Esses dias encontrei um amigo professor com quem não falava há muito tempo. Por eu estar acabando a faculdade – faço o curso de História – e estar um pouco (mentira, é muito) preocupado com minha situação trabalhista após o término do curso, conversamos sobre sua profissão. Por Vitor Augusto Ahagon
Ele me contou que está dando aulas em um colégio particular – que por sinal é muito caro – e acabou me revelando um pouco de sua angústia. Disse-me ele:
“As pessoas da classe média alta, por possuírem acesso fácil às informações, estão saturadas de tudo…Parece que, paradoxalmente, apesar de terem tudo estão vazias”.
Na mesma hora me vieram à cabeça dois filmes: “O Ovo da Serpente” de Igmar Bergman e “A Onda” de Dennis Gansel.
Pensei…
Apesar da generalização de meu amigo, a fala dele mostra uma situação um tanto interessante de ser avaliada. Bergman, em seu filme, nos mostra uma Alemanha totalmente destruída após sua derrota na primeira grande guerra. As personagens que são construídas ao longo da narrativa nos revelam a explosão de sentimentos que alemães realmente experenciaram. As crises econômicas, emocionais e existenciais devastaram o corpo e o espírito de homens e mulheres, fazendo emergir sentimentos de medo, angústia e desespero entre todos. O que estava em jogo nesta época era a falta de tudo, a privação de nossa vocação, a de sermos humanos, para tanto o que as personagens se tornaram foi nada. Esta situação gerou um nível de instabilidade tamanha que favoreceu a instauração do regime nazista. O nazismo entra para o poder político não como uma ideologia que aliena o povo, mas como uma ideologia que se aproveita da fragilidade do povo fazendo-lhe promessas de tempos melhores e de novas possibilidades. Não é à toa que Hitler é eleito democraticamente em 1933.
Já o filme “A Onda” nos coloca numa situação totalmente diferente. Mostra-nos adolescentes de um colégio da Alemanha que, aparentemente, não nos faz sentir a falta, mas o excesso. Estes jovens não estão passando por necessidades, não estão passando fome e nenhuma espécie de privação, mas algo é estranho. Até parece que o ter se perde no ser. Ter isso ou aquilo é ser isso ou aquilo. A estética aqui se revela como identidade, portanto, ora podem ser/ter anarquistas, ora podem ter/ser fascistas. O ter tudo, como é o caso desses adolescentes, é a condição de ser; e como se tem tudo acaba-se não sendo nada. Se tudo temos e nada somos, o que se gera, pelo menos no filme, é um amortecimento dos sentimentos; e, se nada se sente, nascem os comportamos mais diversos, como a indiferença, o individualismo, a desunião, etc. Tal situação é terreno fértil para florescerem as práticas fascistas.
Depois de pensar sobre tudo isso, podemos verificar duas diferenças fundamentais. No primeiro filme verificamos que as personagens não têm, não possuem, a possibilidade de serem, visto que ser é a busca por humanizar-se. No segundo caso, o ter funda o que se é, funda o nosso ser; porém, esse ser está subordinado a um ter no sentido material. Em ambos os filmes as personagens acabam sendo e tendo uma mesma situação, o Vazio. Este vazio é aproveitado no despertar dos valores fascistas que já possuímos.
Um momento… vocês devem estar se perguntando: “Mas como assim, eu não tenho valores fascistas. Fale por você mesmo. Quem é fascista é você”. Bem, falando por mim, digo que valores fascistas nos são passados todos os dias e todas as horas, e se tornaram algo como Deus, onipresentes. Como? Olhe para o seu dia-a-dia, o que você vê? Eu vejo o Serra sendo presidente, eu vejo índios do Mato Grosso do Sul sendo expulsos de suas próprias terras, eu vejo gregos sendo reprimidos porque não quererem as políticas econômicas neoliberais, vejo pais matarem filhos, vejo filhos matarem pais, vejo a arrogância de professores, vejo 2014 chegando com a Copa do Mundo e a higienização comendo solta… isso é o que vejo, fora o que não vejo.
Mas vocês podem estar se perguntando: Onde você vê tudo isso? Vejo em mim, vejo em você, vejo no trabalho, vejo na escola, vejo nos grandes meios de comunicação, vejo na família, vejo tudo isso sem contar com a polícia.
Para quem assistiu ao filme “A Onda”, na última cena o professor, mergulhado em seus pensamentos, refletindo sobre tudo aquilo que ocorreu, olha para a câmera e nos vê assim como Ângelus Novus vê o passado. E sabe o que eles estão vendo? Uma tempestade que se aproxima. Essa tempestade teve e tem vários nomes, na época de Walter Benjamin era chamada de progresso, hoje pode ser chamada de desenvolvimento sustentável, pré-sal e outros, e ambos continuam a nos encarar, e agora… O que você vê?
Uma outra análise sobre o filme ‘A Onda’ pode ser vista aqui.
Vejo a barbárie caro Vitor
Não muito diferente de você. Mas assistindo algumas aulas na Faculdade de Educação na Unicamp, tive contato com um professor Filosofia da Educação que destaca nas suas aulas que a luta por uma sociedade voltada para o ser (para usar uma interpretação sua), deve ser uma aposta de nós enquanto movimentos sociais, ou mesmo individuos que buscam certo nível de clareza, lutamos para sair do senso comum, da doxa e chegar algo mais profundo. E se posso construir isso para mim, penso que poderei repassar para o restante da sociedade. Isso enquanto individuo e enquanto coletivo. Senão, fico com a apatia, é um conhecimento que não me mobiliza, não me movimenta.
Então penso que devemos investir nessa aposta. Penso que essa é a ideia dos grandes pensadores que ajudaram a construir teorias das mais consistentes para contribuir com a luta no nossos país (falo de Milton Santos, Celso Furtado, Paulo Freire, Prado Jr., Darcy Ribeiro, entre outros, isso com todas as divergencias de suas ideias e ações).
Senão podemos cair de uma crítica profunda, a uma apatia que nos desmobiliza, característico desse paradigma pós-moderno (apesar de não saber se voce é adepto desse paradigma, fica minha crítica a ele).
Forte Abraço.