Ilya Repin, "17 de outubro de 1905", 1907

Os desdobramentos da Revolução Russa de 1905 e os seus efeitos em 1917. Por Nikolai Bukharin

A Revolução Russa e seu significado por N. Bukharin – The Class Struggle, Vol. I, No. 1, maio-junho de 1917. A primeira revolução russa de 1905 se deu como expressão de um grande conflito entre o desenvolvimento das forças produtivas e as condições politico-industriais reacionárias na Rússia. O rápido crescimento do capitalismo exigia enquanto demanda a liberdade do mercado interno, mas com o fracasso da guerra russo-japonesa a expansão dos mercados se tornou impossível. Do mesmo modo, não houve reação no mercado doméstico. A predominância do campesinato entre o povo russo ditava as regras do desenvolvimento capitalista tanto por suas exigências quanto pelo poder de compra. Havia uma igualdade entre si, mas essa igualdade se dava pela miséria. Distantes de uma nação de proletários fazendeiros, os camponeses pauperizados permaneciam nas fazendas sem qualquer tipo de migração para as cidades, e pagavam enormes quantias aos senhores feudais pelos alugueis de pequenas glebas em suas propriedades. Assim se dava as seções agrarias na Rússia: Nobiliarquia de um lado, e a fome dos miseráveis de outro. Com pouca importância, a extensão da produção agrícola capitalista só havia criado raízes nas extremidades periféricas da nação, ou seja, nas províncias do Báltico e no sul da Rússia.

É de conhecimento geral que a finalidade objetiva da Revolução estava na criação de um mercado interno e a abolição das insuportáveis condições politicas. Do outro lado, o fracasso da Revolução significava somente um adiamento da grande catástrofe social e a possibilidade de superar o atraso do desenvolvimento.

Isso se deu, sobretudo pelo sangue proletário, jamais derramado em vão, que circulava nas veias em 1905. A velha autocracia deu lugar a um novo regime pseudo-constitucional apresentando em boa medida uma oportunidade de conduzir um trabalho amplo de educação revolucionária entre o proletariado.

Mesmo de um ponto de vista estritamente econômico, as consequências da primeira Revolução teve grande importância. Houve mudanças fundamentais na estrutura da indústria nacional bem como um reajustamento nas relações de classe.

Ivan Vladimirov, “Domingo Sangrento”, 1905

Os terra-tenentes, aterrorizados pelas revoltas campesinas, venderam suas propriedades diretamente aos inquilinos ou através da agência dos chamados “banco rurais” (Krestjansky Bank), instituição que, via de regra, funcionava como agência de negócios da nobreza. Dessa maneira, uma pequena parte das posses do grande senhoril passava para as mãos dos fazendeiros mais ricos. Com o chamado programa de Reforma Agrária do ministro czarista, Stolypin, se dissolvia as antigas “comunidades rurais” (obshina) e dividia-se a terra destas comunidades cujas melhores áreas acabaram por ficar na mão de um pequeno estrato da burguesia rural. Em suma, produzia-se em todas as regiões o fortalecimento dessa classe cujos membros adotavam como organização bases cooperativas.

Porém, deve-se ressaltar algumas mudanças no status quo dos terra-tenentes. O voo da moderna agricultura capitalista revelava um fenômeno que poderia ser atribuído principalmente pelas novas condições do mercado mundial. O preço do trigo e do centeio, por exemplo, aumentava a passos largos. Tornava-se mais rentável produzir pelos modernos métodos capitalistas enquanto o antigo sistema produtivo fracassava. É dai que o capitalismo agrário russo pode ganhar autentica posição de destaque.

Com efeito, no campo industrial não foi diferente. Antes da Revolução, a Indústria foi constituída por grandes peculiaridades. “Nós” tínhamos por um lado um sistema de produção altamente fragmentado, desorganizado, de pequena escala, e por outro, empreendimentos gigantescos que frequentemente empregavam de 15.000 a 20.000 mil trabalhadores e empregados. Após a Revolução houve um grande salto nos limites da concentração de capitais. Todavia, quando se dá inicio a era contrarrevolucionária surgiram poderosas associações de fabricantes, associações de empregados, trustes, sindicatos e centrais, casas e corporações bancárias. Atualmente, na Rússia a monopolização é gigantesca em alguns ramos industriais; o açúcar, por exemplo, bem como o aço, a nafta, os têxteis, e as indústrias de mineração do carvão, estão na mão de poucos sindicatos. É dai que surge o poder das grandes organizações burguesas e do capital financeiro, interessado principalmente nas exportações e no comércio.

É verdade que a Revolução não criou um mercado interno. Só houve o aumento da fome de lucros dos “nossos” financistas. Protegidos por rigorosas medidas protecionistas que lhes permitiram vender de modo comparativamente mais barato no mercado mundial, os capitalistas russos começaram a vender seus produtos na Pérsia, nos Balcãs, na Ásia Menor, etc., e até mesmo no extremo Oriente. Aumentaram-se assim as operações bancárias com empréstimos estatais à China, Pérsia, etc., ao passo que estava na ordem do dia produzir operações diametralmente opostas aos interesses dos capitais inglês, francês e alemão.

A própria Revolução, como vimos, não resultou em nenhuma sublevação radical. Muito pelo contrario, foi justamente no período contrarrevolucionário que se deu o crescimento do capitalismo financeiro e sua política expansionista, ou melhor dizendo, imperialista.

Duas classes surgiram do caos social: a burguesia liberal, que gradualmente se transformava em uma burguesia imperialista, e o proletariado. Durante os primeiros anos da Revolução Russa, as especificidades da Revolução já estavam nitidamente evidentes, embora o conteúdo objetivo da Revolução caminhasse harmonicamente com o capitalismo. As demandas exigidas pelas massas possuíam características estritamente burguesas: puramente democráticas e republicanas em sua natureza; já as reformas econômicas estavam compatíveis com os interesses do capitalismo – como, por exemplo, a jornada de oito horas, o confisco de terras, entre outras. Mas, embora a Revolução de 1905 fosse a Revolução democrático-burguesa da Rússia, a força motriz subjacente a essa revolta não foi de modo algum da burguesia liberal, mas sim do proletariado e do campesinato revolucionário que lutavam juntos sob a direção do proletariado. Essa aparente contradição pode ser explicado pelo fato de que a Revolução Russa chegou atrasada, já que na época o proletariado havia se tornado um fator fundamental nas lutas sociais. É assim que se explica o papel secundário de nosso liberalismo entre os períodos da revolução e o czarismo, que resultou na traição de toda a Revolução. No período mais critico da revolução, os liberais já eram completamente contrarrevolucionários.

Domingo Sangrento, 1905

O surto da guerra lavou completamente o movimento revolucionário na Rússia. A sinalização do surto nas fileiras da burguesia (incluindo os elementos liberais e radicais) foi um indescritível fervor patriótico. A politica da conquista exercida pela nobreza e pelos latifundiários estava em comum acordo com as pilhagens controladas pelas altas finanças da nação. Há muito tempo Mr. Miljukoff cantava com tons de elogio à politica sangrenta exercida pelo governo do czar na Pérsia e nos Estados dos Balcãs. Nascia-se assim a paz civil, mesmo que grande parte do proletariado se opusesse a ela de forma ativa e imutável.

Mas as contas da nova classe liberal, por fim, não fechavam. O governo czarista, mesmo com o apoio mais enérgico dos liberais, mostrou-se ineficaz em todos os aspectos. A corrupção, o roubo sistemático, a completa desorganização de todo o aparato administrativo tornavam-se cada vez mais aparentes. As necessidades da guerra tinham arruinado praticamente todo o organismo da economia nacional russa. Em vez de aumentar a produção dos gêneros alimentícios, houve uma redução do território cultivado. A força de toda a nação estava extraída do trabalho produtivo e seguia-se uma escassez de inúmeros artigos importantes de consumo.

O caos reinava nas finanças do estado. Nesse sentido, o governo czarista tentou cobrir por uma promíscua impressão de papel-moeda enormes valores para empréstimos de guerra e pagamento de juros, montantes incalculáveis necessários para pagar todos os tipos de manufaturas de guerra. Naturalmente seguiu-se esse curso de depreciação constante no valor do papel-moeda até que valessem pouco mais de 50 por cento do seu valor nominal. Isso significava um aumento insuportável nos custos para se viver. Durante a guerra, na Rússia, os altos preços não foram causados apenas pela escassez real de suprimentos, bem como as especulações de monopólios, mas também, e em grande medida, pela ruinosa política financeira do governo.

Ao mesmo tempo, o colapso do sistema de transportes aumentou a calamidade geral, provocando uma completa desorganização do mercado interno. Pela falta dos meios de transporte, a venda das mercadorias foi limitada a um número pequeno de mercados nas localidades em que se produziam.

O aumento dos impostos foi outra consequência da guerra; todas as tentativas de tributar as classes mais ricas também foram empurradas sobre os ombros do proletariado e do campesinato por meio de preços acrescidos, ao passo que se intensificava o trabalho e se derrubavam as miseráveis “leis trabalhistas” russas.

Foi sobre essa “fundação econômica” que se construiu uma correspondente “superestrutura politica”.

A administração central, tanto civil como militar, estava nas mãos do Rasputin, o czar e seus seguidores, a camarilha de idiotas desleixados, religiosos, supersticiosos, degenerados e ladrões da corte, que sempre haviam encarado a nação russa como propriedade familiar. Já a administração local estava nas mãos de governadores autocráticos que governavam seus territórios como os Sátrapas do antigo Oriente.

Como mostra a história de uma seção da magistratura de Moscou foi realizada uma séria discussão sobre o tamanho do suborno utilizado para persuadir os funcionários da ferrovia russa para garantir o transporte de carne da Sibéria para Moscou sob os mandos da corrupção das altas finanças.

Sem embargo, há de se destacar certa peculiaridade na “paz civil” russa, se comparado a todos os outros países. De fato houve um sistema de amordaçamento e opressão que não se via desde o fracasso da primeira Revolução. A imprensa trabalhista foi suspensa, os sindicatos dissolvidos, os trabalhadores grevistas foram enviados para o front e para as prisões, quando não foram executados. Só em Iranovo-Wosnesensk mais de 100 trabalhadores foram mortos. O proletariado e o campesinato foram segregados nos campos de batalha e abatidos em série. Se a Rússia foi capaz de resistir contra as potências centrais por tanto tempo foi somente por haver uma reserva quase inesgotável das forragens de canhão.

Sob tais circunstâncias, ficou provado que o regime czarista foi incapaz de realizar até mesmo seus próprios planos de usurpação, sem mencionar até mesmo os de seus partidários liberais, chamando a atenção da oposição liberal imperialista. Já os oprimidos, e o sofrido proletariado, lançavam-se sob a bandeira da guerra civil, assistido por grandes grupos campesinos. A burguesia liberal (os cadetes e os outubristas) e, com eles, os social-nacionalistas, que não são senão seus vassalos subservientes foram organizados principalmente em Semstwo bem como em unidades municipais. Estes flertavam com o Grão-Duque Nikolai, com seus aliados democráticos, e com círculos dirigentes dentro do exercito. Na Duma formou-se o chamado “bloco progressivo”, como expressão parlamentar da burguesia imperialista.

Ilya Repin, “17 de outubro de 1905”, 1907

De fato, nota-se certa inocência da oposição quando esta se colocava em pleno acordo com a máxima: “Nenhuma infração a lei”. Nas palavras de Mr. Miljukoff “se a vitória significar revolução, eu não quero a vitória”.

Já com as massas proletárias não foi bem assim. Apesar do manifesto “pacificador” de alguns traidores nacional-socialistas, a vanguarda proletária desenvolveu uma intensa atividade revolucionária. As manifestações nas ruas, as greves, a greve geral e as revoltas dos trabalhadores e grupos militares estabeleciam unidade nos métodos utilizados na luta. De certo modo, essas ações de massa pavimentaram o caminho para a queda final do regime czarista. A primeira onda da segunda revolução quebrou o trono russo.

Assim, dava-se o primeiro passo da Revolução; a estrutura social da maquina estatal foi alterada, e uma nova classe assumiu o poder. A velha classe semi-feudal, nobre, proprietária de terras foi derrubada. Em seu lugar estava os novos governantes, a moderna burguesia capitalista.

Mas era inevitável seguir a uma segunda etapa: a transformação da pátria do Gutschkoff-Miljukoff em pátria do proletariado.

Como foi possível os imperialistas levarem a vitória, já que eram qualquer coisa menos revolucionários? A resposta é simples. E tendencialmente ela aponta para um compromisso entre as classes dominantes. A revolução ainda não era suficientemente forte para derrubar o sistema capitalista; ela só efetuou um deslocamento das frações da burguesia colocando a ala mais progressiva no leme, afastando assim a nobreza reacionária. Mas a revolução crescia constantemente. Mesmo agora, enquanto essas linhas são escritas, existem em Petrogrado dois governos: um da burguesia imperialista, que foi alegremente saudado pelas classes burguesas de outras nações aliadas; e o outro, da maquina governamental do proletariado, o conselho de trabalhadores e soldados.

A luta entre a classe operária e os imperialistas é inevitável. Mesmo as reformas que foram proclamadas pelo governo provisório a título de concessões se deram por medo das ameaças do proletariado. O governo liberal não tem condições alguma de cumprir o programa que lhe foi imposto. O alto custo de todos os bens de primeira necessidade e a crescente carga de tributação pode ser reduzido a um grau mensurável apenas pela liquidação da guerra; pelo confisco; pela anulação das dívidas do Estado; pela tributação das classes possuidoras; pela fixação das horas de trabalho e de salários; bem como pela organização de obras públicas, etc.

Mas Miljukoff e sua classe devem pagar as dívidas que estão atreladas aos bancos ingleses, franceses e americanos. Eles devem defender o principio de propriedade privada, além de continuar a política de usurpação, aliás, politica que é suicida no atual estágio de desorganização. É preciso declarar a bancarrota do governo, para assim se abrir os caminhos para o proletariado.

Mas a conquista do poder politico pelo proletariado não significa, nas circunstancias existentes, uma revolução burguesa, na qual o proletariado desempenhe o papel de vassoura na história. O proletariado deve, de agora em diante, impor uma mão ditatorial à produção, representando o início do fim do sistema capitalista.

Contudo, uma vitória duradoura do proletariado russo é inconcebível sem o apoio do proletariado da Europa Ocidental. E este apoio está plenamente garantido pela atual situação internacional. Com certeza, a Revolução Russa tem suas anormalidades especificas. Mas é, como produto da guerra mundial, apenas parte da revolução mundial do proletariado, cujo primeiro passo representa.

Guerras e revoluções são as locomotivas da história, disse um dos nossos professores socialistas. E a guerra atual estava destinada a produzir a revolução. A ruína de toda a economia nacional e com ela a maior concentração de capital, a formação de gigantescas unidades de produção, a adoção do capitalismo de Estado, o avanço das grandes massas no cenário da história e os respectivos sofrimentos das mesmas. A opressão do povo – e seu armamento – todos esses conflitos devem encontrar sua solução em uma gigantesca catástrofe.

Há mais de 100 anos, quando a burguesia francesa cortou a cabeça de seu rei, acendeu-se a tocha da revolução na Europa. Este foi o sinal para toda uma série de revoluções capitalistas. Hoje a burguesia está no seu túmulo. Tornou-se a cidadela da reação. E o proletariado chegou para destruir sua ordem social.

O apelo às armas para esta grande revolução é a Revolução Russa. Ao certo, as classes dominantes podem tremer diante de uma revolução comunista. O proletariado não tem nada a perder senão seus grilhões; além de ter um mundo a ganhar.

Traduzido do original em inglês no marxists.org por João Victor Moré Ramos e revisado pelo Passa Palavra, este texto integra o esforço coletivo de traduções dos 100 anos da Revolução Russa (confira aqui o chamado e a lista completa de obras).

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here