Por M.h.
Querido diário,
eles dizem que o que eu escrevo é romanticamente dolorido.
Mas por favor não deixe que vejam atrás das minhas pálpebras todos os coágulos de sangue
que guardam as bonitas palavras que se abraçam.
Por favor, você sabe que não vai ser tão bonito quando souberem que a poesia sobe e corta a ponta dos meus dedos e sussurra baixo que devo sangrar para se tornar arte.
*
fui na central das estrelas e me disseram que infelizmente não podia retirar as que você
beijava no meu pescoço.
mas parei para olhar meu corpo nu e percebi que desde que saí da barriga de minha mãe
as estrelas se abrigaram no meu corpo como um presente para lembrar que antes de você,
elas já eram amadas
por mim.
*
nos olhamos e o vento estava forte o bastante para que meu cabelo cobrisse e harmonizasse
todas as nossas lágrimas
nos olhamos e você me disse que dói, eu te abracei e disse que em mim também dói, mas que
o fim estava ali diante de nós.
desde então tenho deixado meu cabelo crescer, e a vitamina está no couro, para onde nossas
lágrimas foram
para onde elas não podem se separar, para onde elas podem dançar juntas.
*
minha excêntrica amiga chamada poesia me contou que ela enterrou meu coração na
montanha mais alta, no pico mais alto e que eu devia ir buscá-lo para preencher o buraco no
meu peito
quando cheguei, ele estava enterrado debaixo de nada mais além de neve
então pedi carinhosamente para que toda neve entrasse em mim e deixasse que eu pegasse
meu coração de volta.
bom, eu o peguei, mas minha excêntrica amiga poesia tem desgostado de mim por eu ser fria
como toda neve que corre em minhas veias, substituindo todo sangue, me dando um ar menos
humano.
*
você não foi meu
primeiro beijo,
mas quando nos
beijamos eu tive certeza
que toda eletricidade que
tinha na cidade desapareceu
porque tudo em instantes
ficou escuro e toda chuva
que caía se tornou uma
linda orquestra desafinada e
harmônica que calçou uma
sapatilha e dançou o mais lindo ballet
em nossos corpos.
*
achei uma concha na beira do mar, coloquei bem perto do ouvido e ouvi todas as ondas
chiarem bem baixinho:
“se liberte dessa dor que foi me o perder.”
*
quando você estava baixo
o suficiente para que eu
visse só o ondulado do
seu cabelo, algo em mim
puxou a alavanca de
emergência e entrou na
porta da qual eu não sabia
onde estava a chave,
e a palavra mágica passou
pelo labirinto da minha
confusão e se perdeu.
você procurou resposta
diante do meu rosto
que tremendo forçou
um sorriso, e minha cabeça
guiada pelo meu maldito coração
desesperado para
ser amado consentiu
o que estava
martelando e batendo
na porta da minha nuca.
sempre foi um não.
*
eu gostaria de não ter que
me sentir viva rasgando toda
a minha pele;
eu gostaria de não gostar de ver
meu sangue escorrer do meu
antebraço e sorrir;
sorrir porque quando o sangue
pinga eu tenho certeza que esse
foi o estado de mim que você
nunca tocou
nem ao menos conheceu.
*
Foi quando os chuviscos ficavam mais grossos e o céu mais escuro percebi que tinha passado
para a linha do preto e branco, no esquecimento.
Foi quando me dei conta que na parte iluminada do céu você permanece, descartando tudo
que não precisa mais.
Mas você sabe que todas nós sabemos que você é a praga que consumiu toda a nossa luz para
sua farsa.
seu abuso nunca virá para o preto e branco.
*
Ansiosamente espero que você me leve aos desenhos nas nuvens lá onde ninguém vê, e com
um singelo (empurrão) toque me veja caindo com um grande (grito) sorriso, até me desmontar
e sentir a relva nem tão macia pinicar minha pele, e me convencer que aquilo é o que mereço.
*
me afunde e me afogue,
me faça sentir o tintilar da perca
de consciência que é o seu amor;
me faça sentir a poça de sangue que
se acumula nos seus pés;
deixe que eu ande sobre a faca de dois gumes que são suas palavras;
— ela disse
*
eu não sou nada além
de uma plateia antiga,
eu a observei por anos
enquanto várias bolhas
invadiam seus pés,
eu vi ela cair, torcer o tornozelo
e levantar de novo.
Mas tem uma coisa que ninguém
desta plateia percebeu tão bem
quanto eu percebi,
ela deixa que a dança entre
até os seus vasos sanguíneos, que
plante estrelas nas solas de seus pés,
mas ela está a anos-luz da sua dança.
ela dança aqui mas não está.
*
Não queríamos desistir
porque estávamos aprisionados
pela ideia do futuro brilhante e feliz.
Mas nem nosso presente estava
enchendo nossos pulmões de desejo
o suficiente para escolher ficar.
*
eu não sinto muito pelas vezes
em que me enchi e acabei
transbordando feito areia.
eu não sinto muito pelo meu
redemoinho de areia (emoções)
ter derrubado sua plantação de
mentiras
*
Promessas são irreais para mim.
Mas eu continuo me prometendo e prometendo, até que não haja nada além de um lampião
para iluminar minha raiva,
que cresce e cresce, fazendo com que as cicatrizes se espalhem.
A arte que ilustra o texto é da autoria de Oskar Kokoschka (1886-1980), enquanto a arte em destaque é de Joseph Lorusso (1966 -).
M.h.,
Você leu os Diarios de Alejandra Pizarnik? Se não leu, talvez devesse ler. E olhe que não há muitas pessoas a quem eu dissesse isto.
Olá, Sr. João, muito obrigada pela sua recomendação, é muito significativo para mim! Irei ler.
EVOÉ LISPECTOR
celacanto provoca maremoto
solecismo provoca meiguice:
será que alguém mais leu
clarice
a paixão segundo G.H.?
LERFA MU 4u2
ulisses, Faustino dá banca de Português na Avenida Sete.
conversa fiada matou Carambola
A maestria com as palavras dessas escritas é uma sinfonia literária que encanta os sentidos, tecendo prosa com a destreza de quem vive o que escreve e com certa frieza que expõe os sentimentos humanos. Sua habilidade em conjurar imagens vívidas e provocar reflexões profundas eleva a experiência de leitura a um patamar sublime. Um verdadeiro artista das letras, desafiando os limites da expressão com uma ousadia que encontra ressonância nos corações dos apreciadores da literatura poética. Ao autor, minhas sinceras congratulações; tens um grande potencial na literatura.