Por Marcelo Tavares de Santana [1]

Ao pensar sobre independência tecnológica é quase automático lembrar de obsolescência programada, ou seja, o planejamento de quando um produto se tornará obsoleto para fazer o consumidor comprar uma versão mais atual do mesmo produto – para entender um pouco mais pesquisem pela lâmpada que está acesa há mais de 100 anos em Livermore, Califórnia. Isso acaba por ser transversal às nossas escolhas de segurança quando entendemos que, para um fabricante poder controlar ‘quando’ o consumidor comprará a próxima versão, precisará ter exclusividades de controle sobre os produtos. Essa exclusividades podem ser técnicas, fórmulas, designs internos, e recebem nomes bonitos como propriedade intelectual, patente, direito comercial, e outros métodos para dar uma exclusividade sobre uma criação a alguém. De fato, algumas criações são obras primas, no entanto, muitas podem ser alcançadas por pessoas diferentes no tempo e no espaço, mas nossos sistemas jurídicos só reconhecem a primeira que faz o registro das mesmas.

Lembro-me de que, tempos atrás, um amigo queria patentear um produto financeiro, quando expliquei que não era possível dizendo “Isso é o mesmo que querer patentear uso de vidro para fazer garrafas”. A ideia pode parecer absurda pois inibe a concorrência que o mundo capitalista tanto argumenta ser fundamental para a evolução da sociedade – em meio a tantos processos jurídicos intimidatórios que reduzem essa mesma concorrência – mas coisas assim acontecem, como as patentes de software nos Estados Unidos e os conectores exclusivos de energia da Apple questionados na União Europeia, e para preservar um pouco a concorrência foi preciso surgirem padrões abertos, normas, organizações para manter os padrões, etc. Em meio a tudo isso surgiu algo mais interessante, o Software Livre, baseado em instrumentos jurídicos onde formalizamos que uma criação pode ser usada e modificada por todos.

Não vamos tratar de detalhes da história da propriedade intelectual, se o Software Livre deve ser chamado de código aberto, ou se patentes deveriam durar 10 ou 1000 anos, o importante é perceber que existem contextos criados pelo ser humano onde o desenvolvimento pode ser lento ou rápido, a depender do interesse, e que proporcionam menos ou mais segurança. Hoje, sem qualquer polêmica, podemos dizer que os que optam por Software Livre estão usando produtos com produção transparente, pública, auditados por milhares de pessoas e empresas, com falhas que são corrigidas rapidamente e com segurança jurídica de que vai continuar assim. E porque não usamos programas assim no nosso dia a dia em todos os momentos?

Um parte da resposta é falta de difusão de conhecimento, seja de coisas boas ou ruins. Quantos entendem que uma lâmpada poderia ser fabricada para durar 50 anos, mas fazem para cinco? Quantos sabem que Software Livre é altamente auditado, corrigido, evita obsolescência programa, e economiza dinheiro para viajar? Outra parte da resposta é o medo criado sobre a dificuldade de mudança, justamente por muitos serem dependentes tecnologicamente de programas que aprisionam informações de nossas vidas num código digital que não sabemos. Eu mesmo vivia assim até me dar ao trabalho de passar tudo para programas livres e agora colho os benefícios. Não foi fácil e nem vai ser, dado que muitos ao nosso redor são dependentes de tecnologias proprietárias em suas rotinas diárias. Usar sistemas mais seguros também protege: dados, mensagens, fotos, que a família e os amigos nos enviam e ficam armazenados em nossos dispositivos. Numa ideia muito parecida com as das vacinas, é proteção individual, mas também coletiva.

Uma primeira recomendação é conhecer alternativas livres para os programas que costumamos pelo site AlternativeTo, onde podemos descobrir alternativas para centenas de softwares; mesmo para quem já usa Software Livre é um ótimo meio para conhecer aplicações mais sofisticadas ou mais simples, dependendo da necessidade. Experimentem pesquisar programas que usam e na sequência cliquem em ‘License → Open Source’ para filtrar por programas livres; também é possível filtrar por sistema operacional/plataforma caso tenha interesse de migrar uma atividade de mesa para celular ou vice-versa; sempre que possível, prefira programas multi plataforma.

Nosso Mapa de Segurança Digital (Figura 1) vai ganhar um ramo totalmente conceitual, sem ligação com algum programa ou método. Creio que a ideia mais forte dentro de todo contexto de software que temos na sociedade e no mundo empresarial é a de programas que usam código público auditável, que proporciona um fiscalização e controle social sobre os programas e uma colaboração em segurança que programas fechados, com segredos e corrigidos por poucos, não conseguem atingir.

Diferente de artigos anteriores, a proposta para as próximas semanas é de pesquisa e planejamento, além de disseminação de conhecimento e assim, quem sabe, de desenvolvimento de um ambiente melhor de segurança comunitária:

  • Semana 1: faça uma lista dos programas mais usados e pesquise alternativas;
  • Semana 2: baixe, instale e experimente programas alternativos;
  • Semana 3: converse com amigos sobre alternativas e mostre como fez tuas escolhas;
  • Semana 4: escolha um programa para começar uma mudança e insista nele.

Tinha imaginado que iria abordar também uma a seleção de hardwares mais seguros, mas logo percebi que o assunto é muito extenso e que precisaria mais artigos, e que antes de falar dos equipamentos é preciso dar um passo atrás e falar dos sistemas operacionais por ser uma assunto mais tangível, onde conseguimos escolher o quê usar com mais facilidade. Assim no próximo artigo trataremos de SOs, que podem inclusive nos ajudar a salvar equipamentos, e deixaremos a aquisição ou atualização de hardware para outro momento.

Notas

[1] Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de São Paulo.

[2] Recomendo a leitura da Debian Free Software Guidelines.

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