Ocupações urbanas: a solução possível

É o momento de nos concentrarmos em uma solução negociada para as famílias sem-teto de Belo Horizonte, que se encontram sob a ameaça de despejo. O despejo não é uma solução razoável, socialmente justa e moralmente aceitável. É necessário romper com os fundamentalismos que obstruem a construção de uma proposta que considere, sobretudo, o destino das centenas de famílias que hoje moram e constroem as ocupações Dandara (Céu Azul), Camilo Torres e Irmã Dorothy (Barreiro).

É fundamental alcançar soluções objetivas, que considerem a responsabilidade de cada agente político envolvido no conflito. Para tanto, é preciso ter clareza do papel de cada um deles no processo de negociação. Não é momento de perder tempo com pequenas soluções, com discussões intermináveis que nada somam para atender à demanda das famílias sem-teto, hoje em situação de risco em decorrência da ameaça contundente de despejo.

Primeiro: nenhuma solução deve estar separada dos verdadeiros interesses das famílias sem-teto que hoje vivem nas comunidades ameaçadas de despejo. Portanto, o verdadeiro centro da luta em curso é garantir uma proposta de solução que evite o despejo eminente. Não devemos, em hipótese alguma desconsiderar os danos incorrigíveis de um despejo violento que, com certeza, colocará em perigo de vida centenas de pessoas, incluindo crianças e idosos que não possuem condições de se defenderem da truculência da ação policial.

Segundo: cabe aos/as apoiadores/as das ocupações seguir desenvolvendo o valioso trabalho de solidariedade, trabalho este que consiste em divulgar a situação, denunciar a intransigência das administrações em procurar construir uma solução negociada. Os comitês e fóruns de solidariedade possuem a missão valiosa de dialogar com a sociedade, informá-la da situação e procurar e agregar novos apoios em torno de uma proposta de negociação imediata.

Terceiro: o Tribunal de Justiça não deve tratar um problema social desta natureza com soluções jurídicas artificiais. O simples encaminhamento do despejo não resolve o conflito, apenas o coloca em um patamar mais elevado, no qual as soluções são mais difíceis, inclusive com o risco de perdas humanas e danos físicos e psicológicos irreparáveis. Nem o Judiciário, nem o Comando da Polícia Militar de Minas Gerais, tem o dever constitucional de promover massacres em nome da propriedade que, aliás, violava o princípio da função social. Mesmo porque existem outras saídas, envolvendo o Poder Público e suas instituições, que podem de fato atuar positivamente na resolução do conflito.

Quarto; acreditamos que o Estado de Minas Gerais e a Prefeitura de Belo Horizonte devem assumir o protagonismo na busca por uma solução negociada e eficaz para as ocupações de Belo Horizonte. É o momento destes entes federativos e as autoridades eleitas que os dirigem, possuírem a grandeza de tomar para si a responsabilidade na construção de uma solução negociada, pacífica e inteligente. O governador de Minas e o prefeito de Belo Horizonte são responsáveis diretos pelo destino das centenas de famílias prestes a serem despejadas, em razão de decisões judiciais sem amparo constitucional.

As Brigadas Populares vem a público contribuir na construção de alternativas à situação de despejo eminente das comunidades que presta solidariedade, Camilo Torres e Irma Doroty, tendo a clareza que a decisão final caberá ás famílias organizadas.

É necessário ter o senso de prioridade. Para nós, as ocupações localizadas na região do Barreiro/BH (Ocupação Camilo Torres e Irmã Dorothy) são as áreas de maior risco de despejo no presente momento. Policiais do Batalhão de Choque da PM já estiveram no local e possuem um plano de ação de largo alcance para retirar as 277 famílias dessas comunidades em um prazo de 12 horas. Este plano é falho e está fadado a generalizar uma situação de violência de proporções desconhecidas. O principal problema é que ele não prevê nenhuma alternativa digna para as famílias que serão despejadas, as mesmas serão jogadas nas ruas sem nenhuma possibilidade de re-assentamento, nem mesmo de natureza emergencial. Resumindo: até o momento, não foi oferecida nenhuma proposta além de abandonar suas casas com destino às ruas. No dia 15 de fevereiro (terça-feira), exatamente no dia em que recordamos a morte do padre colombiano Camilo Torres e um dia antes do aniversário da comunidade que carrega seu nome, será realizada uma reunião no Batalhão de Eventos da PM (Tropa de Choque), para informar às lideranças comunitárias dos procedimentos que a PM tomará no processo de reintegração de posse. Em todas as ocupações organizadas em Belo Horizonte, esta reunião com o alto comando da PM sempre foi o último ato procedimental anterior a realização do despejo.

Portanto, diante desta situação, as Brigadas Populares reafirmam a necessidade de concentrar todos os esforços para evitar o despejo e proteger os interesses das famílias que moram nas ocupações Camilo Torres e Irmã Dorothy. Ocupações que ajudamos a construir e que hoje se encontram sob a direção do Fórum de Moradia do Barreiro. Prestamos nossa solidariedade e apresentamos a algumas propostas:

1) As áreas onde estão localizadas as ocupações Camilo Torres e Irmã Dorothy são destinadas, dentro do Plano Diretor do Município, ao Distrito Industrial do Barreiro. Os terrenos localizados nestas áreas foram transferidos pelo Estado de Minas Gerais, em 1992, mediante contrato, para empresas privadas que deveriam realizar a instalação de empreendimentos industriais nas áreas em prazo não superior a 24 meses, sob pena de nulidade do contrato de transferência. Porém, as empresas não realizaram nenhum tipo de construção na área, ou seja, sempre especularam com o valor destes imóveis que já foram vendidos a outras empresas, sem respeitar o contrato assinado com o Estado. O caso já foi levado ao Ministério Público que instaurou inquérito, mas não tomou nenhuma medida concreta para que seja declarada a ilegalidade da transferência das áreas públicas para as empresas. Os contratos são nulos de pleno direito por descumprimento de clausula resolutiva!

2) De acordo com o Plano Diretor do Município, somente poderiam ser construídas indústrias na região. No entanto, grande parte das empresas que adquiriram estes terrenos não tem demonstrado interesse em dar tal finalidade à área. Por outro lado, Belo Horizonte, economicamente, possui uma orientação voltada para o setor de serviços, não interessando aos empresários instalar plantas industriais dentro da cidade, principalmente em uma área cuja vocação urbanística é residencial. O resultado é que nem indústrias são instaladas, nem moradias são construídas.

3) A solução possível para acabar com a especulação imobiliária no Distrito Industrial do Barreiro, passa necessariamente por uma mudança do Plano Diretor do Município, que modifique a destinação da área de industrial para residencial. O papel do Governo do Estado de Minas Gerais é declarar a nulidade dos contratos de venda das áreas com aquelas empresas que não cumpriram com a determinação que previa a instalação de indústrias na área do distrito. A outra medida é repassar esses terrenos para a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, para que sejam construídas unidades habitacionais, inclusive dentro do programa Minha Casa, Minha Vida. Cabe à Prefeitura e à Câmara dos Vereadores encaminhar com urgência um projeto de alteração do Plano Diretor do Município, modificando a destinação da área para fins residenciais.

Emergencialmente, o Estado de Minas Gerais deve se pronunciar no processo de reintegração de posse das Ocupações Camilo Torres e Irmã Dorothy, no sentido de expor o não cumprimento dos contratos de transferência dos imóveis celebrados entre a CDI (atual CODEMIG) e as empresas, declarando a nulidade de tais contratos como medida imediata apta a suspender os despejos. Isso demonstra inclusive a ilegitimidade das empresas autoras das ações de reintegração de posse, uma vez que as mesmas não cumpriram com clausula resolutiva do acordo firmado com o Estado de Minas Gerais. Logo, esta atuação do Estado suspenderia de imediato o despejo, e com isso seria possível os demais encaminhamentos necessários à efetivação de um projeto habitacional na área das ocupações. Seria um absurdo o Estado permanecer inerte diante da ilegalidade praticada pelas empresas que receberam às áreas e agora, cerca de 20 anos depois, despejar as centenas de famílias que hoje moram nos terrenos que estavam completamente abandonados. O povo mineiro irá cobrar dos responsáveis.
Nossas reivindicações imediatas são:

1) Abertura de negociação imediata com o Governo do Estado de Minas Gerais, por ser o ente federativo competente para evitar o despejo imediato das famílias das ocupações Camilo Torres e Irmã Dorothy.

2) A suspensão do despejo das Ocupações Camilo Torres e Irmã Dorothy passam pelo pronunciamento do Estado nestas ações de reintegração de posse destas áreas. O Governo deve declarar a nulidade dos contratos firmados com as empresas que transferiram os imóveis para os autores das ações de reintegração de posse, por descumprimento de cláusula contratual que condicionava a transferência dos imóveis à construção de indústrias no perímetro do Distrito Industrial.

3) O Estado deve doar à prefeitura tais áreas, para serem destinadas a programas habitacionais para a população de baixa renda (moradia de interesse social).

4) A Prefeitura de Belo Horizonte, em conjunto com a Câmara Municipal, deve apresentar um projeto de alteração do Plano Diretor, transformando o perímetro Distrito Industrial do Barreiro em uma Zona de Interesse Social para fins de habitação popular, conforme prevê o Estatuto das Cidades. Assim poderá incluí-la em programas de construção de habitação popular e contemplar as famílias das ocupações.

É FUNDAMENTAL UMA AÇÃO COORDENADA DE TODAS AS ORGANIZAÇÕES E APOIADORES EM UMA ÚNICA DIREÇÃO! EVITAR O DESPEJO E CONSTRUIR UMA SOLUÇÃO NEGOCIADA E EFETIVA.

Por uma cidade onde caibam todos e todas!

Belo Horizonte, 14 de fevereiro de 2011.

Brigadas Populares

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