Por João Bernardo
A pandemia chegou ao Brasil.
Os últimos dados de que disponho indicam 533 brasileiros contaminados e 4 mortos, o que significa uma taxa de mortalidade de 0,8%, muito baixa em comparação com a média mundial (4,1%), e sobretudo em comparação com os países mais atingidos (8,3% em Itália, por exemplo).
Mas notem que em Portugal, neste momento, a taxa é de 0,4% (785 casos de infecção e 3 mortes), o que não nos impede de tomar medidas bastante rigorosas, ou até nos estimula a tomar essas medidas. Para me limitar ao essencial, actualmente, e pelo menos nas principais cidades portuguesas, as pessoas só saem de casa quando têm necessidade imperiosa de o fazer, para comprarem bens essenciais ou se dirigirem para o trabalho, nos casos em que a presença física é exigida; os restaurantes estão, por determinação governamental, reduzidos a 1/3 das mesas, mas grande parte fechou e mesmo os que estão abertos praticamente não têm clientes; as salas de espectáculos fecharam, bem como os estabelecimentos de ensino e as creches; todos os cultos colectivos, de todas as religiões, estão encerrados; os recintos desportivos estão encerrados também (aliás, se «a religião é o ópio do povo», o futebol não o é menos); grande parte das lojas fechou e só estão obrigados a abrir os bancos, os estabelecimentos de venda de alimentos e as farmácias; as farmácias atendem o público só por um postigo, e os clientes fazem uma fila de espera na rua, mantendo entre cada pessoa uma distância de metro e meio a dois metros; nos supermercados e hipermercados há um limite de 1 cliente por 25 m², e no caso de esse limite estar preenchido as pessoas fazem fila, nas condições que descrevi; os bares, discotecas, pubs e similares estão encerrados; tanto quanto pude verificar, as pessoas evitam ajuntamentos e, se conversam na rua, mantêm geralmente uma distância de metro e meio a dois metros; não há contactos físicos, nem apertos de mão, nem abraços, nem beijos, limitando-se as pessoas, no máximo, a tocarem os cotovelos. E, evidentemente, os infectados que não necessitem de tratamento hospitalar e as pessoas que contactaram com infectados respeitam a quarentena domiciliária.
Notem que tudo isto se passa sem qualquer fiscalização policial. Não há policiais a dizer às pessoas para se afastarem ou não se abraçarem. Só à porta de supermercados e hipermercados é que vejo seguranças a deixar entrar uns clientes à medida que outros saem. E isto passa-se entre portugueses, um povo de cultura latina, pouco propenso à obediência. Mas que – tanto quanto posso testemunhar e segundo as informações de que disponho – soube autodisciplinar-se. Encontro nestes casos a promessa de uma sociedade que saberá organizar-se a si mesma.
Ora, a minha preocupação quanto ao Brasil ocorre em dois planos:
A) No plano governamental, parece-me difícil que se disponibilize o número de testes que virá a ser necessário. As autoridades espanholas, por exemplo, anunciaram há poucos dias que não conseguem, nem irão conseguir, ter o material de testes na quantidade necessária. Serão as autoridades brasileiras mais eficazes do que as espanholas? Parece-me difícil também que o governo brasileiro consiga equipar com material de protecção adequado todos os profissionais da saúde (médicos, enfermeiros e auxiliares) que contactem com infectados ou presumíveis infectados. E como é que o governo federal, os governos estaduais e as prefeituras assegurarão a higienização dos transportes públicos e o aumento do espaço entre os passageiros?
B) No plano da população a situação parece-me igualmente preocupante, se não mais ainda. A cultura brasileira é 1) indisciplinada, 2) festiva e 3) aprecia o contacto físico. Será que os duzentos e dez milhões de brasileiros conseguirão, da noite para o dia, deixar de frequentar lanchonetes e cervejarias, deixar de organizar festas, de se encostarem uns aos outros e será que conseguirão fazer filas mantendo um metro e meio de distância entre as pessoas? Duvido.
Há outra coisa que me preocupa também, e que eventualmente diz respeito ao Passa Palavra. Nos meios libertários e anarquistas, inevitavelmente circularão textos atacando o «autoritarismo clínico» e defendendo o «direito à liberdade» numa situação de pandemia. Não me incomoda nada que essas pessoas comprometam assim a saúde delas e se exponham a morrer, o que me preocupa é que comprometem a saúde dos outros e expõem os outros a morrerem. Na luta contra a pandemia, cada um de nós não se defende só a si próprio, mas defende também os outros.
Com este tipo de atitudes, que eu encontro em vários textos, provenientes de vários países, esses meios libertários e anarquistas reflectem aquilo que no fundo os caracteriza — o individualismo. Para muitos desses pretensos militantes – eu diria mesmo para a maior parte deles – o esquerdismo é apenas um álibi ou um disfarce do egoísmo e da preguiça. Em circunstâncias normais este tipo de individualismo não tem nenhuns inconvenientes. Torna apenas esses pretensos militantes ineficazes, o que aliás é uma vantagem. Mas nós não estamos a viver, ou a morrer, em circunstâncias normais, e aqueles comportamentos passaram agora de ineficazes a mortíferos.
Contra o individualismo e o egoísmo, defendemos a solidariedade. Contra a preguiça, defendemos a autodisciplina. Na situação actual precisamos de um esforço de auto-organização que nos leve, por nós próprios e sem esperarmos as imposições governamentais e as fiscalizações policiais, a respeitar e difundir as normas de segurança indicadas pelos cientistas e pelos profissionais da saúde. Se a autogestão da sociedade é preparada pela autogestão das lutas, agora ela é preparada também pela nossa capacidade de autodisciplina no combate à pandemia. Trata-se de ser solidário com os outros, de evitar que os contaminemos. E a solidariedade parece-me ser a base de qualquer luta anticapitalista.
A fotografia de destaque é de Maxim Shipenkov e a última é de Armando Babani. Ignoro quem é o autor da outra fotografia.
João Bernardo, o que você pensa sobre o revival do estatismo (o Estado como redentor social) em meios esquerdistas, acelerado em tempos de pandemia? Há um neostalinismo em ascensão nas redes sociais e uma gama enorme de marxistas (partidários ou não) que, no campo econômico, são keynesianos de cabo a rabo. Espalham a ideia de que a intervenção estatal na economia soluciona todos os problemas e suas críticas se resumem ao neoliberalismo (uma forma de capitalismo), o que pressupõe a defesa de outro capitalismo (o bonzinho), o regulado. Acha que essa é uma tendência “com futuro”?
Eu não sei se deveria comentar aqui ou não, mas o faço. É comum que o colonizador tenha sempre definido o comportamento daqueles a quem colonizou por alegorias que constroem estereótipos utilizados quando e como é conveniente. Festivos, indisciplinados, luxuriosos, há 500 anos se movimentam termos assim. O que me preocupa na situação brasileira é bem mais grave do que a silhueta desenhada numa mente sobre hábitos e culturas de um povo. Com 40% da população na informalidade, num país absurdamente racista (e porque não higienista?), que opera normalmente em estado de exceção (basta verificar a expansão do encarceramento no Brasil ou o traço letal de suas polícias – militarizadas, é bom que se recorde), que nunca eliminou a presença marcada da fome entre os mais pauperizados, com 38 milhões sem acesso a saneamento básico, com a superpopulação de unidades habitacionais precárias, insalubres e desprovidas em grande parte de tratamento de esgoto e com uma população de mais de 200 milhões de pessoas distribuídas de modo segregatório no enorme território, como é que se espera definir o que é autodisciplina?
Como pode-se exigir que autodisciplina se realize em contextos absolutamente distintos de forma igual ou mesmo equivalente?
Sem água e sabão para lavar as mãos, moradores de barracos de madeira superlotados de pessoas pobres serão penalizados e criminalizados por saírem de suas “casas”?
A solidariedade que nasce da autodisciplina, que reconhece a própria responsabilidade perante o outro, também deveria estar minimamente visível em análises de pessoas que se postulam como anticapitalistas consequentes. Não percebi nem ao menos uma indicação neste texto que considere a condição da autoria na sua cobrança à toda uma população.
Estou ferrado. Preciso de transporte coletivo para trabalhar e às vezes pego táxi ou um Uber da vida o que nas condições atuais não ajudam muito.
Eu sou brasileiro e concordo que os brasileiros são indisciplinados, festivos e gostam de contato físico. Não vejo nenhuma mentalidade colonial nessa afirmação. Aliás, essas são características que me parecem evidentes desde muito cedo. Sou professor e na escola onde trabalho foi tão difícil conscientizar os alunos da necessidade de manter distância, reduzir contatos, lavar as mãos e obedecer às demais regras recomendadas pelas autoridades sanitárias que muitos ficaram aliviados quando as aulas foram suspensas; eu fui um desses. E muitos alunos, quando as aulas ainda não tinham sido suspensas e tentávamos convencê-los a mudar o comportamento, respondiam que o problema não era “assim tão grave”, “relaxa”, “são só os mais velhos” que morrem, “todo mundo vai morrer um dia mesmo”, “meus pais disseram que isso aí tudo é exagero”, etc. Os pais dos alunos, quando vinham procurar saber por que as aulas seriam suspensas, respondiam coisas parecidas. A atitude individualista é muito difundida e a falta de disciplina é bastante generalizada. Por fim, existem muitos outros países pobres mundo afora e nem por isso a população é indisciplinada como a do Brasil.
Paulo Henrique,
Os neo-stalinistas, a extrema-direita e os fascistas, que neste momento compõem um mesmo caldo de cultura, irão apresentar a eficácia da resposta chinesa ao codiv-19 — esquecendo, no entanto, a ineficácia do ocultamento inicial — para defenderem os regimes ditatoriais e centralizados. E farão isso tanto mais facilmente quanto as pessoas forem incapazes, por elas mesmas, de mostrar autodisciplina e solidariedade.
Quanto ao neo-keynesianismo, ou àquilo que é assim chamado — pobre Keynes! — procurei abordar a questão numa série de seis artigos iniciada aqui. Penso que a pandemia poderá servir para estimular essas noções.
Teresa Damasco,
A senhora esqueceu-se de comentar que, além de eu ter nascido na Europa, tenho um baixo teor de melanina, possuo pénis e sou heterossexual, o que sem dúvida contribui para o carácter estereotipado das minhas apreciações.
O texto começa muito bem. Mas mais uma vez o autor demonstra preconceito e hipóteses reacionárias sobre o anarquismo. Inventa, hiperdimensiona, ou generaliza uma posição individualista que sequer foi propagada pelo anarquismo! Marxista autogestionário ok, mas quando fala do anarquismo, fala como um verdadeiro estalinista/leninista. Lênin nao estaria menos satisfeito.
Teresa Damasco, crer que os pobres, apenas por serem pobres, são incapazes de autodisciplina é extremamente preconceituoso. Não somos animais que respondem somente aos nossos instintos mais baixos. Creio e quero continuar crendo que os pobres deste mundo são capazes de pensar por si próprios e governar não só sua própria vida, mas toda a sociedade.
Texto lamentável. Jõao Bernardo coloca no ponto B uma visão eurocêntrica, colonizadora e ignorante sobre o Brasil. Me surpreende o espaço dar abertura para uma colocação absurdamente preconceituosa como essa (outros pontos já foram bem colocados em um comentário mais acima, respondido pelo autor com a delicadeza de um bolsonarista)
Pra além disso, o ataque ao Anarquismo beira o delírio. Um autor que se pretende materialista faz um comentário digno de futurologia, dizendo que “inevitavelmente” aparecerão textos de anarquistas defendendo posições individualistas. Qual organização anarquista defendeu essa postura? O autor leu os posicionamentos de organizações anarquistas sobre o tema?
Para aliviar a tensão, é satisfatório e cômico ver como os “anarquistas” se sentiram incomodados com um suposto ataque do João Bernardo ao “anarquismo”. Querem passar a imagem de imaculados, pois sua posição enquanto “anarquistas” deriva de uma apreciação moral e estética, e o risco de serem mal vistos é para eles um risco de morte social, já que não corresponde às narrativas heroicas que projetam em seus perfis nas redes sociais, junto das imagens de máscaras nas manifestações, no meio dos confrontos e etc. É essa a função em que mais se empenham na sua “militância”, e por isso se doeram tanto — e que continuem a se doer, pois é muito engraçado!
No mais, o texto é uma boa dose de sensatez no meio da nebulosidade ideológica em que a esquerda está inserida e que se demonstra nos comentários.
Coronga Vairus, no que se baseia suas afirmações sobre anarquismo? Quais organizações anarquistas defendem isso? Teu comentário reflete um desconhecimento histórico gritante e sem qualquer base materialista, baseado na caricatura e na ignorância. É o equivalente a dizer que o marxismo defende que o Neymar é vítima do imperialismo, e me basear para isso em um texto do PCO. Qual a base material para a afirmação e que a maior parte do anarquismo é individualista? Fontes, dados? A História prova o contrário.
No mais, é incrível ver que tem gente que acha que o ponto preocupante do coronavírus no Brasil é a “cultura indisciplinada e festiva” do brasileiro. No mais, o texto é mesmo uma mistura de idealismo com futurologia, pois fala de modo abstrato de “solidariedade” sem citar renda básica, abono de faltas, cancelamento de dívidas e cobranças, responsabilização de empresas de aplicativo, dentre inúmeras outras medidas que estão sendo defendidas pelo anarquismo social nos movimentos onde atual- em frentes comunitárias, sindicais, agrárias, estudantis.
Agradeço aí a quem escreveu o texto. Muito importante. O que não atrapalha, soma. Acho uma perda de tempo discutir palavras neste momento, estamos na hora de discutir atitudes. Teresa Damasco, Leandro e Lucas estão errando a mão. Deviam propor algo tipo o que o irmão Deivison Nkosi (https://www.facebook.com/sdeivison/posts/3186818988208947) andou dizendo por aí:
“Salve família, tenho lido muitos relatos coerentes lembrando que em uma sociedade desigual como a nossa a quarentena é privilégio para poucos e que nas quebradas (das periferias ou dos centros) ou mesmo para o povo que vive nas ruas o bagulho é diferente. Nestes lugares o trabalhador (a maioria preto) é jogado à situações degradantes de moradia, saneamento, trabalho e transporte e, por isso, não pode se dar ao luxo de seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde.
Escrevo este post para concordar com essa preocupação, mas também para fazer algumas considerações que podem ser importantes:
1. É fundamental denunciar essa Necropolítica de classe e raça que impede que tenhamos acesso às mesmas condições de cuidado contra a epidemia. NO ENTANTO, seguir apenas repetindo que “para a periferia a quarentena é um luxo incansável” é contraproducente e não resolverá o problema que está por vir e acaba se convertendo em um tipo de negacionismo irracional. Este é o momento de, partindo dessa correta constatação, pensar, então O QUE FAZER.
2. um grande desafio agora, é convencer o nosso povo (especialmente os nossos mais velhos) de que a situação é séria e requer cuidados difíceis, mas necessários, neste momento (cancelar aquele bom papo no bar, aquele churrasco, o beijo no rosto ou na boca, e, por que não? adotar a saudação wakandiana, rsrs). Isso não significa ignorar que o nosso povo vai ter que continuar pegando o trem e busão lotados, vai seguir se expondo enquanto trabalha de forma precária (pq a maioria é autônomo ou operário). A questão que pouco falamos é, CASO NÃO SEJA POSSÍVEL SE ISOLAR, que redução de danos podemos utilizar? Penso que devemos começar a falar também em como mobilizar os meios disponíveis para nos defender:
– se não posso me isolar, posso evitar, pelo menos cumprimentar dando as mãos ou beijo?
– se tenho que pegar o busão ou o trem, posso usar máscara? e se não há outros recursos como lenço (gangsta stile), bandana ou coisa parecida que posso usar?
– se precisei usar transporte público ou pegar em dinheiro ou mercadoria de outra pessoa: da para usar álcool em gel após cada contato? se não tiver álcool em gel, da para improvisar lenço umedecido ou mesmo uma garrafinha de água com detergente?
Talvez um dia se discuta o grau de eficiência destas medidas, ou os epidemeologistas indiquem outras mais efetivas, mas por hora, a pergunta mais sensata deve ser: “quais os meios disponíveis em cada realidde podemos lançar mão para diminuir o máximo a vulnerabilidade ao contágio?”. Esse debate é tão importante quanto a constatação de a quarentena nã chega na favela.
3. Se o bagulho virar The Walking Dead (com comércios totalmente fechados, crise de abastecimento, caos social e pessoas saqueando comércios em desespero), talvez, teremos que nos antecipar e ir organizando grupos comunitários (aqui a militância verdadeira – não a que se limita à internet – pode ter uma função importante) para suprir as ausências do Estado nas quebradas: fazendo compras para os mais velhos ou com dificuldade de locomoção; arregimentando doações para moradores de rua e os mais necessitados; e eventualmente, pensando estratégias de socorro (locomoção para hospitais, para quem precisar) e até de segurança das quebradas, pq o medo e a necessidade extrema pode libertar monstros horríveis que coabitam adormecidos ou em parceria com o melhor de nós… tudo sem esquecer a própria segurança!
4. Para além de tudo isso, os momentos de crise oferecem ótimas oportunidades para colocar em reflexão, ao mesmo tempo que agimos, que sociedade é essa que nos coloca nessa situação de vulnerabilidade e, sobretudo, que sociedade queremos daqui pra frente e qual é o papel dos bens públicos como o SUS, diante do interesse comum. O capitalismo está entrando em uma das maiores crises dos últimos anos e A SOLUÇÃO DELES para a crise é aumentar a precarização da NOSSA vida através de reformas que destroem a educação, renda, moradia e, sobretudo, de saúde dos NOSSOS. Como um urubu que sobrevoa a carniça que ainda nem veio à óbito, Paulo Guedes já está propondo aproveitar o momento pra “acelerar as reformas”. “É a nossa destruição que eles querem, física e mentalmente o mais que puderem” (Racionais, Mcs).
Por fim, é mais que o momento de politizar a distribuição desigual de recursos de saúde e saneamento e nos apropriarmos desta luta (independente de qual igreja teórica a nossa militância se baseie). O SUS (e também as pesquisas de saúde que podem nos salvar neste momento) vem sendo atacados por este governo messiânico e fundamentalista, mas mesmo antes destes ataques, o Sistema Único de Saúde já chegava com mais precariedade aos territórios negros, rurais, quilombolas, ribeirinhos e, à população de rua ou dos cortiços dos grandes centros urbanos (o Racismo institucional). Há o risco deste Racismo Institucional se repetir agora, no momento de crise… Ao acompanhar um parente ou amigo necessitado, que precisar do Sistema de Saúde, teremos que nos colocar como militantes da saúde pública e universal (princípios do SUS).
Penso que este é o momento das Redes Ativistas de Saúde se apresentarem para a população como mediadores e aglutinadores do que chamamos de controle social das políticas de saúde, de forma a ajudar as pessoas comuns a não lutarem sozinhas. Seguiremos defenderemos o SUS com toda a nossa força, mas sabemos que a necropolítica tem endereço, especialmente em momentos de crise.
Hora de nos preparar para colocar nossas teorias em prática e, mesmo sob isolamento biológico, romper o isolamento social e político que fomos confinados e acabamos aceitando.”
Viram como se pode ser militante e inteligente ao mesmo tempo?
Lucas não entende nada de luta de classes, e vem fazer patrulha esfregando as “demandas” das organizações anarquistas na cara dos outros. Todo mundo tem de seguir a linha. Parece a petezada com a história de “Lula livre” querendo dizer pra gente o que fazer.
“renda básica”: para quem tem bolsa-família e outros benefícios que dão décimo-terceiro, o governo já está antecipando os pagamentos. Inclusive foram os capitalistas que inventaram essa história, o PT veio na rabeira e transformou em bolsa-família. Nunca precisaram de anarquista nenhum para fazer o que já fazem.
“abono de faltas”: isso é luta de classes, meu consagrado, não é brincadeira no playground do seu prédio. Empresa que não quiser, não vai fechar, e pronto. Só vai fechar quando receber ordem do Estado. Vai falar com o jurídico do sindicato sobre “caso fortuito” e “força maior”, e veja como é fácil abonar faltas em tempo de pandemia.
“cancelamento de dívidas e cobranças”: isso é luta de classes, abençoado, não é brincadeira no playground do seu prédio. A quarentena deve durar uns quinze dias. O capitalismo, enquanto não for derrubado, vai durar muito mais. O Estado e as empresas sabem disso, e as empresas mais espertas já estão providenciando exatamente o que as organizações anarquistas estão pedindo.
“responsabilização de empresas de aplicativo”: meu bom, é isso que os cachorro loko pedem faz tempo. Não precisava organização anarquista nenhuma para “dizer” a eles o que fazer.
Para resumir: Lucas apresenta as organizações anarquistas quase como “engenheiros de obras prontas”, e não diz nada sobre o que anda fazendo para ajudar os mais próximos com a pandemia.
João Bernardo, assim como você eu também sou futurólogo! Minha aposta era a mesma que a sua e olha o texto que eu encontrei.
https://crimethinc.com/2020/03/16/contra-o-coronavirus-e-o-oportunismo-do-estado-anarquistas-na-italia-relatam-a-disseminacao-do-virus-e-da-quarentena
Reproduzo um trecho: “Resumindo, o medo do contágio está difundindo o pânico generalizados, em nome de uma suposta segurança, essas novas restrições limitam perigosamente a liberdade, justificando o estado de emergência indiferente dos impactos que trará aos pequenos comércios e empresas familiares. Mas o verdadeiro perigo, aquele com o qual deveríamos nos preocupar, não é tanto o risco de contágio, mas aquele ligado à ignorância de um governo que vazou o rascunho de um decreto que, como ressaltou o virologista Roberto Burioni, “apavora as pessoas”. Basicamente, essas medidas drásticas proíbem as pessoas de trabalhar e impõem o “trabalho inteligente” a um número maior de pessoas trabalhadoras, limitam a velocidade de movimento em algumas áreas, pressionam as pessoas a ficar em casa e proíbem todos “encontros” públicos (internos ou externos). Todo direito é cada vez mais restrito ou negado. Tudo isso, em meio ao consequente pânico em massa e isolamento social de milhões de pessoas.”
“O que não atrapalha soma”: o texto do Deivison é muito bom, tudo o que o texto do João Bernardo(que mistura preconceito com desqualificação de outra corrente política não é). Não vejo qual o problema em concordar com todos esses elementos e apontar que o texto do João Bernardo é tosco.
“Engenheiro de obras prontas”: não tem playground onde moro, acredite. Citei as pautas que o anarquismo tem defendido pra contrapor ao que o autor do texto coloca (que o anarquismo é individualista e iria defender “liberdades individuais” sem se preocupar com a solidariedade) e pra apontar que o texto não traz sequer uma definição de o que seria a solidariedade nos tempos em que vivemos.
Por fim, não tenho qualquer interesse em dizer o que eu faço ou deixo de fazer. Mas tem muita gente nesse momento lutando por pautas como essas em bairros, ocupações, locais de trabalho; paralisações em callcenter, organização de entregadores, etc.
Sobre a sua aula sobre luta de classes, dispenso. E não deixo e ficar impressionado em como o autor tem um séquito de defensores que não aceitam críticas a um comentário completamente preconceituoso e ignorante como o apresentado no ponto B.
Lucas, as coisas são o que são. Não adianta mandar os fatos saírem pela porta que eles voltam pela janela. Taí em cima o “textão” da CrimethInc que não me deixa mentir. “Ah, mas CrimethInc não é anarquismo blá blá blá” E quem é que tem o “anarcômetro” aí para dizer quem é e quem não é anarquista? Tem um comitê central a quem se possa perguntar? Só pega na mente das pessoas aquilo que acontece de fato. Precisar defender certo setor do anarquismo de duas ou três linhas num site de baixo alcance mostra a enorme relevância política e social deste setor. Fico por aqui. Te deixo o prazer da última palavra, se quiser. Afinal, são só palavras…
Este artigo tem 72 linhas. Eu refiro os «meios libertários e anarquistas», aliás não só do Brasil, mas de vários países, em 8 linhas, ou seja, 11,1% do total. Pois foram essas 8 linhas que levantaram um coro de protestos, a tal ponto as pessoas que se reivindicam desses meios libertários e anarquistas não vêem nada para além do próprio umbigo. E depois queixam-se de eu falar de individualismo!
Quanto ao futurólogo da UFRJ, aí o problema é muitíssimo mais grave. Quando, no artigo, eu critiquei aqueles que defendem «o “direito à liberdade” numa situação de pandemia», acrescentei: «Não me incomoda nada que essas pessoas comprometam assim a saúde delas e se exponham a morrer, o que me preocupa é que comprometem a saúde dos outros e expõem os outros a morrerem». Quanto a essas pessoas não se trata de suicídio, mas de apelo ao assassinato em massa. A terminar um texto publicado há alguns anos eu observei que a esquerda, que antes colocava a alternativa de socialismo ou barbárie, agora defende socialismo e barbárie. Ali temos um exemplo.
“Futurólogo da UFRJ” pegando um texto de “anarquistas italianos”(quem são? qual o nome da organização? atuam em que locais?) pra justificar o texto é o mesmo que eu vir dizer que o marxismo considera o Neymar uma vítima do imperialismo e copiar os textos do PCO pra justificar. Com a diferença que o PCO de fato existe e não é uma categoria do naipe “anarquistas italianos”.
Mas pra encerrar meus comentários por aqui, me chamam atenção algumas coisas: a passada de pano na caracterização da cultura brasileira feita pelo autor (no mínimo ignorante e preconceituosa); e o fato do fã-clube debater sempre com ironia e se preocupar mais em falar mal de anarquismo (uma mesquinharia num momento como esse) do que em debater de forma honesta as críticas que foram feitas ao texto (no país em que há um genocidio do povo negro, onde há informalidade e a precarização são a regra, o problema são os supostos hábitos “calorosos” do povo brasileiro.). Me surpreende pessoas de esquerda concordarem com isso, mas talvez eu tenha faltado ao curso intensivo de luta de classes que uma das pessoas que não coloca o nome fez ali em cima.
O primeiro é: sim, o diagnóstico do autor está correto. Ser brasileiro é marcar às 10h e chegar depois do almoço, abraçando e rindo. Ou simplesmente passar na casa da pessoa sem ser convidado para tomar um cafezinho. Que delícia ser um povo assim! Há tantas situações que poderiamos ilustrar isso sem que seja interpretado como uma denúncia… A nossa autodisciplina enquanto povo é muito menor do que a sociedade sul coreana ou japonesa, por exemplo. Não abraçar e só dar uma piscada ou apenas um “olá” é algo que achamos muito frio e, sim, temos dificuldade em não nos aproximar e encostar nas pessoas. Nesse contexto de crise sanitária, uma maior autodisciplina de distanciamento social é um controle que precisamos desenvolver enquanto sociedade brasileira; nós não fomos educados assim.
O segundo ponto é que com a crise que vivemos no Brasil (política, econômica e sanitária). Senti que os trabalhadores estão tomando ações mais firmes de isolamento e, particularmente, com Bolsonaro não levando a sério (ironizando, convocando atos e tocando nas pessoas), acredito que subjetivamente as pessoas sabem que esse governo não vai fazer nada por elas e por isso só resta a auto-organização: isolar ou se contaminar.
Terceiro, o governo Bolsonaro veio a óbito. O haitiano no cercadinho da imprensa anunciou com precisão o que está acontecendo. Esse governo não sobreviverá essa tripla crise. “Bolsonaro acabou” e Mourão deve assumir as rédeas:“O Brasil precisa de um cavaleiro com mão de seda, cintura de borracha e perna de aço. Como está hoje, o país é um cavalo conduzido por alguém com mão de ferro, perna fraca e barrigão.” em entrevista em 2018 – https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-vice-cavalo/
O que vai vir depois de Bolsonaro?
um abraço do confinamento.
Chama a atenção é Lucas querer vir “dar a linha” depois que o capa de sua organização foi reclamar no Facebook. Comportamento de manada no anarquismo não dá o que preste.
João Bernardo, talvez queira resolver esse impasse da seguinte forma:
Escreva um artigo de mea culpa para o Passa Palavra. Diga que no artigo anterior você se referia ao Anarquismo de Mentira — é claro — em oposição ao Anarquismo de Verdade. Depois disso, é só eles se organizarem para decidir qual é o de mentira e qual é o de verdade! Talvez Lucas queira fazê-lo, já que provou meu amadorismo nesse assunto.
Os anarquistas que aqui criticam o “indisciplinado”, “festivo” e “aprecia o contacto físico” são os mesmo que sacaneiam em reuniões: “Vamo marcas as 9 que aí começa às 10”. Adoram um carnaval, uma festinha “libertária” e estão sempre dando abraços fervorosos em seus camaradas.
E qual o problema de tudo isso? Eu também adoro.
O problema é que, além de tudo isso, rola a máxima “nóix por nóix”. Uma coisa é a gente jogar isso na nossa cara, outra é o europeu colonizador.
Deu mole, João Bernardo. Vai ter que nascer em Bangu da próxima vez.
Enquanto a militância se importa mais em defender suas organizações do que discutir práticas políticas, os trabalhadores e trabalhadoras parecem estar tomando para si o autodisciplinamento: https://passapalavra.info/2020/03/130296/
Realmente anarquismo é um balaio de gato ! concordo com as criticas ….
Também não acho preconceituoso as características festivas , indisciplinada do brasileiro ;;;são nossas origens !
o índio é festivo e guerreiro ! se misturam
o africano chega para engrossar o caldo ritmo , dançante…
o português traz a putaria !
O artigo é interessante, o que nao o isenta de críticas.
Mas a tristeza é ver o que se critica.
Falam de preconceito quando o autor viveu 30 anos no Brasil, ou seja, tempo suficiente para formar um conceito. Coisa parecida ele falou dos portugueses e dos latinos em geral, mas parece que ninguém percebeu.
O pior é essa esquerda que toma o que ele escreveu como julgamento de valor negativo. Que moral conservadora nessas críticas, como se dizer que brasieliros são festivos, indisciplinados (como os latinos em geral) e tem muito contato físico fosse algo ruim, necessariamente.
Sobre o anarquismo o Futurologo da UFRJ já argumentou bem.
Anarquismo social ou anarquismo de estilo de vida. Os anarquistas sociais se batem com os anarquistas individualistas mas quando um texto aborda a existência de individualismo em meios anarquistas entram em negação. Parece que está maculando a identidade.
A humanidade diante do abismo e os cara se estapeando para defender o manto sagrado do anarquismo? Acaba logo, mundão!
Engraçado que sua concideração parece a Pedro Vaz de Caminha, que o povo brasileiro é festivo e desorientado. assim como ele pensava que a fé católica portuguesa nos salvaria, para você a autodiciplina portuguesa também seria nossa redenção.
Espero que a autogestão da vida seja maia profunda que essa sua concideração colonialista.
Gosto das suas proposições em geral JB porém nessa o senhor ou fez um amontoado de provocações com intuito pedagógico, coisa tipica da velhice e da rabugentice ou simplesmente destilou preconceitos sobre as pessoas do Brasil e sobre o anarquismo, além claro de mais uma vez mostrar desconhecer tanto a historia, a teoria como claro as atuais organizações anarquistas no Brasil e mundo.
Claro que há pessoas e organizações avessas ao bom senso alias em todas as correntes politicas de esquerda e de direita. E claro que é alarmante a situação da baixa ou demorada adesão as medidas profiláticas.
Agora disso podemos pensar nos motivos conjunturais mais do que em pretensas características “geneticas” da cultura brasileira.
Poderíamos igualmente discutir aqui, numa disputa não somente vã como obviamente sádica, como a higiene media dos brasileiros supera em muito a dos portugueses ( europeus em geral) ou qualquer outra baboseira como essa especulação travestida de analise.
Continuo achando importante sua obra e as discussões no site, porém sem duvida além de politicamente oportunista está carregado de preconceitos e não soma nada a analises de lutas ou ideias como propalado no lema do site.
Anarquista que trampa, se fode com patrão politico e gestor e agora com intelectual tmb… e que ta preocupado com sua comunidade familia e amigos… Mais respeito ai porfa
Este é um dos casos em que a maior parte dos comentários confirma involuntariamente o que escrevi no artigo. E é irónico que os comentadores nem sequer se apercebam disso. O fundamento do artigo é a afirmação de que a solidariedade para com os outros — que deve ser a primeira preocupação de quem se pretende anticapitalista — exige neste momento a autodisciplina, mesmo que para isso tenhamos de combater, além da preguiça individual, os hábitos culturais ancestrais.
Destaquei então três traços da cultura brasileira, que são óbvios, ninguém lhes contesta a existência. Mas o problema é que eu não nasci no Brasil, e então foi um Ai Jesus. Que direito tem o João Bernardo, um estrangeiro, de afirmar o que quer que seja sobre nós, os brasileiros! E isto embora o dito estrangeiro, nascido em Portugal, tivesse defendido que Portugal não existe. E enquanto se indignavam com o meu artigo, esqueciam, ou fingiam esquecer, um dos comentários mais importantes, assinado por O que não atrapalha, soma (19/03/2020, 19:09), que reproduz um texto de Deivison Nkosi. Quem não leu, por favor, leia.
E assim uma boa parte dos comentários confirmou algo que eu não abordei neste artigo, mas que tratei em muitos outros artigos e cursos — que o nacionalismo é uma característica congénita da esquerda brasileira. A assimilação do nacionalismo pela esquerda brasileira, aliás, a fusão entre nacionalismo e esquerda, foi tanto mais fácil quanto, por todo o mundo, a esquerda revelou maioritariamente uma propensão nacionalista. Numa extensa obra que dediquei ao assunto eu mencionei o nacionalismo revelado pelos anarquistas nas poucas experiências históricas em que eles tiveram um papel relevante. Mas dediquei muito mais páginas à análise do nacional-bolchevismo do que do anarco-nacionalismo, porque os partidos comunistas tiveram uma repercussão incomparavelmente superior à dos anarquistas. E analisei também com detalhe o nacionalismo extremo revelado pela mais importante das correntes constitutivas do conselhismo alemão. Hoje, quando os múltiplos identitarismos são hegemónicos na esquerda — ou naquilo que foi a esquerda — o nacionalismo reforçou-se ainda, porque os identitarismos são versões do nacionalismo adaptadas à época da transnacionalização económica.
O meu objectivo não é o de deixar toda a gente descontente e indignada. Esse é só um efeito colateral. A questão é que aquilo que só nós podemos dizer, temos o dever de o dizer. Neste caso, trata-se de dizer que, se quisermos mostrar que somos capazes de construir uma sociedade autogerida, temos de mostrar autodisciplina no combate à pandemia, ainda que para isso tenhamos de enfrentar os traços culturais mais enraizados no povo brasileiro.
E assim a discussão sobre possibilidades, limites, avanços e recuos da auto-organização dos trabalhadores se torna uma discussão sobre a bondade ou maldade inata dos anarquistas ou do autor. Ainda bem que os trabalhadores não ficam se ocupando com isso na internet.
Vergonha do especifismo carioca! Bastou um chefinho da FARJ dizer algo no Facebook sobre o texto e a militância veio criticar do jeito que o chefe queria. Vergonha!
Jinnah: …isto passou além do ponto da resistência pacífica.
Gandhi: Se me permite, eu, por minha vez, nunca defendi passividade alguma. Estou de acordo com o sr. Jinnah. Não devemos, de forma alguma, nos submeter a este tipo de leis. Nunca. Penso que nossa resistência deve ser ativa e provocativa. […] A lei deve entrar em vigor no dia 6 de abril. Quero convocar a nação para fazer deste dia um dia de oração e jejum.
Jinnah: Quer dizer, uma greve geral?
Gandhi: Quero dizer um dia de oração e jejum. Mas, é claro, nenhum trabalho seria feito — nada de ônibus, nada de trens, nada de fábricas, nada de administração. O país pararia.
(https://www.youtube.com/watch?v=DrDfvwCUcs8)
Por favor, prestem atenção ao essencial e não preocupem com picuínhas, onde nasci, a cor da minha pele, que idade tenho. O essencial é:
Se a autogestão da sociedade é preparada pela autogestão das lutas, agora ela é preparada também pela nossa capacidade de autodisciplina no combate à pandemia. Trata-se de ser solidário com os outros, de evitar que os contaminemos. E a solidariedade parece-me ser a base de qualquer luta anticapitalista.
Tenho recebido hoje vídeos que me deixam ainda mais alarmado. Em alguns casos são manifestações de protesto contra a actuação governamental perante a pandemia, noutros casos contra a forma como as empresas expõem os trabalhadores ao risco de contágio. E os próprios manifestantes se encostam uns aos outros, dão as mãos, abraçam-se, gritam e cantam, muitos deles sem máscaras, para espalharem saliva em redor. O último vídeo que recebi, e que me estimulou a escrever este comentário, é de uma manifestação de professores e alunos de uma escola de referência em Pernambuco. É um completo absurdo fazer manifestações contra o coronavírus, que elas mesmas favorecem a difusão do coronavírus.
É urgente inventar ou redescobrir formas de nos manifestarmos que sejam adequadas à situação em que estamos a viver — e, cada vez mais, em que estamos a morrer. O último comentário, assinado Gandhi, dá pistas neste sentido.
Num livrinho publicado no Brasil com o título Escrito contra Marx, costumo dizer para as pessoas próximas que Bakunin tornou, como Maquiavel, a ciência política uma ciência exata (obviamente um exagero da minha parte). Ele previa o nazismo 50 anos antes. Não com uma bola de cristal, mas analisando a política e principalmente a cultura do povo alemão.
Boa parte dos comentaristas aqui jogaria fora essa obra prima da ciência política, já que Bakunin não nasceu na Alemanha e reportar características culturais de um povo se tornou politicamente incorreto.
Deixo aqui um trecho:
“o venerável patriota constata, mais explicitamente do que nunca, a profundeza das raízes que o sentimento monárquico, isto é, o da escravidão voluntária, fez crescer na consciência, na natureza do povo alemão. Ele o denomina uma necessidade deste povo, e confessa que é uma necessidade do desenvolvimento da pátria alemã. Em resumo, com todos os tipos de reticências e precauções, impostos sem dúvida tanto pelas circunstâncias quanto pelos hábitos de um temperamento mais calmo e de um espírito mais contemplativo e menos irascível, o Dr. Johann Jacoby
confirmou completamente a terrível sentença pronunciada contra o povo alemão, por seu grande compatriota e predecessor, o Dr. Ludwig Búrne. Este povo nunca amou muito a liberdade, e, a menos que ocorram eventos extraordinários e provavelmente exteriores, tais como uma revolução social que ecloda na França ou em qualquer outro país do sul da Europa, ou mesmo na Inglaterra, não apenas ele será incapaz de derrubar, por ele mesmo, seus tiranos, mas sequer desejará a sua queda. As razões que o impedirão serão sempre o culto da autoridade, a piedade pelo príncipe, a fé no Estado e o respeito inveterado por todos os funcionários e representantes do Estado; enfim, esse dom da disciplina voluntária e da obediência refletida, desenvolvida nele por toda a sua história, e, como acabamos de vê-lo, principalmente nos três últimos séculos. O protestantismo consagrou, por sua bênção, na Alemanha, mas só na Alemanha, todas essas disposições nacionais que fazem do povo alemão o povo mais livremente subjugado e o mais ameaçador, hoje, para a liberdade do mundo”. (Bakunin, Escrito contra Marx. ed. Imaginario, São Paulo)
obviamente que existem traços culturais mais ou menos enraizados em diferentes lugares, sem que sejam as fronteiras administrativas à determiná-las. Aqui na Argentina temos uma cultura extremamente propensa ao contágio de virus como este novo. Homens e mulheres se cumprimentam com beijos e abraços, as aglomerações de pessoas são parte de rituais presentes em diversos setores sociais (dos shows de rock, aos estádios de futebol, as missas e procissões, as marchas de organizações políticas, as liturgias escolares, etc).
O argentino e a argentina não estão acostumadas a acatar ordens de qualquer pessoa, não existe um “você sabem com quem está falando?” aqui; ao contrário, as pessoas batem boca com policiais, fazem escarcéu em supermercados, levantamentos coletivos em despachos estatais, discussões acaloradas no transporte público. Mas existe sim um sentido social de acatamento quando se unificam os aparelhos sociais e políticos. Existe uma parte significante da população que vê o sindicato como uma entidade que deve ser respeitada, a escola pública mais ainda, e o Estado como o grande timoneiro.
A questão da disciplina é difícil, pois em algumas situações ela pode jogar a favor e em outras, em contra. A autodisciplina também não se diferencia tanto da disciplina em geral. Acredito que nestes momentos chamamos à autodisciplina pois não temos verdadeiras organizações sociais e políticas às quais nosso campo de camaradas responda, do contrário se trataria de manter uma disciplina acordada nestas instâncias, e logo, disciplina à secas.
De todas formas, tenho total acordo que frente à ameaça da pandemia a disciplina está sendo mais importante do que a rebeldia. Talvez essa se torne novamente importante na manhã seguinte.
PS: não são apenas anarquista e libertários propagando esquerdismo oco, existem também grupúsculos trotskistas fazendo o que sabem melhor: inventar desculpas para figurar como uma oposição séria ao governo: https://www.infobae.com/politica/2020/03/20/una-dirigente-de-izquierda-cuestiono-los-alcances-de-la-cuarentena-y-se-convirtio-en-tendencia-por-las-fuertes-criticas-que-recibio/
Primo Jonas,
A hora é de rebeldia sim, e bem propícia a isso. Na Itália greves selvagens de operários para não terem que ir ao trabalho. No Brasil também começam. Estivadores em Santos também ameaçando greve. Rebeldia contra a disciplina fabril e do capital que se mantém para grande parte da classe trabalhadora.
Acho que é um momento propício pra ampliação da consciência de classe, das lutas.
Aqui mesmo no Passa Palavra está sendo divulgado o dia de paralisação nacional dos trabalhadores de call centers. Quando houve uma tentativa de unificação nacional de lutas de trabalhadores por fora de sindicatos no Brasil? O que essa tentativa de mobilização nacional tenta concretizar é exatamente a necessidade imperiosa de recomposição política da classe trabalhadora. E foi por conta dessa pandemia que essa articulação nacional surge de forma embrionária.
Leo V,
a novidade do dia é que a rebeldia aponta para a possibilidade de ficar isolados e protegidos em casa.
É dessas coisas de difícil explicação e difícil juízo. Bem, ao menos de tédio não morreremos. Acho.
abraços
Primo Jonas,
Não concordo consigo quando você escreve que «a rebeldia aponta para a possibilidade de ficar isolados e protegidos em casa». O isolamento físico não impede os contactos, sobretudo agora, que as empresas, um pouco por todo o mundo, dispensam quando possível a presença física dos trabalhadores e mandam-nos prosseguir a actividade a partir do domicílio. A internet tanto permite executar o trabalho como fazer greves ou organizar outras lutas. Olhe que na prisão, mesmo em regime de isolamento, e apesar de toda a vigilância a que estávamos sujeitos, nós conseguíamos comunicar uns com os outros e comunicar com o exterior.
Se para fazer a revolução fosse indispensável esfregar os corpos e beber cerveja, a revolução já estaria feita há muito. Ser revolucionário exige que saibamos adaptar-nos às novas circunstâncias e que encontremos saída para as dificuldades. Precisamos de abandonar a preguiça e de ter criatividade para prosseguir novas formas de actuação numa situação de pandemia. Não se trata de brincar às festas. Trata-se de dispensar muitas coisas agradáveis às quais estávamos habituados, ou seja, de não ser egoístas. E trata-se, acima de tudo, de autodisciplina.
Lucas, boa parte das “pautas anarquistas” foi incorporada pelo governo antes mesmo que os anarquistas se mobilizassem. Olhe o abono das faltas: a Lei 13.979/2020 permite, autoriza e legitima http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm. Tem outras “pautas anarquistas” incorporadas nesta lei. Lucas e suas “pautas anarquistas” confirmam o velho jogo: pegar as medidas mais simples do bom senso, agitar em torno delas, e quando forem implementadas dizer que foi “conquista” da organização.
João Bernardo,
boa parte do que eu aprendi sobre disciplina até hoje o devo a uma companheira guevarista que conheci nos meus primeiros anos aqui em Buenos Aires. Com ela e outros companheiros entendi que nos aspectos mais básicos da vida militante o individualismo consome o tempo dos e das demais camaradas. O atraso de uma pessoa é a anulação do tempo de todos e todas as demais; as reuniões canceladas por motivo de festas; os tempos de fala e as tarefas monopolizadas ou sexificadas. São nimiedades perto da disciplina exigida em tempos de crise social, mas que para mim mostram que a disciplina não é um tema muito tratado em certos setores militantes, como se fosse coisa do passado. Também acho que mexe no vespeiro de ter que discutir as relações entre política e vida privada…
QUÉ PASA?
Porta dos Fundos
https://www.youtube.com/watch?v=pAmkH23_X00
Em Portugal o governo do Partido Socialista suspendeu o direito de greve com o apoio do Bloco de Esquerda e a abstenção do Partido Comunista.
https://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2020/03/19/portugal-e-o-unico-que-suspende-o-direito-a-greve/
Emerson,
Essa informação é falsa. O decreto que instalou o estado de emergência em Portugal não suspendeu o direito de greve. Permite ao governo suspender greves. Porém, desde o início da pandemia, a única intervenção governamental numa greve, aliás antes da declaração formal do estado de emergência, ocorreu numa greve dos estivadores do porto de Lisboa, em que foi imposta a requisição dos serviços mínimos, por se tratar de um ramo central na distribuição de bens. Note-se que a lei que autoriza a requisição dos serviços mínimos existe desde há muito na legislação portuguesa, e não se deveu ao estado de emergência, que só no dia seguinte recebeu a aprovação parlamentar.
O estado de emergência foi aprovado no parlamento pelos votos favoráveis de todos os partidos, excepto as abstenções do Partido Comunista e de um partido ecologista ligado ao Partido Comunista, da Iniciativa Liberal (um partido da extrema-direita defensora do Estado mínimo) e de uma deputada independente.
Aconselho os leitores a procurarem as informações em fontes credíveis. A este respeito, é instrutivo recordar um Flagrante Delito publicado pelo Passa Palavra.
Na próxima terça-feira, dia 24, haverá em Portugal uma greve dos trabalhadores de call centers. Veremos o que sucede.
Primo Jonas,
A condição indispensável para ser militante é: sempre e em todas as circunstâncias, colocar as tarefas políticas acima da vida privada. A questão da autodisciplina é essa.
Você escreveu que é um vespeiro tocar nestas questões. Não me incomoda, até porque não são vespas, são só moscas.
Hoje, e desde há algum tempo, a grande maioria dos que se pretendem militantes — eu não escrevi todos, escrevi a grande maioria — insere-se numa de três categorias:
a) Ou são pessoas que pretendem usar movimentos sociais para ascenderem à elite, e é o que se passa com a totalidade dos identitários.
b) Ou são pessoas que confundem a militância com o trabalho académico, de modo a que essa pretensa militância lhe possa inflacionar o Currículo Lattes.
c) Ou são pessoas que usam essa pretensa militância para juntarem mais uma futilidade às outras futilidades da sua vida.
Ou uma pessoa está pronta a sacrificar a vida privada às necessidades da acção política, e neste caso é um militante. Ou não está, e não é.
John Magufuli, presidente da Tanzânia, declarou que as igrejas devem continuar abertas porque o coronavírus é «satânico» e «não pode sobreviver no corpo de Cristo». É inédito que Bolsonaro e um dirigente negro estejam de acordo, mas o covid-19 tem consequências inesperadas.
Eu li esse texto como uma continuidade de um antigo texto, que muito circulou na militância anti-autoritária. Isso aliás me parece óbvio no último parágrafo do texto.
Coloca-se aqui outra questão, nós sempre dizemos e militamos, para que os trabalhadores tomem as decisões em relação ao processo produtivo, e em decorrência disso todas as decisões sobre como organizar a sociedade, também defendemos que ao organizarmos nossas lutas assim estaremos preparando o mundo para ser autogerido. O que se coloca agora é um novo desafio, como o conjunto dos trabalhadores irá se organizar perante uma ameaça tal qual a pandemia? De que forma as organizações horizontais podem responder a essas questões? Como não entrar ao lutar contra a pandemia não entrar em uma perspectiva de conciliação de classe?
A resposta que o texto apresenta me parece apontar um bom caminho, nós defendemos uma sociedade solidária e gerida diretamente por trabalhadores, por isso precisamos ter na nossa prática cotidiana as medidas necessárias para que as pessoas sobrevivam, para que se siga as orientações científicas em relação ao combate à pandemia. É a partir desse autodisciplina cotidiana que será possível formar tais práticas da sociedade que queremos construir. Esse autodisciplina também me parece essencial para que consigamos disciplinar os patrões que insistem em colocar as vidas de trabalhadores como algo descartável.
Agora, a discussão sobre as pessoas que vivem em um país que existe o conceita “lei que não pega” serem ou não indisciplinadas é um pouco cômica.
Legume,
Se é pra fugir da conciliação de classe o “fique em casa” não faz isso, e portanto essa autodisciplina. Aliás, quando a grande imprensa e a burguesia mais influente adota a posição a favor do isolamento social, é difícil até separar o que é ‘auto’ e o que é ‘hetero’ disciplina.
Ora, a luta de classes e a não conciliação continua estando na indisciplina às regras burguesas nos locais de produção. O direito à quarentena, à saúde e segurança estão aí sendo jogadas na cara em inúmeras greves selvagens pelo mundo durante essa pandemia. São essas as lutas importantes do momento e que não conciliam, e que mostram a hipocrisia da burguesia que defende o isolamento social, mas não dos operários e trabalhadores em geral enquanto trabalhadores.
Leo,
Era exatamente disso que eu estava falando em “Essa autodisciplina também me parece essencial para que consigamos disciplinar os patrões que insistem em colocar as vidas de trabalhadores como algo descartável.”
A suposta indisciplina do brasileiro, colocada por João Bernardo é um equívoco negado pela história de lutas das classes subalternas brasileiras. É um lugar comum, um preconceito e padece de um certo Essencialismo, notadamente a-histórico. É equivocado venha de quem vier. O resto eu concordo com João Bernardo.
Quem acha que o brasileiro não é indisciplinado e que afirmar o contrário é ser eurocêntrico ou colonizador deveria assistir este vídeo:
https://globoplay.globo.com/v/8461688/
De fato o brasileiro é indisciplinado. Mas as grandes filas nos bancos hoje não são um bom exemplo da indisciplina. Os bancos reduziram muito seus serviços presenciais, horário de funcionamento e o quadro de funcionários trabalhando. Muitas agências têm apenas um atendente agora. O fato é que há uma gama de serviços bancários essenciais que não foram virtualizados ou transferidos para atendimento telefônico, assim como há um grande número de analfabetos digitais, principalmente entre idosos, que não sabem nem utilizar o caixa eletrônico. Deveria haver uma orientação para o afastamento entre pessoas nas filas, mas para reduzi-las de fato penso que os bancos deveriam reavaliar o número necessário de funcionários nas agências ou então agilizar a transferência de serviços bancários essenciais para o atendimento remoto e fazer uma campanha para informar os novos procedimentos.
Agora um bom exemplo de indisciplina à brasileira:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/06/coronavirus-drone-faz-imagem-de-praca-do-por-do-sol-lotada-durante-quarentena-em-sp.ghtml
Fagner Enrique e Filante filado,
É curiosa essa polémica acerca do carácter indisciplinado da população no Brasil. Noutro artigo, O Brasil não está no Brasil, reincidi e escrevi que as campanhas de consciencialização sobre as precauções a tomar serão «muito difíceis, porque terão de contrariar óbvios e inegáveis traços culturais enraizados na população brasileira, nomeadamente a convivialidade, o carácter festivo, a indisciplina e a exigência do contacto físico». Essa indisciplina foi mesmo uma das características que me atraiu e me levou a ficar no Brasil, onde vivi muitos mais anos do que em qualquer outro país, incluindo aquele onde nasci. Mas o nacionalismo, e o nacionalismo superlativo que é o indentitarismo, rejeita qualquer crítica feita pelo outro. Ora, eu procuro sempre ser o outro, que é a condição do espírito crítico.
O fundamental, no entanto, é que traços culturais que são uma qualidade em dadas circunstâncias podem ser defeitos graves noutras circunstâncias. E é o que sucede agora.
Filante filado,
Ainda que os serviços bancários não tenham sido adaptados e a população tenha necessidade deles, considero sim um exemplo de indisciplina. Além da reportagem acima, que mostra um gestor da vigilância sanitária tentando fazer as pessoas se afastarem e sendo completamente ignorado, conheço pessoas que trabalham em estabelecimentos que não foram fechados e elas têm relatado que é muito difícil convencer o público sobre a necessidade de as pessoas manterem distância umas das outras. O fato de a pessoa ser obrigada a entrar numa fila não tem absolutamente nada a ver com o fato de ela não manter a distância necessária ao entrar nessa fila. E eu tenho testemunhado isso também presencialmente: há alguns dias vi uma mãe levando os quatro filhos (uns maiores, outros menores) para todos juntos fazerem compras num supermercado e várias outras famílias agindo como se nada estivesse acontecendo, todos sem máscaras e desrespeitando as regras de distanciamento social. A pessoa precisa fazer compras? Sim, mas não precisa levar a família toda. Enfim, o fato de que as pessoas precisam realizar determinadas atividades porque são necessárias não justifica o fato de elas as estarem realizando como se nada estivesse acontecendo e como se elas não estivessem colocando as próprias vidas e as de todas as demais pessoas em risco.
Não, somos tão disciplinados qto os asiáticos. E aí, fui irônico ou soou com naturalidade? Se me achou irônico é pq somos sim indisciplinado. Acho que sou de esquerda, não tenho certeza, pois não ligo muito pra isso, mas tenho a tendencia em defender as liberdades. E como dito em um comentário acima, o problema é esse, a esquerda (no caso, mas poderia ser a direita, mas é principalmente a esquerda, de lutas vazias, briga pela ideologia ou pela briga, sem necessariamente ter uma razão) .. voltando… a esquerda vitimizada (nutela – não a raiz) tende a tomar tudo como ofensa. A esquerda acredita que todos os bandidos são santos como nesses filmes de injustiças que assistimos, o que a desmoraliza. Já a direita essa nem merece meu comentário.
Diz o texto: “B) No plano da população a situação parece-me igualmente preocupante, se não mais ainda. A cultura brasileira é 1) indisciplinada, 2) festiva e 3) aprecia o contacto físico. Será que os duzentos e dez milhões de brasileiros conseguirão, da noite para o dia, deixar de frequentar lanchonetes e cervejarias, deixar de organizar festas, de se encostarem uns aos outros e será que conseguirão fazer filas mantendo um metro e meio de distância entre as pessoas? Duvido”.
O Brasil é o país do “Homem Cordial”.
“Poucos conceitos se prestam a tamanha confusão quanto o de “homem cordial”, central no livro Raízes do Brasil, do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Logo após a publicação da obra em 1936, o escritor Cassiano Ricardo implicou com a expressão. Para ele, a ideia de cordialidade, como característica marcante do brasileiro, estaria mal aplicada, pois o termo adquirira, pela dinâmica da linguagem, o sentido de polidez – justamente o contrário do que queria dizer o autor.
A polêmica sobre a semântica teria ficado perdida no passado não fosse o fato de que, até hoje, muitas pessoas, ao citar inadvertidamente a obra, emprestam à noção de Buarque de Holanda uma conotação positiva que, desde a origem, lhe é estranha. Em resposta a Cassiano, o autor explicou ter usado a palavra em seu verdadeiro sentido, inclusive etimológico, que remete a coração. Opunha, assim, emoção a razão.
(…)
A expressão “homem cordial”, a propósito, fora cunhada anos antes, por Rui Ribeiro Couto, que julgou ser esse tributo uma contribuição latina à humanidade.
O problema surge quando a cordialidade se manifesta na esfera pública. Isso porque o tipo cordial – uma herança portuguesa reforçada por traços das culturas negra e indígena – é individualista, avesso à hierarquia, arredio à disciplina, desobediente a regras sociais e afeito ao paternalismo e ao compadrio, ou seja, não se trata de um perfil adequado para a vida civilizada numa sociedade democrática(http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/o_jeitinho_do_homem_cordial.html).
O historiador Sidney Chalhoub, da Universidade de Harvard, destaca a origem histórica do jeitinho, ligada à formação escravista da sociedade brasileira, numa época em que a única maneira de se conseguir algo era pedindo favores aos senhores de terra e escravos. Essa prática, em vez de desaparecer, perdurou e combinou-se com outras lógicas.
“O jeitinho e o favor estão no centro de como a corrupção se tornou sistêmica no país”, avalia o historiador Chalhoub (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-que-ha-de-corrupcao-no-jeitinho-brasileiro/).
O sociólogo, Jessé Souza, afirma que o homem cordial “é a concepção do brasileiro visto como vira-lata, ou seja, como o conjunto de negatividades: emotivo, primitivo, personalista e, portanto, essencialmente desonesto e corrupto” Patrimonialismo, por sua vez, “é uma espécie de amálgama institucional do homem cordial, desenvolvendo todas as suas virtualidades negativas dessa vez no Estado” (p. 191). Acrescenta-se Raymundo Faoro, autor de Donos do Poder, como o “historiador oficial” do liberalismo conservador brasileiro e que desenvolve o conceito de patrimonialismo.
O articulista tem razâo.
O descumprimento, sistemático, pela maioria, do ISOLAMENTO SOCIAL, está retardando o próprio fim do procedimento social.
O aumento estupendo de crimes contra as mulheres, vítimas de feminicídio (https://www.migalhas.com.br/depeso/324827/quarentena-com-o-inimigo-o-aumento-dos-indices-de-violencia-domestica-em-tempos-de-covid-19), aumento de brigas em condomínios (https://tribunaonline.com.br/pandemia-aumenta-brigas-em-condominios), além de expressiva ampliação de conflitos sociais que reclamam a presença das forças de segurança geridas pelo Estado, que possui o monopólio da violência, tanto simbólica como efetiva, destinada a manter um mínimo de coesão social, revela uma situação que a Democracia não consegue administrar.
O professor da FGV EAESP, Ricardo Alcadipani apresentou estudo interessante sobre a influência do Isolamento Social nas relações sociais: … “Em breve, a proibição da circulação de pessoas terá que ser total e o país irá parar. Neste cenário, as forças de segurança terão papel fundamental. Em primeiro lugar, as polícias terão que mudar a sua atuação. Elas terão que estar nas ruas para impedir que as pessoas circulem. Uma coisa é fazer isso em países como Espanha, Itália e França. Outra é no Brasil. Quem conhece as comunidades brasileiras sabe que é praticamente impossível garantir, pelas dificuldades da característica da urbanização destes locais, que as pessoas fiquem de fato em casa. Mesmo nas áreas centrais, muitas pessoas irão tentar quebrar a quarentena imposta pelo Estado. Na Itália, o efetivo policial está sendo empregado para coletar material para o exame do vírus na casa das pessoas. Isso também pode ser necessário no Brasil. Além disso, parte expressiva das pessoas que estão nas periferias vivem de empregos precários. À medida que a retração da economia aumenta, inúmeros trabalhadores precários devem ficar sem receber e terão dificuldades para adquirir comida e remédio levando a possíveis saques a farmácias e supermercados. Só neste tipo de trabalho, as forças de segurança estarão sobrecarregadas.
Soma-se a isso, o fato de que policiais serão chamados para resolver brigas e discussões em hospitais, supermercados e farmácias. O stress causado pela doença tende a tirar as pessoas da razoabilidade. E isso vai gerar muitas ocorrências policiais de contenção de distúrbios. Há ainda a questão do sistema penitenciário. O que aconteceu em São Paulo, com rebeliões e fugas de presos, pode ocorrer com mais frequência.
Há iniciativas sendo tomadas para liberar presos de baixa periculosidade e também de limitar as visitas. Mas, com o aumento da propagação do vírus, visitas terão que ser interrompidas e isso pode gerar muitas rebeliões e distúrbios onde as forças de segurança terão que atuar (https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/o-coronavirus-e-o-colapso-do-sistema-de-seguranca-publica/).
Um fato que merece importância é o número de “picaretagens ocasionados pelo isolamento”, além de massiva violação à Lei da Economia Popular ( Lei n. 1521/51), com aumento abusivo de preços, estelionato e agressões.
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/08/30/banhistas-ignoram-proibicao-e-ocupam-areias-em-domingo-de-sol-no-rio.ghtml
A preocupação tem fundamento. Mas sejamos positivos! A altinha continua proibida!