Por João Bernardo

A enorme capacidade recuperadora do capitalismo mede-se, em termos económicos, pela extorsão de mais-valia relativa. Hoje, que as máquinas são capazes de mover forças colossais já não pela manipulação de uma alavanca nem pela pressão de um botão, mas pela simples colocação de um dedo ligando um circuito electrónico, só um capitalismo muito retardatário se interessa pela exploração da mera força muscular. Os operários sempre tiveram cérebro e não se pode trabalhar sem pensar, mas até há poucas décadas atrás os administradores das empresas não se preocupavam com o aproveitamento sistemático da capacidade de raciocínio dos trabalhadores. Henry Ford concebeu até a cadeia de montagem na base da eliminação dessa capacidade de raciocínio. Não penses enquanto trabalhas! — parecia ser este o lema de qualquer boa administração.

puzzle-5Tudo se inverteu depois da crise económica mundial da década de 1970, quando o modelo toyotista se expandiu a todo o mundo. O toyotismo estimula a emoção, organizando práticas rituais que desenvolvem nos assalariados de uma empresa um espírito de grupo que ultrapassa as divisões de classe entre trabalhadores e gestores, e que o capitalismo de Estado chinês soube aproveitar, rentabilizando a herança maoísta. Mas o toyotismo fez muito mais do que isto, e de então em diante os patrões passaram a explorar a capacidade de raciocínio dos trabalhadores, e mais ainda, tiram igualmente proveito da sua inteligência criativa, da afectividade e do entusiasmo. E, não confiando as coisas ao acaso nem à boa ou má vontade de cada qual, os novos sistemas de administração estimulam o exercício da inteligência e o entusiasmo da razão, numa ponta, e, na outra ponta, captam-lhes os efeitos. Qualquer aluno do primeiro ano de uma faculdade de Administração sabe isto, mas os militantes da extrema-esquerda parece que continuam a ignorá-lo.

Este é um site luso-brasileiro, mas como Portugal, coitado dele, anda murcho e com escasso entusiasmo — apesar dos esforços em contrário dos acampados do Rossio — eu vou ilustrar o que geralmente se denomina toyotismo com um exemplo brasileiro. E um exemplo que tem o mérito de ser original.

A Tecnologia Empresarial Odebrecht, TEO, foi sistematizada pelo fundador da empresa, Norberto Odebrecht, e continua a presidir à organização interna da companhia. Foi com este modelo de funcionamento que a Odebrecht cresceu no Brasil e se tornou agora uma das principais companhias transnacionais de origem brasileira, e uma das mais internacionalizadas. A TEO está descrita em numerosas obras de Administração, e escolhi aqui a exposição feita por Moacir de Miranda Oliveira Júnior, professor do Departamente de Administração da Faculdade de Economia e Administração da USP [*].

«A cultura organizacional da empresa, codificada através da Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO), incentiva a predisposição para a participação de experiências, conhecimentos e insights do indivíduo para a coletividade e vice-versa […]». A TEO «incentiva o empreendedorismo interno», escreveu aquele autor, e para isso «delega poder de decisão aos chamados empresários-parceiros, que são colaboradores funcionais com características de empreendedores, responsáveis pela prospecção e consolidação de negócios globais, disseminando informações e conhecimento à rede […]». «Conceitos como codificação do conhecimento existente, gestão do conhecimento, inovação e criação de novo conhecimento fazem parte das estratégias de crescimento internacional da empresa que, entretanto, não podem ser dissociados da figura do empresário-parceiro».

puzzle-1Para que aquela disseminação do conhecimento seja eficaz, a companhia criou fóruns de discussão. «As Comunidades do Conhecimento são ambientes virtuais de troca de conhecimento, por meio de redes computadorizadas». «Dentro da rede mundial do grupo Odebrecht, o conhecimento é articulado corporativamente pelo CIADEN (Departamento de Conhecimento e Informação para Apoiar o Desenvolvimento de Negócios) a partir do conhecimento gerado nos vários projetos internacionais desenvolvidos, que os redireciona às unidades interessadas. Esse compartilhamento se processa através da comunicação direta entre os participantes que procedem de distintos lugares, possibilitando rica troca de experiências, bem como por meio documental. As Comunidades de Conhecimento, um dos fóruns de compartilhamento organizacional, são estruturadas em plataformas de Intranet, e procuram preservar conhecimentos provenientes dos diversos projetos desenvolvidos ou em desenvolvimento na empresa, independentemente se são gerados pelos operários da frente de serviço, ou pelos experts profissionais, preservando, assim, conhecimentos valiosos que propiciam à empresa competências e vantagens».

A companhia instituiu também prémios para destacar «os melhores projetos desenvolvidos pelos vários grupos de projeto da empresa, seja através da reutilização de conhecimento existente, seja na geração de novo conhecimento […]».

E agora, algo de mais importante ainda. «Para a Odebrecht, a transferência do conhecimento segue a lógica da participação colaborativa independentemente de posições hierárquicas».

Chegado a este ponto, peço ao leitor que proceda a um exercício de substituição de palavras, e onde está «participantes» coloque militantes, onde está «operários da frente de serviço» coloque trabalhadores de base, onde está «experts profissionais» coloque dirigentes profissionais e onde está «Desenvolvimento de Negócios» coloque desenvolvimento da luta social. Que imagem de organização resulta desta substituição de termos? Mas existirá hoje na esquerda anticapitalista uma organização assim? Que palavras poderemos colocar em vez de «fóruns de compartilhamento organizacional», «Comunidades do Conhecimento», «Departamento de Conhecimento e Informação para Apoiar o Desenvolvimento de Negócios» e «empresário-parceiro»? Existirão nos partidos políticos de extrema-esquerda e nos movimentos sociais instâncias equivalentes a esses fóruns de discussão, a esse dinamismo criativo interno, a esse estímulo permanente ao uso da razão?

O espírito crítico e o exercício da razão, o gosto pelo debate e o apelo à criatividade foram outrora valores de esquerda, mas hoje só subsistem fora da esquerda organizada. Ora, os grandes empresários estão permanentemente a aprender, fazem-no em todos os lados e sabem aproveitar as lições dadas pela esquerda. E o capitalismo absorve periodicamente muitos dos representantes destacados da esquerda, a ponto de a principal economia emergente ser governada por um Partido Comunista e outra das grandes economias emergentes ser governada por uma burocracia de origem sindical e por políticos criados e formados nos grupos da extrema-esquerda pura e dura. Mas o inverso não se passa e, de cada vez, a extrema-esquerda não consegue aprender com o capitalismo.

puzzle-2Estruturada como está, tanto na hierarquia e no autoritarismo explícito dos pequenos partidos como na hierarquia e no autoritarismo dissimulado — cada vez mais mal dissimulado — dos movimentos sociais, a extrema-esquerda deixa esmorecer o entusiasmo dos momentos de luta. Para preservar essa hierarquia e esse autoritarismo, dando no entanto à base alguma coisa que lhe aqueça o coração, os pequenos partidos da extrema-esquerda sobrevivem pela imposição da disciplina e pela invocação da cartilha. Tristes mecanismos! Correspondem ao que noutra era foi o desprezo de Henry Ford pela inteligência do operário. Por seu lado, os movimentos sociais inventam e propõem místicas absurdas, que, para os dirigentes, têm a preciosa vantagem de adormecer a capacidade da base para o raciocínio crítico e de impedir que quaisquer críticas se tornem públicas.

Estes partidos e estes movimentos sociais terão talvez assim alguma eficácia no combate contra um capitalismo arcaico, mas não conseguirão descobrir e atacar as vulnerabilidades de empresas organizadas como a Odebrecht. Prestem atenção, por favor. Norberto Odebrecht não instituiu uma disciplina interna baseada em textos veneráveis que contêm as verdades fundadoras e anunciam o destino da sociedade. Nem inventou uma mística que transporte os assalariados para o plano do irracional e os ponha todos em sintonia num fuso único. Bem pelo contrário, implantou um modelo organizativo que se esforça por incentivar a capacidade de raciocínio de cada um. Na luta de classes ganham aqueles que souberem mobilizar o raciocínio e não a apatia nem a irracionalidade.

Nota

[*] Moacir de Miranda Oliveira Júnior, «Transferência de conhecimento e o papel das subsidiárias em corporações multinacionais brasileiras», em Afonso Fleury e Maria Tereza Leme Fleury (orgs.), Internacionalização e os Países Emergentes, São Paulo: Atlas, 2007, págs. 226-228.

47 COMENTÁRIOS

  1. Discordo que dentro de uma empresa capitalista qualquer não se mobilize o “irracional” dos trabalhadores ou “colaboradores”, como parece sugerir o final do texto, contradizendo o que havia sido dito explicitamente ao início: “O toyotismo estimula a emoção, organizando práticas rituais que desenvolvem nos assalariados de uma empresa um espírito de grupo”.

    Na luta de classes acho que ganha aquele que consegue mobilizar as duas coisas. A palavra “irracional” tem muito de pejorativo. Mas negar que as pessoas se mobilizam, seja para qualquer atividade, não apenas por motivações ditas racionais, objetivas, é negar a experiência que temos todos os dias em qualquer ambiente, da escola ao trabalho, às marchas, aos movimentos, ao lazer etc.

    Isso não invalida a crítica feita à esquerda no artigo e à sua falta de preocupação com a circulação do pensamento crítico internamente.

  2. Em primeiro lugar, não existe contradição entre o começo e o final do artigo. No começo escrevi que a organização toyotista do trabalho, entre mais aspectos, estimula a emoção dos trabalhadores. No fim escrevi que a Tecnologia Organizacional Odebrecht se preocupa não com o aspecto emotivo mas com o aspecto racional da organização do trabalho. Acrescento agora que o toyotismo também se ocupa, e muito, do aspecto racional, como é sabido, mas talvez a TEO vá ainda mais longe nesse caminho.
    Em segundo lugar, eu não nego que a actividade humana comporta facetas irracionais. Nem vejo como alguém pode negar ou ignorar um lugar-comum que é do conhecimento geral. O que eu escevi no artigo é que recorrer ao irracionalismo como factor de mobilização nas lutas sociais tem como efeito adormecer o espírito crítico e reforçar a burocracia interna dos movimentos. O factor de mobilização, na minha opinião, deve ser o racional, contra o irracional. Acrescento agora que desde há mais de um século tem havido repetidas experiências conscientes de utilização do irracionalismo nos movimentos sociais. Todas elas, sem excepção, deram os mais funestos e trágicos resultados.

  3. No início, eu também achei meio contraditória essa questão. Com esses esclarecimentos, acho que talvez tenha entendido.

    Pelo que eu entendi dessas pelavras de João Bernardo,

    O aspecto emotivo deve, sim, ser estimulado, mas não ao ponto de ser o grande foco da mobilização popular. É apenas algo, secundário, a se juntar ao verdadeiro fator de mobilização, que é o estímulo à racionalidade e criatividade. Assim, o “emotivo” até pode ser estimulado, desde que não suplante o “racional”.

    Seria isso?

  4. Não nutro esperanças de que os partidos e os grupusculos hierarquizados da extrema esquerda venham a estimular genuina e sistematicamente a criatividade das bases. Que se vayan todos! No entanto, vejo a proliferação de movimentos que se mobilizam e trocam informações pela internet sem prestarem tributo à hierarquias; vejo softwares e hardwares livres serem desenvolvidos colaborativamente com tanta ou maior eficacia do que o fazem os capitalistas; vejo a wikileaks desferir um golpe contra a realpolitik estatal e a maior enciclopédia jamais imaginada ser construida, tudo isso com base na cooperação. A esquerda – ou o nome que queiramos dar aos protagonistas destas praticas – esta a retomar algumas das suas raizes. Acho que o desafio maior é trabalhar para que esse conjunto de praticas dispersas possa se articular em um projeto de sociedade em que elas sejam generalizadas. Parabéns pelo artigo, João!

  5. Prezados,

    Com este artigo me ocorre uma questão interessante. Concordo bastante com a teoria de que a luta dos trabalhadores é que move o capitalismo, o que significa que o toyotismo é uma apropriação feita pelo capital, das formas organizativas desenvolvidas pelos trabalhadores em luta, especialmente de fins dos anos 1960 e 1970. Em vários artigos de administradores podemos ainda encontrar referências ao modelo de produção do socialismo na Iugoslávia como fonte inspiradora do toyotismo, apesar de não estar seguro, nesse caso, do ponto em que as lutas dos trabalhadores foram capturadas, provavelmente isso ocorreu já dentro do regime titoísta.

    De qualquer forma é difícil entender como a esquerda pode ter perdido essa característica organizativa que havia sido importante a ponto de transformar o processo de acumulação capitalista de uma forma tão completa que hoje não encontramos mais essas características de forma geral nas lutas sociais.

    O que é ainda mais estranho se pensarmos que nas lutas sociais essa cooperação poderia ser autêntica e não um instrumento de manipulação a serviço do capital, onde a construção coletiva é sempre apropriada de forma a gerar mais-valia. Nesse sentido as práticas que fomentam o espírito crítico e a razão deveriam ser de implementação mais fáceis nas organizações em que não há uma hierarquia pré-estabelecida como nas empresas.

  6. A propósito do que escreveu Outro Leitor, parece-me conveniente distinguir entre emoção e irracionalismo e, sobretudo, parece-me imperioso não confundir a psicologia, que tem um âmbito individual, com as atitudes colectivas. Houve uma época em que a generalidade dos historiadores usava um modelo que pressupunha a semelhança entre a evolução das pessoas e a transformação das sociedades, e mencionavam então a infância, a maturidade e a velhice de uma sociedade. Hoje isto não se faz mais na história, mas faz-se na psicologia social, que transporta para os grupos humanos modelos que só têm validade nos indivíduos. Seria bom que os adeptos de esquerda da psicologia social estudassem a obra de Gustave Le Bon e dos numerosos políticos que por ele foram influenciados, para verem onde essas ideias inevitavelmente levam.
    Tudo isto para dizer que a emoção é uma componente indispensável dos seres humanos e todos a têm, não faz mal a nada nem a ninguém. Outra coisa muito diferente, e situada noutro plano, é a elaboração de práticas rituais destinadas a consolidar uma identidade colectiva num quadro irracional e não racional. E o elemento que eu uso para distinguir estas duas esferas é a presença ou ausência de espírito crítico. Chegando à questão de viés. Não é interessante que as organizações de extrema-esquerda e uma tão grande parte dos militantes detestem a ironia ou nem sequer a entendam? É que a ironia é uma forma hábil de espírito crítico, é o tambor que bate numa cadência diferente e destrói a marcha do batalhão. Por que motivo alguns movimentos sociais tomam como modelo das suas místicas certas cerimónias religiosas e não as conversas de boteco em torno de uma mesa cheia de garrafas de cerveja? Também há espírito de grupo e solidariedade colectiva em torno das mesas de boteco, mas há igualmente ironia e conversas que são um fogo cruzado e não um coro.
    Por aqui chego às observações de Eduardo Tomazine. Penso muitas vezes que quando eu e os autonomistas da minha geração éramos novos, há quase meio século, nunca, nem nos momentos de maior delírio, imaginámos que se pudesse construir uma enciclopédia através de uma colaboração autónoma, horizontal e espontânea. Tudo isso é um colossal avanço, que retoma, sem lhe dizer o nome, o que foi a própria razão de ser da esquerda quando ela surgiu. Mas, que eu saiba, a Wikipedia não requer místicas.
    E partilho a mesma perplexidade de Sig. De 1991 até 1999 dei um bom número de cursos e palestras nos sindicatos da CUT, e mesmo depois disso integrei um grupo de debate num sindicato de telecomunicações, também da CUT. E disse muitas vezes que qualquer empresa toyotista tinha mais democracia interna do que um sindicato. O engraçado é que todos concordavam, os dirigentes sindicais também.

  7. As perguntas, obviamente ainda sem respostas:

    Como é possível explicar esse processo? O que pode ser feito para impulsionar um novo ciclo de lutas que incorporem esses avanços anteriores e os superem com novas práticas? Se impulsionar esse ciclo está fora do horizonte da nossa atividade militante, como pelo menos acumular forças para que isso ocorra? É possível acumular forças mesmo através de processos já mais ou menos burocratizados?

  8. Ao meu ver, a questão por trás da dinâmica imposta pelas empresas capitalistas que se alimentam da racionalidade de seus empregados está na visão de mundo por trás dos planejamentos estratégicos de tais empresas.
    Ao contrário da visão estática e determinística empregada pelos movimentos sociais e partidos da extrema esquerda, que vêem o mundo através de um lupa ideológica e de um materialismo histórico muitas vezes ingênuo e mecanicista, as empresas capitalistas, e principalmente os estudiosos da gestão passaram a compreender um mundo dinâmico e complexo alimentado por agentes autônomos geradores de riqueza.
    Em sistemas complexos, a impossibilidade de prever os resultados das conexões estabelecidas e atribuir relações de causalidade linear, faz com que a melhor estratégia seja se constituir de forma dinâmica e flexível.
    Ao contrário do mundo mecânico influenciado pela física clássica que muito inspirou os pesquisadores do século XIX e início do século XX, as ciências econômicas e de gestão passaram a compreender o mundo através de relações sistêmicas e complexas, o que lhes impulsionou para novos modelos de gestão e planejamento.
    A esquerda precisa aprender com as experiências do capitalismo, e adaptar a estrutura de suas organizações para colher os frutos dessa realidade.
    A luta de classe como é comumente conhecida, e a correlação de forças sociais que caracteriza historicamente a ação da esquerda são visões mais próximas às linhas de montagem fordistas e tayloristas, bem como mais aptas a compreender um mundo baseado na eficiência alocativa de recursos conhecidos e escassos.
    Assim como o capitalismo aprendeu que recursos não são necessariamente previsíveis e escasso, que se criam através da interação livre de agentes autônomos, a esquerda precisa se adaptar a essa realidade e se fortalecer com estruturas flexíveis, mas eficazes, para a geração de luta e controle dos benefícios sociais pela classe trabalhadora.
    As respostas não são fáceis e o artigo de João Bernardo nos trás uma questão importante para pensarmos e incluirmos em nosso planejamento.

  9. Mudando um pouco o enfoque que parece predominar na discussão.

    Se é a luta de classes e a atividade e subjetividade do trabalhador que faz desenvolver o capitalismo, é o capitalismo que aprende e que captura o que se passa. O que faz sentido não é tanto aprendermos com o capitalismo ou com os capitalistas e mais sabermos construir a partir da subjetividade, manifestações e atividades das pessoas, do povo, dos trabalhadores, da multidão (como se queira chamar), sabermos captá-la. Tanto uma organização revolucionária ou progressista tem que saber fazer isso, assim como os capitalistas fazem. A máteria-prima, se é que se pode falar assim, é a mesma.

  10. Sig, e quem mais puder contribuir, gostaria de referências mais diretas onde aparecem confessamente entre os gestores, as influências das lutas autogestionárias das décadas de 50, 60 e 70, sobre as práticas administrativas, a organização da produção e o controle sobre o trabalho. Até o momento só vejo essa relação sendo estabelecida por autores da esquerda (Bernardo, Tragtemberg, etc.). Quando os próprios capitalistas assumem essas conexões, as coisas ficam ainda mais claras, para demonstrar a centralidade da luta de classes no desenvolvimento do capitalismo.

  11. Iraldo,
    O livro de Luc Boltanski e Ève Chiapello, Le Nouvel Esprit du Capitalisme, publicado em Paris pela editora Gallimard em 1999, fornece um estudo fascinante da implementação do toyotismo em França como forma de recuperação das reivindicações e da prática de luta prosseguidas pelo movimento operário posteriormente a Maio-Junho de 1968. Veja especialmente as págs. 249-286 e 362-364. Os autores traçam minuciosamente os caminhos seguidos por esse processo no interior da confederação patronal. Mas se você não souber francês, fica como o suplício de Tântalo.

  12. O livro de Luc Boltanski e Ève Chiapello está traduzido…

  13. Eu encaro o francês, mas se encontrar em português, tanto melhor.
    Obrigado!

  14. Excelente artigo e colocações.
    Gostaria de agregar um exemplo – fruto da minha experiência profissional de 15 anos nas áreas de TI de empresas estadunidenses – ao que o Guilherme Verde colocou (“os estudiosos da gestão passaram a compreender um mundo dinâmico e complexo alimentado por agentes autônomos geradores de riqueza.”): o framework de desenvolvimento de software CMMI.
    Em resumo, a proposta do modelo é implementar uma forma de trabalho (no caso, o desenvolvimento de software) de forma a garantir que os resultados produzidos estejam sempre o mais próximo possível dos objetivos pretendidos pela empresa, com um mínimo de retrabalho (o desenvolvimento de software, para quem não sabe, facilmente cai na situação de produzir elefantes brancos, softwares que ninguem consegue usar depois, ou ao qual ninguem se adapta, etc).
    Essa metodologia se propõe a implantar, gradualmente, atividades de controle ao longo do processo de desenvolvimento, e segundo critérios que é a própria empresa que define quando adota a metodologia (aqui já se pode observar um grau elevado de dinamismo, pois a metodologia é suficientemente abstrata para abrigar qualquer conteúdo, ou seja, práticas diferentes, e específicas de cada empresa). Durante o processo de implementação da metodologia, as empresas vão sendo avaliadas por especialistas de fora, que vão atribuindo graus de maturidade ao processo implementado na empresa. Esses graus vão de 0 a 5, onde 5, o grau máximo de maturidade em desenvolvimento de software, significa que a área de TI, além de seguir todos os controles que vieram sendo agregados em função dos níveis de maturidade anteriores (1 a 4), agora também tem como ponto de controle a própria revisão e alteração desses controles. Em outras palavras, é um grau de maturidade em que a dinâmica de estar sempre adaptando a própria forma de trabalhar passa a ser a regra.

  15. BOLTANSKI, L. e CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2009.

    Mudando de assunto, gostei do texto. Ele nos faz pensar num problema que nós da esquerda temos dificuldade de entender. Sobre o assunto (movimento social e religiosidade), poderíamos mobilizar as idéias de Engels e/ou Bloch sobre as guerras camponesas na Alemanha, mas pensemos num outro exemplo histórico. A Rússia pré-revolucionária.

    George Nivat, em seus estudos sobre o milenarismo russo, retira de diversos autores da literatura (Gogol, Dostoiévski, Tolstoi, Tchernichévski e outros), uma esperança num horizonte histórico mítico. Ele constata que mesmo nos debates entre anarquistas e narodniki, narodniki e marxistas, o horizonte de expectativa tinha algo de místico. “A imaturidade russa, a juventude da Rússia, eram vistas como uma prova de que ela era o melhor laboratório para o futuro”.

    Em resumo, ele demonstra que na intelligentsia russa havia uma espécie de sacrifício de si, de recusa a ação racional que era vista como trivialidade (pôchlost). Parênteses, Albert Camus chamou isso de L´homme révolté.

    Soma-se a isso a imensidão de seitas que existiam pela Rússia: Bezpopóvtsy (vertente dos velhos crentes) e os Khlysty (uma expressão de um comunismo primitivo). Para seus interpretes, eles eram inimigos de qualquer poder (natchálstvo). E os camponeses, a imensa maioria da população russa, cuja religiosidade era também o que os movia contra a tirania. Isso é trabalhado de forma coerente pelos historiadores Moshe Lewin e Orlando Figes. Revolução deveria ser – antes de tudo – livrar-se da opressão secular e permitir-lhes o acesso a terra.

    Mesmo entre os não cristãos, pensemos em Lênin que era um ateu. O historiador ultra-conservador Richard Pipes fala duma espécie de fanatismo nos planos revolucionários de Lênin (ateísmo religioso!). Tomando os devidos cuidados para não ser injusto, Zizek quando teoriza sobre a atitude de Lênin nos meses próximos da revolução e Alain Badiou quando teoriza sobre São Paulo (o apóstolo) comparando-o com um militante (como Lênin), não deixam de fazer algo parecido.

    O resultado já sabemos. Nesse mar de milenarismo, misticismo, irracionalismo, ou algo que o valha, as ditas teorias racionais/ocidentais (marxismo, liberalismo, anarquismo) foram incapazes de fazerem uma leitura sobre o “mítico povo russo”. Coube aos racionalistas bolcheviques inventarem seu próprio misticismo (revolução e contra-revolução, por exemplo, para explicar Kronstadt e as revoltas dos anos 20) e, posteriormente, empilharem corpos diante de sua eficiente e racional política.

    Agora, como ficamos nós. Como podemos garantir uma militância que dê conta das demandas subjetivas dos indivíduos (como bem argumentou o Marco Fernandes em “Luta que cura”), sem que isso signifique mobilizar a apatia e o irracionalismo (como colocou também muito bem o João Bernardo)?

    Não tenho uma resposta, vimos que as noções de racionalidade e irracionalidade se confundem num processo político.

    Mas creio que a primeira coisa a se fazer é evitar trabalhar com categorias como a de “consciência” (já falei um pouco sobre isso há tempos no meu comentário ao texto “Entre o fogo e a panela”). A outra coisa é não cairmos na tentação de querermos criar “místicas” para “atrair” trabalhadores. Como disse um velho amigo meu, o fato de querer “atrair” trabalhadores para uma organização política já é uma declaração de exterioridade em relação a eles. Deixemos isso para as Igrejas.

  16. Só para finalizar, todo o processo a que me referi no comentário anterior é contruído pelos próprios funcionários que depois terão que aderir a ele, nas suas práticas de trabalho do dia-a-dia, de forma que poderíamos caracterizar tudo isso como uma gestão altamente democrática e participativa.
    Frequentemente – embora não fosse o meu caso – os funcionários vão adquirindo um sentido de empoderamento, ou empowerement, que os faz adquirir a sensação de que a empresa está sendo construída por eles mesmos – o que, de certa forma, é verdade. Isso, agregado às eventuais distribuições de bônus por participação nos lucros, e à possibilidade absolutamente real de ascensão na hierarquia, torna difícil, a meu ver, de os convencer a se preocupar com questões que transcendam a própria empresa. A ponto de essas pessoas acharem que o país deveria ser gerido da mesma forma, ou seja, país = empresa.
    A meu ver, não dá para dizer que estas pessoas sejam alienadas: elas me parecem bastante responsáveis pela opção (política) que fazem. Portanto, nunca trocariam salários razoáveis, acrescidos dessa sensação de pertencimento a um grupo, que tem logomarca, e é poderoso (a empresa), por ideais ou utopias. A utopia deles é real e é agora.
    Desculpem se me prolongo bastante nisso, mas considerem como um depoimento.
    Saudações

  17. Olá Iraldo, um exemplo que encontrei mais recentemente é um artigo em uma revista sobre “gestão de pessoas”: http://revistamelhor.uol.com.br/textos.asp?codigo=12272

    Nesse artigo uma consultora empresarial cita a Iugoslavia como modelo de compatibilização da democracia com a produção industrial e o dono de uma indústria química fala sobre a importância de ter pessoas de movimentos sociais em sua empresa, pois estes colocam o “coletivo” acima do individual.

    Acho que se dá para usar como exemplos do que estávamos discutindo…

  18. Para contribuir com o debate

    Entendo que o artigo aponta para uma crítica ao modo pelo qual as organizações de esquerda estruturam as suas organizações internas e a eficácia disso em apresentar uma nova forma de controle e comando realmente igualitário sobre a sociedade. Mas vale lembrar, com relação específica a Odebrecht e a Camargo Correa, que na prática a teoria é outra e o exemplo mais cabal disso é que está acontecendo em Jirau. Falar que existe uma proposta de integração horizontal dos trabalhadores é simplesmente esquecer que essa empresas estão fazendo cativeiro privado de alguns trabalhadores que supostamente participaram da rebelião em Jirau.

    E não podemos esquecer que um canteiro de obras com trinta mil trabalhadores não é propriamente o antro da mais valia relativa. Só pra ter um parâmetro, a construção de Brasília inteira teve a participação de cerca de 50 mil trabalhadores da construção civil e apenas uma obra está com esses 30 mil trabalhadores manuais da construção civil.

  19. Na moral, que artigo mais rasga seda, puxa saco, comprado, este aí! Sou apartidário e minhas concepções de mundo são “esquerdistas”, porém, minhas participações em grupos de ideologia anti-capitalista, coletivos, sindicatos, movimentos sociais, me dizem e me comprovam o contrário das suas palavras JOão Bernardo. Vejo q os irracionais são vcs, conservadores, caretas e direitistas de meia tijela.

    Digo mais: a tal da Odebrecht (ou Tecnologia Empresarial Odebrecht – TEO – como queira…), aqui pelo sul da bahia, tem executado alguns muitos projetos, mas todos eles deixam rastros de desmatamentos; compras de áreas colossais de preservação ambiental; construções que mais fecham os portões para as comunidades locais do que abrem espaço (e q vc só entra com identificação e permissão superior); e falta de envolvimento maior com a região em que habitam. Falo do que sei, a parte sobre a forma de trabalho interno na qual vc explicitou eu não comento, pois não sei sobre o funcionamento real da empresa.

    nem tudo é lindo o quanto parece…

  20. A esquerda deveria se organizar seguindo o modelo de empresas capitalistas? E deveria fazê-lo para ser uma “esquerda moderna”?

    O JB esquece que, SIM, a ex-esquerda institucional se organiza como empresa privada, no sentido de que busca lucros. E foi essa mesma esquerda oportunista que lançou as idéias-força de uma esquerda “modernosa”, pragmática, sem ideologia. Supostamente acima dos “preconceitos e paixões ideológicas”, essa pseudo-esquerda pode usar todo o seu raciocínio e recursos para perseguir a única paixão que ela considera digna, o seu próprio interesse privado. Torna-se, então, idêntica à direita… É isso o que se propõe?

    Engraçado, quando passo em frente a uma obra da Odebrecht, a ultima coisa que eu vejo são “trabalhadores criativos”. Vejo, isso sim, muitos operários trabalhando manualmente, duramente, utilizando ferramentas ou operando máquinas, sob a direção de algum capataz ou engenheiro. Onde está o tal “capitalismo cognitivo e criativo”? Restringe-se a uma fina camada de tecnocratas privilegiados pela educação e pelas oportunidades de emprego.

    A Odebrecht pode ter zilhões de discursos bonitinhos. Todas as grandes empresas os têm. Mas o fato universalmente reconhecido é que ela enriqueceu à partir das suas conexões políticas, pois a esmagadora maioria dos seus negócios são contratos com obras públicas, e, ainda por cima, boa parte deles com suspeitas sérias de superfaturamento e outras irregularidades?

    É esse o modelo organizacional que prega o JB? Então ele têm todos os motivos para se alegrar, pois é exatamente o que os ex-esquerdistas que estão no poder fazem!

  21. Geralmente os comentários de Matheus não me merecem resposta, sobretudo por duas razões. Porque ele lê mal e argumenta contra o que o texto não diz. E porque faz deduções a partir das teses do autor e depois atribui ao autor as deduções que fez. Neste caso quebro a regra do silêncio. Em qualquer livraria, em qualquer biblioteca e mesmo na internet, Matheus pode encontrar os livros e os artigos que desde há muito tempo tenho escrito acerca das lutas sociais e das suas formas de organização. O que está nesses textos não resulta só — nem possivelmente sobretudo — do meu trabalho de pesquisa nem do meu trabalho académico, mas de meio século de militância anticapitalista, em várias condições, em vários países. Não sou eu que «esqueço», é Matheus que ignora e, como é hábito nos seus comentários, investe sem saber. Deixo Matheus onde ele deve ficar e passo aos leitores que eventualmente se interessarem por este artigo.
    Este artigo é um apelo irónico a abandonar formas de luta arcaicas. E é um alerta sério a respeito da sedução que o irracionalismo exerce sobre muitos militantes e sobre alguns movimentos. Desde Georges Sorel que o irracionalismo, quando foi tomado como inspiração do movimento operário, levou exclusivamente ao fascismo. Esta é a preocupação central do artigo.
    As grandes empresas organizam-se hoje, em todo o mundo e o Brasil não é excepção, mediante formas de trabalho que estimulam o raciocício dos trabalhadores. Esta tem sido uma fonte inesgotável de extorsão de mais-valia. E não podemos lutar contra esta forma de organização capitalista se não empregarmos também a arma do raciocínio. Um escritor e activista político do século XIX, Karl Marx, entendeu claramente que os trabalhadores lutam contra o capitalismo com as armas que são forjadas nesse mesmo capitalismo, e colocou esta dialéctica no centro das contradições do sistema. É isto.

  22. João Bernardo, para variar, começa com um ataque pessoal contra mim, um apelo para que os seus fãs não acreditem no que o malvado Matheus fala. Bem, isso é uma ótima desculpa para não responder a objeções que põem as suas teses em xeque, pois é muito mais fácil lidar com adversários anônimos e caricaturizados (a tal da “esquerda latinoamericana”, especialmente a brasileira, que o JB acusa à vontade de fascista, arcaica, antiamericana, totalitária, etc., o que me dá a impressão de que a imagem da “esquerda brasileira” que ele possui têm como fonte da revista Veja, conhecida por suas posições simultaneamente fascistóides e anglófilas).
    Ora, se você fizer acusações, especifique. Qual é o diabo de acusação que eu fiz, que não estava no seu texto, ao menos implícita? Sinceramente, se você põe as premissas e outra pessoa deduz, o erro não foi de quem deduziu, foi de você, que colocou premissas e depois não quis retirar delas as consequências necessárias.
    Vejam este “flagrante delito” como exemplo: “As grandes empresas organizam-se hoje, em todo o mundo e o Brasil não é excepção, mediante formas de trabalho que estimulam o raciocício dos trabalhadores. Esta tem sido uma fonte inesgotável de extorsão de mais-valia. E não podemos lutar contra esta forma de organização capitalista se não empregarmos também a arma do raciocínio.”
    Qual é a conclusão implícita? Que a esquerda deveria se organizar como uma empresa capitalista (fique tranquilo, pois o PT já faz isso há uma década!).

    A tese do “capitalismo cognitivo”, foi muito divulgada por Antonio Negri, Michael Hardt, Domenico De Masi e por um batalhão de ideólogos da tecnocracia neoliberal. Está presente, parcialmente, em livros didáticos para o ensino médio de geografia e história, e no discurso jornalístico que fala da “flexibilidade” e “competitividade”, e (grande novidade!) estigmatiza a esquerda como “arcaica” e “antiamericana”, e elogia a centro-direita como “esquerda moderna”. Tudo isso é clichê, todos já ouviram tanto estes bordões que não duvido em nada que muitos acreditem. Em termos objetivos, porém, não se consegue falar de muita coisa além alguns pontos:
    -redução da força de trabalho no setor industrial e aumento no setor de serviços (principalmente na indústria cultural, finanças, telecomunicações, turismo, e, na América LAtina, uma assustadora hipertrofia de serviços informais), proporcionalmente.
    -desemprego estrutural, subemprego em massa e precarização do trabalho em geral.
    -aumento da produtividade do trabalho (embora estes ganhos sejam muito inferiores àqueles que corresponderam à introdução do taylorismo e do fordismo), por meio da robotização e informatização.
    Quanto ao resto – o tal “capitalismo cognitivo/criativo/imaterial/pós-moderno” – quando não é uma completa farsa, se restringe a uma finíssima camada de “novas classes médias”, profissionais liberais ou assalariados altamente instruídos, especializados e privilegiados. O que os estudos menos sério vêm fazendo é generalizar esta situação para o conjunto dos trabalhadores assalariados e acreditar piamente em todo o discurso empresarial sobre seus “métodos de gestão”. Os estudiosos mais sérios não negam as mudanças trazidas pelo toyotismo, pela informática e pela robótica, apenas demonstram que a realidade da imensa maioria dos trabalhadores é o trabalho precário, cujo pradigma é o operador de telemarketing.
    E preste atenção, eu concordo que é necessário combater o irracionalismo dentro da esquerda, apelar para a racionalidade, “empregar a arma do raciocínio”. O que eu critiquei foi a compra en bloc deste discurso empresarial de “tecnocracia criativa”, de “soft capitalism”, em boa parte falso, pois generaliza a situação de uma dúzia de tecnólogos privilegiados para o conjunto do proletariado, para o qual a regra têm sido o desemprego, o subemprego e o trabalho precário. A Odebrecht, como toda a alta burguesia brasileira, enriqueceu principalmente à partir da socialização dos prejuízos, tradição da elite brasileira desde o Convênio de Taubaté, por suprexploração do trabalho e por pura e simples corrupção. É esse o seu modelo para a esquerda brasileira?
    Se for procurar um modelo racionalista de organização para a militância socialista, o mais óbvio será o centralismo democrático proposto por Vladimir Lênin, que é muito mais fiel a Marx, que, coitado, deve estar se revirando na tumba por dizerem que para ele o ideal do movimento socialista era copiar as formas de organização interna da empresa capitalista.
    Só que a sua resposta trouxa até mais pontos a objetar. O “irracionalismo na esquerda” vêm de Sorel? A culpa do fascismo é de Sorel? Engraçado. O irracionalismo que eu vi foi principalmente da centro-esquerda, bêbada de “pós-modernismo”, relativista e culturalista ao extremo. A maior parte da esquerda sequer sabe quem foi Georges Sorel, e, além disso, o erro histórico da esquerda foi o positivismo implícito no “marxismo” tanto da socialdemocracia quanto do stalinismo. A deriva para o irracionalismo é muito recente. E essa de culpar Sorel pelo fascismo parece até piada: “Desde Georges Sorel que o irracionalismo, quando foi tomado como inspiração do movimento operário, levou exclusivamente ao fascismo”, cito-o aqui para o JB não fingir que não escreveu isso. São duas falácias implícitas: uma, a “falácia da origem” ou redução às fontes, que transforma o fascismo em “soreliano”; outra, que o fascismo é uma “consequência prática” da filosofia de Sorel (e, PORTANTO, do anarcossindicalismo, do qual Sorel foi o mais brilhante teórico). Sorel não era um “irracionalista”, mas Gramsci já criticou alguns aspectos de Sorel que poderiam ser levados ao irracionalismo (cf. O moderno príncipe, logo no início, crítica da idéia de “mito político” e “paixão-ilusão”). Eu poderia chamar isso de “método João Bernardo de história intelectual”, pois o raciocínio falacioso é o mesmo daquele infeliz ensaio em que a teoria da dependência à reduzida ao nacional-desenvolvimentismo, este aos teóricos do CEPAL, estes à obra de Prebisch, e esta à obra de Manoilescu (heterogeneidades dentro de escolas de pensamento e multiplicidades de fontes devem ser covenientemente esquecidas). Ei, por que parar aí? Manoilescu deve ter lido Adam Smith…e, no início, teremos Aristóteles, que leu Platão.
    Enfim, meu caro João Bernardo, se você não gosta de objeções e críticas em tom sarcástico, poderia nomear com clareza quem são estes interlocutores, supostamente a “esquerda brasileira”, de quem você constrói uma caricatura grotesca e ridícula, para depois destruí-la facilmente, com argumentos óbvios (e alguns absurdos). Isso sim é um método de argumentação dos mais criticáveis.

  23. Matheus, você tem certeza que LEU o texto? João Bernardo, em momento algum, afirma, propõe, pressupõe, dispõe, interpõe – pode conjugar qualquer outro verbo de seu gosto – que a esquerda se organize como uma empresa capitalista! Além disso, Bernardo NÃO comprou a ideia do “soft capitalism”1 Muito pelo contrário! Além disso, quem disse que Bernardo reduziu o fascismo a um fenômeno soreliano, Matheus, foi você! Tenha dó! Você está brigando com o espelho.

  24. E agora se prepare, Tânia, porque você ousou passar na frente do espelho…

    Agora o reflexo – do mesmo espelho! – deverá se voltar contra você. Atrás dele, ao fundo…

  25. Interessante! Com tantas cabeças pensando o capitalismo, quer dizer, a barbárie, quer dizer, o escravismo moderno, ou melhor, a escravidão tecnológica, todos tão inteligentes, tão bem formados na educação e cultura selvagem que, aparentemente, todos perderam a inteligência, só restanto a razão, a razão do capital democrático e judaico cristão. Agora, quem, a começar pelo autor, terá coragem de confessar seus interesses privados e egoísticos na manutenção dos sistema? A isso, a psicanálise denomina dissociação psicótica. Todos cegos, conduzindo cegos e, em terra de cegos, dizia o maestro Zé Gomes: quem tem um olho enxerga sózinho e tome cuidado para que não desconfiem de você (Saramago, a mulher do médico) pois estarão prontos, unidos, para lhe conduzir ao Gólgota, mais uma vez.

  26. Matheus fugiu da aula de lógica. Ele escreve:

    “Vejam este “flagrante delito” como exemplo: “As grandes empresas organizam-se hoje, em todo o mundo e o Brasil não é excepção, mediante formas de trabalho que estimulam o raciocício dos trabalhadores. Esta tem sido uma fonte inesgotável de extorsão de mais-valia. E não podemos lutar contra esta forma de organização capitalista se não empregarmos também a arma do raciocínio.”
    Qual é a conclusão implícita? Que a esquerda deveria se organizar como uma empresa capitalista ”

    Vamos por partes.
    Premissa 1: Empresas capitalistas estimulam o raciocínio dos trabalhadores para extorquir mais-valia.
    Premissa 2: Não se pode lutar contra a organização capitalista (as empresas capitalistas) sem a arma do raciocínio.

    De onde Matheus conclui que o autor propõe que nos organizemos como empresa capitalista (uma contradição com o que as premissas dizem).

    Não, o autor propõe o que ele diz, que assim como as empresas capitalistas usam o raciocínio dos trabalhadores, para lutarmos contra elas também devemos estimular o raciocínio. Mais simples não poderia ser.

    Segundo a inusitada lógica do Matheus não devemos pensar uma vez que que os capitalistas pensam, pois de outra forma estaremos sendo nós capitalistas!!!!!

  27. Boa Leo Viniicus…. desmascarou o sofista!
    Também percibi esse deslize na lógica do leviano Matheus, que você revelou muito bem. Parabéns!

  28. A esquerda já é uma empresa capitalista… é apenas uma empresa ineficiente, com dificuildades pra competir, pelo menos a “extrema”…

    A extrema é tipo a pequena burguesia, traz umas boas ideias pra renovar o jogo e é ceifada periódicamente.

  29. Gostaria de saber o que entende por extrema esquerda. Essa denominação está tão desgastada pela mídia que precisa ser conceituada por aquele que escreve um novo texto.

  30. Tânia,
    Em textos que não sejam académicos procuro usar a linguagem corrente e empregá-la nas acepções comuns. Chamo extrema-esquerda aos partidos, grupos e movimentos situados na oposição àquela esquerda que ocupa o governo. Quando preciso de distinguir melhor nessas águas turvas, falo de anticapitalistas, o que exclui aqueles que de uma forma ou outra defendem o capitalismo de Estado.

  31. “(…) Nem inventou uma mística que transporte os assalariados para o plano do irracional e os ponha todos em sintonia num fuso único.”
    Da minha experiência de 20 anos de trabalho na área de informática em empresas multinacionais (Citibank, EDS), não estou tão certo que o “misticismo” seja assim tão descartado pelas empresas capitalistas: se por um lado, de fato, elas aderem crescentemente a “modelo[s] organizativo[s] que se esforça[m] por incentivar a capacidade de raciocínio de cada um” (como, inclusive, o modelo a que me referi em dois comentários anteriores que fiz aqui), por outro lado, não consigo deixar de pensar em “mística” quando me lembro da forma com que se engajam (mobilizam) os funcionários na adoção dessas práticas – um verdadeiro bombardeio comunicativo de frases feitas, idéias simplórias e apelativas ao trabalho em grupo e à coletividade (no caso, a empresa), etc.
    Carrego vívida na memória essa sensação de mística (que para mim sempre cheirava a mistificação).
    Será que uma mobilização, seja ela qual for, pode realmente prescindir de místicas?

  32. Gustavo,
    Agradeço o seu contributo. Mas recordo uma passagem do artigo: «O toyotismo estimula a emoção, organizando práticas rituais que desenvolvem nos assalariados de uma empresa um espírito de grupo que ultrapassa as divisões de classe entre trabalhadores e gestores, e que o capitalismo de Estado chinês soube aproveitar, rentabilizando a herança maoísta. Mas o toyotismo fez muito mais do que isto, e de então em diante os patrões passaram a explorar a capacidade de raciocínio dos trabalhadores […]». Aliás, posso acrescentar aqui, para quem não o saiba, que existe uma semelhança formal muito grande entre os catecismos e os manuais de administração destinados aos baixos gestores.
    Mas neste artigo eu pretendi chamar a atenção para o facto de as empresas lucrarem, e muito, com o aproveitamento da capacidade de raciocínio dos trabalhadores. Isso permitiu ultrapassar a crise do fordismo e desde então tem sido uma fonte inesgotável de mais-valia relativa. Enquanto que a estrutura hierárquica derivada do blanquismo e do leninismo tem como condição não estimular o raciocínio das bases dos partidos.
    De qualquer modo, creio que a generalidade dos leitores entendeu que este artigo é irónico e que as «místicas» a que me refiro são certas práticas em uso, com este nome, nos mais importantes movimentos sociais.

  33. Tânia, em primeiro lugar, obrigado por debater honestamente, isso está se tornando praticamente proibido neste site.

    A primeira objeção – se o JB realmente quis dizer que para ele o modelo de organizaçõa para a esquerda é a empresa capitalista -, eu respondo simplesmente mostrando que, depois de reproduzir toda a ideologia do “capitalismo cognitivo”, ao descrever a suposta “cultura organizacional” da Odebrecht, ele diz:

    “Chegado a este ponto, peço ao leitor que proceda a um exercício de substituição de palavras, e onde está «participantes» coloque militantes, onde está «operários da frente de serviço» coloque trabalhadores de base, onde está «experts profissionais» coloque dirigentes profissionais e onde está «Desenvolvimento de Negócios» coloque desenvolvimento da luta social. Que imagem de organização resulta desta substituição de termos? Mas existirá hoje na esquerda anticapitalista uma organização assim? Que palavras poderemos colocar em vez de «fóruns de compartilhamento organizacional», «Comunidades do Conhecimento», «Departamento de Conhecimento e Informação para Apoiar o Desenvolvimento de Negócios» e «empresário-parceiro»?”

    Pronto, toda a questão da organização é reduzida a substituír termos em manuais de Gestão de Recursos Humanos e a comprar toda a propaganda da empresa capitalista, que diz de si mesma que é criativa, dinâmica, etc., ignorando em tudo o que essa corporação é na prática.

    Sendo assim, a segunda objeção, que o JB não teria comprado a idéia do capitalismo cognitivo/criativo, acho que toda a apologia da “gestão criativa e dinâmica” da Odebrecht é uma prova de que ele compra, sim, e en bloc, a idéia do capitalismo criativo divulgada pela tecnocracia neoliberal.

    Bem, por ultimo, eu nunca reduzi o fascismo a um “fenômeno soreliano”, foi o JB quem fez isso, e, para variar, generalizou tudo para o conjunto da esquerda, com excessão dele e de seus discípulos, é claro, o ultimo reduto de sabedoria do mundo. A parte do espelho não faz sentido algum. Sou eu quem defendi que a Odebrecht é o modelo de organização para a “esquerda moderna”? Apenas ironizei: sim, ela não só é parceira dos ex-esquerdistas que estão no poder, e lucra muito com isso, ela é também um modelo de como lucrar sobre o dinheiro público… Fui eu quem defendi o capitalismo cognitivo? Fui em quem afirmou que a causa do fascismo foi Sorel? Não, até porque seria o mesmo que dizer que a causa do stalinismo foi Marx. Portanto, não faz sentido falar de “espelho”.

    De qualquer forma, concordo com a sua crítica ao abuso do termo “extrema-esquerda”, simples estereótipo utilizado pela mídia burguesa para estigmatizar, quando não criminalizar, todo protesto político e toda reflexão social. E o que eu estou vendo é que os artiguinhos do João Bernardo estão apenas reproduzindo, com algumas cores pseudoanticapitalistas, tuda a propaganda da mídia corporativa pelo capitalismo liberal.

    O João Bernardo é divertido, pois ele se torna muito engraçado quando contestado. Veja só essa resposta às justas objeções do Gustavo (que relata uma experiência semelhante a que amigos meus que são da área de informática me contam sobre seu trabalho em empresas privadas): “De qualquer modo, creio que a generalidade dos leitores entendeu que este artigo é irónico…”. É como se dissesse: desculpem, meus fãs, eu estava apenas brincando, é para ler tudo ao avesso, o capitalismo cognitivo é apenas um mito divulgado pelas grandes empresas, empresas capitalistas não são modelo para os movimentos sociais e copiar seus métodos de organização é equivalente a criar partidos e sindicatos pelegos, não caiam nessa conversa mole de “esquerda moderna” que o FHC professava antes de chegar ao poder, não generalizem “a esquerda é isso ou aquilo”, pois a esquerda é por demais heterogênea. Se for lido assim, parece realmente muito razoável!

  34. Pelo jeito, Leo Vinícius, apesar do seu tom triunfante, não conseguiu sequer aprender a fazer um silogismo, e já quer me dar lições de lógica.
    Se você diz: “As grandes empresas organizam-se hoje, em todo o mundo e o Brasil não é excepção, mediante formas de trabalho que estimulam o raciocício dos trabalhadores. Esta tem sido uma fonte inesgotável de extorsão de mais-valia. E não podemos lutar contra esta forma de organização capitalista se não empregarmos também a arma do raciocínio”, é mais que óbvio que você está defendendo que se deve tomar a empresa capitalista como modelo de organização, afinal, ela é descrita como “o” método de “estímulo do raciocínio”. Talvez ele esteja usando até mesmo este site como experimento para a sua brilhante tese, pois os artiguinhos aqui lembram cada vez mais aquele jornalismo sensacionalista e reacionário do Brasil. É um belo exemplo de “esquerda moderna” copiando empresas capitalistas.
    Mas é interessante este exercício de DUPLIPENSAR, que leva o Leo Vinícius a, ao mesmo tempo, defender com unhas e dentes a tese do artiguinho do João Bernardo e afirmar que essa tese não é essa tese, que ele quer dizer outra coisa. Continue assim, discípulo fiel!

  35. Não Matheus, o Leo Vinícius não fez uma defesa do modelo de organização da empresa capitalista, mas a defesa de um aspecto, que é o estímulo ao raciocínio.
    Com suas ladainhas fico com a impressão que você se presta somente a se escorar nos nacionalistas brasileiros, mas não entende nada de trabalhadores.

    Os trabalhadores usam diariamente seu raciocínio para a execução do seu próprio trabalho e organização da própria vida. O que ocorre é que o capitalismo moderno percebeu que esta capacidade da força de trabalho é uma fonte infinita de aumento da produtividade.

    Se soubesse qualquer coisa de taylorismo poderia comparar os dois modelos, o capitalista atual e o antigo, e perceber que no segundo o raciocínio e os conhecimentos pré adquiridos dos trabalhadores eram solenemente vetados no processo de trabalho, ao passo que no primeiro a operação é invertida e estes conhecimentos são plenamente utilizados e estimulados.

    Por outro lado, se soubesse alguma coisa de capitalismo (e de história e de passagem do tempo, etc.), perceberia que a penetração do capitalismo não se dá de forma temporalmente linear sobre todos os espaços. É possível que existam vários padrões de acumulação capitalista dentro de um mesmo universo capitalista. Esta diferenciação no padrão de expropriação da força de trabalho Marx diferenciava com os nomes de mais-valia absoluta e mais-valia relativa. Que eu saiba o João Bernardo vem escrevendo sobre estas coisas desde pelo menos a década de 1970 (algo que pelo visto não entrou em seu vocabulário até hoje), mas você é mui marxista, o mais roxo (ou vermelho) de todos!

    A ironia do artigo (ter que explicar a ironia é de lascar!) é entender que enquanto o capitalismo, em sua face mais desenvolvida, organiza os trabalhadores consoante modelos que estimulam o raciocínio, a esquerda, em suas organizações mais importantes, organiza os trabalhadores como se ainda estivéssemos no final do século XIX e início do XX, os excluindo dos processos de decisão sobre a própria luta.

    Por fim, física: o espelho não oferece uma imagem idêntica, mas uma invertida.

    Se estivesse olhando o mundo à sua volta, se tivesse pelo menos prestado atenção às aulas de Física no Ensino Médio, ao invés de ficar se inculcando de teoria obsoleta, televisão, e propaganda, poderia entender que a imagem invertida é você!

    Mas eu não tenho pretensão nenhuma que você argumente sobre o que falei e na verdade espero uma distorção completa do que eu disse, afinal os dogmas não podem ser combatidos pela razão, eles pertencem a outro universo mental.

  36. Matheus não tem lógica mas tem coerência. Se o capitalistas estimulam e usam o raciocínio dos trabalhadores, então para ele não devemos fazer o mesmo, pois seríamos iguais aos capitalistas. Como os capitalistas pensam, ele, colocando sua (i)lógica na prática, não pensa.

  37. Faço parte da organização desde 1975, hoje com 36 anos de experiência não perdemos a essência do conteúdo da TEO, onde em cada colaborador nota-se a diferença comportamental em uma reunião ou em determidade descisão, e espalha por todos os cantos todo aprendizado comportamental e consegue transmitir conhecimentos adquiridos com muita competência e sabedoria. Nosso orgulho vem de uma filosofia de trabalho na confiaça no homem e nos resultados providos pelo mesmo.
    No nosso entorno verifico N empresas copiar ou moldar sua empresas no modelo Odebrecht. Digo sinceramente é muito dificil, pois o tempo de maturação para alcançar o patamar da filosofia de trabalho é longa, e se adquire no ambiente vivido no dia a dia.
    Os livros existem, publicações, conferência etc.
    Captar o necessário que torna dificil seguir o modelo odebrecht onde entrei aos 21 anos de idade com responsabilidade e uma procuração publica nas mão com amplos poderes e uma assinatura, tamanha era a confiaça que Dr. Luiz Batiste e Hamilto rego depositavam na minha pessoa.
    o ORGULHO SEM DUVIDA É NECESSÁRIO E COMEDIDO.
    fRANCISCO iNOCÊNCIO DE cARVALHO fILHO

  38. Por 3 décadas trabalhei numa grande corporação, sendo os últimos 10 anos em sua mais dinâmica subsidiária, onde os resultados não são divulgados por semestre ou trimestre, e sim diariamente.

    Neste artigo de quase 11 anos atrás, já se manifestava um padrão não só neste site, o PassaPalavra, como da quase totalidade da Web: a interdição do debate pela pouca predisposição ao diálogo.

    Minha última missão na empresa, antes de me demitir, foi implantar como método de gestão e avaliação de pessoas o coaching. Então ainda uma absoluta novidade no Brasil.

    O texto deste post ainda é atualíssimo, principalmente no debate que deveria propiciar. Mas como se constata na área de comentários, não foi o ocorrido.

    Embora eu nunca tenha atuado na área de recursos humanos, a gerência na época por mim ocupada, pela peculiaridade de suas funções, exigia um alto grau de interlocução com todas as demais. Por isto fui um dos indicados para fazer o curso de formação, capacitando uma equipe para posterior multiplicação na empresa.

    Entre os motivos da reflexão sobre este artigo não ter se aprofundado na área de comentários, se tem que o autor obviamente odeia ser constestado. Numa demonstração de como pessoas muito inteligentes, cultas e experientes podem apresentar comportamentos irracionais, para dizer o mínimo…

    Claro que minha motivação para o curso não passava de estrito cumprimento de obrigação profissional. Surpresa! Descobri no coaching características muito úteis para qualquer atividade coletiva. Entre outras: gestão participativa, método de resolução de conflitos e avaliação multidirecional (inclusive de baixo para cima).

    Sempre argumentei da necessidade da Esquerda revolucionária conhecer o sistema organizacional das grandes empresas. Não para adotá-los. E sim para também aprender a partir deles. Assim como é indispensável possuir uma contra-inteligência própria.

    Após o curso, na avaliação do coaching na reunião com a Diretoria, assinalei minha incredulidade quanto a sua plena utilização. Eram três os Diretores: Presidente, Operacional e Administrativo (seja lá o que isto for, a não ser um cargo com status a ser preenchido por apadrinhamento político). Eles admitiram ser imparcialmente avaliados por seus subordinados?

    Se quisermos ao menos sobreviver com dignidade aos colossais desafios a nós colocados, precisamos começar reaprendendo a dialogar.

    Conforme ensinou o coaching:

    《 Diálogo não é a conversa entre iguais, mas sim a conversa real e concreta entre diferenças que evoluem na busca do conhecimento e da ação que dele deriva.》

  39. Respondo tardiamente à questão levantada por Flor da Revolta.

    O artigo pode resumir-se em duas linhas: enquanto as organizações de extrema-esquerda continuam a seguir o modelo do taylorismo, as empresas mais produtivas adoptaram modelos derivados do toyotismo. Ora, os múltiplos problemas que a Odebrecht defrontou em nada se deveram às relações de trabalho instauradas na empresa.

  40. A volta da discussão desse artigo me fez lembrar de uma reportagem, mais especificamente desse trecho:
    “Num papo com Lula, Alencar comentou que estava pensando em contratar uma pessoa para lidar exclusivamente com os sindicatos, e pediu uma indicação. “Olha, tem o meu irmão, o Frei Chico.” José Ferreira da Silva, três anos mais velho que Lula, emigrara de Pernambuco para São Paulo junto com ele e toda a família no final da década de 1950. Trabalhara em uma metalúrgica no bairro do Ipiranga, ingressou no Sindicato dos Metalúrgicos e, em 1968, foi responsável pela entrada de Lula na chapa que concorreu à diretoria da entidade. Frei Chico, que tinha esse apelido por causa da careca franciscana, era uma figura popular no sindicalismo. Mas o que interessava mesmo é que, sendo irmão de Lula, isso lhe conferia ainda mais legitimidade para fazer o que a Odebrecht esperava dele.

    Alencar imediatamente contratou Frei Chico como consultor. Era um serviço que ele dominava bem, pois, como disse na época ao executivo, já fizera o mesmo para outras empresas. Sempre que havia insatisfação, reivindicação ou greve em qualquer de suas plantas petroquímicas, a Odebrecht acionava o irmão de Lula, que dava um jeito de se aproximar dos operários – naturalmente sem dizer que estava a serviço da empreiteira. Tanto ele como a direção da Odebrecht sabiam que boa parte das reivindicações em uma greve servem apenas para “engordar a pauta” e dar aos sindicatos margem de manobra durante as negociações. Frei Chico mapeava também essas filigranas e, ao chegar das viagens, dizia a Alencar o que tinha que ser feito para acabar com a greve. Era um arranjo duplamente útil. Além de ter um espião nos sindicatos, a empreiteira colocara o irmão de Lula em sua folha de pagamento.”
    https://piaui.folha.uol.com.br/materia/historia-de-uma-amizade/

  41. 《Na luta de classes ganham aqueles que souberem mobilizar o raciocínio e não a apatia nem a irracionalidade.》

    Não é o raciocínio o alvo principal da política de gestão de pessoas das grande corporações.

    O objetivo é manter em alta a motivação, pois desta decorre a criatividade.

    E sem intuição não há criatividade. E a intuição não se situa na esfera do racional.

    Entretanto, o raciocínio é fundamental para formatar a intuição, conferindo-lhe materialidade.

    O aprendizado da Esquerda com as formas de organização das empresas bem deve começar pelo simples e básico:
    – estrito cumprimento de horário e cronograma.;
    – reuniões com limites de horário respeitados;
    – estabelecimento de metas e responsabilidades;
    – avaliação formalizada de atos e manifestações.

    Também o sistema organizacional empresarial tem suas “místicas”, rituais voltados para fomentar o espírito de equipe e a sinergia.

    Como exemplo: os periódicos cafés da manhã coletivos, nos quais os funcionários participam com contribuições “espontâneas”.

    Por sua vez, as “místicas” nas aberturas dos encontros dos movimentos sociais são evocações da espiritualidade popular sempre presente nas lutas, em especial na luta pela terra.

    《Por que o ser humano tem a capacidade de ir tão longe na resistência? Por que desafiamos todas as forças e todos os limites, para que uma causa coletiva seja vitoriosa?
     Motivar é incendiar as consciências com o fogo da revolução. É pôr vigor nas ações para que elas sejam maiores que a própria força. 》
    Ademar Bogo

    Porém, quase sempre as místicas se dão como mera teatralidade, e não como atualização de experiência vivida. Falta na encenação a potência indispensável para ser atingido o objetivo da mística.

    Já não é o que acontece com os torés indígenas.

    As organizações revolucionárias marxistas, e a Esquerda em geral, sempre relegaram a espiritualidade ao campo do atraso e do irracionalismo, numa incompreensão quanto às formas concretas que as lutas por emancipação assumem nos países colonizados.

  42. Prezado autor,

    Em termos verdadeiramente científicos, a energia nuclear é uma espécie de “suprassumo” no avanço do desenvolvimento das forças produtivas e das condições gerais da produção. Se eu não estiver enganada, “estados amplos e/ou restritos”, tayloristas e/ou toyotistas, em sua maioria, insistem noutras fontes energéticas, o que me parece ser um processo contra a mais valia relativa, contradizendo o próprio sentido do capitalismo. Faz sentido este raciocínio, ou não passa de uma quimera metafísica aqui do além? Qual sua opinião sobre esta contradição das fontes energéticas nas condições gerais de produção?

  43. Alma penada,

    No Purgatório estou eu também, porque a questão que você levanta me deixa perplexo, e desde há muito. Mesmo admitindo que os inconvenientes da energia resultante da fissão nuclear superem as vantagens, por que motivo a R&D não se orientou de maneira decidida para a fusão nuclear? No artigo que encerrou o longo ensaio Contra a ecologia, publicado aqui há quase uma década, escrevi a certo passo:

    «Desde há muitos anos deixa-me perplexo a falta de investimentos suficientes nos projectos de fusão nuclear. Sou avesso às teorias de conspiração, porque tanto na história como na economia aprendi a trabalhar com a noção de processos regidos pela lei dos grandes números e obedecendo a determinações situadas no plano social, alheio à vontade e à consciência individual. Mas neste caso é difícil não pensar que os lobbies do petróleo se activam ainda mais para desviar fundos das pesquisas científicas relativas à fusão nuclear do que para aumentar o pânico relativo à fissão. É certo que a diversificação das fontes de energia, com as novas técnicas que proporciona, se é imediatamente rentável para capitalistas em busca de novas áreas de investimento, a longo prazo pode ser rentável também para os capitalistas ligados a técnicas mais antigas, que procurem assegurar a continuidade dos seus lucros numa época futura. Mas já a entrada em funcionamento de processos controlados de fusão nuclear, aptos a ultrapassar rapidamente em capacidade multiplicadora as fontes de energia hoje industrializadas, implicaria a desvalorização maciça dos capitais investidos nas técnicas precipitadas de súbito para o arcaísmo. Mais estranho ainda é que os ecologistas, tão preocupados com a poluição e outros efeitos secundários negativos, não orientem os seus lobbies em apoio aos projectos de fusão nuclear, que nem é uma energia poluente nem esgota recursos considerados finitos. Tal como o cão que não ladrou, também aqui o silêncio dos ecologistas é o indício mais significativo, porque só pode servir para sustentar a todo o custo o decrescimento económico».

    E logo em seguida perguntei: «Mas como pode o decrescimento ser rentável para capitalistas que, por definição, têm como único objectivo acumular capital e, portanto, fazer progredir a economia?» Foi precisamente essa a questão a que naquele artigo pretendi responder.

    Convém nunca esquecer que o capitalismo é um sistema económico e social altamente plástico, capaz de aproveitar tudo para de tudo extrair mais-valia. Está hoje em moda, em certos meios, afirmar que o capitalismo se encontra numa crise estrutural. E compreende-se que o façam. O Passa Palavra publicou há anos um Flagrante Delito intitulado Certidão de óbito adiada, em que se lia: «O primeiro volume de O Capital, de Marx, foi publicado em 1867. Cinquenta anos depois, em 1917, Lenin publicou O Imperialismo. Fase Suprema do Capitalismo. Passados quarenta e oito anos, em 1965, Nkrumah publicou Neocolonialismo. A Última Etapa do Imperialismo. Já lá vão outros quarenta e oito anos, espera-se para breve a publicação de um livro sobre o derradeiro período da última etapa da fase suprema». Mas os devotos de São Marx fizeram outra coisa, decretaram que o capitalismo está definitivamente comatoso. O capitalismo, claro, não se preocupa nada com isso e continua a prosperar. Num enunciado célebre, Joseph Schumpeter definiu que o capitalismo só progride através da destruição criativa, ou seja, que o progresso no capitalismo implica inevitavelmente crises sectoriais — crises de dados sistemas tecnológicos ou de dadas regiões. Os devotos de São Marx, que têm mais fé do que engenho, confundem a destruição criativa com a crise estrutural, e vão vivendo e morrendo na crença cega de que é amanhã! É já amanhã!

    Aliás, o capitalismo necessita a tal ponto da destruição criativa e tem uma tão grande capacidade de a aproveitar, que consegue tornar igualmente propícias as destruições suscitadas por outros. No mês passado, num comentário em resposta a um leitor, Paulo, eu escrevi, além de outras coisas que aqui não importam:

    «Perante a actual histeria climática, o que me deixa perplexo é o facto de o clima ser o resultado de uma enorme variedade de factores, a tal ponto que a teoria matemática do caos foi fundada precisamente por um meteorologista, a quem se deve a tão conhecida metáfora de que o bater de asas de uma borboleta pode gerar um furacão no outro lado do mundo. Qualquer pessoa que se interesse pela história — mas infelizmente este não é um interesse partilhado pelos ecológicos — sabe que o globo terrestre sofreu alterações climáticas cíclicas de muito longo prazo, algumas até anteriores ao aparecimento da humanidade. Mesmo nos últimos milénios são conhecidas variações seculares ou até a mais curto prazo. Assim, o estabelecimento de uma correspondência unívoca entre a industrialização e o aquecimento global parece-me a priori equivocada.
    «Mas o novo demónio do CO2 é um bem-vindo pretexto para a renovação geral do parque industrial, precipitando a obsolescência tanto de meios de produção como de bens de consumo e exigindo a construção de novas infra-estruturas, enfim, tudo o que é necessário para impulsionar um novo alento do capitalismo. É certo que esta remodelação implica um aumento dos preços e também dos impostos, que são um preço das infra-estruturas, mas as meninas Gretas servem para convencer as pessoas de que estão a pagar para salvar o mundo, e até agora a campanha publicitária tem resultado».

    No final deste arrazoado, tudo o que consigo é clarificar e ordenar melhor as minhas dúvidas, mas longe ainda de ficar com certezas.

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