A motivação para escrever estas linhas tem a ver com um esforço de reflexão em torno de questões que preocupam muitos daqueles que, desejosos de contribuir para a construção de uma sociedade justa, aproximam-se de protagonistas de movimentos emancipatórios com a intenção de com estes colaborar ou de exercer um protagonismo em sentido forte. Por Marcelo Lopes de Souza [*]

Por dentro e por fora é uma série de artigos de debate sobre as lutas e os movimentos sociais, da iniciativa conjunta de Paulo Arantes e do coletivo Passa Palavra. Série aberta a um amplo leque de colaboradores individuais, convidados ou espontâneos, mais ou menos empenhados (ou ex-empenhados) nas lutas concretas, que ajude a aprofundar diagnósticos sobre a sociedade que vivemos, a cruzar experiências, a abrir caminhos – e cujos critérios seletivos serão apenas a relevância e a qualidade dos textos propostos.

“Horizontalidade” e “verticalidade”, coletivos e coordenações

As reflexões a seguir têm como referência concreta mais imediata o movimento dos sem-teto do Rio de Janeiro. Tenho, desde 2005, colaborado com as ocupações de sem-teto do Centro e da Zona Portuária daquela cidade, em especial com as ocupações Quilombo das Guerreiras e Chiquinha Gonzaga, tanto direta quanto indiretamente (neste último caso, treinando e incentivando os jovens universitários que trabalham comigo na Universidade Federal do Rio de Janeiro a buscar não somente compreender o mundo, mas também a transformá-lo).

O padrão organizacional que caracteriza, com graus de consistência variáveis, essas ocupações, traz a marca de um compromisso com modos de organização “horizontais”, não hierárquicos e autogestionários. Mesmo com todas as limitações que podem ser observadas, quanto a isso, nesses espaços, trata-se, em si, de um fato notável, pois a “horizontalidade” está longe de ser uma regra no movimento, levando em conta a escala nacional. E foi justamente essa característica que, desde o início, me cativou, cativando igualmente os jovens que trabalham comigo e cooperam com o movimento, ou mesmo, em alguns casos, o integram. [1]

Ao escrever estas linhas, tenho em mente, complementarmente, outras realidades sócio-espaciais nas quais se fazem presentes outros padrões organizacionais e organizações do mesmo movimento, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), entidade que atua sobretudo na metrópole de São Paulo. [2] Por fim, outros movimentos sociais, como o dos sem-terra (e, em especial, a organização Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra/MST), também foram, de algum modo, considerados, sendo mencionados ocasionalmente ao longo do texto.

Eu e Eduardo Tomazine Teixeira distinguimos, tempos atrás, no que se refere ao movimento dos sem-teto, duas formas de organização bem diferentes: a variante “por coordenação” e a variante “por coletivo”. [3] Todavia, essa distinção não se aplica somente a esse movimento, podendo ser útil para a tarefa de caracterizar também outros.

A variante “por coordenação” é mais “vertical”, ou seja, hierárquica. No seu âmbito, indivíduos com vínculos acadêmicos tendem, não raro, a diluir-se no núcleo do movimento, ocupando posições como “coordenadores” (ou seja, dirigentes); em alguns casos, porém, colaboram como assessores ou algo semelhante, mas de modo estreito. Isso, que é perceptível no caso do MTST, fica ainda muito mais nítido quando se considera a organização da qual o MTST basicamente se originou: o MST.

Já a variante “por coletivo” é mais “horizontal”. Não há, aqui, coordenações; as decisões são tomadas pelo coletivo (no caso do movimento dos sem-teto, a assembleia de moradores), do qual os apoiadores, via de regra, não fazem parte. A exceção são aqueles poucos apoiadores que, por alguma razão, passam a residir na própria ocupação, ao menos por um certo tempo, adquirindo o direito de tomar parte e decidir nas reuniões do coletivo.

Aquilo que está sendo chamado, neste texto, de “apoiadores acadêmicos” diz respeito, especialmente, à maneira como determinados agentes interagem com pessoas que pertencem a uma base social (formada, no caso dos sem-teto, por trabalhadores informais, via de regra ex-moradores de favelas ou ex-moradores de rua), em geral muito diferente de sua própria classe social de origem (que é, geralmente, a assim chamada “classe média”), no âmbito da “variante por coletivo”. (As experiências da “variante por coordenação” do movimento dos sem-teto e mesmo de outros movimentos sociais serão, nas páginas a seguir, lembradas apenas secundariamente, com a finalidade de estabelecer uma comparação.)

A motivação para escrever estas linhas tem a ver com um esforço de reflexão em torno de questões que preocupam muitos daqueles que, desejosos de contribuir para a construção de uma sociedade justa, aproximam-se de protagonistas de movimentos emancipatórios com a intenção de com estes colaborar ou, até mesmo, de também exercer, eles próprios, um protagonismo em sentido forte. Refletir sobre o próprio papel e sobre os limites e condicionantes intelectuais, políticos e éticos desse papel é uma tarefa que deve ser permanente, inclusive para que sejam evitados alguns problemas, tais como tensões e atritos desnecessários, mal-entendidos e a reprodução de certos vícios.

Em recente texto coletivo, o sítio Passa Palavra abordou, de modo contundente, o problema da burocratização dos movimentos sociais (ou, antes, pode-se precisar, de suas organizações). [4] No entanto, o alvo principal do referido trabalho foram, no meu entendimento, sobretudo as organizações de tipo já originariamente mais ou menos “vertical”, as quais, ao se burocratizarem, tornam-se ainda mais hierárquicas. O que dizer, porém, das formas de organização mais “horizontais”? Elas também apresentam fragilidades e correm diversos riscos, os quais vão além da burocratização. É sobre os problemas reais e potenciais dessa forma de organização que vou, nos parágrafos a seguir, e principalmente na última seção, me debruçar.

“Mapeando” os apoiadores

Alguns termos e expressões precisam ser esclarecidos. Comece-se com o seguinte: quem são os “apoiadores acadêmicos”?

“Apoio” é como vem sendo chamado, especialmente no Rio de Janeiro, o conjunto das pessoas que colabora, diretamente, com o movimento dos sem-teto. O “apoio” não precisa ser constituído, somente, por pessoas com vínculos com a “academia”, ou seja, com as universidades (alunos de graduação e pós-graduação e professores/pesquisadores). Porém, os apoiadores acadêmicos tendem a formar, por diversas razões, ao menos na atual conjuntura histórica, a parte principal do apoio ao movimento dos sem-teto (e seguramente isso também se aplica a outros movimentos).

Em sentido forte, o “apoio” é constituído pelo que já foi denominado “grupo de apoio” [5] ou, como prefiro, “grupo de apoio quotidiano”. O referencial espaço-temporal tem, aqui, uma função definidora: o grupo de apoio quotidiano, mesmo tendo uma formação universitária e dispondo de conhecimentos variados, de tipo científico e acadêmico-erudito (jurídico, arquitetônico, geográfico, pedagógico, historiográfico, etc.), que podem ser muito úteis para incrementar a força e a eficácia do movimento social, não se faz presente somente por conta desse acervo de conhecimentos, e nem mesmo em primeiro lugar por causa disso. O grupo de apoio participa, em geral intensamente, de inúmeras atividades que fazem parte do quotidiano dos sujeitos e espaços do movimento: da organização de festas a mutirões de limpeza e melhoramentos, da resistência contra despejos à divulgação de eventos. Alguns dos integrantes do grupo de apoio quotidiano tornam-se e podem ser considerados, inclusive, por isso, protagonistas, mesmo sem pertencer à mesma base social dos protagonistas originários. Eles passam, nessa condição, em vez de apenas colaborar com os ativistas de um movimento, a ser, eles próprios, ativistas.

O engajamento do grupo de apoio quotidiano abrange tarefas variadas: ajuda na elaboração de documentos (projetos para solicitar verbas, manifestos, panfletos, etc.); auxílio na constituição e ampliação de uma rede de solidariedade (para conseguir ajuda na divulgação de incidentes de repressão policial, na obtenção de víveres e outros bens materiais e na realização de um sem-número de outras atividades específicas); ajuda na preparação de materiais de divulgação (documentários, blogs e sítios na Internet); auxílio na formação de ativistas (organizando seminários, oficinas, etc.); colaboração na preparação de atividades culturais e educativas diversas (grupos teatrais, blocos carnavalescos, grupos de alfabetização); auxílio em situações-limite, como enfrentamentos com a polícia, nos quais indivíduos de “classe média”, como estudantes e professores universitários, gozam de certos “privilégios” e “imunidades” (muito relativos, claro: são importantes apenas na comparação com o típico tratamento dispensado pelos órgãos de repressão aos pobres). [6]

Em princípio, o grupo de apoio quotidiano é, assim, o que em outras épocas se chamava de “agentes externos”. No entanto, os agentes externos eram, muitas vezes, apenas mediadores; em outros casos, pertenciam a alguma instituição (partidos, Igreja Católica) que, não raro, buscava tutelar o movimento. Além disso, o grupo de apoio quotidiano é mais presente e, no caso da “variante por coletivo”, ao mesmo tempo menos “invasivo” e “dirigista” que os “agentes externos”. No caso da “variante por coordenação” do movimento dos sem-teto (e do padrão organizativo de alguns outros movimentos também), pessoas da “classe média” com formação universitária, sejam estudantes ou profissionais formados, podem colaborar como auxiliadores mais ou menos externos (assessorando e acompanhando a realização de algumas atividades), mas também podem integrar a própria organização, sob a forma de “coordenadores” (ou seja, “dirigentes”). Em tais circunstâncias, tornam-se, por vias diferentes em comparação com as organizações e padrões mais autogestionários, também protagonistas, mesmo vindo de uma base social diferente da dos protagonistas originários (sem-teto ou, no caso de outros movimentos sociais, camponeses, operários…). Contudo, a relação deles com os protagonistas originários corre o risco, por força não de fatores apenas culturais, mas por conta da própria natureza do padrão organizacional, de ser “vertical” e hierárquica – e menos dialógica do que alguns deles mesmos talvez gostariam que fosse.

Em sentido mais amplo, apoiadores também são aqueles que, em níveis variados de comprometimento e com uma regularidade também variável, integram uma rede de solidariedade ao movimento, sem, contudo, se fazerem constantemente presentes no quotidiano espaço-temporal do mesmo (ocupações de sem-teto, acampamentos e assentamentos de sem-terra, “posses” do hip-hop…). Alguns desses integrantes da rede de solidariedade podem ser colaboradores mais ou menos permanentes, contribuindo para recrutar outros membros da rede e mesmo do grupo de apoio quotidiano, além de dividirem com estes últimos várias tarefas e responsabilidades. São, por assim dizer, apoiadores em sentido amplo, constituindo uma espécie de “retaguarda” – integrada por indivíduos que não podem ou não desejam ter uma participação propriamente quotidiana –, enquanto que o grupo de apoio quotidiano constitui, no universo dos apoiadores, uma “linha de frente”. Já outros integrantes da rede de solidariedade são colaboradores eventuais; no fundo, são simpatizantes que, eventualmente, concordam em colaborar de alguma maneira, ou até mesmo se oferecem espontaneamente para tanto.

Entre os integrantes do apoio acadêmico, destacam-se, numericamente (de longe!), os jovens estudantes universitários de graduação, com tendência a um afunilamento à medida que se passa destes para os estudantes de pós-graduação, e destes para os professores/pesquisadores.

Oriundos, em um país como o Brasil, majoritariamente da “classe média”, um número significativo de jovens estudantes anseia por “fazer algo prático” visando a contribuir para diminuir a injustiça social. Por isso, sentem-se atraídos por movimentos sociais emancipatórios, como o dos sem-teto, o dos sem-terra e outros – bastando, para isso, que se construam circunstâncias favoráveis (como a existência, ao seu alcance, de organizações de movimentos, e a inserção em redes de solidariedade já existentes que facilitem e viabilizem o recrutamento de apoiadores).

Provavelmente, alguns desses jovens (assim como também uns tantos apoiadores já não jovens) buscam, com seu engajamento, “redimir-se” de suas origens de classe; em outros casos, talvez a aproximação inicial se deva, inclusive, acima de tudo por curiosidade, talvez em meio a um desejo de realizar um trabalho acadêmico (monografia de conclusão de curso, dissertação de mestrado ou tese de doutorado) que seja, a um só tempo, “academicamente interessante” e “socialmente útil”. O tipo de motivação não é irrelevante, já que uma curiosidade descompromissada e uma aproximação motivada, acima de tudo, por um interesse preponderante de tipo instrumental, voltado para a realização de um trabalho acadêmico, pode estar na raiz de alguns problemas latentes ou manifestos. Em todo o caso, a busca por colaborar, por parte da “classe média” vinculada às universidades, se deve, sempre ou quase sempre, a uma mescla variável de razões emocionais (indignação, solidariedade, simpatia, etc.) e racionais (do desejo de contribuir para que a própria cidade e o país em que se vive se tornem menos hostis e ameaçadores à vontade de elaborar um trabalho, com isso preenchendo um requisito acadêmico formal, que seja intelectualmente estimulante e eticamente gratificante).

Alguns dos jovens apoiadores acadêmicos poderão vincular-se apenas por pouco tempo às lutas de uma base social da qual se aproximam. Esse tempo pode ser o tempo… de elaboração de seu trabalho acadêmico. Ou mesmo o tempo que transcorre até arrefecer sua indignação cívica e seu fervor por mudanças sócio-espaciais. São, nesse caso, aqueles que poderiam ser chamados de “rebeldes com data de validade” – isso quando, no fundo, já não se acham, desde o começo, bastante contaminados pelo oportunismo que é constantemente alimentado pelo imaginário capitalista (embebido este em valores como individualismo, competitividade, hipocrisia e cinismo…). São muito comuns as histórias de jovens estudantes universitários (ou pesquisadores mais velhos e experientes) que se aproximam dos protagonistas de movimentos e, após um tempo de convivência e interação, durante o qual colheram dados e informações, “somem”, “desaparecem”, sem nem sequer se despedir ou dar qualquer retorno. Com isso, a desconfiança da base social dos movimentos tende, compreensivelmente, a crescer, dificultando a aproximação, no futuro, de possíveis colaboradores consistentes (e até de protagonistas em potencial, ainda que com origem de classe ou grupo bem diferente da base social em questão).

Felizmente, nem todos se comportam como “vampiros” de movimentos. Muitos podem permanecer vinculados às lutas sociais emancipatórias por anos e anos, ou até por toda a vida, mesmo quando, por alguma razão, afastam-se de um movimento específico e aproximam-se de outro. Para esses, as primeiras lutas terão sido uma escola que deixará marcas para sempre; terão sido uma socialização que lhes incutirá a convicção e o desejo de continuar participando, sem regredir para “cuidar do próprio jardim” (ou seja, sem tornar-se um “idiota privado”). São eles o “imprescindíveis”, no sentido do poema de Brecht “Os que lutam”:

Há aqueles que lutam um dia, e por isso são bons;
Há aqueles que lutam muitos dias, e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos, e são melhores ainda;
Porém, há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.

Entre os professores universitários, já incluídos (desde o começo ou por ascensão) na “classe média” (e, amiúde, socializados ou ressocializados como burocratas, por seu papel efetivo e também por sua mentalidade [7]), é mais raro existirem energias de revolta e sentimentos de indignação suficientemente importantes que os levem a constituir parte do universo de apoiadores, especialmente em conjunturas de refluxo de movimentos. (Em conjunturas favoráveis e ascendentes, fica muito mais fácil encontrar pesquisadores interessados nos movimentos, muitas vezes motivados, em primeiro lugar, por razões instrumentais…)

Alguns riscos e desafios

Aquilo que se vem chamando, neste texto, de “classe média”, compreende, em parte, a pequena burguesia em seu sentido correto (pequenos proprietários de meios de produção que empregam apenas uns poucos assalariados) e profissionais liberais que prestam serviços e não empregam mão-de-obra assalariada de terceiros. Cada vez mais, porém, é da classe “burocrática” ou dos “gestores” [8] que se trata, ao falar-se, no mundo moderno, de “classe média”.

A “burocracia”, como é sabido, assimila e coopta os mais talentosos integrantes das classes trabalhadoras (camponeses e, sobretudo, assalariados urbanos de baixa renda). Há um risco, que deve ser evitado a todo custo, de que os apoiadores acadêmicos se comportem como burocratas/gestores “alternativos” ou protoburocratas/protogestores “alternativos”, cooptando pessoas que se destacam como líderes espontâneos de um movimento social, mesmo em situações como na “variante por coletivo” do movimento dos sem-teto, na qual inexistem líderes e hierarquias formais. Tendo em mente o movimento dos sem-teto, em particular a “variante por coletivo”, aqueles que vêm sendo chamados, por algumas pessoas, de “moradores destacados”, correspondem a esse tipo de protagonista – que são os protagonistas por excelência, pode-se dizer. Um dos papéis mais nefastos que apoiadores acadêmicos poderiam desempenhar (conscientemente ou não, pouco importa), para além da já descrita situação de “vampirismo”, reside, precisamente, em se contribuir para descaracterizar o papel dos protagonistas (que podem, caso se deixem seduzir e corromper, utilizar-se de seu “capital simbólico” e de sua posição para tornar-se “ativistas chapa-branca”, alcançar cargos em ONGs ou no Estado, etc., afastando-se, espacial, material e culturalmente, da base social na qual tiveram origem).

Outra limitação – e outro lembrete – é que os apoiadores não podem tentar substituir os protagonistas da base social com a qual colaboram; caso contrário, a força social do movimento será tutelada e dirigida. Se os apoiadores se fizerem presentes de modo ativo e realmente produtivo e constante, podem ser considerados como um “dentro-fora”, conforme já foi dito parágrafos atrás: fazem parte do movimento, ajudam a impulsionar os processos; ao mesmo tempo, são indivíduos que têm uma origem social diversa, e que se aproximam de um grupo social oprimido com o qual, por sua posição de classe e papel social, não chegam a confundir-se inteiramente. É uma situação de diálogo e parceria, que pode gerar uma sinergia política e intelectual. Para tanto, porém, é necessário que se enfrentem e relativizem (e, na medida do possível, se superem, simbólica e materialmente, ao menos em parte) certas assimetrias ao longo de uma práxis protagonizada por indivíduos de classes e grupos diferentes que cooperam entre si. O “saber acadêmico” pode e deve ser valorizado, mas jamais superestimado e, muito menos, tratado como símbolo de um status superior. Os conhecimentos (jurídicos, geográficos, arquitetônicos, historiográficos, de informática, de elaboração de vídeos, etc.) trazidos pelos apoiadores acadêmicos (integrantes do grupo de apoio quotidiano ou da rede de solidariedade) podem ser muito úteis e mesmo cruciais; porém, não são nem infalíveis (colossal ilusão!) nem intrinsecamente mais importantes que os conhecimentos técnicos de um pedreiro, marceneiro ou camponês. (Aliás, diga-se de passagem, vários militantes da própria base social oprimida frequentemente já têm, por meio de livros e processos de socialização política, conhecimentos oriundos, por exemplo, de esforços de elaboração teórica – marxistas ou libertários, especificamente anti-racistas ou feministas, e assim segue. Ou seja: nem sempre os apoiadores acadêmicos serão os primeiros a atuar como portadores de saberes de tipo acadêmico. No entanto, serão aqueles que aparecerão como os portadores mais diretos. E isso exige consciência da delicadeza e dos desafios envolvidos na construção de um papel, de uma identidade próprios junto ao movimento ou no interior do movimento.)

Os saberes da própria base social oprimida – sejam eles saberes empíricos e tradicionais (“saber local”), sejam conhecimentos técnicos e artesanais, sejam conhecimentos teóricos adquiridos de modo em geral autodidata – devem e podem ser integrados com os saberes acadêmicos, em benefício de ambas as partes. Com isso, não só aumenta a eficácia potencial das estratégias e táticas, mas também, do lado dos apoiadores acadêmicos, a riqueza e o realismo das descrições empíricas, dos diagnósticos, das previsões (cenários) e das formulações e generalizações teóricas. Aumenta, também, a base de sensibilidade humana que deve estar embutida em todo conhecimento crítico e anti-heterônomo. Em meio à práxis, entrelaçam-se e fecundam-se mutuamente, sem se confundir completamente (não devido a diferenças quanto aos portadores, mas sim por possuírem finalidades e lógicas distintas), diferentes saberes. O “discurso competente” (para usar a expressão de Marilena Chauí [9]) tem, a todo o custo, de ser combatido. O “discurso competente” envenena e dificulta (e, no limite, impede) o diálogo e a parceria.

Entretanto, não existe apenas o “discurso competente” do acadêmico enquanto tal (pesquisador, professor, jurista, etc.). A crítica de Marilena Chauí, neste ponto, precisa ser complementada. O modelo do “discurso competente” pode ser reproduzido, por exemplo, por líderes de organizações de ativistas: “eu posso falar porque nasci aqui, porque moro aqui, porque conheço os problemas do povo”. E pode, igualmente, ser incorporado por colaboradores os mais diversos. Um exemplo interessante de “discurso competente” é, precisamente, o do padre que atuava na favela de Brás de Pina nos anos 60 – mencionado por Carlos Nelson Ferreira dos Santos em um brilhante livro sobre ativismos urbanos no Rio de Janeiro [10] –, o qual se arrogava o privilégio (perante os jovens arquitetos de esquerda que tentavam atuar no local e com ele “competiam”, entre eles o próprio Carlos Nelson) de “entender de povo”…

Um caso interessante de “discurso competente” é o do técnico de ONG que reclama para si, explícita ou tacitamente, igualmente o privilégio, em competição com a universidade (de onde ele, aliás, se origina, e onde amiúde busca o seu mestrado, doutorado e futuro emprego…), de “entender de povo”, devido à sua participação em “projetos sociais”. Como mostra, zombeteiramente, o filme “Quanto vale ou é por quilo?”, [11] isso pode dar origem, inclusive, a curiosas e acirradas disputas entre as próprias ONGs, no estilo “esse pobre é meu!”…

No entanto, um tipo parecido de “discurso competente” pode transbordar do âmbito da Igreja (e dos partidos) e das ONGs e ser “contrabandeado” para dentro dos próprios movimentos sociais, manifestando-se insidiosamente. Apoiadores acadêmicos demasiadamente ciosos de seu “conhecimento do povo” podem acabar cultivando um narcisismo e uma arrogância que, mesmo que não percebam, têm muito a ver com a arrogância dos gestores “tecnocráticos” típicos, ainda que sua atuação se dê contra esses gestores e o sistema que operam.

É imprescindível, por isso, deixar-se “ressocializar” em um ambiente de cooperação e “horizontalidade” que diminua as vaidades e os sentimentos de competição, em vez de gerar novas vaidades e novos tipos de competição e de… “discurso competente”, como recheio psicológico e discursivo de esforços (conscientes ou inconscientes, pouco importa) de autolegitimação.

Os apoiadores acadêmicos de movimentos emancipatórios precisam, em nome da coerência, se esforçar ao máximo para não emular e reproduzir o ethos burocrático/gestorial. Caso contrário, serão uma fraude e uma contradição ambulante. E colaborarão, no longo prazo e no geral, antes para reforçar a sociedade heterônoma (contaminando e viciando os movimentos com valores pequeno-burgueses, desperdiçando a chance de novas alianças e recrutamentos, etc.) que para solapá-la, política e culturalmente.

Por fim, tendo em mente as situações típicas de pesquisa (se bem que os apoiadores acadêmicos não precisam estar, sempre, envolvidos com pesquisas!), vale a pena sublinhar a relevância e a dificuldade do desafio de se compatibilizar três exigências: honestidade intelectual, publicização dos resultados e lealdade para com os protagonistas com os quais interagimos. Compatibilizar o óbvio princípio acadêmico básico – qual seja, a aquisição e a geração de conhecimento novo, visando a elucidar a realidade – com o princípio ético-político fundamental de qualquer pesquisa social que se pretenda engajada – isto é, indignar-se perante uma realidade que se entende como injusta e contribuir para modificá-la – não é uma tarefa trivial, especialmente quando se tenta guardar a diferença entre a pesquisa engajada e o panfletarismo vulgar, não permitindo que o adjetivo (“engajada”) sabote e mesmo desmoralize o substantivo (“pesquisa”).

Não é o caso, enfatize-se, de duvidar, a priori, da “cientificidade” e da honestidade intelectual não somente do pesquisador que colabora com organizações de movimentos sociais, mas mesmo daqueles vinculados a uma pesquisa-ação em sentido estrito [12] ou a outras situações em que os apoiadores acadêmicos sejam, eles próprios, também protagonistas! A apologia convencional de valores como “imparcialidade” e “neutralidade”, usual na academia, trai, precisamente, uma carga axiológica conservadora, e mais: não raro, uma forte incoerência. Incoerência, sim, porque a facilidade com que se coloca sob suspeição aquele que coloca o seu saber a serviço de uma organização de um movimento social e da causa de um movimento não é, comumente, aplicada para desqualificar com o mesmo empenho a qualidade científica dos que colocam o seu saber a serviço do Estado (como funcionários de carreira ou consultores eventuais) ou do capital privado (como assalariados fixos ou consultores esporádicos). O que tornaria os técnicos e cientistas a serviço do Estado e do capital privado intelectualmente mais honrados e respeitáveis que os estudantes e colegas que decidem colaborar com os oprimidos, e não com os opressores?… Dois pesos e duas medidas, portanto.

Não questiono, por outro lado, que os pesquisadores precisam tornar públicos os seus resultados, para que sejam debatidos e criticados. No entanto, podemos e precisamos ser seletivos, e podemos e devemos evitar a ingenuidade. Os imperativos de honestidade intelectual (que significa: não escamotear dados e informações e distorcer propositadamente a realidade, com o objetivo de persuadir os outros) e abertura para um debate público não podem ser simplesmente eliminados pelo imperativo de respeito e lealdade para com os parceiros, mas tampouco podem, jamais, e em hipótese alguma, se sobrepor a ele. Uma primeira razão é, evidentemente, a da preservação da privacidade (e até da segurança física) daqueles com os quais conversamos e convivemos. Mas há outras razões, como evitar divulgar reflexões e informações que sirvam para alimentar as estratégias de controle conduzidas pelos “burocratas”/“gestores” e evitar ser manipulado pelo mercado da informação. Para exemplificar concretamente: “falar com a imprensa capitalista”, no sentido de conceder entrevistas para órgãos de comunicação de massa, pode, eventualmente, ter alguma utilidade para a luta do movimento: divulgar uma imagem alternativa e antiestigmatizante, romper com o isolamento, granjear solidariedade… No entanto, muitos cuidados precisam ser tomados e muitas ressalvas podem, a esse respeito, ser levantadas.

Em suma: é necessário cuidar para que a inocência e/ou a vaidade, ou mesmo a irresponsabilidade de certos apoiadores acadêmicos, individualisticamente mais preocupados com a própria carreira que com as necessidades dos protagonistas, sejam isoladas e ultrapassadas, para que não possam prejudicar os movimentos.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a Matheus da Silveira Grandi, Rafael Gonçalves de Almeida, Tatiana Tramontani Ramos e Eduardo Tomazine Teixeira por seus comentários sobre uma primeira versão deste texto, e a João Bernardo pelo estímulo para publicá-lo. Mais amplamente, desejo expressar a minha gratidão pela companhia inspiradora de Eduardo Tomazine Teixeira, Glauco Bruce Rodrigues, Matheus da Silveira Grandi, Rafael Gonçalves de Almeida, Marianna Fernandes Moreira e Amanda Cavaliere Lima, sem os quais talvez este texto jamais tivesse sido escrito.

Notas

[*] Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

[1] Jovens esses – notadamente Eduardo Tomazine Teixeira, Matheus da Silveira Grandi, Rafael Gonçalves de Almeida, Marianna Fernandes Moreira, Tatiana Tramontani Ramos e Amanda Cavaliere Lima – que têm, a propósito, produzido importantes reflexões e levantado diversas questões sobre as conquistas e os problemas do movimento dos sem-teto do Rio de Janeiro em seus trabalhos acadêmicos.

[2] Um rápido esclarecimento conceitual: tanto ativistas quanto autores de textos acadêmicos têm utilizado a expressão “movimento social” de maneira, por assim dizer, indiscriminada, fazendo-a confundir-se com as organizações que, via de regra, existem no interior dos movimentos, as quais, entre outras coisas, estruturam os processos de formulação e explicitação de demandas, recrutamento de novos ativistas e, eventualmente, negociação com o aparelho de Estado (sendo, por isso mesmo, muitas vezes, o veículo de viabilização ou aceleração da cooptação e do “amansamento” da base social). Um movimento social é um processo de “movimentação” de uma parte da sociedade, a qual, insatisfeita com a sua posição e/ou com aquilo que identifica como os rumos e as tendências da sociedade em questão, resiste e se revolta, dando origem as contestações e insurgências as mais diversificadas, indo das mais quotidianas, táticas e informais às mais programáticas, institucionalizadas e planejadas. Uma organização, de sua parte, equivale, no sentido de uma entidade institucional, a um grupo de indivíduos que, com base em regras livremente acertadas (autogestão) ou impostas de cima para baixo (estrutura piramidal), interagem visando ao atingimento de determinados objetivos. Assim como dificilmente há movimentos sociais sem organizações, também é muito difícil dar exemplos de movimentos sociais importantes abrigando ou gravitando em torno de uma única organização. Tomar uma organização pelo próprio movimento é tomar a parte pelo todo. Uma tal metonímia possui uma função ideológica – a de valorizar uma dada organização, dando a entender que ela seria o próprio movimento, além de servir para valorizar a palavra “movimento” e omitir termos suspeitos ou antipáticos, como, justamente, “organização” –; e uma possível decorrência da multiplicação de entidades que, no interior do mesmo movimento social, rivalizam entre si e carregam, cada uma, o termo “movimento” em seu próprio nome, é agravar o divisionismo e a fragmentação.

[3] Cf. Marcelo Lopes de Souza e Eduardo Tomazine Teixeira, “Fincando bandeiras, ressignificando o espaço: Territórios e ‘lugares’ do movimento dos sem-teto”. Cidades, vol. 6, nº 9 [= número temático Ativismos sociais e espaço urbano], pp. 29-66.

[4] Cf. Passa Palavra, “Entre o fogo e a panela: Movimentos sociais e burocratização” (22 de agosto de 2010; http://passapalavra.info/?p=27717).

[5] Por Rafael Gonçalves de Almeida, um dos apoiadores acadêmicos das ocupações de sem-teto da Zona Portuária do Rio de Janeiro, já mencionado na nota 1.

[6] Vide, sobre esse tipo de situação-limite o texto coletivo publicado no Passa Palavra, em 2009, sobre a repressão sofrida durante o despejo da ocupação Guerreiros do 234, no Rio de Janeiro (http://passapalavra.info/?p=9098); ver, também, o filme “Atrás da porta”, de 2009, dirigido por Vladimir Seixas.

[7] Ver, a propósito desse assunto, da minha autoria, o artigo “Universidades: Burocratização, mercantilização e mediocridade”, publicado, em duas partes, no sítio Passa Palavra [primeira parte: 16 de maio de 2010; http://passapalavra.info/?p=23461; segunda parte: [23 de maio de 2010; http://passapalavra.info/?p=23469).

[8] Cornelius Castoriadis e João Bernardo denominaram, respectivamente, de “burocracia” e “gestores” basicamente a mesma classe social, formada por assalariados de médio e alto (ou altíssimo) nível de remuneração, envolvidos com atividades de direção, gestão, geração de conhecimentos e planejamento essenciais ao capitalismo, seja nas empresas privadas, seja no Estado. Tais agentes econômicos se diferenciam dos trabalhadores em sentido próprio por seu padrão de remuneração, seu status social, seu local de moradia e seu papel na esfera da produção; ao mesmo tempo, distinguem-se da burguesia pelo fato de não serem, no sentido usual, proprietários dos meios de produção, mas sim assalariados (ainda que possam ser, eventualmente, acionistas de empresas). Ver, de Castoriadis, por exemplo, diversos ensaios contidos nas coletâneas A sociedade burocrática – vol. 1: As relações de produção na Rússia (Porto, Afrontamento, 1979), Socialismo ou barbárie: O conteúdo do socialismo (São Paulo, Brasiliense, 1983) e A experiência do movimento operário (São Paulo, Brasiliense, 1985); e, de João Bernardo, por exemplo, Marx crítico de Marx (Porto, Afrontamento 1977), Capital, sindicatos, gestores (São Paulo, Vértice, 1987), Labirintos do fascismo (Porto, Afrontamento 2003) e Economia dos conflitos sociais (São Paulo, Expressão Popular, 2007, 2.ª edição).

[9] Vide “O discurso competente”, in: Cultura e democracia: O discurso competente e outras falas. São Paulo, Editora Moderna, 1982, 3.ª ed..

[10] Carlos Nelson Ferreira dos Santos, Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.

[11] Trata-se de um filme brasileiro de 2005, dirigido por Sérgio Bianchi.

[12] Consulte-se, sobre a “pesquisa-ação”, de Michel Thiollent, Metodologia da pesquisa-ação (São Paulo, Cortez, 14.ª edição, 2005).

Ilustrações: telas de Joseph Albers e Mark Rothko.

6 COMENTÁRIOS

  1. Olá,

    Gostaria de parabenizar ao autor – e ao coletivo que compartilha e acompanha as reflexões aqui desenvolvidas – pela coragem de enfrentar um tema que questiona, profundamente, o senso-comum da relação entre acadêmicos e movimentos sociais.

    Uma contribuição que pode ser assinalada, no sentido compartilhar experiências outras que não simplesmente reproduzem tal relação nefasta, é a do grupo argentino (acadêmico e não-acadêmico) “Iconoclasistas – Laboratório de Comunicação e Recursos Contra-Hegemônicos de Livre Circulação” – http://iconoclasistas.com.ar/

    Não vou ficar aqui apresentado o trabalho deles – que pode ser conferido no sítio aqui assinalado. Com instrumentais e conceitos como o “Mapeo Colectivo” e “Cosmovision Rebelde”, dentre outros, é uma experiência que vale, e muito, a pena de ser conhecida – inclusive pela contribuição que hoje eles apresentam e constrõem coletivamente para os movimentos autônomos populares da Argentina.

    Abraços.

  2. Fiquei encafifado com as imagens utilizadas ao longo do artigo (Albers e Rothko, não?). Se possível, pediria um comentário do autor ou do pessoal do Passa Palavra sobre o porquê dessa seleção.

    Grande abraço.

  3. Caro Victor
    A escolha das ilustrações deste artigo foi da exclusiva responsabilidade do Passa Palavra.
    Albers e Rothko partiram de uma ideia plástica semelhante, quadrados ou rectângulos dentro de outros quadrados ou rectângulos, mas trataram-na de maneira muito diferente. Albers usou cores homogéneas e linhas geométricas; Rothko usou manchas coloridas não homogéneas e de contornos imprecisos. Ora, o artigo discorre acerca de dois tipos distintos de actuação prática por parte de pessoas pertencentes às mesmas entidades académicas. Em ambos os casos, no artigo como nas ilustrações, existem duas maneiras de conceber o mesmo elemento de partida.
    Parece-nos um bom sinal que as ilustrações deixem os leitores perplexos, porque a perplexidade leva à reflexão, tanto sobre o texto como sobre as imagens.

  4. Aconselho todos os que lerem este excelente artigo a lerem também
    http://passapalavra.info/?p=29493
    e meditarem e ouvirem as entrevistas em áudio. A situação relatada num artigo ajuda a entender o enquadramento teórico efectuado pelo outro artigo.

  5. O artigo esclarece alguns perigos da militância de “acadêmicos” em movimentos sociais. A meu ver o mais importante é o de cair num dirigismo, mesmo sem o querer. As pessoas na nossa sociedade tendem a ser passivas (a não ser que ocupem cargos que exigem ser ativos, cargos de direção, chefias, etc.), e nos movimentos sociais isto não é diferente. Embora só o fato de estarem em uma ocupação já demonstra uma ação. O perigo que é possível imaginar é que na divisão de tarefas, aquelas que exigem um maior conhecimento teórico/acadêmico, como por exemplo a elaboração de um texto, caia nas mãos destes acadêmicos, pro conveniência… Onde havia uma oportunidade para desenvolvimento mútuo, existe então divisão social do trabalho rígida.
    Um outro problema também interessante, que em parte dialoga com a questão e em parte se afasta, é a da questão psicológica (frustrações, medos, desejos) tanto destas acadêmicos, como dos moradores de base, e da relação entre eles. o “Stress” e o clima pesado são cotidianos em ambientes de ocupação, como refletir e tratar destes de forma a impedir traumas e mágoas, ou mesmo o desenvolvimento de problemas psíquicos?
    Enfim, o texto é riquíssimo, aqui são apenas alguns comentários que trago para o debate…

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