas precisam ser digeridas para que possam ser superadas. Eu, de minha parte, acredito que a fórmula que se empregou de “noticiar as lutas, apoiá-las, pensar sobre elas” foi e continua sendo fundamental para a compreensão e o enfrentamento da luta de classes. Outros acréscimos neste sentido são bem-vindos, porém, suprimir a luta de classes ou substituí-la por multiculturalismos é suicídio.
A grande verdade é que só existem duas alternativas: o capitalismo liberal ou o capitalismo fascista, e o último se realiza com o união de sindicalistas, grande empresariado e burocratas, pouco importa se chegam ao poder com um discurso socialista ou anti-comunista.
O mais notável nesse debate, e o próprio Passa Palavra caiu em parte na armadilha, é que parece que só sendo “de dentro” ou “mais de dentro”, e quanto “mais de dentro” melhor, se é capaz de pensar objetiva e criticamente alguma luta. De fato eu mesmo já pensei em parte dessa forma, mesmo às vezes ousando (e é claro, errando; mas acertando também, espero) analisar processos dos quais não participei desde o início, durante todo o tempo ou como um dos protagonistas. Mas a proximidade também cega. Muitas vezes é preciso certo afastamento para analisar melhor um processo. Aliás, quem tem formação em História ou estuda História, e entre os comentadores acima há quem tenha formação em História ou estuda História, sabe que o relativo afastamento do objeto, tanto geográfica quanto temporalmente, é de fato benéfico. É notável, por exemplo, como os “brasilianistas” muitas vezes tocam em questões que os brasileiros, cientistas sociais, economistas, historiadores etc., não tocam ou preferem não tocar. Nos meus estudos, encontro por vezes questões mais estimulantes nos “brasilianistas” que nos brasileiros. Então nesse sentido penso agora, mais que antes, que o afastamento do Passa Palavra de certas lutas pode até potencializar sua objetividade e criticidade, inclusive permitindo-o analisar questões que, quando da inserção de parte de seus membros nessas lutas, não foram analisadas como se devia ou de forma alguma; ou permitindo-o levantar questões que não interessava levantar para privilegiar a unidade no interior do processo de luta. Enfim, examinar um processo “de longe” é tão importante quanto “de perto”. E como o Passa Palavra faz diretamente parte da história dessas lutas, porque sua história e a história dessas lutas se cruzam e compartilham uma trajetória, será possível até mesmo que o Passa Palavra prossiga a autocrítica e torne-a mais profunda. É claro que o Passa Palavra não defende no texto acima que só pode opinar sobre uma luta quem dela participou, mas ele acaba colocando como causa de seu atual momento de crise o seu afastamento dos movimentos que recentemente originaram grandes lutas, o que explicaria em parte a diminuição da produção coletiva no Passa Palavra. Bem, já vimos acima o quanto certas pessoas puderam explorar contra o Passa Palavra essa mesma lógica, então penso que o coletivo deve considerar que o afastamento é também benéfico, permite muitas vezes enxergar as coisas mais claramente. Isso pode fazer com que o coletivo seja acusado de intelectualismo, sobretudo diante do anti-intelectualismo de grande parte da esquerda, mas isso poderá inclusive favorecer a análise do Passa Palavra sobre manifestações do fascismo no âmbito da esquerda. E mais: o afastamento é ainda benéfico porque estimula a diferenciação, pois a proximidade faz com que inevitavelmente se compartilhe com o outro certos aspectos de uma mesma prática e certos discursos ou ideologias. Atuar lado a lado com pessoas de quem discordamos na essência, concordando apenas em aparência ou secundariamente, nos faz de certa forma assimilar o seu discurso e adotar seu modus operandi, mesmo que de maneira limitada. E nesse sentido é interessante que o Passa Palavra, como todas as pessoas interessadas em manter a criticidade no âmbito da luta de classes, se diferencie cada vez mais tanto do campo democrático-popular quanto do campo pós-moderno-multiculturalista. Isso lhe permitirá conceber novas formas de ação e novas formulações teóricas, potencializando as lutas sociais, mesmo que pequenas lutas (o que já é uma grande contribuição). É claro que não se pode ser completamente alheio a uma luta para escrever sobre ela, mas participar dela com certo afastamento pode ser benéfico, da mesma forma que estar inserido no seu âmago. E os erros e acertos são descobertos no debate e no processo de luta, não demandando dos militantes autoflagelações públicas e pedidos de desculpas (e a autocrítica nem sequer precisa listar um por um os erros e acertos, devendo na verdade reconhecer deficiências e buscar soluções para elas).
Bom, se vocês abriram o debate estou supondo que querem ouvir nossas opiniões de leitores e colaboradores do site, certo? Comentários, texto e trajetória do site, que eu leio não sei nem desde quando, acho que desde o começo, me fazem pensar em alguns dos possíveis motivos para essa crise ou apatia relatadas nesse texto quase legúmico :) Na humildade, seguem:
1 – Certamente a nova configuração da Internet e o Facebook principalmente. Todos os sites do universo minguaram muito em comentários, e mesmo que no PP isso ainda seja uma exceção relativa, as polêmicas eram parte da sustentação da página, e hoje só há espaço pra isso no FB, ng comenta fora dali. Além disso, em relação a conteudos jornalísticos, eles são cada vez menores e mais recheados por registros audiovisuais ou interativos, vídeos, gráficos, etc, e o PP tem foco maior em textos, em geral longos. Também questões técnicas de um site feito há muito tempo, layout, navegação, etc, provavelmente fazem que o alcance e interesse diminuam, é inevitável, os sites comerciais se renovam a todo tempo.
2 – Imagino que para o cansaço há uma questão geracional, digo isso pensando na minha idade e trajetória, quantas vezes não aguento mais, e provavelmente uma falta de renovação dos membros, outra coisa tbm bastante comum na esquerda, isso cristaliza funções e faz perder a força com o tempo, as ideias se repetem, os problemas tbm.
3 – A arrogância na forma de certos debates serem feitos, na linguagem, na abordagem excessivamente provocativa e num certo tom de cagação de regra, e uma evidente preponderância acadêmica na forma de entender e racionalizar o mundo – será que os participantes das lutas, afora parte dos mais militantes, se interessam pela forma como a gente debate política? Essa forma de duelo de conhecimentos letrados explicados longa e academicamente pra vencer a opinião do outro?
4 – Uma indefinição, que fica implícita no texto quando se fala em “internacionalismo proletário” por exemplo, entre teorias e linguagens do marxismo, mais ou menos ortodoxo, e o campo autodenominado de autônomo. O PP é parte deste campo autônomo ou é uma visão (bem) crítica do autonomismo a partir do marxismo? Qual é a “missão” do site, a partir de onde ele fala? Talvez essa identidade dúbia leve a uma relação dúbia por parte dos leitores e colaboradores, e influencie que tipo de texto é enviado e portanto publicado, que tipo de comentário e cobranças são feitos, enfim.
5 – Preponderância masculina nos textos assinados e dificuldade em DIALOGAR, mesmo que de forma crítica, com o feminismo e suas distintas vertentes e dilemas. Vivemos um momento pra mim histórico de consolidação (política, midiática, cultural) do debate feminista e o PP, apesar de refletir isso nas questões que propõe debater e contribuir, a meu ver errou e erra na forma de abordar o tema e acaba se colocando, provavelmente sem intenção, na contramão de uma das formas de luta que mais se fortalece no Brasil hoje.
6 – Por fim eu lembraria que já não é de hoje que há uma crise na produção de comunicação de esquerda, depois que tentativas como Brasil de Fato, Caros Amigos, Carta Maior sei lá e etc se mostraram não só quase inviáveis economica e praticamente como não lá muito de esquerda, uma crise que tem a ver com mercado, com profissionalização versus militância, com financiamento, com divulgação, com redes sociais, com epidemia de pau de selfie, com formas e conteúdos, enfim, um assunto que é bem espinhoso e do qual PP, CMI, e todos nós somos parte – e onde parece haver poucas possibilidades de melhoria imediata.
São pontos que penso, olhando de fora, claro. E que OBVIAMENTE não apagam as inúmeras qualidades desse site, no presente e no passado, como também muitos colocaram aqui. Torço pra que elas continuem no futuro e não só pra que o PP continue como pra que surjam muitos outros como ele, pois qualquer um pode discordar do que for mas é bem evidente a importância do site e o tamanho do trampo que cada um coloca nele.
Abraços!
O comentário de Júlio acima é muito bom, mas tenho algo a dizer sobre ele. As pessoas que reclamam do tom arrogante e acadêmico dos debates neste site são em geral as mesmas pessoas que pretendem ser assertivas sem fundamento e que gostariam de ter suas opiniões aceitas assim mesmo. Não estou dizendo que esse é caso de Júlio, mas convenhamos que uma grande quantidade de pessoas acaba se doendo quando percebe que para outras pessoas na esquerda ser assertivo sem fundamento é algo no mínimo problemático. Se buscar um fundamento para a assertividade na produção teórica (militante, acadêmica etc.) é “academicismo”, mesmo se tal fundamento é concebido como elemento da participação política e portanto da prática, então a própria lógica do Facebook e das redes sociais enquanto espaços de castração do debate fica reforçada. Para mim arrogância não é defeito, mas para as pessoas que pensam assim talvez seja preciso reconhecer que também é arrogante querer fazer asserções sobre assuntos de que não se entende e querer assim mesmo traçar livremente, sem qualquer oposição, orientações para a luta. E há também momentos em que ser assertivo sem fundamento é um golpe de força: os demais têm de aceitar o que você está dizendo ou propondo porque é seu interesse que aceitem e você não vai se dar ao trabalho de argumentar para fundamentar sua opinião ou proposição. Seja como for, muitas vezes os críticos do Passa Palavra são meros repetidores de axiomas, porque tais axiomas são úteis nas organizações de que participam. Sobre o feminismo, se analisar algumas das suas facetas de um modo que vai na contramão do que é hoje hegemônico na esquerda é ir na contramão da emancipação feminina, então o que se demanda não é diálogo mas assimilação (Posso estar errado, mas me parece que isso tem a ver com a própria modalidade de luta hoje muito em voga: militantes que no discurso demandam “diálogo” com empresas e autoridades mas que na prática pretendem extingui-los… Ou será o contrário? Às vezes é difícil dizer). Diálogo não é fazer coro, diálogo não se dá sem o contraditório. Mas num contexto de hegemonia do moralismo politicamente correto o contraditório é tolerado?
Sobre os últimos comentários vale lembrar que nesse site aconteceu uma vez o seguinte, na época dos primeiros textos do Passa palavra criticando as franjas feministas que defendem pautas e formas de lutar que o PP considera nocivas para as lutas anticapitalistas. Em determinado ponto do debate foi questionado o termo Patriarcalismo, o que gerou revolta na maioria dos e das feministas. Então o João Bernardo fez um longo comentário historiográfico mostrando que este conceito é muito problemático, e citou exemplos históricos a partir da pesquisa sobre os anos 500 a 1500 (salvo engano). Essa pesquisa foi publicada pelo João B. em vários livros, dando mais de 2 mil páginas e milhares de referências em livros, documentos etc. então não é nem de perto um “achismo” do João. Depois do comentário dele uma comentadora respondeu mais ou menos o seguinte, nunca mais me esqueci: “Companheiras e apoiadorxs, vamos sair desse debate. Não leiam mais os textos que saírem neste site, etc etc.” Foi o primeiro de muitos boicotes ao site, aqui e noutros espaços. No ponto 5 enumerado pelo Júlio ele diz que o Passa Palavra “acaba se colocando, provavelmente sem intenção, na contramão de uma das formas de luta que mais se fortalece no Brasil hoje” (o feminismo). É um problema grave essa confusão entre o combate do PP a certo tipo de feminismo e o combate a todo e qualquer feminismo. Aliás esse foi um dos argumentos de quem defendia o certo tipo de feminismo que tava sendo atacado pelo PP, ganhando assim a simpatia de feministas que não eram alinhadas às práticas desse feminismo “excludente”, por exemplo o punitivismo. Pelo que entendi dos textos e debates o PP não se coloca na contramão do ascenso do feminismo. Ele se coloca na contramão, e não é sem intenção, do ascenso do feminismo que ele chamou de feminismo excludente, o feminismo biologizante, que conforme convém busca fundamentos culturais e históricos, e que quando é desbancado nesta via retorna ao âmbito biológico para fazer afirmações generalizantes do tipo “todo homem é um potencial estuprador” etc. Até concordo com a crítica do Júlio de que a forma como o PP levou esse debate não foi das melhores, meio descuidada. Mas a identificação de um tipo nefasto de feminismo racista no interior do feminismo já foi uma tarefa importante feita pelo site, contribuindo para o avanço do feminismo anticapitalista, em vez daquele feminismo capitalista que em vez de lutar pela luta de homens e mulheres contra o machismo identifica pura e simplesmente homem = machismo e afasta os companheiros que querem e precisam somar nesta luta.
Não há capitalismo liberal e capitalismo fascista. Ambos, em essência, são totalitários, pois essa é a forma de organização e execução empresarial. O problema maior é quando este fascismo passa a permear e a determinar também as relações sociais dos trabalhadores, não só na cotidianidade de suas lutas, mas nas esferas mais íntimas do seu viver, ou melhor, do seu sobreviver.
Movimentos hegemônicos nem sempre representam caminhos emancipatórios, ao contrário. Os diversos fascismos apresentados pela história, que só foram possíveis graças à participação das esquerdas de então, foram, ao seu tempo, as “formas de luta” que mais se fortaleceram… estavam no topo das “paradas de sucesso” como verdades absolutas… A base de fundamentação do “empoderamento” ariano, pode muito bem fundamentar, hoje em dia, outras tantas reivindicações de “empoderamento”…
Este mesmo multiculturalismo que defende com unhas e dentes a preservação das culturas ancestrais ou ditas tradicionais, é a mesma que quer exterminar os pensadores, as correntes, as formas de luta, etc, que julgam ultrapassadas, fora do tempo atual… Não quero dizer com isso que uma revisão permanente deva ser dispensada, ao contrário. Digo que o multiculturalismo é que é conservador e estático. Sob o pretexto de modificar o sistema, ele simplesmente o reforça.
Por fim, creio que o multiculturalismo deva ser debatido como um todo, evitando centralizar-se no feminismo, uma das vertentes que o capital estimula em detrimento da luta de classes. Neste sentido, o Passa Palavra tem sido pioneiro, enquanto que outros veículos de comunicação ditos de esquerda só tem feito referendar e reforçar o multiculturalismo, sempre em detrimento da luta de classes, portanto, a crise do Passa Palavra não deixa de ser reflexo da crise da classe trabalhadora.
Assino embaixo o comentário de sarah.
O comentário de Julio é bastante bom, com vários apontamentos pertinentes. Mas sarah já fez a crítica que eu faria ao comentário dele. Inclusive apontando também, em outras palavras, que o tom daquele debate, e de muitos textos do PP acabavam sendo improdutivos por serem provocativos demais. Ainda mais nesses tempos em que as pessoas demonstram incapacidade de pensar criticamente.
Mas sempre resta a dúvida: será se o mesmo conteúdo mas em outras forma faria diferença? Tenho minhas dúvidas também, por vejo reações na mesma linha a textos críticos a essa corrente multiculturalista do feminismo, e que são escritos em tom bem diferente.
Boa noite camaradas,
Não li os comentários acima, então meu comentário ficará solto.
Não quero ser piegas farei o comentário de um leitor assíduo do Passa Palavra, e digo que boa parte de minha formação teórica e mesmo reflexiva vem da leitura e releitura de muitos textos. Tenho vinte e quatro anos e desde o vinte lei quase com uma rotina diária o blog, vi com muita atenção a crítica ao Fora do Eixo, as vertentes do feminismo excludente, o debate relativo a esquerdas autogestionárias e sobre as perguntas que ninguém ousa fazer. Agora sou um pouco mais esperto e consigo escrever um texto ou outro e pretendo colaborar não mais como um divulgador informal, mas como colaborador.
De qualquer modo, força na luta.
Abraços
Marcelo Mazzoni
Passa a Palavra. Passa a limpo a palavra, sujando-a como quem profana olimpos. Põe à prova a parla da parva toda. Apavora o parvo que passa sem lavrar e por isso larva, e por isso bufa, e por isso vala. Assavralappa&Palavrassa a pau lavra até arrancar-lhe a casca e descobrir nela o miolo palarvático e carcomido das palavras alfamáticas e matebéticas. Certensiona a palavra à esquerda, até ela virar impura duvitensão. Sazetreca&Cretezassa a certeza até não sobrar mais que duvitezas cervidas por serviçais dialéticos nem dual e nem éticos em tempos de palavras e bocas em estado de sítio. Curtir or not curtir de cu é rola, para horror da esquerda pós-gourmetização sixtiexitosa. Notici&Apoi&Pens ar para as lutas. pArt(e)ir dos identiotários patho&marx atuais, rumo a penaponotialçar as lutas e lutos a 1 nova pata&mar. Nãovegar (Omnis determinatio est negatio) de modo p(r)o(f)ético e com a pá lavrar o solo ácido&estiolado dos morféticos afogados nos boscoestrumes da correctpolitik que lhes escorre pelas mãos mucosais. Lastbutnotleast, como diria quem nunca teve um pé de jabuticaba no quintal, encagriguetar ouvidos demasiado ouvídeos de passo torto e rima fácil que com a pá larvam como quem nunca com a pá lavrou. E se a sapapassa vigilante e taciturnagarela de tanta incominveja, deixando a pá suja de larva, toma a pá e lavra tua lavoura, até que a larva pare o rá e vire, vá lá, algo mais que uma gosminha que aprendeu a arrotar. Quem sabe nessa de passa a palavra a larva sai de seu estado larval, se não, torcer pra que pegue a palavra passada algum lêmão que nos desvende o preço a pagar pela Ungleichzeitigkeit des Gleichzeitigen (não que vocês não saibam).
Saúde&Alegria, como diz o bisneto de Hermes, que puxou ao bisavô e vive beamongtween nós, destilando caoserrância com coerência, para gozo e desespero, vocação de Freud Krueger, como todo bom passapalavrador.
kaíris do olho de deus tem muitos arcos e fusos
tecelã da kaironomia em meio a(o) cA0s-errância
esse texto é mais um desejo de compartilhar e de somar força.
como trabalhador e estudante precário, acompanho o PP desde 2010, de maneira intermitente. nos últimos tempos, menos ainda, em função da paternidade. isso me fez ficar de fora dos últimos grandes debates. de todas formas, seus textos sempre inquietaram a esquerda mais tradicional e latinoamericanista. num determinado momento, fui colocado contra a parede quando em 2011, se não me falha a memória, houve uma discussão sobre o suposto subimperialismo brasileiro (que dada a conjuntura de hoje, poderia muito bem ser retomado). assim como eu, outros também foram colocados contra a parede, porque este é um espaço onde não basta vociferar, é preciso dizer porque a baba tá escorrendo. conheço gente que já não colabora nem debate por conta do tom provocativo já mencionado antes. e tem gente que até rompeu relações comigo quando comentei, mesmo anonimamente, suas críticas sobre a hegemonia autoral dos homens neste espaço. tudo isso pra dizer que as reverberações do PP são muitas e em várias direções. num momento quando a esquerda autônoma parece ser um capricho, já que todos somos chamados a solidarizar-nos na defesa da democracia burguesa, sucumbir seria dar motivos ao binarismo político (ser vermelho, ser verde-amarelo). vendo de fora e de longe, gostaria que o próprio coletivo se abrisse e nos dissesse e propusesse formas de colaboração, talvez na ideia de círculos concêntricos, isto é, de graus diferentes de participação, conforme o grau de complexidade das tarefas. talvez até tenham pensado nisso, mas fica a ideia.
salud y libertad!
Não acabem! Por favor, revolucionem-se.
Crise nada. O Passa Palavra está muito bem. Só os artigos e posicionamentos sobre a crise mostram. Quem está mal não escreve tão bem, nem vai tão reto. O problema é outro, é como passar de um site a um movimento, a uma organização política. Essa parece ser a questão. Querem que o Passa Palavra assuma a ponta de lança da formação de um movimento político, coisa que quem propõe não consegue. Será que funcionaria?
Tem leitor do Passa Palavra no país inteiro. Todos envolvidos em lutas locais, ou simpatizantes. Isso já é um primeiro passo rumo à transformação dos diversos movimentos locais num só movimento de caráter nacional, mas mesmo um site como o Passa Palavra tem seus limites. Nem todo mundo concorda, mexe muito nas feridas abertas da esquerda (e da ex-querda), parece que rola um medo do Passa Palavra em alguns lugares, mas em outros ninguém nem sabe que site é esse.
Sem um órgão político de grande impacto, um movimento político merecedor deste nome é inconcebível no Brasil de hoje. Sem um órgão desses, é possível que a gente não dê conta de nossa tarefa, que é a de concentrar todos os elementos de protesto e descontentamento político, ou seja, a de dinamizar o movimento revolucionário do proletariado.
O Passa Palavra já deu o primeiro passo ao suscitar em setores mais politicamente conscientes da classe trabalhadora uma paixão pela exposição de fatos “econômicos”, e da ligação entre eles e “a política”; seria hora, agora, agora dar o próximo passo, o de suscitar em cada setor da população politicamente consciente a paixão pela exposição política. Esse é o passo que querem empurrar o Passa Palavra a dar.
Não devemos ser desencorajados pelo fato de a voz da exposição política ser hoje tão tímida. Isso não acontece por causa do medo de aparecer e dar mole para a repressão, mas porque quem está pronto para se expor não tem um lugar consolidado de onde possa falar, não tem um público na bruxa (a não ser a brodagem que dá uns “likes” e massageia o ego), não vê lugar algum onde esteja uma força política a quem valesse a pena direcionar as reclamações contra o “sistema”. O Passa Palavra parece ser este lugar, mas, convenhamos, ele ainda é um sitezinho de nada em meio à blogosfera de esquerda, em especial quando a atual crise política catapultou a audiência de certas fábricas de factoides até o infinito.
Mas, pelo menos quanto à existência de um público, expressão da existência de uma força política divergente na sociedade, a situação está mudando. Já existe esta força. É só ver como ela mostrou há uns poucos anos que está pronta não só para ouvir e apoiar os chamados à luta política, mas também para se jogar nela.
Estamos agora numa posição em que é possível oferecer um lugar para a exposição “sistema”, e é nosso dever fazê-lo. Este lugar tem de ser um jornal, um site, um blog, um veículo qualquer, mas um veículo anticapitalista, que nem o Passa Palavra. A classe trabalhadora brasileira, enquanto classe distinta das outras classes e estratos da sociedade brasileira, tem interesse constante por conhecimento político e quer o tempo inteiro textos, notícias e literatura que vão contra a corrente. Não só nas horas de crise, mas o tempo inteiro.
Quando este público é evidente, quando o treino de lideranças revolucionárias experientes já começou, e quando a concentração da classe trabalhadora faz dela a virtual senhora dos bairros populares das grandes cidades (basta ver quem manda nas quebradas) e dos locais de trabalho (basta ver quem manda de verdade num canteiro ou numa loja), é relativamente fácil para o proletariado encontrar um órgão político. Através do proletariado, este órgão político alcançaria a pequena burguesia urbana e os camponeses, tornando-se assim um verdadeiro órgão político popular.
Acontece que para fazer um órgão deste tipo tem que ter coragem para botar a cara. O Passa Palavra botou e continua botando a cara, mas como tem gente por aí querendo suar com o esforço dos outros, querem que o Passa Palavra vire organização política para “orientar” a esquerda anticapitalista que vem sendo arrastada na polarização política dos últimos tempos. Vão criar seus próprios meios de comunicação, ora, e aprendam a botar a cara!
O papel de um meio de comunicação desse tipo (um site, um blog, um perfil em rede social & etc.), entretanto, não é apenas a disseminação de ideias, a educação política e o alistamento de aliados políticos. Isso o Passa Palavra tem feito bem, porque em alguns lugares a gente mede quem é de esquerda pela posição que tem diante de alguns textos do site.
Tem outras questões. Um site não é apenas um propagandista e agitador coletivo, é também um organizador coletivo. Neste último aspecto, pode ser comparado aos andaimes em torno de um prédio em construção, que marca os contornos da estrutura e facilita a comunicação entre os construtores, permitindo a eles distribuir o trabalho e ver os resultados comuns atingidos pelo seu trabalho organizado. Com a ajuda do site, e através dele, uma organização permantente naturalmente tomaria forma para se jogar não apenas nas atividades locais, mas no trabalho regular em geral, e treinaria seus membros a seguir cuidadosamente os acontecimentos políticos, avaliar seu significado e seus efeitos sobre os vários estratos da população, e desenvolver meios efetivos para a organização revolucionária influenciar estes eventos. As tarefas quase técnicas tarefas de suprir regularmente o site com notícias, pagar um servidor, registrar um nome de domínio, cuidar da moderação de comentários, criar e manter perfis em redes sociais para disseminar as notícias veiculadas etc. precisam de uma rede de agentes locais de uma organização unificada, que mantém constante contato entre si, conhecem o estado geral das coisas, acostumam-se a cuidar de suas tarefas na rede organizativa geral e testam sua força na organização de várias ações revolucionárias. Esta rede de agentes formará, precisamente, o esqueleto do tipo de organização de que precisamos — uma que seja suficientemente grande para abarcar o país inteiro; suficientemente ampla e multilateral para estruturar uma estrita e detalhada divisão de tarefas; suficientemente bem temperada para conduzir estavelmente seu trabalho sob quaisquer circunstâncias, mesmo com todas as “viradas conjunturais” e em face de todas as contingências; suficientemente flexível para conseguir, por um lado, evitar uma batalha campal contra um inimigo numericamente superior quando ele concentar suas forças em um ponto, e por outro lado tirar vantagem de seu jeito pesadão e baixa mobilidade para atacá-lo onde e quando ele menos espera.
Hoje estamos diante da tarefa relativamente fácil de apoiar manifestações nas ruas de grandes cidades. Pode ser que amanhã, digamos, apareça a necessidade mais difícil de dar apoio ao movimento de desempregados de algum lugar, e depois de estar a postos para desepenhar um papel revolucionário num levante camponês. Hoje devemos tirar vantagem da tensa situação política que brota da “briga de cachorro grande” que aparece todo dia nos jornais; amanhã, pode ser que precisemos dar apoio a manifestações populares de indignação contra tudo isso que está aí, ou, digamos, contra um diretor de escola autoritário, ou ainda contra um capataz metido a dono da empresa, ou contra um guarda municipal que se ache o dono da rua, sei lá, mas precisamos fazê-lo por meio da ação direta, para que as coisas fiquem tão quentes para essas figuras que elas tenham de se picar com o rabo entre as pernas.
Um tal nível de prontidão para o combate só se consegue pela constante atividade das “tropas”. Se conseguirmos nos unir para produzir um site, ou muitos em rede, este trabalho nos treinará e mostrará não apenas os mais hábeis propagandistas, mas os mais capazes organizadores, as mais talentosas lideranças, capazes, na hora certa, de lançar a palavra de ordem para a luta decisiva, e de tomar a frente desta luta.
É para isto que serve o Passa Palavra? Não. Ele é apenas um pequeno passo nessa direção, porque, pelo menos até onde acompanho o site, ele não se propõe virar movimento ou organização. Na verdade, se quisesse, já teria virado.
O Passa Palavra é pouco, entretanto, diante das tarefas de organização de uma revolução anticapitalista. É preciso que nós, leitores, paremos de pedir o que o Passa Palavra não pode nos dar. É preciso, pelo contrário, que nós, leitores, nos organizemos para apoiar a equipe que cuida do site sempre que for necessário. Para mandar notícias do que rola na nossa quebrada (publicar em nossos perfis de redes sociais nem sempre dá o mesmo impacto, e é muito menos seguro). Para mandar para publicação as ideias que, de outra forma, ficariam em nossos cadernos e pendrives. Para difundir tudo o que aparecer no site, concordando ou não com ele (para quem discorda existem os comentários e outros artigos em resposta). Para juntar com a brodagem e trocar uma ideia sobre os artigos do site. Para pensar juntos como eles se relacionam com o que estamos vendo na quebrada. Senão a gente começa a ver no Passa Palavra o farol da revolução, e quando isso acontece é porque não enxergamos a revolução lá nos pequenos fatos da vida diária onde ela acontece bem na nossa frente, nem conseguimos ligar esses fatos com um horizonte revolucionário — e isso não tem farol que resolva, porque é coisa de gente sem bússola própria.