O impeachment foi uma primeira tentativa fracassada de resolver o colapso entre política e capital que está em curso. Por Lucas Carlini e Daniel Lage
Antes de começar, leia a parte 1 deste artigo.
O Impeachment
“As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender”
(Paulinho da Viola)
Para compreendermos o impeachment como tentativa de saída política para os impasses postos pela conjuntura, devemos retomar as contradições citadas ao longo do texto e analisar os movimentos e posições das classes e suas frações, dos partidos e dos representantes à frente do Estado nos diferentes momentos.
A unidade estratégica entre todos os setores da burguesia após a crise mundial de 08/09, acentuada pela ruína do equilíbrio instável e pela crise parcial do setor petrolífero, são as reformas trabalhistas e da previdência para aumentar a exploração da classe trabalhadora brasileira e o ajuste fiscal. A intenção do ajuste fiscal é aumentar a receita do Estado para o capital e diminuí-la para os trabalhadores, além de alocar melhor os recursos entre os diferentes setores da burguesia e permitir à iniciativa privada que extraia mais-valia de novos processos produtivos (privatizações).
As reformas recebem especial atenção quanto às suas aprovações e implementações porque representam a superação dos resquícios das ofensivas históricas de nossa classe à burguesia e ao seu Estado. A correlação de forças internacional entre capital e trabalho e a competição entre empresas globais pressionam a equalização da exploração da força de trabalho no mundo (ainda que haja disparidades entre os países). Como o capital vem vencendo essa batalha já há algumas décadas, aumenta proporcionalmente a pressão dos capitalistas e do Estado pela retirada dessas conquistas e aumenta a dificuldade de defesa desses direitos de nossa parte, uma vez que eles já foram retirados ou nunca existiram para as classes trabalhadoras das economias reguladoras do sistema (EUA, Japão e Alemanha principalmente).
Os efeitos econômicos dessas medidas são devastadores para os trabalhadores e inebriantes para o capital. A reforma da previdência aumenta a quantidade de força de trabalho disponível para a exploração, o que, por sua vez, reduz os salários do conjunto da classe trabalhadora e dificulta suas formas de resistência coletiva. Aumenta a receita do Estado para o capital e também expande a previdência privada, abrindo grande nicho para a acumulação de capital. A terceirização geral dá um golpe brutal na organização da classe trabalhadora ao mesmo tempo em que permite a generalização da intensidade, da jornada e dos salários dos setores terceirizados (sabidamente piores) ao conjunto da classe.[22]
Portanto, na visão da burguesia, essas seriam as reformas que levariam imediatamente a uma retomada do lucros e rendimentos do capital no Brasil. A questão central é quem as realizaria e como manter a legitimidade e estabilidade da ordem capitalista ao realizá-las. Desde 2014, a presidente Dilma tentou sinalizar de diversas formas aos seus patrões que estava à altura da tarefa: aprovou as MPs do desemprego e do auxílio-doença, colocou o chicago-boy Levy “Mãos de Tesoura” à frente da pasta da Economia e comprometeu-se publicamente em colocar em votação as reformas. Contudo, a contínua piora da situação econômica não permitia que Dilma realizasse suas tarefas à la social-democracia. O modus operandi petista de administração do capital pressupõe o diálogo do governo com os representantes dos trabalhadores (na figura das centrais sindicais pelegas e burocráticas, em especial a CUT) e a chegada a um consenso, no qual os trabalhadores cedem em nome do progresso, da nação, dos empregos e do desenvolvimento. Os representantes dos trabalhadores conseguem pequenos ajustes nos projetos iniciais que serão interpretados como vitórias a serem utilizadas para calar a revolta dos trabalhadores e os patrões entram com um sorriso nos lábios.
No entanto, a velocidade imposta pelo capital e o tamanho dos ataques não corresponderam ao fôlego de Dilma à frente do governo e não permitiram toda essa negociação e falação. Com o passar dos meses, cada fala de Dilma era contestada pelas centrais sindicais (que exigiam calma e diálogo) e capitaneadas pelos setores da oposição (que clamavam por urgência).
Dessa maneira, as medidas provisórias aprovadas só serviram como promessas, pois seu efeito econômico foi mínimo (apesar de trágico aos trabalhadores) e os encaminhamentos mais decisivos quanto ao ajuste fiscal e as reformas eram barrados pelo congresso, cuja presidência é assumida por Cunha no início de 2015. Nesse ano a história se acelera e a burguesia nacional dá o seu tiro de alerta em agosto do mesmo ano com a “Carta à Nação” da CNI e em setembro:
“FIESP e FIRJAN vêm a público expor sua perplexidade com a inação do Governo[…]. É mais do que passada a hora de implementar um rigoroso ajuste fiscal no país. Não um ajuste de mentirinha.[…]Só reformas estruturais de longo prazo recolocarão o Brasil no rumo do crescimento econômico.[…]O Brasil não pode mais esperar!
Em Outubro de 2015, o PMDB lança a “ponte para o futuro” prometendo mais agilidade do que o governo PT para “acabar com a crise”; em dezembro do mesmo ano cai o ministro Levy pela ineficiência de suas medidas econômicas e por discordar da “morosidade” do governo em massacrar a classe trabalhadora; Temer lança uma carta cheia de “mimimi” para Dilma, o que na prática significou seu rompimento com o governo; e ganhava mais força a tese do impeachment como saída do imbróglio, através da aprovação da abertura do processo de impedimento.
O que restava para Dilma e seu governo social-democrata era resguardar-se no pacto com o setor que poderia apoiá-la: parte da burguesia nacional beneficiada com investimentos estatais, petróleo e construção pesada. No entanto, como vimos, a partir do final de 2014, o aumento da dívida pública e a pressão pelo ajuste fiscal também se expressava no setor do petróleo. A realização dos leilões do pré-sal é uma fonte de receita razoável ao Estado (imediatos e futuros) e significa um grande incentivo à indústria pela perspectiva dos investimentos subsequentes. A queda no preço do petróleo minguou parte dos planos de investimento da Petrobrás e a oposição ao governo Dilma passou a pautar enfaticamente o fim do modelo vigente de exploração do pré-sal, no qual a Petrobrás era operadora única e deveria participar com 30% de todos os consórcios com empresas privadas. Aquele modelo, com a dificuldade financeira da empresa estatal, inviabilizava os leilões no curto-prazo.
A lei do então senador José Serra propunha a retirada de tais obrigações da Petrobrás e abriria o pré-sal para os investimentos das grandes petroleiras, em sua maioria internacionais. Contra essa lei, buscando refazer os laços entre trabalhadores e interesses burgueses nacionais, no início de 2015, a presidente Dilma discursa aos para trabalhadores do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Ipojuca, (PE) fazendo uma defesa enfática:
da política de exigência de conteúdo nacional na cadeia de óleo e gás e do modelo de partilha na exploração do pré-sal. ‘Conteúdo nacional e política de partilha, no meu governo, estão mantidos‘ (18/05/2015 – O Valor).
No entanto, o discurso da presidente em defesa dos interesses da cadeia subsidiária ficava, a cada mês, mais distante dos interesses e possibilidades desse setor da burguesia. A queda ininterrupta do preço do petróleo, o anúncio dos desinvestimentos da Petrobrás, a redução das encomendas da Sete Brasil e as demissões em massa nos estaleiros, o caráter mundial e irrefreável de tal crise (expressos nas tabelas abaixo) cada vez mais convenciam essa fração da burguesia de que era necessário a entrada das grandes petroleiras para explorar o pré-sal e garantir seus investimentos por meio do conteúdo local. A crise chega a tal ponto em dezembro de 2015, que os representantes das petroleiras e do Estado (IBP, ONIP) e os da cadeia subsidiária (ABESPETRO, ABIMAQ, FIRJAN e FIESP) assinam um documento chamado Agenda Mínima para o setor do Petróleo, o qual, dentre outras demandas, exigia que a Petrobrás deixasse de ser a controladora única dos blocos do pré-sal.
O agravamento da crise econômica e suas contradições relegaram o governo PT ao isolamento completo no final de 2015: a oposição ganhando terreno e mostrando-se mais viável para administrar a máquina burocrática do capital, o avanço dos escândalos da Lava Jato, as entidades da burguesia pulando do barco da conciliação de classes, sem o apoio nem das petroleiras, nem da maior parte dos industriais.
Do outro lado, formando uma frente única, apenas se mantém fiel ao governo em franca decadência o braço pequeno burguês da social-democracia, que cumpre o papel lastimável de defensor dos supostos interesses da burguesia nacional (em contradição com ela mesma e com o ciclo econômico):
Movimentos sociais e sindicais voltaram a se mobilizar neste sábado em atos a favor da Petrobras e da manutenção da presidente Dilma Rousseff no cargo. […] Outra pauta da manifestação foi a “defesa da Petrobras”, que estaria sob ataques da direita e das multinacionais. Um desses ataques seria o projeto de Lei apresentado por Serra, que propõe que campos de petróleo do pré-sal possam ser explorados sem a participação da Petrobras, diferente do que estava inicialmente acordado (03/10/2015 – O VALOR).
E a então ministra Kátia Abreu, rainha do agronegócio, com uma lealdade de emocionar os reformistas e um apoio que se explica simplesmente pela gratidão ao governo PT e a relativa estabilidade dos setores de exportação de produtos rurais nessa crise:
[…] ‘Nada desabonou sua honra. [Dilma] não foi pega com a mão na botija. E vamos combinar que se tivesse um mínimo fato já estaria a público. [Já] são 12 meses [do segundo mandato da presidente Dilma]’, acrescentou. ‘Democracia não é jogo de tira e põe. Aqui vivemos o presidencialismo! Temos regras estabelecidas pelo Estado de Direito’, continuou Kátia Abreu. […]’Sem seu apoio e liberdade para trabalhar não teria conseguido’, destacou a ministra. ‘Estamos trabalhando duro para superar a crise.’ (07/12/2015 – O VALOR)
Como tal base de sustentação não garantiria a mínima estabilidade e governabilidade à presidenta, a gestão PT entra em 2016 tentando acompanhar os movimentos da conjuntura, recuperar apoios, e é mais incisiva nas promessas para a burguesia:
Vamos encarar a reforma da Previdência, sempre considerando que essa reforma tem a ver com uma modificação, primeiro, na idade e no comportamento etário da população brasileira. (…) Não é possível que a idade média de aposentadoria no Brasil seja 55 anos (Dilma em discurso jan/2016).
Porém, aqui novamente se mostra a contradição entre o modo petista de governar e as necessidades do capital naquele momento do ciclo. Mesmo se convencendo de viabilizar os anseios da burguesia, seus próprios nomes de confiança na gestão atrasavam as medidas, aumentavam a insegurança e tornavam mais breve sua estadia no governo. Enquanto “A presidente Dilma Rousseff aceita rediscutir o papel da Petrobras na exploração de petróleo da camada pré-sal” (FEV/2016 – O VALOR), o presidente da estatal indicado por ela rebate “[…] a discussão sobre a mudança na operação do pré-sal é ‘inoportuna’”(17/02/2016 – O VALOR).
Para não morrer na solidão, o governo PT realizou um movimento tático desesperado e tentou se apoiar no então setor mais fragilizado da burguesia: os grupos empresariais acusados pela Lava Jato, que já estavam aceitando o inevitável ajuste superestrutural em curso.
“A conversa da presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve um tom mais político, mas foram discutidas medidas que o governo deve adotar nos próximos dias para reativar a economia. Não se trata de um pacote, mas de medidas tópicas para evitar o aumento do desemprego: acelerar os acordos de leniência com as empreiteiras da Lava Jato, dar mais garantias às concessões do serviço público, recuperar o parque naval do Rio e a abertura de linhas de crédito para ajudar setores específicos, com ênfase na pequena e média empresa” (07/01/2016 – O VALOR).
Na tentativa de agradar a todos ao seu alcance– pequena burguesia, representação dos trabalhadores e diferentes setores da burguesia – acaba por se colocar contra a tendência de reestruturação da relação entre empresas e Estado e, portanto, na contramão da exigência do próprio capital cujos interesses pretende defender. Essa jogada desenterrou um elemento no cenário, que se mostrou o golpe de misericórdia do governo: as manifestações de rua a favor do Impeachment. Em março de 2016 começam a explodir em todo o país e são bastante volumosas. A contradição entre legitimidade do Estado burguês e sua forma política salta à frente da cena política.
De um lado, as manifestações pela continuidade da Lava Jato e a favor do impeachment, na qual os setores de oposição aproveitaram para surfar e tentar apresentar o impeachment como a saída política mais vantajosa a todos e à sobrevivência da democracia, apostando que, após o sucessor de Dilma aprovar as medidas com maior rapidez, os políticos pudessem “estancar a sangria da Lava Jato” que já começava a chegar aos partidos da oposição. Vislumbrando o dilúvio, os representantes da indústria nacional aproveitam o momento para sair de vez do barco governista, com o pato FIESP na vanguarda do movimento de retirada do barco furado governista.
Do outro lado, as manifestações a favor do governo defendiam os interesses de uma burguesia que não existe e não contaram com o apoio massivo da classe trabalhadora: apenas demonstraram a fraqueza dos sustentáculos do governo Dilma.
É importante destacar que ambos os lados das manifestações não levaram às ruas setores proletários em massa. Eram em sua maioria compostas pelos setores médios (pequena burguesia, profissionais liberais e o setor superior de proletários melhores remunerados)[23]. A pauta puramente política sem nenhuma demanda imediata da classe trabalhadora naquele momento de ajuste e ataques para todos os lados indicava bem o tom do setor que foi maioria nessas manifestações. Esse momento também escancarou o caráter da pequena burguesia, que não foge à consciência dos trabalhadores desorganizados: age apoiando projetos distintos de administração do Estado burguês e se mostra um aliado fundamental do judiciário para manter a legitimidade da ordem capitalista, ainda mais quando não há um polo independente de ação do proletariado como referência.
Essa contradição entre as duas faces do Estado também se expressou em outros momentos. Na tentativa de aprovação, por parte do judiciário, das 10 medidas anticorrupção, as quais o legislativo modificou até tornarem-se inócuas. Com a ameaça dos representantes políticos votarem o abuso de autoridade ou a anistia dos crimes de corrupção e os membros da Lava Jato prometerem se demitir caso isso acontecesse. No entanto, apesar das reclamações de um lado e outro, o realinhamento da forma política e a atualização da superestrutura continua o seu curso até hoje.
Em suma, o impeachment se coloca na ordem do dia com a burguesia brasileira à frente de uma grande aposta. Ela se convence de que Temer aprovaria as reformas e o ajuste fiscal com mais rapidez, medidas que por si trariam a retomada do crescimento econômico. Os setores de oposição ao governo se prontificam a realizar tamanha tarefa, na esperança de que conseguiriam se safar e barrar a Lava Jato após o impeachment. O judiciário e os promotores olham para o impedimento como a oportunidade de reformar a política brasileira para ficar à altura de sua economia, renovar a legitimidade da democracia burguesa, e recebem apoio dos manifestantes os quais achavam ser a chance de “passar o Brasil a limpo” e acabar com a corrupção (como se esse fosse o grande problema do capitalismo).
Em relação ao petróleo, a indústria nacional faz uma manobra arriscada e acredita que o governo seguinte aprovaria a entrada das grandes petroleiras no setor e a retomada dos leilões do pré-sal, mas manteria o conteúdo local e os “interesses nacionais”. Há de se levar em consideração a timidez do sindicato da indústria naval que não se manifesta, pois vê sua posição ameaçada num governo em relação mais próxima com as petroleiras, embora encare a mudança no cenário mundial como irreversível. Também deve-se notar os desentendimentos em apoiar ou não o impeachment na burguesia rural e uma ausência de posicionamento oficial da ANFAVEA, as quais se explicam pela relação mais umbilical dessas indústrias com os ciclos econômicos mundiais e sua relativa independência dos investimentos provenientes do setor do petróleo. Deve-se considerar que o agronegócio se manteve em alta relativa e, por conseguinte, as máquinas agrícolas continuaram a ser produzidas.
Depois de Março, o processo de impedimento avança sem grandes alardes[24] , passando pela tentativa fracassada de colocar Lula no ministério, o afastamento de Dilma, o afastamento de Cunha, os escândalos da Lava Jato e as tentativas de barrá-la até o fato consumar-se em setembro de 2016. Os órgãos da imprensa internacional continuam a se posicionar de maneira reticente em relação à tal saída política: uns louvando, outros condenando, mas a maioria ponderando. Isso se explica tanto pelo caráter duvidável dos crimes de Dilma e pela imprevisibilidade do ajuste superestrutural catalisado pela Lava Jato, que não demonstrava nenhuma garantia de renovação da legitimidade da ordem capitalista por aqui, quanto pelo fato de que os diferentes monopólios estrangeiros atuando no Brasil, apesar de apoiarem o ajuste fiscal e o massacre da classe trabalhadora, não vislumbravam seus interesses se realizando de imediato: havia apenas promessas de crescimento econômico, promessas de privatizações e leilões públicos de infraestrutura mais democráticos. O antagonismo de interesses em relação ao petróleo se mantinha. Analisemos como a situação se desenrolou após essa grande aposta, suas contradições e perspectivas de solução.
Resultados parciais
“O movimento da vida não deixa que a vida seja sempre igual”
(Gonzaguinha)
A maturação capitalista da formação social brasileira alcançou um grau “nunca antes visto na história desse país”. A social-democracia no governo, ao se aproveitar de um período de expansão da economia mundial, terminou de consolidar um longo trajeto de concentração, centralização e internacionalização da economia brasileira, colocando os monopólios brasileiros de vez na concorrência monopolista internacional e nas suas disputas. Esse resultado contou com a participação ativa do Estado brasileiro – na figura dos seus poderes, das forças armadas e das empresas estatais -, o qual cumpriu o papel de manutenção e aprofundamento das relações capitalistas em solo brasileiro, independente dos governos. A burguesia nacional, por sua vez, também se consolidou com seus pequenos impérios mundiais ora associando-se ao capital estrangeiro (como sócia maior ou menor), ora protegendo-se dele; na sua relação com o Estado, ora exigindo protecionismo ora abertura e tentando sempre abocanhar sua parcela do mercado mundial.
A presença dos monopólios brasileiros e estrangeiros em competição no Brasil e no mundo exige o aperfeiçoamento da forma democrática brasileira, garantindo mecanismos de cooptação e repressão, e o pleno funcionamento da representatividade no grande balcão de negócios da burguesia.
A crise de 2008/09 iniciou a fratura do equilíbrio instável da sociedade brasileira, baseado na contenção das lutas da classe trabalhadora, nos altos níveis de financiamento estatal diretos e indiretos à burguesia brasileira e no longo ciclo de alta das commodities. Com a crise parcial de 2015, a economia brasileira inicia uma derrocada generalizada e coloca na ordem do dia um novo período de maior arrecadação do Estado brasileiro para investimento na economia (ajuste fiscal) e o aumento das tensões para disputar essa receita; a necessidade de nivelar a exploração da classe trabalhadora brasileira para sua integração nas cadeias produtivas globais; e uma reordenação da relação dos monopólios com o Estado, associada a uma reoxigenação da legitimidade burguesa no país.
O impeachment foi uma primeira aposta de diversos atores da sociedade para resolver as contradições provenientes desse processo e ainda não apresentou nenhuma resolução nem temporária de tais contradições.
Por um lado, podemos observar o avanço da democracia burguesa no Brasil com o fortalecimento do judiciário brasileiro, do qual a aprovação das reformas da burguesia é um bom exemplo, e o início de uma mudança da relação entre os monopólios brasileiros e o Estado, representada pelas posições da Odebrecht em “admitir seus erros” e assinar sua delação premiada internacional[25]. A delação serve de exemplo aos monopólios que ainda se aproveitavam da forma anterior de relação ao Estado (de favores e compadrios, adequada à consolidação desses monopólios e inadequada a tempos em que esses monopólios concorrem internacionalmente) e está consolidando os mecanismos jurídicos de concorrência imperialista: auto-regulação das empresas (compliance); aumento do caráter impessoal das empresas; maior independência de seus negócios, com as famílias donas dos monopólios apenas coordenando e não mais com a mão na massa na relação com o Estado; e regulamentação dos lobbies na política.
Ao escancarar a forma pela qual se dava a relação entre os representantes políticos e as grandes empresas em todos os níveis, a delação fortalece a necessidade de uma reforma política na qual os pequenos partidos com interesses regionais percam poder. A exemplo dos países centrais nos quais predomina o bipartidarismo, isso serviria para aumentar a legitimidade do Estado burguês numa aparente renovação de seus quadros, mas principalmente para facilitar a defesa dos diferentes interesses monopolistas, viabilizar uma nova maneira de financiar campanha e influenciar os políticos mais diretamente. O problema que os representantes da burguesia em seu balcão de negócios se colocam hoje é como realizar essa reforma, sem sua completa eliminação ou a abertura para aventureiros fora do script, como Jair Bolsonaro. O voto por lista fechada é uma saída improvável, afinal ajuda a destruir a imagem democrática do Estado, tão cara nesse momento, e não resolve as outras contradições.
A iniciativa de conter a sangria da Lava Jato após o impeachment se mostra derrotada, com o avanço da operação para os diferentes partidos e o desgaste da representação política gerado por ela. Aliás, o desenrolar da conjuntura comprova a função da Lava Jato: longe de ser o epicentro da crise em curso, é apenas um catalisador, cujo único papel de relevo é o de ressuscitar figuras mortas da política brasileira, como Marina Siva, Nelson Jobim e Gilmar Mendes; e de terminar de enterrar os mortos como José Serra, Zé Dirceu, Pezão, Aécio Neves, Eduardo Cunha.
No campo econômico, o que podemos observar é uma maior especialização dos monopólios brasileiros que foram obrigados a se reorganizar. Ou seja, algumas empresas voltando a ser apenas empreiteiras, outras tendendo a desaparecer, outras fortalecendo sua participação no setor de óleo e gás, indústria naval e/ou outros setores, com fusões e aquisições. Esse processo permite com que empresas estrangeiras se aproveitem dessa brecha, assim como essas mesmas empresas brasileiras o fizeram em outros momentos históricos. Apresenta-se uma tendência de aumento da participação do capital estrangeiro nos leilões públicos, em especial no setor de energia e saneamento e a entrada de outras empresas nacionais na infraestrutura.
No setor de óleo e gás a indeterminação continua e as contradições se aprofundaram. Com a nova gestão da Petrobrás há um redimensionamento em curso do papel da empresa estatal no setor, onde a empresa realiza a venda de diversos ativos nos quais a iniciativa privada nacional e estrangeira possui interesse e condições de absorver, como a distribuição de combustíveis e de óleo e gás. Porém, apesar da entrada das petroleiras internacionais na exploração do pré-sal ser aprovada em outubro de 2016 – seguindo também uma tendência internacional com os preços baixos do petróleo (México realizou o mesmo movimento em 2013) –, o conteúdo nacional é posto em cheque devido à exigência das petroleiras, o que contraria os interesses dos setores da burguesia industrial brasileira e de alguns aliados internacionais.
O governo Temer, diante da necessidade de arrecadamento dos leilões do pré-sal e das demandas da indústria, aprova a entrada das grandes petroleiras e aceita a contrapartida das petroleiras de redução do conteúdo nacional. Essa redução desagrada a burguesia nacional, a qual se sente traída[26] e cria o movimento “Produz Brasil” para defender o conteúdo local.
No entanto, a primeira batalha de definição dos leilões de 2017, a burguesia nacional e seus aliados internacionais perderam, pois os campos de exploração foram leiloados com porcentagens que não interessam à cadeia subsidiária. Porém os conflitos estão longe de terminar, visto que tais percentuais valem somente para esses leilões. A briga pelos investimentos provenientes da exploração do campo de libra é um bom exemplo de que a guerra continua:
Acostumada a fazer audiências públicas com no máximo 100 pessoas, em suas próprias instalações no centro da cidade, a ANP precisou deslocar o evento para o auditório da Fundação Getúlio Vargas, em Botafogo, que ficou lotado de alto a baixo. Das centenas de pessoas presentes, as únicas que não estavam contra o waiver eram os poucos representantes do IBP e das companhias de petróleo envolvidas no consórcio de Libra (Petrobrás, Shell, Total, CNPC e CNOOC).
Do outro lado, houve apresentações de entidades como ABIMAQ, Sinaval, ABCE, SINDIMAQ, Abitam e CNM, entre outras, além das empresas e estaleiros como Brasa, Ecovix, EAS, Techint, Brasfels e Asvac, todas com duras críticas à postura da Petrobrás. A representante do Sinaval, Daniela Santos, que teve 25 minutos de fala – cada um teria cinco minutos, mas outras quatro entidades cederam seu tempo a ela –, fez um relato claro e detalhado da postura equivocada da estatal neste processo, questionando a decisão da empresa de não abrir os números da proposta da Modec (que teria vindo com 40% de sobre preço para se fazer no Brasil, segundo a Petrobrás) para análise da indústria.
‘Sendo que hoje há uma ociosidade muito grande e há capacidade instalada, então a indústria tem condições de atender e as obras poderiam ser iniciadas assim que contratadas’, completou.
Os executivos do setor, a maioria de estaleiros, inclusive de bandeira estrangeira, como a Techint (ítalo-argentina) e a SBM (holandesa), também abriram seus números, revelando investimentos multimilionários no Brasil nos últimos anos, e questionaram a decisão da Petrobrás. (Petronotícias – 19/04/2017)
É interessante notar que a Petrobrás toma o lado das petroleiras internacionais por orientação da sua direção visando uma suposta redução de seus custos, mas também porque após a crise de 08/09, ao necessitar de financiamento para alavancar seus investimentos (via Sete Brasil, por exemplo), recebe quantias bilionárias de bancos chineses, os quais exigiram contrapartidas na participação dos investimentos na indústria naval subsequentes. Ou seja, aquilo que permitiu o desenvolvimento da indústria nacional num período, agora, entra em contradição com seus interesses.
As disputas pelo financiamento do Estado também não reduziram, o que se materializa nas brigas de setores da burguesia pelos recursos do BNDES. Todos os grandes querem sua parte, o que inviabiliza a atuação do órgão, na medida em que há monopólios consolidados atuando em todos setores da economia. A tendência que se aponta é um maior papel dos bancos privados nos investimentos a longo-prazo e os investimentos diretos do Estado brasileiro se manterem apenas para setores estratégicos da economia e em vias de monopolização. Esse desenvolvimento vai em direção às necessidades da própria indústria, que, já em dezembro de 2015, por meio dos seus estrategistas no IEDI, sinalizava que “Para Vencer a Crise” era necessário que houvesse “o incentivo ao desenvolvimento do mercado de capitais e o declínio das taxas do financiamento bancário”.
A burguesia não está otimista com a perspectiva de melhora da economia e do cenário de instabilidade, pois as reformas não estão sendo aprovadas com a rapidez que se esperava, o que a fez recentemente descartar o governo Temer mesmo sem outra carta na manga, e a deterioração da legitimidade da representação política do capital continua. Além disso, a economia brasileira se encontra na beira de outra crise capitalista mundial, a qual tende a acirrar a ingovernabilidade e aprofundar todas essas contradições.
O campo democrático-popular reinventado: o oportunismo escancarado
“A república democrática – a mais elevada das formas de Estado, e que, em nossas atuais condições sociais, vai aparecendo como uma necessidade cada vez mais iniludível, e é a única forma de Estado sob a qual pode ser travada a última e definitiva batalha entre o proletariado e a burguesia. Nela, a riqueza exerce seu poder de modo indireto, embora mais seguro. De um lado, sob a forma de corrupção direta dos agentes do Estado, e na América vamos encontrar o exemplo clássico; de outro lado, sob a forma de aliança entre o governo e a Bolsa. Tal aliança se concretiza com facilidade tanto maior quanto mais cresçam as dívidas do Estado e quanto mais as sociedades por ações concentrem em suas mãos, além do transporte, a própria produção, fazendo da Bolsa o seu centro.”
(Friedrich Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado)
Se no seu início a estratégia democrático e popular projetava que os trabalhadores, empunhando as bandeiras que a burguesia brasileira não cumpriu e nem cumpriria, as chamadas “tarefas democráticas em atraso”, entrariam em choque com a ordem capitalista e abririam a possibilidade de uma ruptura revolucionária socialista, ao percorrer esse caminho terminou por selar a conciliação de classes no Brasil e consolidar uma experiência social-democrata, igualando a luta pelo socialismo à luta por mais democracia. Mais que isso, avançaram na consolidação do Brasil (tomada as devidas proporções) como um player do imperialismo mundial.
No governo, a social-democracia reencontra as políticas desenvolvimentistas da ditadura militar, possibilitadas pela expansão econômica mundial, e termina o processo de consolidação dos monopólios brasileiros. Com o impeachment e o ajuste superestrutural em curso, a imagem do PT – pivô desse processo – cai por terra e marca uma nova fase da estratégia: a refundação.
Após o impeachment formam-se duas frentes de renovação do suporte à estratégia democrático e popular: a Frente Brasil Popular (mais eleitoral ou “democrática”) e a Frente do Povo Sem Medo (braço mais popular), nas quais estão se somando a quase totalidade dos movimentos sociais e organizações dos trabalhadores com mais ou menos críticas. Elas aderem aos “frentões” na perspectiva de defesa do governo Dilma e/ou na defesa de Lula e/ou da democracia e/ou contra a Lava Jato e/ou de defesa das conquistas dos governos PT e/ou contra o golpe e/ou ainda na antiga ideia de que, ao levar a cabo as pautas da burguesia brasileira ou defender a indústria nacional (contra o dito entreguismo), vai se chocar contra a ordem. Há também aqueles que se somam na perspectiva de que uma unidade de esquerda é necessária para barrar os ataques da burguesia e do Estado.
No entanto, essa refundação, apesar de dirigir nesse momento as manifestações da classe trabalhadora, não servirá para resistência da classe trabalhadora, ao contrário, ela agora se dá nos marcos de consolidação dos monopólios brasileiros, o que leva esses movimentos a serem suporte dos interesses imperialistas das empresas brasileiras e se inscreverem para tentar resolver os problemas da burguesia brasileira e do Estado burguês. Portanto, para ajudar a estabilizar a ordem capitalista no Brasil no próximo período.
A quem interessa a destruição das empresas dos setores mais competitivos do Brasil? A quem interessa tirar o Brasil da condição de importante ator internacional e colocá-lo novamente na posição de subalterno dos interesses norte-americanos? […]
A forma como a lava jato foi conduzida ajudou, em muito, a provocar o desmonte da indústria brasileira, que provocou mais de 12 milhões de desempregados e a produzir o clima de insegurança e falta de perspectiva que assola a população brasileira, que perde a cada dia sua autoestima e esperança em dias melhores. (Executiva Nacional da CUT 21/03/2017)
Por mais que se olhe com otimismo para aquelas informações positivas do início do artigo, não é possível pensar em volta de crescimento sustentado se não houver uma nova mentalidade: a desenvolvimentista, gostem ou não dessa palavra os neoliberais (21/03/2017 – FOLHA SP, Benjamin Steibruch)
A convergência das afirmações é nítida, são os termos da nova possibilidade de pacto de classes num patamar superior.
Por parte dos movimentos de esquerda, nossa tarefa é acertar contas com teses históricas que precisam ser superadas:
I) de que o processo em curso seria um re-subordinamento do capitalismo brasileiro, um aprofundamento de seu caráter dependente ou recolonização do país, no qual há uma destruição da indústria nacional e a burguesia brasileira entraria como sócia menor e novamente subordinada ao imperialismo estrangeiro. Ora, a economia brasileira e os movimentos da conjuntura apontam outra coisa: não faz sentido apenas uma saída de sócia-menor para a burguesia brasileira, pois em boa parte da indústria naval o capital estrangeiro é o sócio-menor; na indústria de alimentos o mundo depende da produção brasileira e não o contrário[27]; o setor de aço e máquinas também possui monopólios que lutarão até a morte para não perecer; e o setor bancário possui investimentos em todas essas grandes empresas. O que está em curso, na verdade, é uma disputa imperialista encarniçada, mas ainda sem guerra declarada, que se acentua pela situação econômica mundial, aprofundando as contradições da democracia burguesa.
II) A saída ditatorial, de governo autocrático ou golpe (militar ou não) que colocaria a democracia burguesa (ditadura da burguesia velada e direta) em risco, também não está na ordem do dia. Ao contrário, a forma democrática está em pleno aperfeiçoamento, necessário à agudização dos conflitos imperialistas e da necessidade de representação direta das diferentes frações do capital no Estado. Isso se comprova por todo desenvolvimento do texto e pelas declarações tanto da burguesia quanto dos militares. Porém, caso fosse instaurada uma ditadura da burguesia aberta e indireta, qual seria a fração dominante no poder? Quais interesses se sobreporiam, da SBM offshore ou da Shell (ambas holandesas)? Da Petrobrás ou dos estaleiros? Da AcellorMital/siderúrgicas brasileiras ou da Chevron? Não há saída possível no curto prazo que não seja nos marcos democráticos, o que expressa também a idealização histórica por parte da esquerda em relação ao Estado burguês, o que é uma ditadura de classe na sua forma democrática e um mal acerto de contas com as experiências socialistas do século XX.
III) As defesas do “papel da Petrobrás” também denunciam essas insuficiências teóricas. O Estado e as empresas estatais, no plano econômico, servem para garantir a acumulação de capital em um determinado território (ou região do globo). A depender do setor da economia e do momento histórico, realizam os investimentos em setores que ainda não são rentáveis mas necessários à reprodução do capital ou que necessitam de um capital muito grande para burgueses individuais ou em consórcio aplicarem; reduzem seu papel em setores que se tornam rentáveis ao capital e que podem apresentar uma fuga de capitais de setores com baixa taxa de lucros; defendem e ajudam na consolidação das empresas nacionais na medida em que o ciclo econômico permite e, no limite, salvam a propriedade privada dos capitalistas em momentos de crise, realizando inclusive estatizações[28] e guerras, se necessário. O setor de Óleo e Gás no Brasil, cujos investimentos são gigantescos, apresenta hoje um rearranjo que é apenas expressão de maturação do capitalismo brasileiro, assim como já aconteceu com a construção civil pesada, a siderurgia, a mineração, a educação e a geração de energia. O “entreguismo” não é contra o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e da burguesia brasileira, é ele também que permite a entrada de petroleiras brasileiras na exploração e produção de O&G como Queiroz Galvão e PetroRio.
O programa político da refundação do democrático e popular ainda está sendo gestado, porém seu primeiro esboço já demonstra suas insuficiências e potencialidades de administrar o Estado brasileiro para o capital, nesse momento.
“Com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT apresentou nesta segunda-feira um pacote batizado de ‘Seis Medidas Emergenciais para Recuperação da Economia, do Emprego e da Renda’:
1) Proteger os trabalhadores na crise, seus direitos e patrimônio. – Retirar de pauta a reforma da Previdência, a reforma trabalhista e revogar a lei da terceirização; – Aumentar as parcelas do seguro-desemprego e antecipar o abono salarial de 2016, que só será pago em 2018; – Aumentar o Bolsa Família e qualificar as famílias beneficiadas; – Ampliar o Minha Casa, Minha Vida para habitação popular (Faixa 1) – Garantir o aumento real do salário mínimo; – Ampliar os investimentos em educação e saúde pública.
2) Fortalecer empresas brasileiras para gerar empregos de qualidade- Ampliar as linhas emergenciais do Banco do Brasil, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Caixa para refinanciamento de dívida e capital de giro – Liberar o depósito compulsório dos bancos para renegociar dívidas das empresas – Garantir câmbio estável e competitivo – Fortalecer o Banco do Brasil e expandir o crédito agrícola – Apoiar os setores de alta tecnologia e defesa – Aumentar o comércio Sul-Sul, principalmente os BRICS.
3) Recuperar a capacidade de investimento do Estado em todas as esferas – Revogar a Emenda Constitucional que impôs um teto aos gastos públicos – Estabelecer um regime fiscal para o desenvolvimento econômico – Aumentar as receitas públicas por meio de tributação progressiva – Combater sonegação e recuperar a dívida ativa – Renegociar as dívidas dos Estados e criar plano emergencial com compromisso de investimentos.
4) Investir em infraestrutura para uma economia dinâmica e eficiente – Recuperar as empresas de construção civil – Retomar as obras nos Estados – Concluir com urgência absoluta a transposição do rio São Francisco – Expandir geração de energia elétrica focada em energias renováveis baratas – Completar as obras ferroviárias de integração nacional – Criar fundo garantidor com reservas internacionais para crédito no banco dos BRICS – Lançar o fundo Nacional de Desenvolvimento e Emprego.
5) Recuperar o papel central da Petrobrás – Impedir e reverter a fragmentação, destruição e privatização da Petrobras – Restabelecer os planos de investimento da Petrobras.
6) Redução estrutural dos juros – Reduzir a taxa básica de juros real – Definir duplo mandato para o Banco Central, que deve cuidar de inflação e emprego – Reduzir os ganhos bancários no crédito dos bancos oficiais para empresas e famílias” (24/04/2017 – O VALOR)
Para realizar as medidas de investimento público na economia e de concessão aos trabalhadores, é necessário primeiro a aprovação das 3 medidas estratégicas da burguesia. Portanto, parte dos pontos se mostra apenas como pautas para atrair os trabalhadores para o pacto social ou pura demagogia de tarefas que não são mais possíveis de se realizarem de acordo com a estrutura econômica brasileira. Porém, após a aprovação dessas medidas, o programa aparece como um possível rearranjo da burguesia no Estado para o novo período de acumulação de capital.
Uma saída que vem se apresentando como plausível para o enrosco alcançado pela formação social brasileira e seu Estado é o aumento dos investimentos na indústria de armamentos. Essa guinada conflui com os interesses monopolistas que o Brasil pretende se alçar, ou seja, apesar do Brasil ser um ator econômico de relevância no globo e principalmente na América Latina e África, ainda não possui tanta relevância política e, portanto, militar. Esse também é um setor que dinamiza a indústria como um todo e corresponde aos encaminhamentos da conjuntura internacional de aumento de nacionalismos[29] e possibilidade de guerra imperialista a médio-longo prazo. O Brasil tomar esse caminho significa se realinhar no jogo e nas disputas imperialistas globais, com a possibilidade concreta de – diferente de outros momentos de sua história – se envolver diretamente nos conflitos mundiais.
O dilema posto pela formação social brasileira hoje pode ser resumido pelo presidente da ABIMAQ em entrevista à Carta Capital dia 27/03/2017: “Precisamos decidir se queremos ser uma Nigéria, uma Venezuela, ou uma Inglaterra, uma Noruega”. Cabe aos revolucionários compreender que não não é nosso papel apoiar a burguesia nacional em seus anseios imperialistas e que para o Brasil tornar-se uma Inglaterra ou Noruega, somente o faria explorando a classe trabalhadora brasileira e de outros países. Também não caminhamos para ser uma Nigéria ou Venezuela e, portanto, não há aqui qualquer possibilidade de tarefa nacional em atraso ou dependência de apenas um setor econômico primário específico.
Avaliar a posição exata do Brasil no capital-imperialismo ficará para os estudos seguintes, porém o pequeno gráfico abaixo das propinas pagas pela Odebrecht (um dentre os vários monopólios brasileiros) apenas insinua a importância econômica e política do Brasil para a América Latina e para parte do continente africano.
Junto dele também podemos citar que “o fluxo de IED que entrou no Brasil em 2015 (sempre com dados da UNCTAD) é relativamente muito maior que o registrado na China e em outras grandes economias dominadas da periferia do sistema. Enquanto no Brasil o fluxo de IED de US$ 64,64 bilhões em relação ao PIB de US$ 1,53 trilhões representou 4.22%, na China o fluxo de US$ 135,61 bilhões em relação ao PIB de US$ 10,33 trilhões representou apenas 1.30%. Na Índia, outra grande economia dominada que se destaca no cardápio do capital global, essa relação não passa de 2.2%. Isso sugere fortemente que em 2015 a economia brasileira era um espaço de valorização do capital produtor de mais-valia e de lucro muitas vezes mais fértil que as economias chinesas e indiana juntas” (Crítica Semanal – José Martins).
A classe operária e sua velha roupa colorida
“No presente a mente, o corpo é diferente e o passado é uma roupa que não nos serve mais”
(Belchior)
“Os elevados lucros que os capitalistas de um entre muitos outros ramos da indústria de um, entre muitos outros países, etc… obtêm do monopólio, dão-lhes a possibilidade econômica de corromperem certas camadas de operários e até, momentaneamente, uma minoria operária bastante importante, atraindo-a para a causa da burguesia que pertence ao respectivo ramo industrial ou à nação considerada e jogando-as umas contra as outras. E o antagonismo cada vez maior que as nações imperialistas revelam perante as ocupações de partilha do mundo reforça essa tendência. Assim nasce a ligação entre o imperialismo e o oportunismo (…). Na realidade, a particular rapidez e o caráter particularmente odioso do desenvolvimento do oportunismo, não constituem de modo algum uma garantia de sua vitória duradoura, do mesmo modo que o rápido desenvolvimento de um abcesso maligno num organismo sadio apenas pode acelerar a sua maturação, a sua eliminação e a cura do organismo. A tal respeito, as pessoas mais perigosas são as que não querem compreender que a luta contra o imperialismo, quando não se liga indissoluvelmente à luta contra o oportunismo, se reduz a uma frase oca e mentirosa.”
(Vladimir Ilich Lenin, Imperialismo, fase superior do capitalismo.)
As consequências desse cenário para a organização independente da classe trabalhadora brasileira e os desafios postos àqueles que pretendem contribuir para a revolução brasileira são gigantes. Não à toa esse ponto foi deixado por último: é o mais importante.
O fator determinante de toda conjuntura descrita até aqui e do modo pelo qual todas as contradições se desenvolveram e estão postas atualmente é a ausência da classe trabalhadora como ator independente no cenário político. Desarmada prática e teoricamente pela conciliação de classes dos últimos pelo menos 20 anos, não se pôs em movimento na trama política para acentuar a ingovernabilidade burguesa e as contradições entre as frações da classe dominante; não apresentou uma saída dos trabalhadores (socialismo) para a crise do capital, nem forçou o desvelamento do caráter de classe do Estado capitalista, abrindo perspectivas de sua destruição. Pequenas de suas parcelas se colocaram em movimento em defesa de Dilma ou do Impeachment, e agora uma parcela maior se coloca em movimento contra os ataques da burguesia e do Estado, porém com uma organização muito aquém da necessária para barrar tamanhos ataques e apresentar uma saída política favorável ao proletariado.
Dessa maneira, entender a conjuntura atual e suas contradições hoje é conseguir avaliar os impasses da formação social econômica brasileira e para onde eles caminham, rever os equívocos teóricos e práticos da classe trabalhadora brasileira e mundial no seu caminho pela emancipação, o que passa por um balanço crítico do democrático-popular e uma atualização das análises sobre o capital no Brasil e no mundo e, portanto, focar todos esforços na organização do proletariado brasileiro como força independente da burguesia e de suas disputas expressas no Estado. Esse movimento é pré-condição para construir a revolução socialista brasileira que, em tempos de acirramento de disputas monopolistas, se colocará como necessidade concreta aos trabalhadores e terá poder arrastar consigo toda América Latina.
Nota sobre os autores o artigo
Daniel e Lucas são militantes da Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora. É preciso dizer que esse texto contou com leituras prévias e debates envolvendo diversos militantes cujas contribuições em grande medida estão aqui incorporadas. O trabalho de “botar no papel” é apenas um momento do grande conjunto de trabalhos necessários para as elaborações.
Notas
[22] É importante destacar que o aumento relativamente recente da produtividade brasileira nos setores que compõe os bens salários, isto é, o valor da força de trabalho, atuam como a gravidade no que toca a apropriação dos trabalhadores da totalidade da produção social. Permite que a classe trabalhadora tenha acesso (caso possua emprego) a mais bens do que tinha antes, mesmo com a redução relativa de seus salários em relação ao que produz diariamente.
[23] As pesquisas do Datafolha sobre perfil dos manifestantes na época apontaram que “a maioria dos participantes eram homens e com idade superior a 36 anos. Disseram que possuem curso superior 77% dos entrevistados, enquanto no município o índice é de 28%. O patamar é praticamente o mesmo do aferido pelo Datafolha em outras quatro manifestações pelo impeachment em São Paulo. Ao serem questionados sobre a ocupação neste domingo, 12% afirmaram que são empresários – em São Paulo a atividade é citada por apenas 2%. A quantidade de desempregados na avenida foi menor do que na população geral. Em relação à renda familiar, metade dos entrevistados disse que está entre cinco e 20 salários mínimos. No município de São Paulo, o percentual nessa faixa é de 23%.” (14/03/2016).
[24] Uma análise sensata sobre a chegada de Temer ao governo e seu significado na conjuntura do período está em “De pontes e futuros: os caminhos da conjuntura”, por Edileuza S. Almeida no site Passa Palavra.
[25] Por um lado, a delação premiada da Odebrecht ao reverberar em diversos países principalmente da América Latina demostra a importância geopolítica brasileira e a força de seus monopólios fora do país. Por outro, a grande multa aplicada a esse monopólio, julgado nos EUA, também representa um aviso a todas empresas e países que ousarem burlar as regras e interesses do grande centro do capital. É como um tomahawk jurídico.
[26] “Segundo o presidente do conselho de óleo e gás da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ), Cesar Prata, empresários do setor foram instados a apoiar projeto de lei do então senador José Serra (PSDB-SP) que mudou as regras de exploração do pré-sal para ampliar a participação das petrolíferas estrangeiras, com a promessa de que não haveria mudanças na política de conteúdo local.
‘Essa promessa não está sendo cumprida. Demos o apoio e agora estamos nos sentindo traídos’, afirmou Prata em entrevista ao portal Brasil 247 na última sexta-feira (24). Segundo ele, além de setores do governo Temer, as pressões para excluir a indústria brasileira do jogo partiram também das petrolíferas estrangeiras.” (01/03/2017 – Rede Brasil Atual)
[27] As declarações de diversas organizações de esquerda em solidariedade (mais ou menos crítica) às empresas pegas na Operação Carne Fraca, enquanto os trabalhadores comem papelão, são prova da completa falta de conhecimento da realidade brasileira e a expressão mais putrefeita do necrorreformismo.
[28] Na crise de 2008, a General Motors foi estatizada pelos EUA e depois devolvida à iniciativa privada.
[29] “A indústria siderúrgica brasileira se posicionou de forma mais firme na discussão sobre conteúdo local. O Instituto Aço Brasil propõe que o governo assuma uma postura de defesa da indústria nacional, diante da necessidade de geração de empregos – uma das bandeiras do governo Michel Temer – e devido às atitudes nacionalistas de outros países, como a política do ‘buy american’ do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, além da intenção do mandatário americano de restringir a importação de aço, por questão de segurança nacional. ‘O governo tem de uma maneira reincidente procurado vender uma imagem de que nós temos já em andamento uma retomada da economia […] e na nossa visão isto não ocorreu, não está ocorrendo e não ocorrerá ainda no ano de 2017. […] O discurso de liberação da defesa comercial vai na contramão de tudo o que a gente viu anteriormente em relação ao mundo’, disse o presidente executivo do Aço Brasil, ‘Não podemos nos permitir a ter ingenuidade no meio dessa baita guerra de mercado que está existindo no mundo’”. (26/04/2017 – O VALOR)
Excelente artigo. Somos um país colonizado, de capitalismo tardio e implantado, com isso não possuímos, num primeiro momento, burguesia nacional já que ela não tem aspirações para a sociedade brasileira ou se quer cumpriu algum papel nesse sentido, para esta função temos o Estado, garantidor de direitos básicos e estruturador de uma burguesia nacional fraca, como a operação Lava Jato nos mostra. A pergunta que fica é não é uma super valorização dizermos, na medida do possível, que somos imperialistas? Será mesmo que a Operação Lava Jato “está consolidando mecanismos jurídicos de concorrência imperialista”, ou os imperialistas com a ajuda do judiciário estão desmontando as empresas globais do Brasil?
A questão é justamente essa, Pedro. Somente a história nos dará essa certeza. Esperamos que os próximos anos nos tire essa dúvida. Vejamos qual será o destino dos grandes conglomerados brasileiros. Abraços!