Quando os meios de comunicação de massa e a alienação das grandes empresas não se mostram suficientes para garantir a passividade, procura-se impor o medo e o silêncio através das múltiplas formas de violência física e simbólica, inibindo os atos de protesto, resistência e rebelião contra a ordem vigente.

Para construir um aeroporto internacional, o governo do México pretendia expropriar mais de 5 mil hectares dos municípios de Texcoco, Chimalhuacán e Atenco, o que equivaleria a mais de 80% das terras ejidais do município de San Salvador Atenco[1].

Em 22 de outubro de 2001, foi publicado no Diário Oficial da Nação o decreto expropriatório. Para impedir essa violação aos seus direitos, os habitantes ejidatários de Atenco se uniram para manifestarem-se contra esse despojo e buscar formas de serem ouvidos. Pois, ao contrário, veriam ameaçadas de extinção suas formas de vida e cultura, baseadas em sua relação com a terra.

As respostas oficiais alternavam entre o silêncio e a repressão. Os habitantes, após tentarem a solução em várias instâncias do governo, realizaram uma marcha com suas ferramentas de trabalho: o machete, que se converteu no seu símbolo de luta junto com o paliacate. Com o passar dos dias, os povos vizinhos a Atenco foram se somando às mobilizações de protesto.

Com o aumento da repressão policial, também aumentou o número de aderentes às manifestações. No dia 14 de novembro de 2001, enquanto os efetivos policiais, com a habitual brutalidade, tentavam conter uma manifestação na capital do país, dezenas de pessoas dos pueblos, que não estavam participando das manifestações, protestaram, de forma autônoma, tomando uma rodovia.

atencogdeDepois deste episódio repressivo, os moradores sentiram a necessidade de se organizarem e de irem mais adiante na luta, tendo então por princípios fundamentais a tomada de decisões nas assembléias, o não reconhecimento de um líder específico e a formação de uma frente ampla sem sectarismos, isto é, sem importar as tendências políticas,crenças religiosas e sem a intromissão vertical de nenhum partido político. Formava-se, assim, a Frente dos Povos em Defesa da Terra (FPDT).

Com esta dinâmica, organizaram uma grande marcha – com mais de cinco mil pessoas andando a pé, a cavalo, de bicicletas, de tratores, entre outras formas – que foi ao encontro solidário de diversas organizações sociais, sindicatos e pessoas da sociedade civil, que a uma só voz gritavam: «Não estão sós», «Nem hotéis, nem aviões, a terra dá feijões», «Zapata vive, a luta segue». A resistência foi crescendo e os camponeses passaram a colocar barricadas nas entradas principais dos pueblos e a realizar diversos atos demonstrando que não permitiriam que lhes tomassem suas terras. A FPDT ainda procurou resolver o impasse através de diversas manifestações, foros e tentativas infrutíferas de diálogo com o presidente (que jamais apareceu).

Seguiram-se meses de intimidações e provocações por parte do governo, na figura de suas forças repressoras. Foram também meses de luta e mobilizações. Até que, após o assassinato de um dos integrantes da FPDT, Enrique Espinosa Juárez, que culminou com um forte debate na opinião pública e o apoio massivo de muitos setores da sociedade civil mexicana, o governo teve de retroceder com seu decreto expropriatório.

Em 06 de agosto de 2002, os camponeses e indígenas organizados na FPDT, junto com a solidariedade nacional e internacional, conseguem derrotar a medida governamental que os expulsaria de suas terras.

A Frente de Povos em Defesa da Terra, como resultado da consciência política das comunidades e do desconhecimento das autoridades oficiais municipais, continuou com resistência, trabalho e organização das comunidades.

atenco2Pouco depois da visita da Otra Campaña a Atenco (encabeçada pelo zapatista Subcomandante Marcos e pela Comissão Sexta, que haviam iniciado o recorrido por todo o país, recolhendo inconformidades das pessoas de baixo para que se unissem com vistas a avançar juntos, lutando pela defesa dos seus direitos e pela construção de outro mundo), os floristas de várias comunidades tradicionais foram ameaçados pelo governo de Texcoco, sendo impedidos de venderem seus produtos, pois no lugar pretendia-se instalar uma loja do supermercado Wal-Mart. Eles então pediram ajuda à FPDT. No confronto com as forças policiais, vários moradores ficaram feridos e Javier Cortez, um jovem de 14 anos, foi morto por arma de fogo. Poucos minutos depois, centenas de membros, simpatizantes e aderentes da Frente já estavam resistindo ao desalojamento, fechando as rodovias e enfrentando a polícia, que teve de bater em retirada diante da resistência das pessoas armadas com pedras, paus e machetes.

Contudo, a grande mídia mexicana começou a criar um clima de indignação, reclamando a volta do “Estado de Direito”, através da repressão ao movimento de resistência civil. Dessa forma, nos dias 03 e 04 de maio de 2006, um operativo de mais de 4.500 policiais invadiu a cidade para enfrentar os integrantes da FPDT. Com uma repressão descomunal e violação dos direitos humanos, com efetivos policiais a espancar, prender e estuprar as pessoas (como se pode observar no documentário Romper el Cerco), o saldo da ação policial foi de dois jovens assassinados, 207 presos, diversos relatos de torturas físicas e psicológicas, mais de 50 mulheres que sofreram violações e abusos sexuais, fazendo com que Atenco entrasse para a história do México como um dos seus episódios mais violentos. Apesar de tudo isso, a FPDT seguiu em pé de luta, exigindo a libertação imediata de seus companheiros/as presos/as.

atenco1 Em fevereiro de 2009, a Suprema Corte da Justiça Mexicana julgou os acontecidos em Atenco.

As autoridades políticas, municipais, estatais e federais, que autorizaram o planejamento e a execução da repressão em massa da população, foram inocentadas; apenas funcionários de baixo nível foram culpados e exonerados.

A imputabilidade de culpa apenas ao nível individual, e não ao mais amplo de todo o aparelho estatal, traz consigo uma demonstração muito clara do que foi o episódio de Atenco, e do que se repete em distintos locais do México e do mundo capitalista, com a criminalização do protesto e dos movimentos sociais: a aliança entre as distintas esferas do Estado (política, militar e judicial) com os meios de informação para promover a injustiça e a impunidade. Ou seja, políticas de repressão institucionalizadas, com vistas a censurar e inibir populações, são maquiadas como abusos individuais.

De fato, o que aconteceu em Atenco, longe de terem sido abusos isolados cometidos por alguns policiais, foi uma repressão política institucionalizada para garantir o controle social: estratégia de Estado que parte dos altos escalões políticos, é legitimada pelo sistema judicial e alcança a violência direta dos policiais. O objetivo não é apenas o de punir exemplarmente os que ousaram rebelar-se, mas também o de tentar amedrontar toda a população, através da conjugação desta repressão brutal com a impunidade, para que os trabalhadores, seja do campo ou da cidade, não lutem pelos seus direitos e não exerçam de verdade a sua soberania.

Em contraste com esta impunidade, seguem presos 13 pessoas que participaram dos atos dos dias 3 e 4 de maio de 2006, alguns com pena de mais de 100 anos, além de outras que estão sendo perseguidas. Frente a esta situação, está em andamento uma campanha internacional pela liberdade dos 13 presos políticos. Maiores informações também podem ser obtidas no blog da FPDT.

atenco4

No documentário Romper El Cerco é possível verificar o papel protagonista da mídia, seja passando reiteradamente cenas em que os policiais se vêem obrigados a correr da população, seja mostrando a todo o momento a cena em que um policial desacordado é chutado no “saco” por um manifestante.
O documentário, além de mostrar os ocorridos durante os primeiros dias de maio de 2006, também exibe a falta de neutralidade dos meios de comunicação de massa, que criaram um ambiente propício, por meio do cerco informativo, para legitimar a brutal operação policial (em uma das cenas, o repórter marcha à frente dos batalhões policiais que logo depois, como uma turba, passam a espancar tudo e todos o que vêem pela frente, sejam cachorros ou seres humanos).

[1] Os ejidos são propriedades comunais da terra, normalmente de posse de pueblos indígenas e camponeses, as quais, no caso de Atenco, foram fruto da Revolução Mexicana iniciada em 1910.

3 COMENTÁRIOS

  1. Hola compañeros

    Les agradecemos el reenvio que nos hacen, y les agradecemos tambien su apoyo

    Queriamos pedirles, si en sus publicaciones pueden poner tambien la direccion de la pagina

    http://www.atencolibertadyjusticia.com

    Aunque aun no está en portugués puede servir para la informacion y difusion y para descargar materiales

    Saludamos que haya un proyecto que una las resistencias en Brasil y Portugal, con lo que sucede en México y Latinoamerica

    Les enviamos un abrazo fraterno,

    Comité organizador de la Campaña
    Campaña Nacional e Internacional Libertad y Justicia para Atenco

  2. Hola Compañero, que gusto saber que hay gente en Brasil que se solidariza y hace difusion en nuestra lucha, cada que se suma alguien mas a esta resistencia, nos inyecta energia, desde el lugar en que se encuentren, les enviamos un combativo saludo, continuaremos enviando informacón.
    Quiero comentarles que en abril, iniciamos una campaña nacional e internacional por la libertad de los presos políticos de Atenco, la invitacion es que desde el luigar en que se encuentren se les invita a hacer una actividad, por la libertad y justicia a los presos.
    http://www.atencolibertdyjusticia.com/
    Esta es la pagina del comite, que se conforma por varias organizaciones, como ustedes que toman iniciativa y participan de manera directa con nosotros, esta solidaridad, nos inyecta energia y nos hace continuar adelante, continuaremos enviandoles información para que sepan lo que continua pasando en Atenco.
    ZAPATA VIVE… LA LUCHA SIGUE…!
    PRESOS POLÍTICOS, LIBERTAD!
    HASTA PRONTO HERMANOS….

    CON CARIÑO

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