Por João Bernardo

7

Chegou o momento de juntar os fios da meada.

O esgotamento das movimentações autonomistas que marcaram a década de 1960 e a primeira metade da década seguinte e a subsequente generalização de um fascismo pós-fascista pressupõem uma grande transformação interna sofrida pela classe trabalhadora.

Quem fala de trabalhadores refere-se a quê? Aos operários de uma fábrica em greve ou a um grupo de entregadores de pizzas que pretende alterar os termos de um contrato ou às pessoas que enchem um meio de transporte quando vão para o emprego ou a uma categoria nas estatísticas? É necessário esclarecer sempre a diferença, porque a estrutura sociológica da classe trabalhadora não pode deduzir-se simplesmente da forma económica de extorsão da mais-valia. A mais-valia resulta de um sistema de controle social que assegura que o tempo de trabalho que os trabalhadores são capazes de despender no processo de produção seja superior ao tempo de trabalho incorporado nos meios de subsistência consumidos pela força de trabalho. Esta fórmula genérica e abstracta prevalece hoje como prevalecia no início do capitalismo e há-de prevalecer enquanto o capitalismo durar, mas os modos práticos da sua realização efectiva foram-se alterando. Por isso é impossível passar da simples definição económica da classe para caracterizações sociológicas específicas sem que consideremos previamente a heterogeneidade do funcionamento interno da economia.

A proliferação de conflitos particulares não corresponde a um conflito generalizado. Para isso seria necessário que os conflitos particulares convergissem, e neste processo alterariam o seu carácter. Assim, a economia dos conflitos sociais só raramente tem sido uma economia dos processos revolucionários. Por um lado, é certo que a escassez destes casos em nada lhes retira a importância, porque as relações sociais geradas e desenvolvidas nas lutas que envolvem a acção de massas trabalhadoras pelo controle directo dos meios de produção e pela reorganização das relações de trabalho permite antecipar o que poderá ser uma sociedade socialista e a forma como nela se articularão as técnicas disponíveis para fundar uma nova tecnologia. É aí que se averigua um futuro. Por outro lado, porém, não são os processos revolucionários de massas que pautam o quotidiano do capitalismo, e no longo dia-a-dia a economia dos conflitos sociais é a economia da recuperação capitalista dos conflitos particularizados, ou seja, a banal progressão da mais-valia relativa.

Enquanto a mais-valia absoluta corresponde a uma forma rudimentar de aumento da exploração, que consiste em prolongar as horas de trabalho e diminuir a quantidade de bens a que os trabalhadores têm acesso, a mais-valia relativa resulta de uma dupla operação que em termos lineares pareceria impossível — trabalhar mais dentro dos limites do mesmo horário ou até num horário reduzido e, eventualmente mediante um pequeno acréscimo da remuneração, ter acesso a um acréscimo muito superior de bens de consumo. É na solução deste mistério que o capitalismo assenta todo o seu progresso, e a resposta torna-se simples se recordarmos que a mais-valia não resulta da disparidade entre somas de gestos de trabalho particulares e de bens de consumo concretos, mas entre os tempos de trabalho pressupostos naqueles gestos e os incorporados nos bens consumidos. Não se trata de coisas, mas do tempo, entendido como um processo.

Contrariamente aos sistemas económicos que o precederam e que ainda hoje possam subsistir residualmente, o importante no capitalismo é o tempo e só o tempo. Assim, dentro da mesma jornada, tal como é marcada pelos relógios, pode aumentar a intensidade do trabalho, ou seja, o ritmo dos gestos executados pelos trabalhadores, e pode aumentar a qualificação dos trabalhadores, quer dizer, a sua capacidade de se encarregar de novas técnicas, novas produções e novos serviços com maior impacto sobre a restante economia. O aumento das qualificações tem o efeito de, por assim dizer, aprofundar o tempo, fazer com que cada hora de um trabalho mais complexo produza mais valor do que uma hora de um trabalho simples. Por outro lado, e em resultado da generalização do processo que acabei de descrever, cada um dos bens consumidos pelos trabalhadores pode ser produzido de maneira a incorporar menos tempo de trabalho e, portanto, representar um menor valor. A mais-valia relativa resulta da articulação destes dois factores, prolongando por um lado o tempo de trabalho que os trabalhadores são capazes de despender no mesmo horário ou num horário mais curto, e reduzindo por outro lado o tempo de trabalho representado pela soma dos bens que os trabalhadores podem consumir. Deste modo aumenta na realidade económica o desfasamento (defasagem) que constitui o cerne da mais-valia, enquanto na ilusão superficial parece que se trabalha menos e se ganha mais. É assim que o capitalismo recupera a miríade de conflitos sociais e por isso pode aceitar formalmente as reivindicações e, no mesmo gesto, convertê-las na realidade em aumento da exploração.

Ora, se o capitalismo recupera os conflitos sociais mediante o desenvolvimento da mais-valia relativa, invertendo a definição devo afirmar que sem a pressão permanente dos conflitos o capitalismo não progrediria. Em vez de ameaçarem a estabilidade do capitalismo, os conflitos dispersos e particularizados são a própria condição da sua existência. Afinal, a dinâmica do capitalismo consiste na superação de formas de mais-valia absoluta, convertendo-as em mais-valia relativa, e na passagem para formas de mais-valia relativa sempre mais elaboradas. Os grandes ciclos de lutas marcam os ciclos sucessivos de mais-valia relativa, e o aumento da produtividade é o mecanismo desta dinâmica.

Mas a dinâmica não é homogénea. O desenvolvimento desigual e combinado, que Trotsky formulou como lei económica, fornece-nos o quadro geral em que a mais-valia relativa é aplicada, consoante a ocorrência dos conflitos sociais e a disparidade de respostas dos capitalistas. É mais fácil desenvolver a produtividade em certas empresas, dependendo das infra-estruturas disponíveis, do acesso à educação e de muitos outros factores, o que leva a mais-valia relativa a progredir de maneira irregular e obedecendo a ritmos desiguais. A heterogeneidade é maior ainda, porque muitos trabalhadores não alcançam os novos patamares de qualificação e perdem o estatuto que possuíam ou são mesmo lançados no desemprego. Torna-se indispensável recorrer aqui à noção de destruição criativa, divulgada por Joseph Schumpeter, porque não só numerosas empresas e conjuntos de trabalhadores não conseguem gerar formas de mais-valia relativa, como outras empresas e outros trabalhadores, que laboravam em condições de mais-valia relativa, são incapazes de acompanhar o progresso e vêem-se remetidos para o que devemos considerar como novas modalidades de mais-valia absoluta. Em conclusão, o carácter criativo das empresas inovadoras implica a destruição do estatuto de outras.

Esta heterogeneidade do sistema económico tem efeitos directos e generalizados sobre a classe trabalhadora. Antes de mais, é crescente a divergência entre os trabalhadores qualificados formados no processo de desenvolvimento da mais-valia relativa e os restantes trabalhadores, tanto os não qualificados que desde início laboravam em sistemas de mais-valia absoluta, como os desqualificados remetidos para formas de mais-valia absoluta em resultado de uma degradação que sofreram nos ciclos de mais-valia relativa. Não se trata só da discrepância de estatutos, com tudo o que isto implica, mas igualmente do desemprego. E como uma sólida educação de base é cada vez mais indispensável para atingir sucessivos limiares de qualificação, a diferença entre qualificados e não qualificados reproduz-se e agrava-se nas gerações seguintes, ameaçando perpetuar-se. Em conclusão, o carácter heterogéneo da dinâmica económica suscita uma heterogeneidade sociológica crescente entre os trabalhadores. Mais do que nunca, é impossível passar por mera dedução da área económica para a sociológica.

Mas as consequências são mais vastas. A electrónica e, agora, a Inteligência Artificial apressaram os ciclos de mais-valia relativa e abriram aos mecanismos de exploração da força de trabalho horizontes de que não conseguimos vislumbrar os limites. O capitalismo entrou numa colossal fase de expansão e, ao mesmo tempo que se aceleraram os processos de desqualificação, agravou-se a cisão entre os trabalhadores qualificados e os não qualificados. Neste quadro económico tende a aumentar a diversidade social dos trabalhadores e, portanto, tende a exacerbar-se a sua heterogeneidade política. Os trabalhadores, que no plano económico são uma classe, deixaram de aparecer como uma classe no plano social. A situação deteriora-se com a substituição das relações pessoais por relações virtuais e com a tendência à constituição de grupos virtuais fechados, o que mais ainda pressiona os trabalhadores a não se comportarem como uma classe no sentido social do termo.

Assim, ocorre hoje uma multiplicidade de lutas particulares, incapazes de convergir. E os sindicatos, que durante muito tempo, e apesar da sua burocratização, pelo menos forneciam aos trabalhadores um quadro social unificado, resumem-se agora a grandes investidores de fundos financeiros. Do mesmo modo, o que resta das antigas experiências de autogestão e dos antigos movimentos sociais transformou-se em empresas capitalistas, que mantêm o nome só como chamariz publicitário.

É este o contexto em que na Europa, nos Estados Unidos, em África e agora também no Japão os trabalhadores menos qualificados, sobretudo os jovens, desde sempre considerados pelos marxistas como a base social inerente da esquerda, passaram na maior parte dos casos a organizar a sua contestação no quadro da extrema-direita, laica ou religiosa, e do fascismo. O paradoxo é mais gritante ainda, porque enquanto a denominada extrema-esquerda não faz outra coisa senão invocar o recurso ao poder de Estado, são os fascistas que hoje se apresentam como contestatários. Pode argumentar-se que nas economias desenvolvidas a população nativa menos qualificada vota nos fascistas e na extrema-direita porque defende medidas contra os imigrantes, que aceitam salários baixos e, portanto, concorrem no mercado de trabalho. Mas por que motivo, então, os movimentos de massa contra as elites económico-políticas corruptas e repressivas, que têm atingido grandes proporções em vários países africanos, seguem organizações da extrema-direita evangélica ou pior ainda? E por que motivo as lutas contra as elites nas sociedades islâmicas sunnis, onde o marxismo tivera uma grande vitalidade, passaram a ser exclusivamente conduzidas por facções religiosas fundamentalistas ainda mais fanáticas e misóginas? Quem não quiser iludir-se terá de reconhecer que a extrema-esquerda marxista perdeu qualquer capacidade mobilizadora.

Perante esta situação, os marxistas actuais substituíram a análise crítica das novas realidades sociais pela metafísica, e difundiu-se o que eu tenho classificado como marxismo pré-galilaico. Assim como na época de Galileo havia quem não quisesse espreitar pelo telescópio para não constatar a existência dos satélites de Júpiter, também esses marxistas não olham para as estatísticas sempre que elas são incómodas. Já sabem as respostas antes de conhecerem as perguntas, e deste modo a visão crítica inovadora foi substituída por deduções a partir de textos escritos pelo pai fundador ou por qualquer dos santos da meia dúzia de capelas consagradas. Quando os argumentos factuais se tornam incapazes de persuadir, temos uma religião. Os marxistas caíram na pior das escolásticas, manipulando termos abstractos que eles julgam que são conceitos, quando na verdade são abstractos pelo motivo simples de lhes faltar conteúdo prático. Pelo menos, a esquerda chamada reformista ou social-democrata tem uma percepção da mais-valia relativa e entende que, tal como há pouco sublinhei, os conflitos dispersos, em vez de ameaçarem o capitalismo, são a própria condição da sua existência. Mas a extrema-esquerda marxista concebe apenas os sistemas de extorsão de mais-valia absoluta e, por isso, fica alvoroçada com a eclosão de qualquer conflito social e é incapaz de entender as potencialidades de adaptação do capitalismo e as suas reconfigurações. Escapa-lhes todo o mundo moderno e, pior ainda, o mundo futuro.

Uma das consequências mais funestas e lamentáveis desta incapacidade são os equívocos que envolvem a tão falada queda da taxa de lucro. A extrema-esquerda marxista confunde aqui uma lei tendencial com uma lei efectiva. Uma lei tendencial define o que devemos fazer para não sermos vítimas dela. É uma lei negativa, determinando as condições necessárias para que essa lei não vigore. Portanto, o efeito da lei da baixa tendencial da taxa de lucro não é o de fazer baixar o lucro mas, pelo contrário, o de pressionar os capitalistas a aumentarem a produtividade, de modo que os lucros cresçam, em vez de baixarem. Por isso a mais-valia relativa, com tudo o que implica, tanto no aspecto social como no técnico, define o eixo do progresso económico. Em suma, baixa tendencial da taxa de lucro e desenvolvimento da mais-valia relativa são dois aspectos da mesma realidade.

Quando os marxistas actuais, persistindo nessas confusões, afirmam que o capitalismo padece de uma crise estrutural estão, afinal, a pretender que o capitalismo se destruirá a si mesmo. Que colossal paradoxo! Na ausência de uma revolução proletária mundial, que não ocorreu nem há previsões de que ocorra nos próximos anos, estes marxistas chegaram a uma conclusão que, para ser válida, tem de presumir a inutilidade política da classe trabalhadora. Se outrora Marx encarregara os trabalhadores da tarefa histórica de destruir o capital, agora os discípulos pretendem atribuir ao próprio capital essa função. Desprovida de uma base social própria, que transitou para outros quadrantes políticos, a extrema-esquerda marxista aguarda o apocalipse. Por isso confunde as permanentes crises sectoriais e localizadas, resultantes do desenvolvimento desigual e combinado e do processo de destruição criativa, com a crise sistémica que ela inventou e sem a qual perderia a fé e a esperança.

O fracasso dos marxistas contemporâneos não poderia ser maior. Neste deserto, a adopção da ecologia pelos marxistas ou, talvez mais exactamente, a absorção dos marxistas pela ecologia é um indício trágico do seu esgotamento ideológico e político, pretendendo encontrar um novo fôlego naquela criação do fascismo. Outro sintoma é a adopção dos identitarismos, e quando os marxistas actuais não escamoteiam os trabalhadores na interminável série de identidades, consideram-nos uma identidade suplementar para acrescentar às outras. Eu ia escrever que é tão absurdo proclamar-se eco-marxista ou falar de marxismo queer como seria proclamar-se racista-marxista, mas parei a tempo porque me lembrei de Karl Pearson.

A absorção dos marxistas pelos identitarismos e pela ecologia, que não ocorre só num ou em dois países, mas se generalizou a todo o mundo e passou a caracterizar todas as correntes marxistas contemporâneas, marca a sua crise terminal.

A crise terminal destes marxistas, não do marxismo.

Na primeira parte vimos a possível relação entre a «nação revolucionária» e a «nação proletária». Na segunda parte vimos como a luta internacional do proletariado desarticulou as nações e o que sucedeu depois. Na terceira parte vimos como a guerra mundial de 1939-1945 fundou a consolidação geopolítica das «nações proletárias». Na quarta parte vimos uma nova vaga de internacionalização das lutas e quais os seus resultados. Na quinta parte vimos como a ecologia dinamiza duplamente o processo gerador do fascismo. Na sexta parte vimos como os identitarismos transportaram o fascismo clássico para um contexto geopolítico transnacional.

As ilustrações reproduzem obras de Bridget Riley (1931-       ).

23 COMENTÁRIOS

  1. “A crise terminal destes marxistas, não do marxismo.”
    De fato, a crise terminal é dos marxistas, e não do marxismo. E se para o marxismo o motor da história é a luta de classes, e se as perguntas são mais importantes do que as respostas, perguntemo-nos: qual será a classe que de fato sairá desta luta emancipada?
    Será a classe trabalhadora, com toda sua heterogeneidade, fragmentações, contradições? Tornar-se-ão (se é que já não se tornaram) as distopias realidades? Afinal, se na “pré-história” a morte chegava para todos, indivíduos ou classes, a “história”, não a história idealista, mas a história materialista, não será aquela de quem detiver o integralidade do tempo e quem não detiver o tempo será extinto? Se por um lado os ecologistas defendem a permanência de uma reabilitação de uma humanidade arcaica e ultrapassada, como podem os, não sei exatamente como classificar, “passapalavristas”, imaginar que aqueles que alimentam a fogueira, de dentro da própria FOGUEIRA que os queimam, tomar e vencer a fogueira?
    Os fios da meada foram juntados… Faltou mostrar a corda e o pescoço que se encontra na FORCA…

  2. As vezes as respostas estão mais claras do que parecem…Da mesma forma que é pueril acreditar que há capital fictício, é pueril crer que a única forma de exploração do capitalismo está assente única e exclusivamente na exploração humana.
    A inteligência artificial nada mais é que a inteligência humana acumulada em tempo infinitamente inferior, ou seja, a inteligência artificial acumula conhecimento pretérito muito mais rápido, porque já pré existentes, do que a inteligência humana. Mas se a inteligência humana tem a capacidade de dialetizar estes conhecimentos, o fato de a inteligência artificial ainda não ter, ou ainda não estar plenamente desenvolvida para isso, não significa que a inteligência humana não há de ser superada.
    Para o desenvolvimento das forças produtivas é fundamental o aumento constante da mais valia relativa. A inteligência artificial será capaz de acumular e dialetizar cada vez mais e mais rápido, ou seja, em menor tempo (substância do capitalismo) a produção.
    Consequentemente, o trabalho humano, por ser biologicamente limitado, se tornará cada vez mais produtor apenas de mais valia absoluta… Aí sim, cabem as perguntas? Se o torneiro mecânico foi substituído pelo robô, será a inteligência humana substituída pela inteligência artificial? Haverá ainda espaço para o desenvolvimento desigual e combinado?

  3. A pessoa acima não entende como funciona a “inteligência” artificial. Cabe estudar melhor o tema com sua inteligência humana, para entender que não se trata realmente de uma “inteligência”, e que além disso são necessários muitos trabalhadores qualificados para operá-la.

  4. Por enquanto ainda são necessários muitos trabalhadores qualificados para operar a inteligência artificial e basta um pouco de inteligência humana para entender que a inteligência artificial será capaz de se equiparar e superar a inteligência humana, por que o que é a inteligência humana senão o acúmulo histórico de conhecimentos, sempre dialéticos, que desenvolvem as forças produtivas? Ou será que a inteligência humana não seria fruto do desenvolvimento químico, físico e biológico da natureza e sim fruto do fruto proibido do jardim do Éden?

  5. Acreditar que não seremos superados como força de trabalho é acreditar que o mar é salgado porque o bacalhau é salgado…
    Acreditar que os trabalhadores do mundo se unirão e controlarão a forma e o tempo de trabalho é acreditar que o messias virá e salvará a todos…
    Acreditar que alguns rompantes pontuais na história seja capaz de se repetirem e se tornarem globais, é acreditar que papai Noel existe e presenteará a todos!

  6. João Bernardo escrevia há mais de seis anos neste site:

    “O desaparecimento sociológico e ideológico dos trabalhadores enquanto classe e a sua inserção no xadrez das identidades representa a maior vitória do identitarismo” (https://passapalavra.info/2019/03/125676/)

    Passado todo esse tempo, a vitória identitária só se ampliou, e, ao mesmo e tempo ‘Ritmo de concentração de renda aumenta, mostra relatório Oxfam 2025″ (https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-01/ritmo-de-concentracao-de-renda-aumenta-mostra-relatorio-oxfam-2025)

    É um tanto quanto interessante essa relação de aumento de poder dos identitários e aumento das desigualdades sociais no mundo. A impressão que dá é que o identitarismo é uma força motriz para o fortalecimento do capital. Seria isso mesmo?

  7. Vou tentar acrescentar algumas coisas, muito rapidamente. Ao longo de vários artigos e capítulos de livros desenvolvi a noção do trabalhador como produtor e produto, dentro do modelo da mais-valia. Assim, o trabalhador de hoje é um resultado acumulado, e as novas tecnologias capitalistas exploram essa acumulação. Sucederá o mesmo com a Inteligência Artificial ou abrirá qualquer coisa de inteiramente novo? Não ouso fazer previsões, só manter os olhos abertos. Outra coisa é o aumento da desigualdade de fortunas, porque há duas curvas. Uma é essa curva da desigualdade, outra é a curva da fome e da miséria. Ora, o facto de esta segunda curva progredir, melhorar, não impede que vá sempre aumentando a distância relativamente à outra curva. Do mesmo modo, o facto de essa distância aumentar não deve fazer esquecer que a segunda curva melhora. Esta conjugação constitui um estímulo à mobilidade social, que é um dos motores do progresso capitalista. Creio que se inserem aqui os identitarismos, enquanto promoção de novas elites.

  8. ☆ Cada geração deve, em relativa opacidade, descobrir sua missão: cumpri-la ou traí-la.

    Nossa geração está encurralada. E por geração, não nos referimos à divisão predominante por faixas etárias, mas sim a todos aqueles que, em determinado momento, se fazem as mesmas perguntas e enfrentam os mesmos problemas.

    O fato é que nosso período de experiências de luta difere daquele que caracterizou o ciclo de luta anterior. As mesmas perguntas não têm mais as mesmas respostas.

    Agora nos encontramos com uma capacidade de clareza estratégica muito menor do que aqueles que nos precederam. Como podemos derrubar essa barreira cognitiva contra a qual tantos se chocaram nas últimas décadas?

    https://illwill.com/toward-a-politics-of-destitution

  9. O quão incômodo terá sido este Manifesto Incómodo ao coletivo editorial do Passa Palavra?
    Em 02 de outubro de 2025 foi publicada a primeira parte de um texto de análise crítica a um conhecido influencer stalinista brasileiro, cuja nota prévia afirma, “antes de tudo, solidariedade incondicional” a ele. Neste manifesto há contundentes críticas ao stalinismo e suas posições diante da ascensão do fascismo. Não incomoda ao coletivo editorial do Passa Palavra ser espaço de “solidariedade incondicional” a um notório stalinista?
    Entre 04 de junho e 28 de julho de 2025 o Passa Palavra foi usado como picadeiro de um circo organizado por um grupo de mulheres – trabalhadoras, ex-trabalhadoras, coordenadoras e articuladoras políticas – de uma organização da sociedade civil. Dentre os números apresentados na temporada circense, que se iniciou em finais de outubro de 2024, houve a calúnia contra um trabalhador e a sua demissão; o desenvolvimento de uma polícia política identitária; o cancelamento e o assassinato de reputação; a criminalização; “a substituição da presunção de inocência pela presunção de culpabilidade”; a “vitimização” das mulheres; a defesa da troca das elites nos espaços de poder das organizações e outros mais. Não faltou à direção do circo o apoio e o entretenimento proporcionado por coletivos que auxiliam nas lutas de alguns locais de trabalho.
    Se se partir do conceito de fascismo pós-fascista, utilizado neste manifesto, para analisar a prática desse grupo de mulheres perceberá que tais práticas se encaixam perfeitamente nele. E não seria todo esse espetáculo circense uma prática de revolta dentro da ordem? Não incomoda ao coletivo editorial do Passa Palavra ter sido picadeiro desse circo?
    Em seu último editorial, o coletivo editorial do Passa Palavra afirma que “a esquerda vai precisar, pelo visto, resetar a si mesma e começar tudo de novo”. Cumpre fazer ao Passa Palavra um questionamento:
    Neste momento, em que “Só há uma – somente uma – providência” a tomar, ela passa por dar espaço aos fascismos e por prestar “solidariedade incondicional” às lideranças autoritárias?

  10. Os redpills gestores retornam à casa pedindo que o Passa Palavra faça autocrítica.

  11. Seria possível, a esta altura do campeonato, falar em “bernardianos de esquerda” e “bernardianos de direita”?

    Os primeiros seriam aqueles que, ao reconhecer nos gestores uma expressão do capital, reafirmam a necessidade de auto-organização dos trabalhadores; que, compreendendo a complexidade intrínseca dos conflitos sociais, enfatizam a urgência do desenvolvimento de relações de novo tipo; e que, ao invés de privilegiarem o conteúdo em detrimento da forma, entendem ser mais relevante o próprio processo de elaboração e reflexão que se desenrola no interior das lutas, permitindo que os participantes avancem e se formem politicamente pela experiência concreta, sem a tutela doutrinária de terceiros. Para esses, mais importa a práxis emancipadora que se constrói no fazer coletivo do que as bandeiras ou ideologias que serviram de ponto de partida para tais processos.

    Os segundos, por sua vez, seriam aqueles que aderiram à perspectiva gestorial, encarnando de modo ainda mais agudo seus aspectos deletérios: verdadeiros gestores da mais-valia absoluta, impondo rigidez, assédio moral e perseguição àqueles que se encontram sob sua autoridade, e reforçando assim as dinâmicas de hetero-organização. São também os que empunham a bandeira do anti-identitarismo não a partir de uma crítica radical ao identitarismo em si, mas como forma de afirmar um identitarismo masculinista frente aos identitarismos considerados “minoritários” — um identitarismo anti-identitarista, típico daqueles que acusam as mulheres de manipulação por meio do charme, mas que recorrem aos mesmos artifícios para ascender a posições de poder em seus espaços de trabalho.

    Em suma, de um lado, uma militância forjada nas reflexões de João Bernardo, que se lança ao desenvolvimento das lutas sociais lado a lado com os trabalhadores; de outro, aqueles que, abandonando a militância, buscaram integrar-se à ordem por meio de sua formação enquanto gestores, ainda que continuem a mobilizar o arcabouço teórico do mestre como disfarce ideológico para ocultar suas reais posições de classe.

  12. Se para Gilles Dauvé o antifascismo é o pior produto do fascismo, porque busca através do medo de seu eterno retorno fazer com que os trabalhadores abandonem suas posições de classe para a defesa de posições burguesas e assim servindo como justificativa para a adesão ao mal menor (vamos lembrar que o Alckmin já foi um fascista, hoje é um “companheiro”), seria o anti-identitarismo o pior produto do identitarismo pela manipulação constante do temor identitário para mascarar posições burguesas e reforçar aspectos burocráticos de gestão? Se em um primeiro momento a crítica ao identitarismo foi essencial para o mapeamento de um novo nacionalismo na época da transnacionalização do capital, hoje o anti-identitarismo é utilizado da forma mais vil e oportunista pelos sujeitos mais execráveis que tentam, através do temor identitário, justificar a manutenção de seus abusos e suas posições de poder, tanto pela esquerda quanto pela direita. Os tais anti-identitários não deixam de carregar um identitarismo muito forte, assim como muitos antifascistas estão muito próximos dos fascistas, embora se neguem a abrir os olhos para enxergar.

  13. Sugiro ao Bernardianos verificar se não existe um João Bernardo de esquerda e um de direita. O “jovem João Bernardo” marxista, comunista, conselhista, autonomista, heterodoxo, e o atual, ressentido, pessimista, revisionista, conformista, eclético e renegado. Seria um bom ponto de partida para uma reflexão deste tipo…

  14. Não consigo entender porra nenhuma nessa discussão entre redpillismo, acusação de gestorismo anti-identitários, “escândalos” (?) envolvendo o passapalavra. Tá tudo muito cifrado. Por favor, façam a crítica o mais aberta possível.

  15. Quem, nesse possível debate de ideias, enaltece um fim de partida desses aí como sendo um ponto de partida não busca a reflexão a partir de evidências – a construção de uma reflexão séria e útil para nós sempre passou por esse caminho – busca a lacração.

  16. Reforço o pedido do L de SP. Mas não deixa de ser sintomático que uma série que traz tantas questões centrais resulte num debate tão pobre sobre a postura e coerência maior ou menor de um indivíduo ou outro. Ou será que se julga que “a extrema-esquerda marxista perdeu qualquer capacidade mobilizadora” devido a posturas e práticas incoerentes de um ou outro militante? E o simples fato dessa pergunta não ter uma resposta óbvia mostra o nível de hegemonia do identitarismo, que dita as perguntas e o padrão de resposta.

  17. Caro pensativo . Se queres verdadeiramente ser “Dauvetista” até o fim, tens que dizer que O identitarismo é um inter-classismo.

  18. Já que o debate está em alta por aqui, decidi perguntar:

    João, me falaram que certa vez em uma apresentação da USP você levantou a crítica aos ecologistas mas pareceu considerar que abordagens como a do Bookchin não faziam parte daqueles que você criticava (talvez por ser marginal e se destoar). No entanto, outro camarada lembrou que você cita os discípulos de Bookchin para a crítica do ecologismo na esquerda, e que eles seriam a base.
    Afinal, você considera um ecologismo como o de Bookchin (a chamada Ecologia Social), ou pra você é tudo a mesma coisa?

  19. L de SP, Bodão aqui nos comentários defendeu um coordenador da Secretaria Nacional da Comissão Pastoral da Terra que foi demitido após ter tido um processo no Comitê de Ética da instituição que terminou por sugerir sua demissão, nominalmente, por desvio de conduta. Quando Bodão afirma que o Passa Palavra foi “picadeiro de um circo” quer na verdade dizer que o Passa Palavra deu voz a trabalhadores e ex-trabalhadores (homens e mulheres – nenhum em cargo de gestão ou coordenação como o comentário afirma) que denunciaram a Coordenação Nacional da CPT. Parece que para ele, a Coordenação Nacional da CPT é um órgão da classe trabalhadora, e a posição de gestor é uma posição proletária. Faço a sugestão para que vá atrás das publicações, disponíveis na sessão “Movimentos em Luta”, e tire suas próprias conclusões. Os comentários também são bem ilustrativos.

  20. Minhas questões continuam direcionadas ao coletivo editorial do Passa Palavra.
    Porém, para que conclusões sejam tiradas, não se fiem em meias explicações. Vejam o processo como um todo, que se iniciou em finais de outubro de 2024. Se eu escrevi o que escrevi, foi no sentido mesmo do que foi escrito. Não quero dizer nada diferente. O que ocorreu neste site foi apenas os números finais da temporada circense, com a aliança das feministas – do que o autor do Um manifesto incómodo denomina de “fascismo pós fascista” – com a extrema esquerda autonomista. Antes disso, a aliança foi com as burocratas feministas da organização da sociedade civil.
    Para já, uma última reflexão.
    No Passa Palavra, houve a afirmação de que as trabalhadoras que fizeram a denúncia e permaneceram trabalhando estavam sofrendo assédio e perseguição. São seis as que permaneceram. Duas receberam aumento salarial. Outras duas foram fotografadas e se fotografaram nas “Fronhas Maranhenses” com coordenadoras nacional e regional, na folga após o Congresso da organização. Uma terceira foi fotografada com canecas de cerveja com outra das coordenadoras nacionais em uma noite de confraternização.
    Esse é o tipo de perseguição que supostamente sofreram e sofrem? Quem será que se alinhou aos altos cargos burocráticos da organização para se revoltar?

    *** *** ***

    Um adendo: onde está escrito “Uma terceira”, deve ser substituído por “Uma quinta”.

  21. Ex-Bookchinista,

    Não me lembro desse debate na USP, mas houve tantos… Também não creio que algum dia tenha citado Murray Bookchin. Quem sem dúvida referi, e várias vezes, foram Janet Biehl e Peter Staudenmaier, que ambos eram, ou tinham sido, muito próximos de Bookchin. De qualquer modo, reproduzo aqui o que escrevi no Labirintos do Fascismo (São Paulo: Hedra, 2022) vol. VI, págs. 191-192: «Ouço dizer que haveria uma ecologia séria, científica, louvável e admito que talvez, mas por que motivo é tão raro que esses cientistas apareçam em público para se distinguirem daquelas correntes de opinião que através do controle da informação e das pressões políticas se confundiram com a totalidade da ecologia?»
    Todas as vertentes da ecologia que hoje se destacam e são faladas partilham a mesma visão mística da natureza, considerada intrinsecamente harmónica e cujo equilíbrio seria destruído pela sociedade industrial. Quem estudar seriamente a história económica, incluindo a história das tecnologias, verá que a sociedade industrial, em vez de deteriorar a natureza, pelo contrário, contribuiu para corrigir a deterioração provocada pelos sistemas económicos anteriores. O que interessa aos fascismos, porém, não é a história real, mas a invenção de um passado ideal.
    Essa noção de equilíbrio da natureza constituiu um dos fundamentos ideológicos do nacional-socialismo hitleriano e, através do misticismo dos SS, estava intimamente ligada ao neopaganismo. Ora, é esclarecedor que este neopaganismo tivesse ressurgido nas correntes da New Age, frequentemente sem qualquer modificação, que se difundiram nos mesmos meios em que prolifera a ecologia. Por isso eu escrevi, na quinta parte deste Manifesto, que mesmo quando partidos situados na extrema-direita não manifestem adesão à ecologia, é no interior do próprio movimento ecológico que o fascismo ressurge, inevitavelmente gerado pela visão mística de uma natureza supra-humana, e concluí que a ecologia contém em si mesma, pela sua origem e pelas concepções que a definem, o gérmen de um fascismo.

    Já agora, aproveito para partilhar uma reflexão que me ocorreu ao ler um qualquer dos comentários anteriores. É curioso que aqueles que me aplaudiam quando me consideravam um marxista heterodoxo me condenem agora ao constatarem que sou, afinal, um bernardista heterodoxo.

  22. Eh pá! E eu que tanto esperei por um manual revolucionário, tudo o que o gajo nos oferece entretanto são alguns escritos sobre Balzac ou a velha implicância com os tomates bio!

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here