Enquanto alguns países preferem explorar o povo pela ignorância ou pela violência, a França e muitos outros países desenvolvidos escolheram uma forma muito mais eficiente de manter um povo sob rédeas. Por Camila Victorino
A França é um país que cheira à Revolução. Sua história está repleta de eventos de resistência contra a classe dominante; andando pelas ruas de Paris, podemos passar pelos locais que outrora abrigaram os manifestantes da Comuna, do Maio de 68 e mesmo do recente evento da estação de trém “Gare du Nord”, que teve direito a barricadas de pneus queimando, como forma de protesto dos jovens da periferia contra a opressão policial. Além disso, grandes intelectuais de idéias anticonservadoras foram franceses ou habitaram esse país: Diderot, Simone de Beauvoir, Albert Camus, Jean Paul Sartre, Cornelius Castoriadis, André Breton, etc.
Sim, a França é lembrada – fora de suas fronteiras – como um país diferente, um país que, apesar de ter eleito um presidente de direita e de ter apoiado o massacre de Ruanda, do Timor Leste, do Vietnan, ainda sim, emana um quê de justiça. Será?
É fato que existe uma certa indústria da propaganda que dispersa uma imagem de igualdade, liberdade e fraternidade dos países europeus. A Europa é vista como um sinônimo de capitalismo justo. Depois de George Bush, os Estados Unidos ganharam mais um ponto em sua imagem negativa e não havia solução alguma que transformar a Europa em local de resistência, símbolo da democracia capitalista que dá certo, com um povo inteligente, engajado e, acima de tudo, ecológico e contra os transgênicos. Teoria da conspiração ou não, é fato que quando uma manifestação decide queimar uma bandeira, a Suécia, a Finlândia, a França ou a Alemanha não são lembradas como sinônimo de imperialismo, mas de jovens de esquerda que andam de bicicleta e reciclam seu lixo.
Tudo bem, esta é a “realidade” falsa que a América Latina recebe, mas e a outra realidade? Se restringindo à França, existirá uma esquerda forte o suficiente para fazer honra à imagem que temos desse país?
Começando pelos partidos políticos, a França possui um grande partido de esquerda conhecido como PS (Parti Socialiste [Partido Socialista]); existem ainda o PC francês (Partido Comunista), que está prestes a cair em ruínas, e o Nouveau Parti Anti-Capitaliste (NPA [Novo Partido Anticapitalista]), dirigido pelo militante francês Olivier Besancenot e aí conhecido como partido de extrema-esquerda. O PS, hoje dividido entre duas lideranças (Martine Aubry e Segolène Royal), não parece apresentar proposições completamente diferentes do atual partido de direita no poder (UMP). Aliás, o governo de François Mitterrand – antigo presidente francês e militante do PS – não se caraterizou como um governo de esquerda. O NPA ainda é um partido pequeno e que não tem representação popular, pois sua linguagem leninista/trotskista, que diz representar a periferia, não é compreendida pela própria periferia. Já o PC vai de mal a pior, não conseguindo se adequar ao vocabulário do século XXI.
Entre o vai e vem da esquerda midiatizada, encontra-se uma pequena resistência invisível, representada pelos coletivos libertários franceses. Esses estão por aí pelas manifestações de rua, pelos cinemas alternativos e pelos protestos contra as medidas anti-imigração do atual governo; entretanto, eles não representam quase nada da atual esquerda, o que pode ser averiguado pela fraca resistência do povo francês às medidas anti-sociais que o governo Sarkozy pretende implantar.
Mas, afinal, qual seria o motivo para a falta de resistência contra a direita num país em que a liberdade da mídia e a qualidade da educação dão ao povo um grande acesso à informação?
Diferente do Brasil, na França, a direita se caracteriza por um movimento popular. Existe uma militância forte de direita e mesmo grandes movimentos estudantis neoliberais. No Brasil, ser apelidado de direita é quase um insulto – sendo sinônimo de manipulação, corrupção e da manutenção das desigualdades sociais – o que pode ser averiguado no nome dos partidos brasileiros que seguem esta linha, como o PSDB (Partido da SOCIAL DEMOCRACIA Brasileira), PSB (Partido SOCIALISTA Brasileiro), DEMOcrata, entre outros.
Possivelmente, esse significado se relaciona à história do país, que passou por uma ditadura que a mídia, apesar de tentar disfarçar, não disfarçou. O mesmo, aliás, deve se dar com a França, pois só a sua história permitiria averiguar o porquê da resistência atual ser tão inócua e da direita ser tão bem organizada.
A França sempre se caracterizou como metrópole; seus recursos sempre estiveram garantidos pela exploração de suas colônias. Além disso, seu poderio militar e econômico impediu que medidas internacionais destinadas a barrar seu desenvolvimento social e científico se fizessem. O neoliberalismo europeu não é o mesmo neoliberalismo latino-americano e isso se vê pelo desenvolvimento econômico díspar dos dois continentes. A velocidade dos dois neoliberalismos é diferente: enquanto um suga de uma vez, como acontece nos países pobres, o outro suga aos poucos, impedindo que o povo compreenda a sua exploração e, ao mesmo tempo, dando a impressão que esse tipo de sistema funciona, garantindo o bem-estar e o poderio da nação. Cria-se um orgulho patriota e uma ideologia funcionalista: a direita dá certo e a pobreza é apenas uma consequência da falta de engajamento pessoal. Estabeleceu-se uma ideologia de uma direita funcional, uma direita que garante o mínimo de recursos para a sociedade, mas que mantém a exploração de seu povo.
Ora, se a direita é tão eficiente, qual seria a razão de militar por uma esquerda antiquada que continua a copiar as palavras de uma sociedade anterior à queda do muro de Berlim? Uma esquerda que mais critica do que propõe, uma esquerda que faz alusão à pobreza que é vista apenas como falta de mérito? Aliás, qual seria a razão de se manifestar contra um governo que tão bem administra essa grande empresa, chamada de país?
Militar pela direita é sinônimo de competência e de pé no chão, militar pela esquerda é se prender a um modelo antiquado que não deu certo. Enquanto esse texto está sendo lido, um grande número de jovens franceses está militando: colando cartazes nos muros, se organizando em congressos, pedindo a palavra, etc. Tudo poderia parecer normal se eles estivessem num congresso de um partido ou de uma organização da esquerda institucional, mas nada é normal quando eles estão justamente se organizando pelo partido conservador UMP e pelo atual presidente Nicolas Sarkozy.
Existem diversas formas de se alienar um povo: a mais comum é mantê-lo na ignorância, impedindo-o de compreender sua própria exploração; uma outra forma – mais eficiente – é de lhe inculcar a idéia de que ele é livre, de que nada está errado com a sua sociedade. Ora, se ele é livre num sistema de direita, deve ser justamente esse sistema o responsável por sua liberdade, o que faz com que a militância pela sua manutenção se transforme numa espécie de dever.
Enquanto alguns países preferem explorar o povo pela ignorância ou pela violência, a França e muitos outros países desenvolvidos escolheram uma forma muito mais eficiente de manter um povo sob rédeas, uma forma tão eficiente que faz com que seu povo milite pelos seus próprios exploradores.
Compreensível né? Salário mínimo na França: 3.300 reais. No Brasil, o cara carrega pedra o mês todo e faxina casa por 500 reais.
Sempre achei curioso e é uma queixa dos intelectuais da nova direita, Pondé, Coutinho, Azevedo, Ascher, que não haja um movimento popular de direita no Brasil. No entanto, vê-se a tentativa, por parte de governos, mídias, igrejas, de fundar movimentos desse porte, como é exemplo o Todos Pela Educação, de origem empresarial e que pretende mobilizar a população pela melhoria do ensino.
Aqui usa-se o termo cidadania para escamotear o verniz direitista de muitos movimentos. No entanto, a ausência de alternativas de esquerda é que abre amplo espaço. No caso da educação, há uma notória falta de um movimento popular por educação.