Disponível também em ITALIANO.

Por João Bernardo

Publiquei aqui recentemente Oito Teses Sobre o Colapso da Esquerda, procurando mostrar como a deriva da luta de classes para a geopolítica levou uma grande parte da extrema-esquerda — ou daquela a que, por falta de outro nome, continuamos a chamar assim — a apoiar a invasão da Ucrânia pelos exércitos de Putin. «O postulado fundamental do fascismo passou a caracterizar a esquerda após a segunda guerra mundial», destaquei eu na segunda dessas Teses, e entende-se então que aplaudam a expansão imperialista do regime presidido por Putin, em que o fascismo predomina.

Na 3ª versão do Labirintos do Fascismo, difundida em 2018, escrevi que «se recordarmos o ideal de comunismo que lhe deu origem e lhe serviu de legitimação, o maior fracasso do sistema soviético, culminando a série de outros fracassos, foi ter gerado uma sociedade onde os fascismos clássicos e até o racismo de inspiração nacional-socialista, mesmo desprovidos de ligações directas ao passado, encontram condições para ressurgir e prosperar. Aliás, talvez a linha de raciocínio deva ser diferente e possamos usar a difusão do fascismo e da extrema-direita nacionalista na Rússia actual como critério para reavaliar as tendências de evolução do regime soviético». Com uma pequena alteração, mantive esta formulação na 4ª versão da obra, que será publicada em breve por uma editora de São Paulo. Continuo a pensar o mesmo. Tentando manter a lucidez no meio do colapso, procurei mostrar que o empenho na geopolítica leva uma parte considerável da extrema-esquerda a simpatizar com o actual regime russo, directamente inspirado pelo fascismo.

É certo que existem organizações fascistas na Ucrânia, como existem um pouco por todo o mundo, mas a sua expressão eleitoral não é significativa. O antigo primeiro-ministro e ex-presidente da Federação Russa, agora vice-presidente do Conselho de Segurança desse país, Dmitry Medvedev, recordou há dias que o projecto de Putin consiste em «criar uma Eurásia aberta — de Lisboa a Vladivostok». Talvez Putin queira em breve invadir Portugal, um país onde os fascistas do Chega ocupam a terceira maior bancada do parlamento, com 7,18% dos votos, o que não sucede com os fascistas da Ucrânia.

Mas aquelas Oito Teses foram publicadas no dia 8 de Março, já lá vai mais de um mês, e ao longo deste período a operação militar russa não conseguiu um único dos objectivos a que inicialmente se propusera, sem que, no entanto, essa tal extrema-esquerda tivesse deixado de aplaudir a invasão. Pelo contrário, em muitos casos os aplausos tornaram-se mais estridentes.

1. Putin declarou que a Ucrânia tencionava ingressar na NATO, o que representaria para a Rússia um enorme risco, dada a possibilidade de se instalarem armas atómicas junto às suas fronteiras. Mas, além desse desejo do governo ucraniano de ser aceite na NATO se destinar só a efeitos propagandísticos, sobretudo internos, devemos logicamente deduzir que é um perigo ainda maior para a Ucrânia e para outros países europeus fazerem fronteira com a grande potência militar russa, que dispõe de um gigantesco arsenal de armas atómicas.

2. Putin anunciou que queria desmilitarizar a Ucrânia, mas é a própria guerra a deixar esse país cada vez mais militarizado, recebendo um apoio em armas, munições e outro material bélico que nunca obteria se não fosse a invasão russa.

3. Putin pretendeu fazer a NATO recuar, mas em consequência da guerra ressurgiu essa aliança, que estava quase moribunda devido ao declínio económico e político dos Estados Unidos, ao isolacionismo da administração Trump e às propostas no interior da União Europeia para a criação de um exército europeu. Para completar o fiasco, a Finlândia e a Suécia, países tradicionalmente neutrais, anunciaram a possibilidade de entrar na NATO, que por seu lado se mostrou disposta a acolher esses novos membros.

4. Putin conduziu durante anos uma acção persistente tendo em vista minar a União Europeia, e para isso apoiou política ou financeiramente os partidos europeus defensores das soberanias nacionais, tanto à direita como à esquerda do leque político e incluindo movimentos fascistas. Ora, perante a invasão da Ucrânia, a União Europeia passou a mostrar um grau de unidade que já há muito não era visto. Um exemplo eloquente é o do Grupo de Visegrád, que reúne os quatro países mais euro-cépticos, e em que resta agora um único a apoiar Putin (Hungria), enquanto os outros três (Polónia, República Tcheca e Eslováquia) se situam na primeira fila da hostilidade ao regime russo.

5. Putin declarou que os ucranianos eram o mesmo povo que os russos e partilhavam a mesma cultura, sendo por isso indispensável juntá-los à Grande Rússia. Mas depois desta invasão, e durante muitas gerações, os ucranianos hão-de sentir um abismo a separá-los da Rússia e o expansionismo de Putin terá criado uma inimizade profunda entre os dois povos.

6. Putin alegou que muitos ucranianos haviam apoiado a ocupação dos territórios soviéticos pelo Terceiro Reich durante a guerra mundial.

Mas os nacionais-socialistas consideravam os ucranianos Untermenschen, sub-homens, equiparados aos russos, e por isso a Wehrmacht não beneficiou de um apoio que decerto muitos ucranianos lhe desejariam dar, já que haviam sido vítimas da forma como Stalin conduzira a colectivização da agricultura. Em Julho de 1942 Hitler insistiu expressamente que na Ucrânia fosse reduzida ao mínimo a instrução escolar, que não se efectuassem nenhuns melhoramentos nas cidades, que se limitassem estritamente os serviços médicos e sanitários e ficasse proibida aos cidadãos do Reich a residência no interior dos habitats ucranianos. E assim se exterminou boa parte da população culta, reduziu-se o sistema de ensino a um nível elementar, provocou-se artificialmente uma incrível deterioração das condições de subsistência dos autóctones e enviaram-se para trabalhar no Reich, em sistema de escravidão, centenas de milhares de ucranianos, que por estarem subalimentados eram facilmente vítimas de doenças. A impiedosa política racial prosseguida por Hitler e Himmler fez com que os exércitos do Reich não contassem com o apoio da população dos territórios eslavos ocupados.

Neste contexto, convém saber que as autoridades nacional-socialistas remeteram para um campo de concentração o nacionalista ucraniano Stepan Bandera, que pretendia apoiar o Reich na guerra contra os soviéticos em troca da independência do seu país, e em Novembro de 1941 prenderam os outros dirigentes deste movimento, que de então em diante actuou sem o apoio oficial do Reich. Só no Outono de 1944, quando a Ucrânia havia já sido libertada pelo Exército Vermelho, é que Bandera e os restantes dirigentes foram postos em liberdade e autorizados a prosseguir a luta pela independência.

A única excepção foi a Galícia ucraniana, uma província que havia tido tradições militares no império dos Habsburgos, e tanto Himmler como Bormann consideravam que os seus habitantes se distinguiam etnicamente da restante população da Ucrânia. Foi na Galícia, e só ali, que os SS recrutaram ucranianos, mas dos oitenta e dois mil homens que se apresentaram só 1/3 foi aceite e menos ainda foram chamados para o serviço militar. Aliás, parece que na Galícia haviam sido permitidos estabelecimentos de ensino superior e uma estrutura política rudimentar.

7. Putin anunciou que iria libertar os ucranianos de uma alegada hegemonia exercida pelos neo-nazis, contando nesta tarefa com o auxílio do eterno presidente da Bielo-Rússia, Alexandr Lukachenka, o mesmo que em 1995 revelara publicamente a sua admiração por Hitler, e dispondo também da milícia Wagner, fundada por Dmitry Utkin, um ex-militar russo que se enfeitou com tatuagens nazis e de quem se conhece uma fotografia ao lado de Putin, num evento no Kremlin em Dezembro de 2016. Mas o certo é que mais de 1/4 da população ucraniana fugiu dos libertadores e os restantes pegaram massivamente em armas para resistir à invasão.

Em suma, Putin e os seus generais planearam uma campanha rápida, em que os exércitos avançariam entre as ovações da população, mas tudo o que fizeram e anunciam fazer são chacinas e destruições. Como é possível aplaudir isto, já não digo em nome dos valores que deviam ser os de uma extrema-esquerda, mas mesmo da simples inteligência?

Os desenhos são de Roland Topor (1938-1997).

17 COMENTÁRIOS

  1. Faltou dizer que Putin fabricou um novo herói para a burguesia internacional e provável próximo Nobel da Paz… Volodymyr Zelensky.

  2. Mas JB, você concorda que a Ucrânia poderia ter armas da OTAN, inclusive nucleares nas portas da Rússia, e o este Lado B da Questão,como você avalia?

  3. Não foi pra mim que o comentador acima perguntou evidentemente, mas também vou responder.

    A Ucrânia abriu mão de possuir armas nucleares com o fim da URSS. No acordo ela cederia as armas para Rússia e teria garantida sua soberania (o que implica seu território também). A história já nos mostra no que deu. O artigo do João Bernardo toca num ponto que ninguém fala: e a ameaça que a Rússia representa aos países em volta? Essa ameaça é muito, mas muito mais real do que Otan contra a Rússia, que de fato nunca foi ameaçada por ela, apesar de ter países vizinhos na Otan já.

    Dito isso, Otan não é Lado B da questão. Otan é espantalho pra justificar uma invasão imperialista da Rússia neofascista de Putin. É um álibi pros tolos, assim como a desnazificação (e como há tolos na esquerda para engolir isso! tolos ou fascistas?).

  4. E quando a guerra terminar,nos marcos dos debates até aqui,o que a vem adiante?

  5. As análises de cunho geopolítico resultam nisso: legitimação dos Estados-nacionais. Se diz que a OTAN é uma ameaça à soberania e segurança russa, mas sob a lógica geopolítica, característica das interpretações predominantes, o contrário também pode ser colocado: a Ucrânia pode, a fim de garantir sua soberania, adentrar num grupo de apoio militar e econômico. Mas considera-se apenas o ponto de vista estatal da Rússia, colocando-o enquanto vítima de ameças e cuja invasão foi ato preventivo legítimo. Muito disso tem ligação com a vulgarização da categoria imperialismo, algo restrito a um só país, leia-se Estados Unidos.

  6. Dois comentadores pouparam-me o trabalho de responder a uma pergunta, mas, aliás, eu já havia escrito no artigo que, para a Rússia, o risco de a Ucrânia poder vir a dispor eventualmente, no futuro, de armas atómicas, é bem menor do que o risco, para a Ucrânia e outros países europeus, decorrente de a Rússia ter agora, neste momento, um arsenal de armas atómicas que faz crescer água na boca a qualquer Dr. Strangelove.

    Mantendo-me ainda nesta perspectiva de um conflito entre nações, há outro aspecto que devemos considerar. A noção de que a Ucrânia iria ingressar na NATO é simplesmente um álibi usado pelos invasores russos. Eu não sei o que os leitores do Passa Palavra lêem, além de lerem o Passa Palavra, mas quem esteja ao corrente das análises feitas pelas revistas que efectivamente influem nos debates políticos das classes dominantes sabe que um país com uma estrutura político-económica como a Ucrânia jamais seria aceite na NATO, pelo menos enquanto essa estrutura se mantivesse, e vai manter-se por muito tempo. A noção de que a Ucrânia iria a breve trecho ingressar na NATO destina-se, como escrevi no artigo, a consumo interno. Por isso Zelensky pode insistir no tema quase diariamente, apesar de saber que, se o seu país ingressasse agora na NATO, o Artigo 5º entraria imediatamente em vigor, desencadeando-se a guerra mundial e adeus, ciao.

    Mas convém não nos confinarmos na ratoeira em que Putin e a esquerda putinesca nos querem prender, e que funciona mediante um duplo mecanismo. O primeiro mecanismo consiste em reduzir tudo a um conflito geopolítico. O segundo mecanismo consiste em esquecer que o imperialismo é uma forma de dinâmica do capital, qualquer que seja a base geográfica desse capital, e em assimilar o imperialismo a um só país, chamado Estados Unidos da América. Com este golpe de prestidigitação, Putin, ao invadir uma nação vizinha, fica transformado no arauto do anti-imperialismo! Mas — desculpem-me a franqueza — é preciso ser muito estúpido para se deixar enganar por esse malabarismo.

    O Passa Palavra, que não é estúpido, tem-se esforçado por mostrar, em artigos e em comentários, que não só na Ucrânia e na Rússia, mas igualmente em países que apoiam o regime de Putin, como a China, existem pessoas e movimentos que não se enleiam nas teias da geopolítica e se opõem à invasão russa e à guerra desencadeada por Putin, sem com isso apoiarem as classes dominantes nem nenhum dos imperialismos em disputa. Bastaria a existência destas pessoas e destes movimentos para fazer corar de vergonha a esquerda que aplaude a invasão russa. Mas a esquerda putinesca, além de estúpida, é desavergonhada.

  7. pura propagando dos USA .

    ele não menciona que deram um golpe em 2014 no governo eleito democraticamente e que um parte significativa a população não aceitou e pediu separação do território e por esse motivo o governo da ucrania começou a mata-los . e ele errou muito em relação ao bandeira , o bandeira promoveu muito massacres dentro da ucrania e ele era sim um agente da SS isso esta muito documentado . Obviamente que a Rússia esta ajudando esses regiões por interesses econômicos assim como todas as guerras. mas eu vejo não a Rússia contra a ucrania , mas a Rússia contra a OTAN e nesse sentido pode criar um mundo multipolar que é benéfico sim para o mundo, pode parar esses golpes dos USA e a impressão de dólares que dá a eles poderes muito grandes.

  8. Que eu saiba a Rússia não invadiu a Otan, mas a Ucrânia… A teoria do mundo multipolar não é de Alexander Dugin?

  9. Reginaldo,

    No fundo, seu comentário reproduz e legítima aquilo que você tanto quer combater, isso é, a arbitrariedade estatal que imprime uma lógica de violência e guerra, excluindo o papel da luta de classes nesse jogo. Ninguém dúvida da natureza imperialista dos Estados Unidos, mas ao apontar que o resultado dessa guerra sanguinária pode ser, em algum sentido, benéfico, você deixa implícito (ou nem tanto) que a agressão russa é justa. Como se a Rússia fosse anti-imperialista. Instaura-se assim um raciocínio perverso: os inúmeros crimes cometidos pelos EUA justificam crimes de outras nações, já que estas (supostamente) afrontam a hegemonia do primeiro.
    E o que significa propriamente dizer que está é uma guerra contra a OTAN? Como fica a situação das pessoas ucranianas brutalmente afetadas pela guerra? Como entra a solidariedade internacional entre os trabalhadores nessa equação? O desbalanceado do poder político-econômico-militar dos EUA irá beneficiar a quem, exatamente? Tirando certos estado-nações, seus burocratas e bilionários, quais movimentos operários ao redor do globo tem a ganhar com tudo isso?

  10. Irado, sua memória não lhe trai. é de Dugin que parte a premissa “antiglobalista” que permeia os discurso do fascismo e da extrema-direita de Bolsonaro e Trump. Acredito que o Reginaldo recebe algum PIX do nosso querido amigo Putler, do contrário não entendo por que ir na contramão do internacionalismo dessa forma.

  11. O comentário do reginaldo é uma síntese dos falsos argumentos que a esquerda mais indigente tem reproduzido. Um misto de ignorância atroz, da estupidez que o artigo aponta, de reprodução de propaganda russa, e de insensibilidade e falta de princípios.

    O incrível é que os papagaios nao param de repetir as mesmas palavras mesmo diante da lógica do presente artigo.

    A ignorância do comentário de reginaldo começa sobre o 2014, o movimento Maidan ucraniano. Antes de fazerem esse tipo de comentário, que serve para justificar a destruição de inúmeras vidas de trabalhadores, esses agentes da barbárie que se dizem de esquerda deveriam pelo menos ter tido o trabalho de ler livros e ouvir quem participa das lutas sociais na Ucrânia e na Rússia.

  12. Tenho como referência de análise da realidade o autor João Bernardo, por isto mesmo observo a tempo suas limitações. Se otenho em comum com o autor o repúdio a esta concepção de imperialismo capitalista, por outro lado coaduna com a visão de Fredy Pearlman de que há um “persistente atrativo do nacionalismo e que vivemos uma época de nações.
    Quando vejo o autor subestimar o papel que as nações e suas associações e conflitos jogam na estrutura mesma do capital e ao mesmo tempo tenta restaurar o antigo imperialismo para Rússia sou obrigado a desconfiar que o autor se perdeu.
    É preciso desprendimento das particularidades e amplitude nas perspectivas para enxergar o quanto está guerra extrapola a Ucrânia é a Rússia, sendo apenas o palco da disputa econômica capitalista. Falta isto nas análises.
    Onde está a raiz da miopia nesta visão do que acontece no mundo e não na Ucrânia?
    Afinal a Ucrânia, que é apenas o epicentro dos acontecimentos e se fosse para circunscrever apenas a um campo bem pobre de análise teríamos que estender à Rússia e não a uma questão ucraniana.
    E assim, partindo desta pergunta anterior, que pode ser respondida mas que é muito mais uma provocação, que convoco ao enriquecimento desta discussão indo além da geopolítica, tão repudiada aqui, mas da perspectiva de arranjos econômicos entre as nações que sacrificam os interesses das empresas transacionais a ponto de subordinar as cadeias de produção aos imperativos de sanções, bloqueios territoriais e disputas armadas.
    Para mim o conceito de esquerda remete ao progressismo capitalista e a caracterização do Passa como esquerdista não é por acaso. A insistência em um fetchismo das relações sociais em substituição ao fetichismo das forças produtivas que vieram apenas a retomar o mais abrangente fetchismo da mercadoria está no centro da perda de rumo.
    A expressão do erro na sua origem está na insistência de que há um automatismo na substituição da mais-valia absoluta pela mais-valia relativa. Claramente isto coloca a classe capitalista dos países vinculados à OTAN em uma espécie de vanguarda progressista do capital e remete ao progresso capitalista um caráter civilizatorio, seja lá o que for isto de civilizatorio.
    Se a produção de bens foi deslocada para a China por conta dis custos de produção, independente do tipo de mais-valia deste país, pode ser compreendido que isto acarretaria consequências para as populações dos países centrais, em particular os EUA. Não é de se admirar que Trump tenha ganhado a eleição com o discurso absurdo de trazer de volta a produção deslocada para a China. No entanto, após anos de desindustrialização os EUA não possui sequer mão de obra para realizar tão quixotesca empreitada e só lhe resta impor a subordinação que pretendia quando colocou a China a seu serviço.
    Concluindo, é preciso sim sair da geopolítica, maz por outro lado é preciso trazer o homem conceeto e existente para o centro das análises ao invés de buscar estruturas fetchistas que substituam os relações vivas e feitas por homens em sua lutas sociais para sair deste imbróglio improdutivo em que se meteu o Passa.

    *** *** ***

    Meu texto está um lixo, espero fico no conteúdo por favor. Escrevi em condições precárias

  13. O jornal El País de 14 de Abril publicou uma notícia sobre um comício de Marine Le Pen nas actuais eleições presidenciais francesas. Creio que o artigo é de acesso livre, não reservado a assinantes. Peço aos frequentadores do Passa Palavra que leiam com atenção o discurso de Marine Le Pen. Ela é indubitavelmente fascista, ninguém duvida disso, nem ela mesma duvida. E é também indubitavelmente uma apoiante de Putin, como mostra com clareza nesse discurso. Mas a questão vai mais além. Quanto daquele discurso, daquelas ideias, daquelas frases pronunciadas por Marine Le Pen se lêem e se ouvem todos os dias emitidos por pessoas que são consideradas de extrema-esquerda e que a si mesmas se consideram assim? O fascismo gera-se sempre que a extrema-direita serve de câmara de eco à insatisfação social expressa pela extrema-esquerda e, ao mesmo tempo, esta extrema-esquerda serve de câmara de eco ao nacionalismo expresso pela extrema-direita. O fascismo é esse cruzamento, essa convergência do nacional e do social. Peço-vos que leiam com atenção o artigo de El País.

  14. João Bernardo

    Qual sua opinião sobre a obra de A. James Gregor?

    Lendo “Marxismo, Fascismo e Totalitarismo: Capítulos na História Intelectual do Radicalismo” achei um livro problemático, recheado de cherry picking e uma interpretação pobre do marxismo.

    Qual a previsão para o lançamento de Labirintos do fascismo?

  15. Alex André,

    Penso que a nova versão do Labirintos do Fascismo estará nas livrarias no próximo mês de Maio, mas não tive ainda confirmação da data.

    A. James Gregor goza da reputação de conhecer a obra dos teóricos e políticos fascistas, nomeadamente italianos, o que revela o estado geral da historiografia sobre este tema. Com efeito, poderia presumir-se que a obrigação de um historiador fosse ler a bibliografia do tema que se propõe tratar, e é o que no geral se passa, mas o fascismo é a excepção.

    Em primeiro lugar, obras clássicas do fascismo continuam a ser censuradas e a erguerem-se obstáculos à sua publicação. Ainda recentemente, perante o anúncio de que uma editora brasileira iria publicar o Mein Kampf, de Hitler, ouviu-se um coro de protestos que, nos motivos que invocavam, mostravam que os escandalizados não tinham lido o livro. Historiadores reputados continuam a discorrer sobre o nacional-socialismo germânico sem terem lido, por exemplo, O Mito do Século XX, de Alfred Rosenberg, para não citar outras obras igualmente indispensáveis. E o mesmo relativamente ao fascismo na Itália, na Grã-Bretanha, na Bélgica, em Espanha, na França e por aí adiante. Felizmente há historiadores como — além de A. James Gregor — Zeev Sternhell ou Stanley G. Payne ou Robert O. Paxton que, para tratarem do fascismo, lêem os autores fascistas. Não quero ser injusto, a lista não termina aqui, mas seria muito maior a lista dos que não os lêem.

    Em segundo lugar, com esse tipo de censuras e exclusões divulga-se uma ideia errada do fascismo, e muita gente que se situa na esquerda, sobretudo na extrema-esquerda, descobriria com espanto que, afinal, é fascista. Estou a lembrar-me, por exemplo, de todos aqueles que ignoram as raízes da ecologia no pensamento fascista. Mas não só. Num comentário de há dois dias eu citei as declarações de Marine Le Pen num recente comício eleitoral. Os exemplos não parariam. O conhecimento das obras fascistas é indispensável não só para conhecer o fascismo, mas ainda para desvendar um fascismo que não se apresenta como tal. Lembro-me sempre do que, no começo da década de 1960, escreveu o notável fascista francês Maurice Bardèche, que depois de observar que existem «milhares de homens que são fascistas sem o saber», concluiu que «desde que a palavra fascismo não seja pronunciada, não faltam os candidatos ao fascismo».

    Voltando a A. James Gregor, creio que não li a obra que você cita, mas li outras cujo tema é certamente próximo. Devo explicar que o que sobretudo me interessa num historiador é o contraponto que ele faz entre a perspectiva que defende e os factos que cita. Quando o historiador se limita a enunciar teses e perspectivas, sem as passar pelo teste dos factos, ponho a obra de lado. É o que me sucedeu, por exemplo, com o livro de Nikos Poulantzas sobre o fascismo. Para o historiador, a história comparada e o teste dos factos funcionam como o laboratório para o cientista. Sem isso temos divagações, mais perto da teologia do que da historiografia.

    No Labirintos do Fascismo eu cito inúmeras vezes A. James Gregor, mas só em três ocasiões critico a perspectiva que ele adoptou. Se você consultar, por exemplo, aqui, por favor veja a pág. 73 n. 18, a pág. 293 n. 140 e a pág. 411 n. 9. Verificará que se trata sempre de questões concretas, relativas à interpretação de factos.

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